Consulta à sociedade sobre a atividade de inteligência: proposta
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- Ana do Carmo Casqueira Benevides
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1 Consulta à sociedade sobre a atividade de inteligência: proposta 1. Considerações iniciais José Alberto Cunha Couto A atividade de inteligência, ou de informações, conforme foi tratada no Brasil durante muitos anos, pelas suas características inerentes, reveste-se de elevado grau de sigilo. Os trágicos atentados de 11 de setembro, nos Estados Unidos, apontaram para a necessidade de se rever os métodos de atuação dos órgãos de inteligência não só naquele país, mas no mundo todo. Um serviço de inteligência volumoso, com meios sofisticados e pessoal especializado, não foi capaz de identificar, antecipadamente, a ocorrência de uma tragédia. A experiência sul-americana aponta para serviços de inteligência estruturados sob a égide de ditaduras militares, onde as principais ameaças eram vistas na suposta possibilidade da existência de guerrilhas ou insurgências contra o sistema político vigente. Nessa época, o mundo vivia a bipolaridade Estados Unidos União Soviética e o comunismo era visto como a principal ameaça externa a ser combatida. Hoje, a realidade sul-americana e, principalmente brasileira, aponta para caminhos bem diferentes. Desde o término do chamado regime militar, em 1986, o sistema democrático tem se fortalecido, a realidade política nacional vivencia um período de maturidade responsável e de modelo democrático consolidado. Nesse novo contexto, qual o caminho para uma nova Atividade de Inteligência? O presente trabalho apresenta uma inédita perspectiva de gestão pública, na medida em que propõe uma consulta à sociedade sobre a atividade de inteligência, pautada nos princípios da transparência, da parceria e do controle social da gestão pública. A inovação e o ineditismo ficaram patentes quando, durante a pesquisa para a formatação do modelo de consulta, verificou-se a quase inexistência de experiências anteriores em outros países. Os tradicionais sistemas de inteligência que ainda orientam a atividade mundo afora pautam-se pelo modelo recluso onde a percepção de buscar subsídios junto à sociedade encontra forte barreira doutrinária. Com o modelo criado, pretende-se avaliar como a sociedade vê e o que ela espera de um serviço de inteligência, levando-se em conta a coerência com a realidade nacional e com a percepção de segurança 1 que a sociedade vivencia. O que se busca é o levantamento da melhor maneira, na percepção da sociedade, de como a atividade de inteligência deve ser desenvolvida. Para tanto, a consulta deve ser a mais abrangente possível e dirigida a diferentes segmentos da sociedade, colhendo a opinião e o sentimento sobre uma atividade da maior importância para o Estado. Os principais objetivos da consulta são: - ouvir a sociedade brasileira sobre suas percepções quanto à importância da atividade de inteligência numa sociedade democrática e de como ela deve ser exercida; - a partir do entendimento acima, obter recomendações para o aperfeiçoamento da atividade de inteligência; - garantir que a sociedade brasileira conheça a importância da atividade de inteligência para a tomada de decisão governamental e, assim, incluir efetivamente esse tema na pauta dos debates públicos; - evidenciar que a atividade de inteligência pode e deve ser tratada adequadamente no marco de um regime democrático aberto. 1 Segurança pode ser entendida como uma percepção do Estado, da sociedade ou dos indivíduos, quanto a ocorrências e fatos que influenciam diretamente o seu grau de risco, ameaça ou bem-estar. Essa percepção poderá estimular ou desencadear ações para repelir ameaças, minorar riscos e preservar o bem-estar. 1
2 2. Questionamentos propostos A consulta busca responder, prioritariamente, a cinco perguntas: a. O que a sociedade espera da atividade de inteligência no Brasil? b. Em que áreas a Inteligência brasileira deve atuar prioritariamente? c. Como tornar a atuação do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) mecanismo de intercâmbio de dados entre os órgãos que trabalham em assuntos de interesse da Inteligência mais eficiente e eficaz? d. Como melhorar a capacidade da Inteligência de obter o chamado dado negado, ou seja, um conhecimento de importância vital e que não está disponível? e. Como deve se dar o controle externo sobre a Atividade de Inteligência? Sobre as referidas perguntas, alguns comentários precisam ser feitos. Primeira pergunta: o que a sociedade espera da atividade de inteligência no Brasil? Quanto a esta pergunta, é importante que sejam esclarecidos, de acordo com a legislação vigente 2, dois conceitos importantes. O primeiro deles refere-se à Inteligência que é