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1 ISSN: VOLUME:1 NÚMERO:2 EDIÇÃO ESPECIAL

2 Centro Universitário da Grande Dourados COMUNICAÇÃO & MERCADO Revista Internacional de Ciências Sociais Aplicadas da UNIGRAN ISSN: Revista Comunicação & Mecado Dourados v.1 n.2 p Ed. Especial 2012

3 Comunicação & Mercado Revista Internacional de Ciências Sociais Aplicadas / Centro Universitário da Grande Dourados. v. 1, n. 2 Edição Especial Dourados : UNIGRAN, Semestral ISSN I 1. Ciências Sociais. 2. Comunicação marketing. I. UNIGRAN Centro Universitário da Grande Dourados. CDU: Solicita-se permuta. On demande l échange. Wir bitten um Austausch. Si richiede la scambio. Pídese canje. We ask for Exchange. Editora UNIGRAN Rua Balbina de Matos, Campus UNIGRAN Dourados - MS Fone: Fax: bruno@unigran.br

4 ISSN VOLUME 1 NÚMERO 2 EDIÇÃO ESPECIAL UNIGRAN Reitora Rosa Maria D Amato De Déa Pró-Reitora de Ensino e Extensão Terezinha Bazé de Lima Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Adriana Mary Mestriner Felipe Pró-Reitora de Administração Tânia Rejane de Souza Diretor da Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis Marcelo Koche Coordenador do Curso de Administração Valdir da Costa Pereira Coordenador do Curso de Administração de Agronegócios Josimar Crespan Coordenador do Curso de Ciências Contábeis Domingos Renato Venturini Coordenadora do Curso de Comunicação Social Gabriela Mangelardo Luciano Revista Comunicação & Mercado EDITOR Prof. Dr. Bruno Augusto Amador Barreto CONSELHO EDITORIAL - Consejo de Redacción Prof. MSc. Marcelo Koche (UNIGRAN) Profa. MSc. Claudia Noda (UNIGRAN) Prof. MSc. André Mazini (UNIGRAN) Prof. MSc. Alceu Richetii (UNIGRAN) Prof. MSc. Josimar Crespan (UNIGRAN) CONSELHO CIENTÍFICO - Consejo Científico INTERNACIONAL Prof. Dr. Jorge Santiago Barnés (UPSA - Espanha) Prof. Dr. Ángel Badillo Matos (USAL - Espanha) Profa. MSc. Kárita Francisco (FCSH-UNL Portugal) Profa. MSc. Tânia Oliveir (TAP - Portugal) Prof. MSc. Ruben Domingues (USAL - México) NACIONAL Prof. Pós-Dr. José Marques De Melo (UMESP- São Paulo) Prof. Pós-Dr. Daniel Galindo (UMESP- São Paulo) Prof. Pós-Dr. Adolfo Queiroz (MACKENZIE - São Paulo) Prof. Pós-Dra. Maria Das Graças Targino (UFPI - Teresina) Prof. Pós-Dr. Antonio Teixeira De Barros (Câmara dos Deputados - Brasília/DF) Prof. Dr. Jorge Antonio Menna Duarte (Secom/Presidência da República - Brasília) Prof. MSc. Wille Muriel (Carta Consulta - Belo Horizonte) Prof. MSc. Carlos Manhanelli (Manhanelli S.A - São Paulo) Profa. MSc. Alessandra Falco (UFSJR - São João Del Rei/MG) Prof. MSc. Roberto Rochadelli (UFPR) Prof. MSc. Alessandro Vinícuis Schneider (UFPR) REGIONAL - CENTRO-OESTE Prof. Dr. Yuji Gushiken (UFMT - Cuiabá) Profa. Dra. Daniela Ota (UFMS - Campo Grande) Profa. Dra. Daniela Garrossini (UNB - Brasília) Profa. Dra. Ana Carolina Temer (UFG - Goiânia) Projeto Gráfico e Diagramação: Prof. MSc. Luis Angelo Lima Benedetti Correspondências e informações: PROF. DR. BRUNO AUGUSTO AMADOR BARRETO UNIGRAN Centro Universitário da Grande Dourados Rua Balbina de Matos, 2121 Jd. Universitário CEP Dourados/MS - BRASIL (67) / Fax: (67) bruno@unigran.br

5 SUMÁRIO EDITORIAL A importância histórica da televisão e do telejornalismo na padronização cultural no interior do Brasil. Ana Carolina Rocha Pessoa TEMER O Staroveri: a influência da tecnologia midiática na prática cultural Marcos Pedro da SILVA e Débora Cristina Tavares Perfil Universitário: um portal de mídia de proximidade? José Milton ROCHA, Mario Luiz Fernandes Notas sobre a atuação de Paulo Francis no jornal Folha de São Paulo ( ) Alexandre Blankl BATISTA Morte do jornal de papel e novas tecnologias digitais: desafios e perspectivas Edgard Cesar MELECH A escravidão na província de Mato Grosso: Um estudo das estratégias de resistências dos escravos através dos jornais (1831 a 1888) Antutérpio Dias PEREIRA O jornal e suas representações: Objeto ou fonte da história? Maurilio Dantielly CALONGA Imagem & mídia: Relações com o ensino Viviane Scalon FACHIN e Rodrigo Domingues de OLIVEIRA A década de 60 e a reinvenção do jornalismo Eduarda ROSA e André Giulliano MAZINI Ensaio acerca do discurso do jornal correio do estado sobre a gestão Pedro Pedrossian e as eleições de 1982 ao governo de Mato Grosso do Sul Wagner Cordeiro CHAGAS Retextualização no rádio: a oralidade e a escrita no meio eletrônico Célio Antonio dos SANTOS e Daniela Cristiane OTA A nova onda do rádio em Três lagoas Sidnei Carlos Santos Bonfim FERREIRA O debate sobre o milagre econômico brasileiro no jornal Folha de Dourados Juliana dos Santos PEREIRA e João Carlos de SOUZA O posicionamento da Folha de S.Paulo na cobertura da crise do poder judiciário brasileiro de 2012: uma análise de conteúdo Danusa Santana ANDRADE As eleições e o jornal O Progresso: estratégias discursivas (1954, 1958 E 1962) Fernando de Castro ALÉM

