Espiritualidade integral

Transcrição

1 TRABALHANDO COM GRAÇA Efésios Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, com sinceridade de coração, como a Cristo. 6 Obedeçam-lhes, não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. 7 Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, 8 porque vocês sabem que o Senhor recompensará cada um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre. 9 Vocês, senhores, tratem seus escravos da mesma forma. Não os ameacem, uma vez que vocês sabem que o Senhor deles e de vocês está nos céus, e ele não faz diferença entre as pessoas. Espiritualidade integral Sejamos honestos: ser cristão aos domingos é fácil; exceto para quem não gosta de acordar cedo para vir à EBD. A verdade é que aqui nós estamos cercados de outros cristãos que, na maioria, pensam como nós e vivem pelas mesmas coisas que a gente - a gloria de Deus. Ouvimos sermões que nos inspiram, estudamos lições que nos edificam, cantamos músicas que nos enlevam e convivemos com quem amamos. Aqui na igreja nós nos sentimos em casa, mas quando chega a segunda-feira tudo se transforma. Lá fora as pessoas usam uma linguagem diferente (por vezes constrangedora e ofensiva), elas agem de forma estranha (tantas vezes sem ética), somos pressionados, ridicularizados e até perseguidos. Para viverem melhor, sentirem-se aceitos e desfrutarem de privilégios, alguns de nós cedem à pressão e se tornam como um deles, vivendo segundo o padrão desse século. A desconexão entre mercado de trabalho e vida na igreja é tão predominante que, para a maioria, a consciência já nem perturba. Sagrado e secular não parecem relacionados. São mundos distintos, e tudo bem que seja assim. Dorothy L. Sayers, apologista cristã, em seu livro Credo ou Caos? Porque o cristianismo precisa escolher entre dogma ou desastre., foi profética quando, em meados do século passado, comentou: -! - 1

2 Em nada a igreja perdeu tanto o seu domínio sobre a realidade como na sua incapacidade de compreender e de respeitar a vocação secular. Ela permitiu que trabalho e fé se tornassem departamentos completamente separados. Esqueceu-se de que a vocação secular é também sagrada. Como pode alguém manter o interesse em uma religião que parece não ter preocupação com a maior parte de sua vida? Pense bem. A maior parte das horas que passamos acordados é vivida no trabalho, e mesmo assim os cristãos parecem não se importar com a forma como o cristianismo que professam deveria afetar o que eles fazem enquanto estão no mercado de trabalho. A Bíblia, por sua vez, não pula esse tema. Ela se preocupa com a nossa espiritualidade integral - ou seja: como devemos viver na igreja, em casa, na sociedade e também no trabalho. É disso que nós estamos tratando nessa parte do estudo da carta de Paulo aos Efésios (4 a 6). Tendo estudado como a graça que nós recebemos de Deus, em Cristo, deve impactar nossos lares, hoje veremos como ela deve permear a nossa vida no trabalho. Veremos que não existe distinção entre sagrado e secular no que diz respeito ao comportamento. Somos todos chamados para uma espiritualidade integral. O foco é o coração Alguém que lê esse texto pode ficar com a impressão de que Paulo estivesse endossando a escravatura. Afinal, ele diz: Ef 6.5 Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor, ( ) Aliás, já houve quem usasse esse e outros textos da Bíblia para defender a escravatura. A verdade, porém, está longe dessa abordagem. Os apóstolos não se consideravam reformadores políticos ou sociais e por isso abordaram a questão por outro ângulo. Eles eram, antes de tudo, pregadores das boas-novas da salvação em Cristo Jesus, mas nem por isso fechavam os olhos para esse pecado. Na verdade, eles anunciavam os princípios bíblicos e teológicos que acabaram destruindo essa terrível mancha da civilização. Alguns deles, por exemplo, nós os encontramos aqui em Efésios ! - 2