definida como a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado. 3 O segundo diz respeito à contra-inteligência, como a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa. 4 A fim de serem oferecidos argumentos aos consultados, deve ser esclarecido como essa atividade teve origem no Brasil, seu processo histórico e evolutivo ao longo dos anos e como ela se encontra estruturada nos dias atuais. No Brasil, os primórdios de uma atividade de Inteligência podem ser encontrados na criação, em 1927, de um Conselho de Defesa Nacional, estabelecido pelo Decreto n do Governo do Presidente Washington Luís Pereira de Souza. O Conselho, encabeçado pelo Presidente da República, tinha por fim somente em ordem consultiva, o estudo e a coordenação de informações sobre todas as questões de ordem financeira, econômica, bélica e moral, relativas à defesa da Pátria. Com o final da Segunda Guerra Mundial e o retorno do País à ordem democrática, foi estabelecido o Serviço Federal de Informações e Contra-Informações (SFICI) e que durará até 13 de junho de 1964, quando a Lei n cria o Serviço Nacional de Informações (SNI). A nova retomada da ordem democrática propicia, em março de 1990, a extinção do SNI e a criação do Departamento de Inteligência (DI) no âmbito da nascente Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE). Nos anos que se seguiram, o DI foi subordinado à Secretaria-Geral e posteriormente à Casa Militar da Presidência da República. Em 19 de setembro de 1997, o Poder Executivo encaminha ao Congresso Nacional projeto de lei de criação da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Em 7 de dezembro de 1999, é ultimado o processo de criação de uma nova Agência com a sanção presidencial da Lei 9.883, a qual institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência ABIN, e dá outras providências. (vide anexo 1) Segunda pergunta: em que áreas a inteligência brasileira deve atuar prioritariamente? Hoje não é mais possível efetuar o acompanhamento sistemático de todos os campos de expressão do poder nacional. Acredita-se que a inteligência está vocacionada para atuar 2 Lei n o 9.833, de 7 de dezembro de o do Artigo 1 o da Lei n o 9.883, de 7 de dezembro de o do Artigo 1 o da Lei n o 9.883, de 7 de dezembro de
3 preferencialmente na identificação de ameaças à segurança do Estado, das instituições e dos interesses nacionais, bem como para assinalar oportunidades à ampliação do potencial nacional em áreas específicas, notadamente em ciência e tecnologia. Com a derrocada do comunismo e o fim da Guerra Fria, todos os serviços de inteligência redirecionaram as suas prioridades. Hoje, temas como a exploração ilegal de recursos naturais e a evasão de conhecimentos sensíveis, o terrorismo e as várias formas de crime organizado transnacional são prioridade no primeiro ranking das preocupações. Uma das propostas da pesquisa é colher, da sociedade, as percepções sobre quais áreas devem ser focos prioritários da atividade de inteligência. Atualmente, conforme dados estatísticos da Agência Brasileira de Inteligência, os trabalhos concentram-se mais em levantamentos sobre a conjuntura internacional, em assuntos relacionados a meio ambiente e a organizações criminosas. Para se colher essa percepção, são oferecidas 23 sugestões de áreas prioritárias, conforme descrição abaixo, além da livre indicação por parte daqueles que serão alvos da consulta: - crime organizado, contrabando, narcotráfico, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas e de armas; - terrorismo; - segurança pública; - práticas e redes de corrupção; - espionagem econômica, industrial, etc.; - segurança sanitária e epidemias; - segurança ambiental queimadas, degradação ambiental, contaminação das águas, ar e solo; - exploração irregular de recursos naturais: garimpo, biopirataria, extração de madeiras, tráfico de animais; - desenvolvimento científico e tecnológico; - atividades de políticos brasileiros; - proliferação de armas não convencionais; - delitos informacionais ações de hackers, crimes pela internet, cybers crimes; - movimentos separatistas; - movimentação em áreas de fronteira, entrada e saída de estrangeiros, migrações ilegais, etc.; - questões indígenas; - conflitos fundiários; - atuação de organizações não-governamentais (ONGs); - atuação de movimentos sociais; - comércios internacional, blocos econômicos, instituições econômicas internacionais; - conjuntura interna de países de interesse para o Brasil; - atuação de serviços de inteligência no Brasil; - sabotagem; - violações de direitos humanos. Uma outra questão polêmica, que precisa ser discutida, vem a ser a medida em que seria aceitável que o sistema de inteligência poderia ajudar a defender os interesses comerciais de empresas estratégicas nacionais. À medida que o país se desenvolve e começa a trabalhar com tecnologia e conhecimento sensíveis, passa a ser alvo do interesse e cobiça de empresas internacionais. Tais empresas, principalmente aquelas relacionadas aos materiais de emprego militar, ao lançamento de satélites, às tecnologias nucleares e de transmissão de dados, parecem merecer tratamento privilegiado por comporem um espectro de empresas com perfil estratégico de interesse nacional. Outro campo de real importância, haja vista as características naturais do país, vem a ser a ajuda 3