6 Etnografia do cinema e cinejornal na Serra da Bodoquena: história e memória social nas construções identitárias de Jardim-ms Daniela OTA e Lairtes Chaves Rodrigues FILHO Som que ecoa: o movimento tropicália e a música alegria, alegria. Jéssica Alves TROPALDI Refletindo sobre as questões de memória através do filme Como se fosse a primeira vez Cláudia Gisele MASIERO, Janice Roberta SCHRÖDER, Cristina Ennes da SILVA Do arquivo à nuvem: resgate e divulgação do acervo da Televisão Brasil Central Givaldo Ferreira, Corcinio JR. A linguagem audiovisual em mídias portáteis e ubíquas Angeles Treitero García CÔNSOLO Consumo da telefonia móvel: o papel da comunicação na construção da educação e da identidade do jovem Denio Dias ARRAIS A nova mídia, uma possibilidade para grandes e pequenos anunciantes Silvia Maria de Campos FRAGA A comunicação política nas redes sociais em um contexto histórico social Synesio Cônsolo FILHO A história da imprensa no contexto da historiografia brasileira André Giulliano MAZINI As origens da imprensa no brasil e em Mato Grosso Silvia Ramos Bezerra Estudo sobre a produção própria do site mercosulnews Patrícia Miranda dos SANTOS A dependência do jornalismo on-line de dourados por releases de instituições de ensino público Jessica Beatriz da SILVA Ciberjornalismo como arquivo on-line da memória social Helton COSTA Futebol nos sites dourados news e dourados agora: análise da cobertura do jogo da final do campeonato estadual sul-matogrossense de futebol 2012 Aline Amaral O velho e o novo o rolo : análise de gêneros jornalísticos e literários do jornal em forma de manuscrito de papiro Karine Arminda de Fátima SEGATTO A história entre o jornalismo e a literatura: fronteiras narrativas e metodologias possíveis André Giulliano MAZINI Análize de Jornais e Revistas: Uma proposta Metodológica Bruno Amador Augusto BARRETO A hegemonia do efêmero: Das fotografias de Fanny Volk aos álbuns nas redes sociais Ana Maria de Souza MELECH

7 EDITORIAL 7 Pesquisa em História da Mídia no Centro-Oeste do Brasil Esta edição especial da Revista Comunicação & Mercado traz 31 artigos inscritos nos Grupos Temáticos do 1º Encontro Regional Centro-Oeste de História da Mídia - Alcar CO 2012, organizado pelo Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran), em parceria com a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), nos dias 31 de outubro e 1º de novembro de Revista e evento são marcos importantes para a Alcar, que desde 2001 promove estudos avançados, de caráter interdisciplinar, sobre os processos históricos da mídia, estimula a realização de encontros científicos, a publicação de livros e periódicos. A Associação reúne docentes, pesquisadores, estudantes e profissionais e seus eventos são múltiplos e espalhados pelas regiões brasileiras nos anos pares, intercalados por um único e grande encontro nacional nos anos ímpares. Para completar o mapa do Brasil faltava chegar ao Centro-Oeste! Ficamos orgulhosos com a receptividade deste Encontro e com a produção que dele resulta. Este conjunto de textos é registro inequívoco que acertamos ao decidir preencher a lacuna geográfica ainda em 2012; demonstra, também, o trabalho competente e dedicado de nossos anfitriões e, sobretudo, a integração de mais pesquisadores à Alcar. Merecem destaque os estados do vínculo acadêmico dos autores: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Os três últimos além da região-sede do evento, como que a ratificar característica dos nossos tempos pós-modernos; as fronteiras não são mais tão rígidas, as identidades se fragmentaram, as decisões, muitas vezes, são tomadas em função da relevância e oportunidade, de acessibilidade e/ou relacionamentos. Parabéns Unigran e participantes! Prevemos e conclamamos o engajamento dos pesquisadores para empreenderem novos estudos sobre a História da Mídia, fundamentais para a preservação da própria memória brasileira. Aos leitores deste volume, descobertas prazerosas e estimulantes! Maria Berenice da Costa Machado * Presidenta da Alcar Outubro/ 2012 * Professora Universidade Federal do Rio Grande do Sul, possui graduação em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda e Doutorado em Comunicação Social É organizadora do livro Publicidade e Propaganda: 200 anos de história no Brasil. Atualmente preside a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), vice-presidente da Federação Brasileira das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (Socicom) e integra o Comitê Regional Sul da Associação Brasileira de Pesquisadores em Publicidade (ABP2).

8 ISSN: A importância histórica da televisão e do telejornalismo na padronização cultural no interior do Brasil. Resumo Profa. Ana Carolina Rocha Pessoa Temer 1 Análise histórica do uso das técnicas e tecnologias pela televisão na construção da imagem do Brasil da modernidade, a partir de anotações sobre o uso de equipamentos e os principais programas telejornalísticos apresentados no país. O estudo aponta que o telejornalismo, a partir do vinculo definidor de apresentar a realidade reforçou a imagem de que a vida moderna o Brasil desenvolvido está na cidade, retratando o campo e o interior como espaços secundários. Palavras-chave: televisão, história, telejornalismo 1 Ana Carolina Rocha Pessoa Temer. Professora e Pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás. Doutora em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo, Especialista em Sociologia pela Universidade Federal de Uberlândia e Jornalista graduada em Comunicação Social na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