3 É verdade que grandes nomes da fé cristã defenderam, equivocadamente, a escravatura. Homens como, por exemplo, Jonathan Edwards, usaram a Bíblia para se respaldarem. Uma pena! Por outro lado, quando se olha com honestidade para a história, o que se descobre é que a abolição da escravatura nasceu do coração de homens e de mulheres encharcados pelos princípios bíblicos cristãos. A pregação do evangelho genuíno da graça de Deus pavimentou o caminho para a queda das crueldades sociais, dentre elas a escravatura. O cristianismo provocou não uma revolução social, política ou econômica, mas uma revolução moral e espiritual que, por sua vez, transformou sociedades, políticas e economias. Foi assim que, de dentro para fora, do coração para o comportamento, mudanças gigantescas começaram a acontecer para o bem da maioria escravizada. No texto que nós temos diante de nós, Paulo não está tratando de escravatura, mas de espiritualidade. Ele não está abordando o que é certo ou errado, mas o coração das pessoas envolvidas com a situação (servos e senhores). O apóstolo sabia que todas as grandes transformações, aquelas que perduram, sejam elas pessoais ou sociais, acontecem a partir do coração. A forma de Paulo tratar a questão, focando o coração, foi tão brilhante que os princípios utilizados por ele podem e devem ainda ser aplicados em nossos dias. Trabalhando com graça Poderíamos denominar esse texto de Paulo como trabalhando com graça ou ética cristã do trabalho ou espiritualidade para o mundo corporativo. Faremos, pois, muito bem em ouvir o apóstolo nesse tema. O cristão cheio do Espírito vive com graça na igreja, em casa e também no trabalho. Essa mentalidade já nos ajuda a eliminar pelo menos dois conceitos predominantes, extremos e totalmente equivocados em todos os tempos e culturas. Trabalho é maldição e lazer é o sentido da vida (idolatria do prazer). Trabalho é o sentido da vida (idolatria do trabalho). -! 3 -

4 Nada disso é verdade. Trabalho é vocação. Ele é o chamado de Deus para glorificá-lo no que fazemos e no que produzimos para o bem comum. Isso fica claro no texto que lemos. Paulo aborda como patrões e empregados devem trabalhar; como (de um lado) chefe, gerente, supervisor ou encarregado e (do outro) funcionários devem exercer a sua vocação diante de Deus para o bem comum. Ele está nos ensinando a trabalhar com graça. Vejamos o papel de cada um na vocação que todos recebemos. Nós descobriremos como as coisas seriam e poderiam ser diferentes se, pelo Espírito de Deus, nós colocássemos tudo em prática. 1. Empregados que trabalham com graça Há quatro observações que Paulo nos permite fazer sobre empregados que trabalham com graça O coração do empregado O primeiro aspecto que Paulo destaca sobre o empregado é o seu coração. Ele diz assim: Ef 6.5 Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor [ARA - temor e tremor], com sinceridade de coração, como a Cristo. Temor e tremor" não significam trabalhar com medo, sob pressão e terror hostil. Essa linguagem foi usada por Paulo noutro contexto para descrever o nosso empenho na santificação progressiva. ARA Fl Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; 13 porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. 14 Fazei tudo sem murmurações nem contendas, 15 para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo, 16 preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei -! - 4

5 inutilmente. 17 Entretanto, mesmo que seja eu oferecido por libação sobre o sacrifício e serviço da vossa fé, alegro-me e, com todos vós, me congratulo. À luz desse texto de Filipenses, quando Paulo exorta os empregados a obedecerem com temor e tremor, o que ele está fazendo é conectar a nossa espiritualidade com o trabalho que exercemos. É como se ele estivesse dizendo o seguinte: Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor, obedecendo aos vossos patrões ou superiores. Façam isso com sinceridade de coração, como a Cristo. Isso significa trabalhar com respeito e com responsabilidade, dando o melhor de nós mesmos naquilo que fazemos, como se fosse um exercício espiritual, como se fosse uma atividade sagrada. Paulo está dizendo que a nossa santificação deve ser buscada, com temor e tremor, também no trabalho. Procedendo assim, estaremos prestando culto a Deus. Isso envolve: obediência, respeito, integridade e consciência da presença de Cristo. Veja de novo: Ef 6.5 Escravos, obedeçam a seus senhores terrenos com respeito e temor [ARA - temor e tremor], com sinceridade de coração, como a Cristo O comportamento do empregado Depois de destacar o coração, Paulo focou no comportamento do empregado cristão. Ele diz assim: Ef 6.6 Obedeçam-lhes, não apenas para agradá-los quando eles os observam, mas como escravos de Cristo, fazendo de coração a vontade de Deus. O coração correto sempre produzirá um comportamento adequado. O que o apóstolo parece estar combatendo aqui são três dos principais inimigos de qualquer trabalhador: - A preguiça (trabalhe mesmo quando o chefe não está olhando); - A desonestidade (trabalhar para aparecer - quando observam); - A desmotivação (façam de coração, como escravos de Cristo). A obediência deve ser fruto de um coração piedoso, que busca ser cristão fiel em todos os contextos da vida. -! - 5