4 na proteção do potencial de biodiversidade da Amazônia brasileira. 5 Portanto, é importante, nessa consulta, que se colha a percepção da sociedade brasileira sobre esses diferentes aspectos como possíveis campos de atuação da atividade de inteligência. Terceira pergunta: como tornar a atuação do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) mais eficiente e eficaz? É preciso, inicialmente, ter uma noção precisa do que vem a ser o SISBIN e, em particular, das suas principais competências, quais sejam: - integrar as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência no país, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional; - obter, analisar e disseminar a informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como salvaguardar a informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados. De acordo com a definição legal, 6 os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligência, na forma de ato do Presidente da República. O mesmo artigo da Lei definiu em seu parágrafo 1 o que o Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados. Hoje, esse mecanismo de intercâmbio de dados entre os órgãos que trabalham em assuntos de interesse da inteligência está composto por vinte e três diferentes secretarias e departamentos federais, além de representantes das vinte e sete Unidades da Federação. No nível ministerial, conta com representantes da Casa Civil da Presidência da República, do Gabinete de Segurança Institucional, do Ministério da Justiça, do Ministério da Defesa, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Fazenda, do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério da Saúde, do Ministério da Previdência, do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Integração Nacional. O órgão central do Sistema é a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Além desse colegiado, com expressivo número de participantes 7, há ainda o conselho consultivo do Sistema, cuja função básica é a de ser o órgão de coordenação das atividades de inteligência federal. O conselho consultivo é composto por representantes do Gabinete de Segurança Institucional, do Ministério da Justiça, do Ministério da Defesa, do Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Fazenda. Apesar de toda a estrutura apresentada, o Sistema não opera de maneira prática e eficiente e, portanto, uma das propostas da consulta é a de colher subsídios para um aperfeiçoamento do sistema, 5 A floresta amazônica, com uma área de 5,5 milhões de Km 2, é a maior floresta tropical do mundo, estando 60% dela localizada no Brasil (3,5 milhões de Km 2 ). Isso representa 40% do território nacional. A diversidade das árvores na floresta amazônica varia entre 40 e 300 espécies por hectare, enquanto na América do Norte esta variação oscila entre 4 e Art 2 o da Lei 9.883, de 7 de dezembro de A composição atual do SISBIN é a seguinte: Secretaria Executiva e Centro Gestor do Sistema de Proteção da Amazônia (Casa Civil da Presidência da República); Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria Nacional de Segurança Pública, Departamento de Polícia Rodoviária Federal e Centro de Inteligência do Departamento de Polícia Federal (Ministério da Justiça); Centro de Inteligência do Exército, 2 a Seção do Estado Maior de Defesa, Centro de Inteligência da Marinha, Secretaria de Inteligência da Aeronáutica (Ministério da Defesa); Coordenação-Geral de Combate a Ilícitos Transnacionais (Ministério das Relações Exteriores); Conselho de Controle de Atividades Financeiras e Banco Central do Brasil (Ministério da Fazenda); Secretaria Executiva (Ministério do Trabalho e Emprego); Gabinete do Ministro e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Ministério da Saúde); Secretaria Executiva (Ministério da Previdência e Assistência Social); Gabinete do Ministro (Ministério da Ciência e Tecnologia); Secretaria Executiva (Ministério do Meio Ambiente); Secretaria de Defesa Civil (Ministério da Integração Nacional); além de representantes das Unidades da Federação. 4