9 TEMER, Ana Carolina 9 Introdução Os livros de História do Brasil para os alunos nos períodos de formação básica normalmente mostram, com gravuras coloridas, que o Brasil foi descoberto em 1500 pelos portugueses. O mérito histórico desta afirmativa é relativo, e especialmente para os comunicadores, é mais interessante considerar que o país que conhecemos, o Brasil da modernidade, teve seu marco inaugural em 1969, com a transmissão para todo o país do Jornal Nacional. Evidentemente, as duas datas são simbólicas, é claro, mas a criação de um telejornalismo nacional, ou melhor, transmitido nacionalmente 1, marca o início da construção de um novo país, se não real, pelo menos um país imaginado e, depois de exposto pelos largos territórios nacionais, desejado e imitado pelos brasileiros de todas as regiões. Evidentemente, para usar um termo próprio do jornalismo televisivo, estamos falando em retrospectiva, de uma ação prolongada que foi desenvolvida de forma estratégica por um grande número de atores sociais, cujos interesses nem sempre eram iguais ou absolutos, mas que convergiam em um ponto: faz brotar do Brasil agrícola e sub-desenvolvido, um país moderno e urbano. Dentre estes atores sociais, dois se destacam: o Governo Militar e os seus receios de fragmentação do território nacional, e a consequente busca pela unificação territorial e cultural, e a Rede Globo de Televisão, que no decorrer deste processo, tornou-se a maior empresa de comunicação do país e produtora de conteúdos culturais cuja importância é internacionalmente reconhecida. De fato, enquanto veículo de comunicação e empresa de capital privado, as a Rede Globo fez... deste país fragmentado que é o Brasil alguma coisa parecida com uma nação civilizada... (KEHL, 1986, p. 169). Mas ao integrar e consolidar uma identidade nacional, reinterpretou essa identidade em termos mercadológicos, formando uma só identidade, a de brasileiros unidos em um só mercado consumidor (KEHL 1986, p. 103). Desta forma, cumpre-nos antes de tudo, entender o que é a televisão, ou melhor, essa coisa poderosa, capaz de unir um país com tantas contradições e diversidades quanto o Brasil? A TV é um objeto, produzido em uma fábrica e distribuído fisicamente (através dos meios de transporte) e virtualmente (via propaganda). Neste ponto, ela se metamorfoseia em uma questão de estilo uma valiosa (ou maldita) peça de decoração (...) A televisão possuí, em síntese, uma existência física, uma história como objeto de produção material e de consumo, além da reputação de ser um local de produção de sentido. (MILLER, 2009, p.10) E é justamente como algo muito além de um simples eletrodoméstico que a televisão deve ser compreendida, até porque, mais do que objeto de decoração, a televisão vem historicamente cumprindo dois papeis fundamentais. O primeiro, o mais óbvio, é enriquecer seus controladores. O segundo, ainda mais importante, mas 1 Ainda que sempre privilegiando informações das regiões sudeste e particularmente do eixo Rio de Janeiro-São Paulo Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

10 TEMER, Ana Carolina 10 igualmente mais complexo, entreter e civilizar os seus receptores. E quando falo em civilizar, significa civilizar para o consumo, integrando a sociedade industrial moderna todos aqueles que tenham as mínimas condições ou o mínimo de recursos de consumir; ou seja, todos que tenham qualquer poder de compra. No Brasil isto significou integrar a nação, integrar as populações que migravam do campo para a cidade, integrar as cidades tradicionais do nordeste e os rincões diferenciados do sul. Neste processo a Rede Globo de Televisão empreendeu uma proposta ousada e bem sucedida, forjando um caso de amor e respeito entre a televisão e a população brasileira, em um processo que implicou e ainda implicam em mudanças de comportamento, alterações de hábitos de lazer e alimentação, relações políticas e de poder, modos de vestir e até nos tamanho e na dinâmica familiar. Ainda que nos números das audiências muitas vezes outros gêneros se destaquem, o telejornal chama a atenção como um espaço historicamente presente e de grande destaque nas emissoras de televisão de sinal aberto. Isso ocorre porque o telejornalismo é algo mais do que umtipo de prestação de serviço, é também uma atividade que traz prestígio e importância política para as emissoras (FISKE: 1987, p.281). Desta forma, a presença histórica do telejornalismo na televisão brasileira consolidou as novidades comportamentais e de consumo inseridas ou sugeridas por outros gêneros, tendo portanto, um papel fundamental na consolidação destas mudanças. Além disso, a evolução do telejornalismo brasileiro pode ser vista também a partir de um paralelo com a própria evolução da própria televisão e com a apropriação e usos dados as tecnologias por profissionais de televisão e da imprensa. Nesse sentido, este artigo pretende dá continuidade as reflexões já presentes no artigo 50 anos de imagens: uma retrospectiva das condições de funcionamento do telejornalismo brasileiro, apresentado na Intercom/2009, mas neste ponto buscando entender a relação da evolução da televisão e do telejornalismo na padronização cultural no interior do Brasil. Os primeiros anos O primeiro telejornal brasileiro foi veiculado em 19 de setembro, no dia seguinte da inauguração oficial da televisão no Brasil 2 (MATTOS: 2000). O Imagens do Dia, patrocinado pela Viação Cometa, não tinha horário fixo, e era colocado no ar por volta das 21:30. O locutor/apresentador, produtor e redator era Ruy Rezende 3, que usava textos copiados do rádio ou então recortados do jornal (gillete-press) 4 e...uma seqüência de filmes dos últimos acontecimentos locais (SAMPAIO: 1971, p.23), em preto e branco sem som, pelos três cinegrafistas da emissora. No Rio de Janeiro, o primeiro telejornal da TV Tupi Rio é Telejornal Brahma, com Luiz Jatobá (LORÊDO: 2000). 2 A inauguração oficial foi em 18 de setembro, quando a PRF-3, TV Tupi de São Paulo, coloca no ar o TV na Taba. Duas datas são citadas para a primeira transmissão experimental: 29 de julho de 1950, num especial patrocinado pela indústria Alimentícia Carlos Brito SA (Produtos Peixe), e 10 de setembro, quando foi exibido um filme sobre Getúlio Vargas (MATTOS, 2000). 3 Lorêdo (2000:29) afirma que o locutor era Homero Silva, e cita como cinegrafistas Jorge Kukjian, Afonso Zibas e Paulo Salomão. Anderkrone (2007) cita també Maurícuo Loureiro Gama. 4 A expressão faz parte do jargão jornalístico e remete a idéia de recortar, usando uma lâmina de barbear, material jornalístico do jornal impressos para serem lidos pelo locutor. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

