CIP-Brasil. Catalogação na fonte sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

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2 CIP-Brasil. Catalogação na fonte sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Camus, Albert, C218d Diário de viagem / Albert Camus; tradução de Valerie 7ª ed. Rumjanek Chaves. 7ª ed. Rio de Janeiro: Record, tradução de: Journaux de voyage Inclui notas ISBN Camus, Albert, Viagens. 2. Escritores franceses Séc. XX Biografia. I. Rumjanek, Valerie. II. Título. CDD: CDU: 929: Título original francês Journaux de voyage Copyright Éditions Gallimard, 1978 Capa: Leonardo Iaccarino Texto revisado segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios. Os direitos morais do autor foram assegurados. Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa para o Brasil adquiridos pela DISTRIBUIDORA RECord DE SERVIços DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) , que se reserva a propriedade literária desta tradução Impresso no Brasil ISBN Seja um leitor preferencial Record. Cadastre-se em e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções. Atendimento e venda direta ao leitor: mdireto@record.com.br ou (21) ABDR CÓPIA NÃO AUTORIZADA É CRIME ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS RESPEITE O DIREITO AUTORAL EDITORA AFILIADA

3 Sumário Introdução 11 Estados Unidos. Março a maio de América do Sul. Junho a agosto de Notas 123

4 ESTADOS UNIDOS Março a maio de 1946 América. Partida. Passou aquela ligeira angústia peculiar a qualquer partida. No trem, encontro R., psiquiatra que vai para lá fazer contatos. Sei que no navio estará no meu camarote, e isso não me desagrada, porque o considero fino e simpático. No meu compartimento, três garotos bastante turbulentos na partida, mas que irão sossegar, a pequena governanta deles, a mãe, uma mulher alta e elegante, de olhos claros, e uma mocinha loura, que chora a minha frente. Viagem sem novidades, a não ser uma. Presto alguns serviços à jovem loura. Antes de Rouen, uma mulherona parecendo espantada e metida num longo casaco de pele me interroga para saber se todas as pessoas desse vagão estão indo para a América. E se eu mesmo vou para lá. Sim. Pede desculpas e me pergunta se ela pode me perguntar o que vou fazer lá. 17

5 Conferências. Literárias ou científicas? Literárias. Ela emite um verdadeiro grito teatral, levando rapidamente a mão à boca. Ah diz, que maravilha! E, dois segundos depois, com os olhos baixos: Eu também faço literatura. Ah! digo. Sim, vou publicar um livro de poesia. Muito bem respondo. É, consegui um prefácio de Rosemonde Gérard. Ela me fez um belo soneto. Parabéns. Ah, claro, é meu primeiro livro. Mas estrear na literatura com um prefácio de Rosemonde Gérard... Qual é a editora? Ela menciona um nome que não conheço. Explica que são versos regulares, porque faço mais o gênero clássico. O moderno, não sei o que o senhor pensa a respeito... mas não gosto do que não compreendo etc. etc. Desce em Rouen e se oferece para passar um telegrama que desejo enviar a Paris, porque esqueci o endereço de R. em Nova York. Ela não o passou, já que não recebi resposta. No vagão-restaurante encontro R., e almoçamos em frente à lourinha, que não consegue quebrar suas nozes. No porto do Havre, a mocinha loura, que tem um ar completamente perdido, reclama a minha assistência. Enquanto esperamos a condução, conversamos um pouco. Ela vai para Filadélfia. A condução é uma 18

6 antiga viatura celular, suja e poeirenta. O Havre, com imensas pilhas de entulho. O ar está abafado. Quando chegamos diante do Oregon, eu me dou conta de que é um cargueiro, um cargueiro grande, mas ainda assim um cargueiro. Alfândega, câmbio, a polícia com a caixinha de fichas que um tira consulta, enquanto alguém vai dizendo os nomes e que eu conheço bem por causa de alguns sustos que ela me deu durante a Ocupação. E depois, todos a bordo. O camarote para quatro pessoas, com chuveiro e W.C., transformou-se em camarote para cinco, onde é impossível espirrar sem derrubar algo. Pedem que passemos para o salão de refeições para ver o maître. Na verdade, é para assistir a uma cena de comédia. O maître parece-se com os franceses que se mostram nos filmes americanos e, além disso, é afligido por tiques que o fazem piscar incessantemente os olhos ora para a direita, ora para a esquerda. Empenha-se em compor mesas harmoniosas e para esse fim dispõe, como toda boa dona de casa, de um plano e do título de alguns dos passageiros especialmente recomendados. Naturalmente, coloca-me junto a um jornalista 1 que se encontra a bordo, mas eu me recuso energicamente e afinal vejo-me com R. e a lourinha, que se chama, que maravilha, Jeanne Lorette. É uma pequena parisiense que trabalha com perfumes, e que esteve chorando pela manhã porque havia deixado a irmã gêmea, e a irmã é tudo para ela, mas vai encontrar- -se em Filadélfia com um americano com quem se deve casar. R. está encantado com a naturalidade, a conduta e 19

7 a gentileza dessa Lorette. Eu também. Estamos um pouco menos encantados com o camarote. A cama suplementar, no meio, está ocupada por um velho de setenta anos. O beliche acima do meu é de um sujeito de meia-idade que me parece um homem de negócios. Acima de R. encontra- -se um vice-cônsul que se dirige a Xangai e tem um jeito alegre e ruidoso. Instalamo-nos, e eu decido trabalhar. No jantar, volto a encontrar R., Lorette, a mulher alta do compartimento do trem (ela não é assim tão alta mas magra e elegante) e um casal de mexicanos que são do ramo dos negócios. As duas mulheres parecem observar a nossa Lorette com um pouco de desconfiança. Mas, como se contenta em ser natural, é ela quem demonstra mais classe. Conta-nos que a sogra, que não a conhece, envia-lhe as cartas mais amáveis, e que, na América, as sogras parecem ser de qualidade inteiramente superior. O noivo é muito devoto, não bebe nem fuma. Pediu-lhe que se confessasse antes de partir. Na manhã do embarque (nos dias anteriores, tomara diversas providências), levantou-se às seis horas para ir à igreja, mas estava fechada, e o trem partia cedo. Então vai confessar-se lá, e, diz ela com seu ligeiro sotaque parisiense (aliás, articula muito mal e rapidamente, e precisamos inclinar a cabeça para entender o que diz): Acho melhor assim, porque o de lá não vai compreender bem o que vou dizer e dessa forma me dará a absolvição. Nós lhe explicamos que sempre se dá a absolvição nesses casos. Mesmo para os pecados mortais? 20