5 seja na sua composição, seja na sua maneira de operar. Repensar o SISBIN significa ampliar a capacidade de coordenação da ABIN e aumentar a confiança recíproca entre os órgãos integrantes do Sistema. Para atingir esses objetivos, uma das sugestões vem a ser a criação de um centro de coordenação integrado, de natureza permanente, no âmbito do órgão central do Sistema e por este coordenado, com a participação de representantes dos diversos órgãos. Todos os conhecimentos intercambiados passariam por esse centro, tornando mais ágeis e integrados os procedimentos. Para a sociedade em geral, essa percepção de Sistema ainda é a quase imperceptível. Para a maioria das pessoas a assimilação de execução de ações de inteligência é associada exclusivamente à Agência Brasileira de Inteligência, quando, na verdade, a ABIN é tão somente o órgão central do Sistema. Salienta-se que a Lei 9.883, já citada anteriormente, institui primeiro o Sistema Brasileiro de Inteligência para então criar a Agência, como órgão central desse Sistema. Infelizmente, as falhas nessa atuação sistêmica e a falta de integração dos órgãos super dimensionaram o papel da ABIN. A sociedade deve ter conhecimento mais aprofundado sobre esse processo e assim ser capaz de fornecer subsídios valiosos para o aperfeiçoamento do Sistema. Quarta pergunta: como melhorar a capacidade da Inteligência de obter o chamado dado negado, ou seja, um conhecimento de importância vital e que não está disponível? Esta é, certamente, questão central, porquanto, conforme já mencionado, o órgão de inteligência se caracteriza exatamente pela sua capacidade de buscar aquele dado que não está disponível ou que é mantido sob condições especiais de proteção. Novas provisões legais que respaldem a atuação da inteligência são necessárias. Embora os sistemas de inteligência trabalhem na sua maior parte com os dados disponíveis, existe um pequeno percentual que não está disponível e que é de fundamental importância para a produção do conhecimento. As ferramentas existentes para a obtenção desses dados, tais como monitoração de ambientes, a interceptação telefônica, a infiltração de agentes, etc., causam desconforto e desconfiança, principalmente considerando-se que qualquer desvio de conduta de algum agente pode levar a situações embaraçosas e, por vezes, de conseqüências desastrosas. Até que ponto a sociedade admite e vê como importantes ações dessa natureza para a defesa do Estado, é uma das percepções que se tenta assimilar com a consulta. Entre os extremos da total falta de ética quando ações desvirtuadas de seus propósitos comprometem a credibilidade do sistema e violam a liberdade individual e a ética total quando pessoas jamais seriam investigadas em sua intimidade onde deve se situar o procedimento dos agentes de inteligência? Procura-se, ainda, colher a percepção se as ações sugeridas para a obtenção do dado negado devem ser utilizadas dentro e fora do país, com ou sem autorização judicial e, se for o caso, em quais circunstâncias. A legislação vigente 8 não permite o uso das ferramentas anteriormente citadas e na opinião de alguns especialistas tal fato tem se colocado como grande limitador para que a Agência Brasileira de Inteligência possa cumprir em plenitude a sua competência de planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República. 9 No âmbito desta quarta pergunta é importante que seja discutido, também, o perfil do profissional de inteligência. Pelas características peculiares da Atividade, pelo grau de sigilo em que grande parte das operações é desenvolvida, o perfil desse profissional exerce papel fundamental no delineamento do modo de executar as operações. Os critérios de seleção e de formação exigem parâmetros diferenciados da maioria das carreiras. Como estímulo às respostas dos consultados são oferecidos os seguintes parâmetros para que 8 Lei n o 9.034, de 03 de maio de Lei n o 9.883, de 7 de dezembro de
6 sejam destacados em que grau tais atributos são importantes na percepção da sociedade: - Conhecimento da legislação, geral e específica; - Senso de disciplina; - Senso de obediência à lei; - Senso de obediência hierárquica; - Capacidade de liderança; - Capacidade de decisão autônoma; - Domínio das técnicas específicas da atividade; - Capacidade de análise; - Capacidade de avaliar riscos; - Capacidade de pensamento estratégico; - Condicionamento físico; - Equilíbrio psicológico; - Compromisso com princípios éticos. Quinta pergunta: como deve se dar o controle externo sobre a Atividade de Inteligência? Nos dias de hoje, à exceção dos controles de aplicação de recursos orçamentários, o controle e fiscalização externos da atividade de inteligência são exercidos, basicamente, pelo Poder Legislativo, por meio da Comissão Mista de Controle e Acompanhamento das Atividades de Inteligência (CCAI). No entanto, essa sistemática parece padecer de aperfeiçoamento. Existe clara distinção entre o controle técnico e político que possa ser exercido sobre a atividade