11 TEMER, Ana Carolina 11 A televisão era então uma novidade acessível apenas para a elite, e seguia os paradigmas de produção usados no rádio (MATTOS: 1990, p.3 e SQUIRRA: 1993, p.104): o telejornal era transmitido ao vivo com a entonação típica do rádio 5. Ainda que a escolha do nome - Imagens do Dia - demonstre a importância da imagem para o novo veículo, poucos eram as filmagens realizadas especificamente para o telejornal e parte do material exibido eram sobras do cinema e de documentários, que formavam um arquivo informal : era comum utilizar as cenas de uma enchente antiga para ilustrar a enchente atual, e assim por diante. Em 1952, o telejornal da TV Tupi/São Paulo ganha um novo formato (20 de duração minutos, mudança para o horário das 21:00), um novo patrocinador, e passa a chamar-se Telenotícias Panair, mas a televisão continua perdendo para o rádio em rapidez e ineditismo. Ainda que não existam muitos registros, depoimentos 6 indicam que as primeiras câmeras de reportagem para a TV eram da marca Bell & Howell movidas à corda, sem som, conhecidas por serem pequenas e barulhentas. Mais tarde a câmera de filmar portátil com som magnético, que possibilitava a edição de imagens. O custo da manutenção dos equipamentos limitava o seu uso e, principalmente nas afiliadas do interior do país, durante muito tempo perdurou a estratégia de ilustrar o telejornal com slides. Neste período os telejornais eram vinculados aos seus patrocinadores, como foi o caso do Ultra Notícias e Telejornal Pirelli (Tupi/SP), que consolidaram o horário das 19h45; além de Record em Notícias (Record/São Paulo), e o Mappin Movietone, responsável pelas primeiras apresentadoras de telejornalismo brasileiro 7. Mas o jornal mais importante dessa primeira fase da televisão brasileira é o Repórter Esso. Há certa confusão na data de estréia do telejornal, em parte porque a Rádio Nacional, que apresentava um noticioso com o mesmo nome, relutou em partilhar o título. Assim, o noticioso estréia em 1º de abril de 1952 com o nome de Telejornal Tupi. Um mês depois, o é rebatizado como Telejornal Esso, e em 17 de junho de 1953, passa a ser o Repórter Esso. (LOREDO, 2000, p.5). Em parte também, essa confusão é resultado da estréia em datas diferentes em São Paulo e no Rio de Janeiro 8. O Repórter Esso era um modelo idealizado a partir do seu homônimo no rádio, por sua vez criado para fazer divulgação da propaganda de guerra dos aliados (SOUZA FILHO, 1997) e trazia como diferencial a pontualidade e a credibilidade. No Brasil, o noticioso era produzido pela Agência McanErikson para a qual a TV Tupi teria apelado após perder seus patrocinadores. Apresentado por Kalil Filho em São Paulo, e por Gontijo Teodoro no Rio de Janeiro 9, o Repórter Esso 10 tinha também edições locais nas nove emissoras do grupo ligado a Assis Chateaubriand. 5 Apenas depois de críticas do público o telejornalismo assumiu uma linguagem mais coloquial Anderkrone, afirma que a mudança se deveu a Maurício Loureiro Gama, que teria ouvido a reclamação de uma telespectadora que já vira televisão nos Estados Unidos e reclamou das diferenças com o modelo local. 6 Ver SAMPAIO, M. F. História do rádio e da televisão no brasil e no mundo: memórias de um pioneiro. Rio de Janeiro: Archiamé, 1984; e SQUIRRA, S. (org). Telejornalismo memórias. São Paulo: ECA:USP, As atrizes Cacilda Lanuza e Branca Ribeiro, que estrearam em Rixa (2000:169) fala em 1o /04/52 e Lorêdo (2000:65) em 17/ 06/53; Sérgio Mattos (2000:262-3) cita ambas as datas, mas sem especificar em que veículo ou cidade ocorrem essas estréias. 9 Luiz Jatobá também apresentou o programa por um curto período. 10 Não havia então televisão em Rede, e as emissoras locais tinham suas próprias programações. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