6 1.3 - A competência do empregado Paulo falou do coração, do comportamento e agora falará da competência do empregado cristão. Ele diz assim: Ef 6.7 Sirvam aos seus senhores de boa vontade, como servindo ao Senhor, e não aos homens, A competência do empregado está nele obedecer (trabalhar) com boa vontade (amigavelmente) - agir proativamente, cumprir suas tarefas com a consciência de que está servindo ao Senhor (excelência) A comissão do empregado Além do coração, do comportamento e da competência, Paulo discute a comissão (a gratificação) do empregado cristão. Ele diz assim: Ef 6.8 porque vocês sabem que o Senhor recompensará cada um pelo bem que praticar, seja escravo, seja livre. A recompensa de quem trabalha não está no contracheque, não está nas promoções, não está nos reconhecimentos, não está naquilo que se conquista aqui e agora. Conquanto tudo isso seja importante, conquanto precisemos do dinheiro do trabalho para nos sustentar, o cristão cheio do Espírito mira na recompensa espiritual e eterna que o Senhor dará a cada um que praticar o bem. Há neste versículo três formas de ser gratificado por Deus, são as recompensas que dele nós recebemos já aqui e agora. - Confiamos que o Senhor nos abençoará (fé e esperança). Porque vocês sabem que o Senhor recompensará cada um - Sentimos o prazer de fazer o bem (bem-estar). Pelo bem que praticar, - Reconhecemos o privilégio que é poder trabalhar (gratidão). Seja escravo, seja livre. Empregados que trabalham com graça cuidam do coração, corrigem o comportamento, aperfeiçoam a competência e não perdem de vista a comissão celestial. -! - 6

7 2. Patrões que trabalham com graça Tendo abordado os empregados, Paulo se dirige aos patrões. Patrões também trabalham e têm deveres (pelo menos diante de Deus!). Isso era e ainda é completamente revolucionário. Há três alertas O princípio da igualdade Ef 6.9a Vocês, senhores, tratem seus escravos da mesma forma. Ou seja: cuidem do coração de vocês - sejam piedosos; cuidem do comportamento de vocês - sejam justos; cuidem da competência de vocês - exerçam bem a supervisão e o comando; e cuidem da comissão de vocês - busquem a recompensa em Deus, não no lucro. É o princípio da igualdade, que Jesus colocou nos seguintes termos: Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles (Lc 6.31). O primeiro alerta aos patrões é para o princípio da igualdade A preservação da justiça Ef 6.9b Não os ameacem [parem de os ameaçar], O segundo alerta de Paulo é para a preservação da justiça. Ele diz que somos propensos a agir injustamente, por isso é que nos diz que devemos parar de ameaçar. Somos advertidos a não seguir praticando injustiças quando estivermos em posição de comando, isto é: ameaçando, abusando, assediando, humilhando, chantageando, explorando, ferindo, constrangendo, diminuindo e outros do tipo. O segundo alerta aos patrões é para o risco de perverter a justiça O padrão da verdade Ef 6.9 Vocês, senhores, tratem seus escravos da mesma forma. Não os ameacem, uma vez que vocês sabem que o Senhor deles e de vocês está nos céus, e ele não faz diferença entre as pessoas. -! - 7

8 O terceiro alerta de Paulo é para o padrão da verdade: todos somos iguais diante de Deus. Ele não faz diferença, pois é justo. Diante de Deus não há superiores, há pessoas iguais desempenhando papéis diferentes. Gl 3.28 Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus. Cl 3.11 Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos. O patrão que se esquece que tem um Senhor no céu fracassa em ser um bom patrão na terra. Ele não é como um dos que habitarão o lar celestial. Jesus colocou assim: Mt Jesus os chamou e disse: Vocês sabem que os governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. 26 Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, 27 e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo; 28 como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos. Patrões que trabalham com graça ouvem os alertas, atentando-se para o princípio da igualdade, para a preservação da justiça e para o padrão da verdade. Trabalhando com graça Que Deus nos abençoe, fazendo-nos seguir trabalhando com graça. Assim são os cristãos cheios do Espírito. -! - 8