de inteligência. O Poder Legislativo é mais orientado para exercer o controle político, carecendo de meios para o controle técnico. Apesar das naturais limitações da fiscalização de procedimentos revestidos de elevado grau de sigilo, procura-se, nesta consulta, buscar a percepção da sociedade de como ela analisa e sugere que esse controle seja executado. A título de sugestão estimula-se os participantes da consulta com as seguintes indicações, as quais não devem ficar limitadas somente a esses pontos: - autorização judicial prévia para obtenção do dado negado ; - autorização prévia por órgão do Legislativo, encarregado do controle; - responsabilização judicial posterior; - responsabilização posterior por órgão do Legislativo, encarregado do controle; - controle orçamentário-financeiro pelo Tribunal de Contas da União; - controle das atividades administrativas pelo Ministério Público; - autorização prévia do Presidente da República para obtenção do dado negado ; - controle por um conselho da sociedade civil. Fruto, ainda, de preconceitos e notícias mal veiculadas, existe um verdadeiro temor da aplicação distorcida dos meios colocados à disposição dos serviços de inteligência. O controle externo, eficientemente exercido, parece beneficiar ambas as partes. Os agentes de inteligência poderão sentir-se menos restritos ao exercerem suas atividades, pois qualquer informação veiculada de maneira distorcida poderá ser corrigida pelos canais de controle. Por outro lado, a sociedade sentindo-se segura e amparada pela garantia oferecida pelos meios de controle pode exercer um papel mais pro ativo na execução das atividades de inteligência. Portanto, este quinto questionamento, à semelhança dos demais, reveste-se de fundamental importância dentre as percepções que precisam ser colhidas da sociedade para o aperfeiçoamento do Sistema. 3. Considerações finais Parece ser consenso que os Governos da atualidade necessitam de órgãos de Inteligência capazes de operar dentro e fora do País, com eficiência e respeito às normas democráticas. Em especial, 6
7 as agências devem estar em condições de conhecer as novas ameaças à ordem constitucional que nascem do crime organizado, do terrorismo e de atividades políticas ilegais. Em outros termos, a consulta de que faz parte o presente texto busca sondar a sociedade brasileira para identificar o ponto de equilíbrio que garanta que a atividade de Inteligência será um eficiente instrumento da defesa da ordem constitucional e que pode e deve ser exercida dentro dos parâmetros legais, coerente com os princípios democráticos que regem a Nação. Reitero a idéia de que esta perspectiva inédita de gestão pública conduzida pelo Governo brasileiro pode servir de inspiração para outros países. ANEXO Lei 9.889, de 7 de dezembro de 1999 Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1 o Fica instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência, que integra as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. 1 o O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária. 2 o Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado. 3 o Entende-se como contra-inteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa. Art. 2 o Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das atividades de inteligência, em especial aqueles responsáveis pela defesa externa, segurança interna e relações exteriores, constituirão o Sistema Brasileiro de Inteligência, na forma de ato do Presidente da República. 1 o O Sistema Brasileiro de Inteligência é responsável pelo processo de obtenção, análise e disseminação da informação necessária ao processo decisório do Poder Executivo, bem como pela salvaguarda da informação contra o acesso de pessoas ou órgãos não autorizados. 2 o Mediante ajustes específicos e convênios, ouvido o competente órgão de controle externo da atividade de inteligência, as Unidades da Federação poderão compor o Sistema Brasileiro de Inteligência. Art. 3 o Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, órgão de assessoramento direto ao Presidente da República, que, na posição de órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, 7