12 TEMER, Ana Carolina 12 A frase de abertura do Repórter Esso - Amigo ouvinte, aqui fala o seu Repórter Esso, testemunha ocular da história 11 ficou na memória do telejornalismo nacional, mas o noticioso tinha um formato pobre: além do locutor ao vivo eram exibidas algumas matérias ilustradas, em geral filmes com texto em off narrados pelo apresentador (FURTADO, 1988), obtidas graças a um acordo com a UPI (United Press International). O sucesso do noticioso motivou a TV Tupi veicular horário à tarde com o telejornal Edição Extra, que lança o primeiro repórter de vídeo no Brasil: José Carlos de Morais, conhecido como Tico-Tico. A novidade foi logo incorporada pelo Repórter Esso, que colocou no ar vários repórteres 12. Sobretudo, o Repórter Esso passou a ter várias versões locais/regionais. De fato, todas as emissoras da Tupi tinham o seu Repórter Esso, com apresentadores e notícias locais as nacionais e internacionais eram fornecidas pelas agências norte americanas. Essas versões ficaram no ar até 1970 (LIMA: 2001, p.156). Em 1960 chega ao Brasil o vídeo-tape. O equipamento, desenvolvido pela Ampex e lançado nos Estados Unidos em 1956, é utilizado oficialmente pela a TV Tupi na gravação das imagens da inauguração de Brasília (PATERNOSTRO: 1999, p.30), que depois foram exibidas em suas afiliadas. Nos primeiros anos o equipamento teve pouco impacto no telejornalismo, mas dá inicio a uma fase de maior disputa pela audiência pelas emissoras. A TV Excelsior passa a investir em modelos inovadores, e, em 1962, o Jornal de Vanguarda 13, noticioso criado pelo jornalista Fernando Barbosa Lima, que tinha uma de equipe de produtores e redatores oriundos jornalismo impresso e cronistas especializados (João Saldanha, Villas-Bôas Correia, Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta). O Jornal de Vanguarda trouxe para a televisão um texto mais enxuto e rico em conteúdo, e tornou-se uma referência no telejornalismo nacional e internacional 14. O telejornal também e revolucionou o estilo de locução, temperando a objetividade com uma leitura mais emocional, eventualmente com toques de humor, e foi também o primeiro a se preocupar com a estética, que incluia o uso de personagens 15 e recursos do cinema de animação: O cuidado com a imagem se refletia no visual dinâmico, em que se destacavam as caricaturas de Appe e os bonecos falantes de Borjalo (REZENDE: 1997, p.114). Em 1967, além do Jornal de Vanguarda, a Excelsior veiculava também A marcha do Mundo, mas a censura e a péssima relação com o Governo Militar leva a TV Excelsior a exaustão, a falência e, por fim, ao total desaparecimento (MOYA: 2004, p.381). A censura também é a causa indireta do fim do Jornal de Vanguarda, que sai do ar por iniciativa de seus produtores em 1968, após a implantação do Ato Institucional nº Não confundir com o slogan utilizado pelo Repórter Esso no rádio: Amigo telespectador, aqui fala o seu Repórter Esso, o primeiro a dar as últimas. 12 Como Murillo Neri, Flávio Cavalcanti e Rubens Medina 13 Embora autores como Mattos e Rixa se refiram ao Jornal de Vanguarda, Anderkrone (2007) cita o Jornal da Excelsior, Jornal Cassio Muniz, Show de Notícias e TV de Vanguarda como produtos da mesma equipe, e afirma que o Jornal de Vanguarda apenas assume esse nome quando é exibido pela TV Tupi. Também SOUZA FILHO informa que programa foi repetido em outros canais de televisão. (1997:88). 14 O jornal ganha o prêmio Onda, na Espanha, em 1963 e segundo Barbosa Lima (1985:9) e Lorêdo (2000:66) foi citado por Marshall McLuhan em uma das suas aulas de comunicação. 15 Como, por exemplo, o Sombra, interpretado por Célio Moreira, que dava as notícias confidenciais. 16 Em 1988, a Rede Bandeirantes contrata Fernando Barbosa Lima veicula uma nova versão do Jornal de Vanguarda apresentado por Dóris Giesse, que fica no ar até o início da década de 1990 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

13 TEMER, Ana Carolina 13 Na segunda metade da década, em 1967, começam as transmissões à longa distância por meio do sistema de microondas 17. Em 1969 o país ganha a estação de rastreamento de Itaboraí, e pode assistir ao vivo (mas ainda em preto e branco) a descida do homem a Lua (MATTOS, 2000) e a Copa do Mundo de Futebol no México. O telejornal que vai aproveitar melhor os novos aparatos tecnológicos é o Jornal Nacional, noticioso da Rede Globo de Televisão, transmitido simultaneamente para o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba, Brasília e Porto Alegre, que entra no ar em primeiro de setembro de 1969, com o objetivo confesso de unir o país de norte a sul: Um telejornal para que 56 milhões de brasileiros tenham mais coisa em comum. (VEJA, 52:68 apud REZENDE, 1997:116). Suas transmissões marcam um Brasil que começa a viver era da comunicação espacial (REZENDE: 1997, p.116) A estréia do Jornal Nacional também coincide com o crescimento da indústria de eletrônicos no país e a implantação do crédito direto ao consumidor, fator essencial para ampliar o número de telespectadores. O noticioso dá início ao um novo modelo de telejornal, com um estilo mais clean, mas entra no ar no rastro do endurecimento do regime autoritário 18. No segundo mês do telejornal, a censura é oficialmente instalada. Tendo como diferencial um amplo aparato técnico, em parte obtido através de um questionável convênio com a empresa norte-americana Time-Life 19, o Jornal Nacional foi o primeiro a apresentar reportagens via satélite em uma estratégia que incluía um caleidoscópio de informações rápidas e descontextualizadas. O modelo é um sucesso junto ao público, mas nem mesmo as boas relações da Globo com o Governo Militar impediu eventuais conflitos com a censura 20. Em termos de equipamento, a Rede Globo utilizava principalmente as câmaras portáteis, ou CPs. No final da década de 1970, elas foram substituídas pelas UPJs, ou Unidades Portáteis de Jornalismo, equipadas com câmeras de VT U-Matic, uma evolução do primeiro equipamento de vídeo-tape 21, que com o tempo se tornou um equipamento padrão. 17 O sistema de microondas foi implantado em 1967, ligando Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. A completa integração do país só seria atingida em 1972, ano em que se complementa a ligação do tronco norte/sul via microondas pela Embratel (SOUZA FILHO, 1997). 18 A informação de destaque no primeiro dia do noticioso é a posse da Junta Militar em função de um problema de saúde do presidente Costa e Silva. 19 Em 24 de julho de 1962 o empresário Roberto Marinho, assina um contrato operacional com o grupo americano Time -Life. A TV Globo do Rio de Janeiro entra no ar em abril de As emissoras rivais questionam a legalidade dos acordos e a repercussão gera o seu cancelamento em Lima afirma que, como líder de audiência, o Jornal Nacional era alvo constante da censura (2001, 158). 21 O equipamento foi lançado em 1969 pela Sony japonesa para funcionar como videocassete doméstico, mas o tamanho e o preço dificultaram as vendas. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

14 TEMER, Ana Carolina 14 O ano de 1974 marca a chegada da TV em cores no com a implantação do Sistema Pal-M, de origem alemã. A Rede Globo implanta a partir deste ponto o chamado Padrão Globo de Qualidade, uma soma de eficiência empresarial, competência técnica e atenção especial com as necessidades subjetivas dos telespectadores com estratégias de marketing para fidelizar a audiência (CARVALHO: 1980, p.5), na qual o Jornal Nacional é parte importante. Consolidada na liderança da audiência, a Rede Globo torna-se a maior beneficiária da expansão e modernização dos serviços de telecomunicação. Na década de 1970, além do Jornal Nacional, a Rede Globo produz também o Jornal Hoje, veiculado pela primeira vez em 21 de abril de 1971 com a proposta de ser uma revista feminina que não dispensava as notícias da manhã e que permanece no ar até os hoje; e o Telejornal Internacional, apresentado por Heron Domingues, e considerado o mais sério da emissora. De curta duração, Telejornal Internacional foi substituído pela plasticidade do jornal Amanhã, apresentado por Sérgio Chapelin, que mais tarde, em l977, foi igualmente substituído pelo Painel, um telejornal abrir espaço para muitas entrevistas e também teve curta duração. O horário é finalmente ocupado pelo Jornal da Globo, estréia em 2 de abril de 1979 tendo como objetivo conciliar reportagens, análises e entrevistas de estúdio e permanece no ar atualmente de segunda a sexta-feira, no fim da noite. A veiculação do Jornal da Globo, dois anos após a saída de Walter Clark da emissora, também consolida a resolução da nova direção d da emissora de tornar os noticiários mais dinâmicos e deslocar suas reportagens para a rua. No aspecto técnico, isso significa usar uma nova Unidade Portátil de Jornalismo (BORELLI & PRIOLLI: 2000, p.55) e abrir mais espaço para as entradas ao vivo: Era a chance de retorno aos programas não submetidos a edição prévia, ou ao completo controle da forma e do conteúdo. A televisão voltou a utilizar, no sentido amplo, a característica do imediatismo na veiculação da informação. (MARCONDES FILHO: 1985, p.17). Ainda em 1977, a Rede Globo coloca no ar o Bom Dia São Paulo, cujo sucesso deu origem ao Bom Dia Brasil. Lançado em 1983, com meia hora de duração, o Bom Dia Brasil tinha como proposta ser um noticiário essencialmente político e econômico, transmitido diretamente de Brasília, centro das decisões do País. A década de 1970 é marcada também pelo distanciamento tecnológico entre a Rede Globo de Televisão e suas afiliadas. Esse distanciamento era tão traumático que em alguns casos a inserção local nos telejornais, e particularmente no Jornal Nacional, era em preto e branco, mesmo depois do telejornal já ser transmitido a cores em rede 22. Evidentemente, houve uma pressão da rede pela modernização dos equipamentos, em um processo que se prolongou até a década de 1980, com ameaças quebra de contratos de afiliação. Apesar disso, a diferença técnica não apenas permanece visível na qualidade das imagens, como a própria central de produção de jornalismo da Rede reconhece a falta de adaptação dos recursos humanos ao padrão da emissora. Outros 22 Este é o caso, por exemplo, da TV Triãngulo, em Uberlândia, Minas Gerais. (TEMER, 2006) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

15 TEMER, Ana Carolina 15 aspectos igualmente relevantes, um posicionamento em geral mais neutro das geradoras do Rio, São Paulo e outras grandes capitais em relação a política local, e uma relação de dependência maior nas emissoras regionais. Ainda assim, destaca-se como aspecto importante a capacidade do telejornalismo da Rede Globo neste período em promover a imagem Brasil como o país do milagre. Trata-se de uma estratégia que ia além da proposta de boa convivência com o Governo Militar. Servindo ao Regime autoritário...) a Rede Globo servia a si mesma (LIMA: 2001, p. 169), uma vez era o agente legitimador de uma estrutura sócio-econômica da qual a ela mesma era parte interessada. Nos anos 1970 os números da audiência da Globo eram tão impressionantes que a emissora despertou a desconfiança do próprio Regime Militar. O Governo então abre espaço para novas emissoras, re-distribuindo as concessões que compunham a antiga Rede Tupi 23. Esse receio se comprova em 1984 quando a Rede Globo rompe com o bloco histórico que ainda detinha o controle do governo e passa a apoiar outro candidato para a Presidência da República 24. Interligada a questão política, as décadas de 1970 e 1980 são marcadas tanto pela expansão da infra-estrutura de transmissão de televisão quanto pelo um rígido controle das importações de equipamentos técnicos para televisão pelo Governo Federal. Ambas as ações beneficiavam a Rede Globo, que era a única rede com suporte para superar as limitações financeiras impostas para a importação de equipamentos. Mais criatividade e menos tecnologia O virtual monopólio da audiência obtido pela Rede Globo de Televisão dificultava a sobrevivência das emissoras e rede concorrentes que, sem o mesmo suporte financeiro, apelavam para a criatividade. A Rede Bandeirantes, que entra no ar em 1967, tem como principal telejornal o Titulares da Noticia, que abre espaço para a população fazer ao vivo suas reivindicações. A emissora investe também em uma abertura diferenciada do telejornal (figuras humanas passeando pelo do mundo) e chega a colocar no estúdio uma arara, um pombo correio e a dupla caipira Tonico e Tinoco apresentando as novidades do interior. Em 1972, a emissora lança o Rede de Notícias, transmitido em várias capitais com os locutores em primeiro plano e a redação ao fundo. A proposta não cativa o público e no final da década surge o Jornal Bandeirantes, que mais tarde seria rebatizado como Jornal da Band, e apresentado por Joelmir Betting. Também foi uma experiência de curta duração deste período o Perspectiva, da Tupi, que lançou o comentarista Artur da Távola. Em São Paulo a TV Cultura consegue se diferenciar das demais emissoras com A Hora da Notícia, um telejornal sem grandes preocupações com a forma, mas que enfocava assuntos de interesse do telespectador (CAR- VALHO: 1980). Apesar da boa audiência, o telejornal esbarra na violência da censura e acaba desaparecendo, em um episódio que culminou com o assassinato do jornalista Vladmir Herzog pelos órgãos de repressão. 23 Ver dados da falência da Rede Tupi no tópico seguinte. 24 A indicação oficial vai para Paulo Maluf, nome que não agradava Roberto Marinho. A Rede apóia então o candidato Aureliano Chaves, então vice-presidente, que havia rompido com Presidente Figueiredo. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