8 obedecidas a política e as diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei. Parágrafo único. As atividades de inteligência serão desenvolvidas, no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais, fidelidade às instituições e aos princípios éticos que regem os interesses e a segurança do Estado. Art. 4 o À ABIN, além do que lhe prescreve o artigo anterior, compete: I - planejar e executar ações, inclusive sigilosas, relativas à obtenção e análise de dados para a produção de conhecimentos destinados a assessorar o Presidente da República; II - planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis, relativos aos interesses e à segurança do Estado e da sociedade; III - avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional; IV - promover o desenvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligência, e realizar estudos e pesquisas para o exercício e aprimoramento da atividade de inteligência. Parágrafo único. Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais. Art. 5 o A execução da Política Nacional de Inteligência, fixada pelo Presidente da República, será levada a efeito pela ABIN, sob a supervisão da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo. Parágrafo único. Antes de ser fixada pelo Presidente da República, a Política Nacional de Inteligência será remetida ao exame e sugestões do competente órgão de controle externo da atividade de inteligência. Art. 6 o O controle e fiscalização externos da atividade de inteligência serão exercidos pelo Poder Legislativo na forma a ser estabelecida em ato do Congresso Nacional. 1 o Integrarão o órgão de controle externo da atividade de inteligência os líderes da maioria e da minoria na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, assim como os Presidentes das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. 2 o O ato a que se refere o caput deste artigo definirá o funcionamento do órgão de controle e a forma de desenvolvimento dos seus trabalhos com vistas ao controle e fiscalização dos atos decorrentes da execução da Política Nacional de Inteligência. Art. 7 o A ABIN, observada a legislação e normas pertinentes, e objetivando o desempenho de suas atribuições, poderá firmar convênios, acordos, contratos e quaisquer outros ajustes. Art. 8 o A ABIN será dirigida por um Diretor-Geral, cujas funções serão estabelecidas no decreto que aprovar a sua estrutura organizacional. 1 o O regimento interno da ABIN disporá sobre a competência e o funcionamento de suas unidades, assim como as atribuições dos titulares e demais integrantes destas. 2 o A elaboração e edição do regimento interno da ABIN serão de responsabilidade de seu Diretor- 8
9 Geral, que o submeterá à aprovação do Presidente da República. Art. 9 o Os atos da ABIN, cuja publicidade possa comprometer o êxito de suas atividades sigilosas, deverão ser publicados em extrato. 1 o Incluem-se entre os atos objeto deste artigo os referentes ao seu peculiar funcionamento, como às atribuições, à atuação e às especificações dos respectivos cargos, e à movimentação dos seus titulares. 2 o A obrigatoriedade de publicação dos atos em extrato independe de serem de caráter ostensivo ou sigiloso os recursos utilizados, em cada caso. Art. 10. A ABIN somente poderá comunicar-se com os demais órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o conhecimento prévio da autoridade competente de maior hierarquia do respectivo órgão, ou um seu delegado. Art. 11. Ficam criados os cargos de Diretor-Geral e de Diretor-Adjunto da ABIN, de natureza especial, e os em comissão, de que trata o Anexo a esta Lei. Parágrafo único. São privativas do Presidente da República a escolha e a nomeação do Diretor-Geral da ABIN, após aprovação de seu nome pelo Senado Federal. Art. 12. A unidade técnica encarregada das ações de inteligência, hoje vinculada à Casa Militar da Presidência da República, fica absorvida pela ABIN. 1 o Fica o Poder Executivo autorizado a transferir para a ABIN, mediante alteração de denominação e especificação, os cargos e funções de confiança do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores, as Funções Gratificadas e as Gratificações de Representação, da unidade técnica encarregada das ações de inteligência, alocados na Casa Militar da Presidência da República. 2 o O Poder Executivo disporá sobre a transferência, para a ABIN, do acervo patrimonial alocado à unidade técnica encarregada das ações de inteligência. 3 o Fica o Poder Executivo autorizado a remanejar ou transferir para a ABIN os saldos das dotações orçamentárias consignadas para as atividades de inteligência nos orçamentos da Secretaria de Assuntos Estratégicos e do Gabinete da Presidência da República. Art. 13. As despesas decorrentes desta Lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias. Parágrafo único. O Orçamento Geral da União contemplará, anualmente, em rubrica específica, os recursos necessários ao desenvolvimento das ações de caráter sigiloso a cargo da ABIN. Art. 14. As atividades de controle interno da ABIN, inclusive as de contabilidade analítica, serão exercidas pela Secretaria de Controle Interno da Presidência da República. Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 7 de dezembro de 1999; 178 o da Independência e 111 o da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Amaury Guilherme Bier Martus Tavares Alberto Mendes Cardoso 9
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