16 TEMER, Ana Carolina 16 Em 1978, a TV Tupi lança o Grande Jornal, um projeto que visava integrar as emissoras da rede, mas que tem curta duração em função dos interesses diferenciados dos diversos proprietários das emissoras associadas. O jornalismo da Rede Tupi ainda tenta reagir e aproveita o abrandamento da censura para criar o Abertura, um programa semanal de entrevista com presença de ex-exilados políticos e a participação do cineasta Gláuber Rocha. O fim da censura oficial no telejornalismo é efetivado no dia 3 de fevereiro de 1980, mas o programa fica no ar apenas um ano e meio. Logo em seguida, o mesmo produtor do Abertura, Fernando Barbosa Lima, desenvolve um novo programa centrado em entrevistas, desta vez na TV Bandeirantes, o Canal Livre, que fica no ar até A década de 1970 termina com o triste fim da TV Tupi, em uma agonia transmitida ao vivo pelos seus funcionários. Do espólio da Tupi surgem novas redes: o Sistema Brasileiro de Televisão - SBT, que logo avança para a condição de vice-líder; e a Rede Manchete, que se propõe a conquistar um público de maior poder aquisitivo. Logo em seguida, a Igreja Universal do Reino de Deus compra a Record e forma uma rede de menor porte. No começo dos anos 1980 a linha de entrevistas continua fazendo sucesso, e a TV Cultura apresenta o Voz Populi, a Rede Bandeirantes o Encontro com a Imprensa e a TV Record o Diário Nacional. Também a Rede Globo investe no formato e cria uma edição semanal do Globo em Revista, mas o programa tem vida curta. Também duram pouco os programas Variety, Etc., Outras Palavras, Bastidores e Nova Mulher, todos da Rede Bandeirantes. A emissora também é responsável pelo Crítica e Autocrítica, que tem uma duração maior. O SBT estréia pouco depois de obter a concessão, mas atravessa a década com telejornais sem expressividade, como Cidade 4, 24 horas, Noticentro, e Últimas Notícias. Em 1983, a Rede Manchete entra no ar com um telejornalismo audacioso, que ocupava duas horas no horário nobre, destinada aos públicos A e B. O Jornal da Manchete alcança 8 pontos no Ibope e a emissora estréia o programa Conexão Internacional, produzido por uma empresa independente. Em 25 de janeiro de 1984 a TV Cultura faz a cobertura ao vivo do comício a favor das eleições diretas para presidente em São Paulo, e obtém altos índices de audiência. Apesar de melhor equipada que as demais emissoras, a Rede Globo ignora o movimento. Essa postura só muda depois de ameaça dos seus profissionais, de pressão dos anunciantes e da inquietação da audiência... (SQUIRRA: 1995, p.47). No comício seguinte, no Rio de Janeiro, a empresa faz uma ampla cobertura e igualmente disponibiliza suas unidades móveis de transmissão na cobertura da derrota da Emenda pelas eleições diretas, e pouco depois, na eleição indireta de Tancredo Neves para a Presidência. As grandes emissoras de televisão brasileira também se preparam para acompanhar ao vivo a posse do novo presidente, e quando ele adoece e o vice José Sarney toma posse, investem em um elaborado sistema de plantões para acompanhar a doença do presidente. A transmissão ao vivo deixa a ilusão de uma aparente trégua com a censura, mas a auto-censura interna regula o que pode ser colocado no ar (REZENDE: 1997) 25. A censura também retorna na cobertura da proposta que beneficia o presidente Sarney com a ampliação do seu mandato presidencial para cinco anos. Convenien- 25 Essa informação é confirmada pelos próprios jornalistas da emissora: Sei que se eu fizer uma matéria que vai incomodar, acabarei não cobrindo coisa alguma (porque a matéria não vai ao ar) (RAMOS apud LIMA, 2001, p. 150). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

17 TEMER, Ana Carolina 17 temente também, a mídia não dá destaque à distribuição de um grande número de concessões de radiodifusão, quase todas destinados à políticos ou seus parentes. Ao contrário da Rede Globo, que tenta adaptar o seu telejornalismo as mudanças no cenário político, a vice -líder de audiência, o SBT, ignora a questão e mantém no ar o telejornal O Povo na TV, uma modelo já presente no rádio, que abusa de um formato popular/sensacionalista, feito de reportagens policiais apressadas, gritaria, desastres e futebol, sempre marcado por uma narração moralista e uma pretensa defesa da cidadania. O modelo faz sucesso entre o público, mas não conquista os anunciantes, que relutam em se vincular ao sensacionalismo. Para superar esse problema, em 1988 a empresa contrata Boris Casoy, ex-editor da Folha de S. Paulo, para ancorar o novo telejornal da emissora: o TJ Brasil. A reação à audiência é boa e o programa atrai anunciantes. O modelo do jornal com âncora logo é exportado para outras emissoras: Carlos Nascimento segue o modelo no Jornal da Cultura e Marília Gabriela faz uma versão do Jornal Bandeirantes com a mesma proposta. O final da década é marcado pelas primeiras eleições presidenciais livres após o governo militar, motivo indireto do conflito entre Armando Nogueira e a direção da Rede Globo 26, que se encerra com Alberico de Souza Cruz assumindo o telejornalismo da emissora e prometendo um jornalismo mais atuante, com maior presença das transmissões ao vivo. Na década de 1990 o telejornalismo brasileiro passa a ter uma linguagem ainda mais sofisticada: cortes, aproximações de detalhes, planos gerais e closes, zoom-in e zoo-out, passam a ser usados com mais freqüência, enfatizando um estilo próximo ao videoclip, com noticias pequenas e velozes. Na contramão dessa tendência, em uma proposta de jornalismo com a cara da emissora, o SBT põe no ar em maio de 1991 o Aqui e Agora, um telejornal com seqüências visuais mais longas para dar maior realismo às cenas (SQUIRRA: 1993), usando um relato visual com planos-seqüências comparáveis ao estilo Glauber Rocha. O noticioso rouba uma parte da audiência da Rede Globo e influencia outros telejornais, que aumentam a quantidade de matérias policiais e aumentam as entradas ao vivo (BORELLI & PRIOLLI: 2000), mas o TJ Brasil mantém o mesmo horário e formato, pois conseguia melhor retorno publicitário. Novas mudanças técnicas surgem em decorrência da liberação das exportações implantada no governo Collor. A Rede Globo e as suas afiliadas aproveitam a situação investir em equipamentos de captação de imagens ainda mais leves e, portanto, mais portáteis. Em 1996, a Central Globo de Jornalismo oficializa uma série de mudanças nos seus telejornais e substitui a dupla tradicional de apresentadores do Jornal Nacional (Cid Moreira e Sérgio Chapelin) por Willian Bonner e Lilian Witte Fibe. Outros telejornais também fazem pequenas mudanças de conteúdo e estéticas. Pouco depois a emissora investe em outra mudança técnica, a digitalização, que começa a ser utilizada para a cobertura da Copa na França, em 1998, e logo passa a ser usado em todos os telejornais da Rede. A Manchete também muda o seu telejornal, acrescentando novas músicas de abertura, vinhetas e cenários, e 26 Armando Nogueira entra em conflito com a direção da casa ao discordar da edição apresentada no Jornal Nacional do último debate entre os candidatos Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva, que beneficiou o primeiro. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

18 TEMER, Ana Carolina 18 introduzindo Marcos Hummel, que passa a apresentar notícias de esporte e policiais. A âncora do telejornal continua sendo Márcia Peltier; Villas Boas Corrêa fala de política e Carlos Chagas entrevista os políticos em Brasília. O Jornalismo da SBT sofre constantes variações. Apresentado antes do TJ Brasil, o SBT Notícias com Leila Cordeiro e Eliakin Araújo, estréia em dezembro de 1995 com um bom desempenho no Ibope, mas em dezembro de 1996, o casal passa a apresentar o Aqui e Agora. Em seguida a emissora estabelece um acordo com a CBS americana, e passa a apresentar o Jornal do SBT-Telenotícias CBS. Em 1998, estréia o Noticidade, um informativo local, levado ao ar antes do Jornal do SBT-Telenotícias CBS. Aproveitando-se dessa inconstância, a Record faz investimentos no telejornalismo e obtém o crescimento mais significativo da década de 1990, dobrando o público do Cidade Alerta, jornal sensacionalista apresentado por Nei Gonçalves Dias, ao mesmo tempo em que contratar Boris Casoy para ancorar o Jornal da Record. Outros canais também investem em grandes nomes, como é o caso de Paulo Henrique Amorin, que vai para a Bandeirantes em janeiro de Fora de cena, problemas financeiros ameaçam a Rede Manchete. Vendida, ela volta para os antigos donos e novamente é passada adiante, em uma trama judicial chega a termo no final de 1999, com formação da Rede TV. No final da década, em 1996 o aparelho de controle remoto para televisão já está nas mãos de 88% dos telespectadores brasileiros e cresce individualização do hábito de ver TV, o que coincide também com o aumento do número de aparelhos por domicílio (BORELLI & PRIOLLI: 2000). Também o equipamento de videocassete doméstico, surgido em 1975, já é realidade nas residências da classe média nacional. A nova realidade afeta todas as emissoras e faz o Jornal Nacional amargar 32 pontos de audiência em janeiro (FOLHA DE S. PAULO: 1997). A Rede Globo enfrenta a crise abrindo espaço para o noticiário policial e investe em reportagens-denúncia, muitas vezes utilizando o recurso eticamente questionável das câmeras ocultas. As outras emissoras, financeiramente mais frágeis, apelaram para uma programação ainda mais popularesca. Em julho de 1998, estavam no ar programas como Ratinho Livre (então na Rede Record), Márcia, Fórum Popular (SBT), Magdalena Manchete Verdade (Rede Manchete), H na Lavanderia (Rede Bandeirantes) Cidade Alerta e 190 Urgente. Nesse conjunto, o destaque é o Ratinho Livre, cuja audiência chega a bater a Rede Globo. Novos concorrentes e novos caminhos Em 15 de outubro de 1996, a Rede Globo dá início as transmissões da Globo News, um canal exclusivo com 24 horas de notícias. A nova empresa entra no ar reapresentando os programas jornalísticos da TV Globo _ Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo além do Fantástico e do Globo Repórter. O novo canal marca também uma nova visão do telejornalismo que, junto com a televisão brasileira, aproveita as brechas na legislação da TV a cabo para abrir espaço para investimentos e parcerias financeiras com as grandes redes internacionais. No fechamento do século, em março de 2001, o processo se consolida com a entrada no ar da BANDNEWS, uma proposta que une um formato inovador a televisão de acesso digitalizado (visualizado Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

19 TEMER, Ana Carolina 19 através de canais segmentados ou pela Internet). Crescem também os números da televisão segmentada, o que modifica o perfil do receptor de televisão de sinal aberto. Para atingir um público com menor poder aquisitivo, pela primeira vez depois do êxito da integração nacional via televisão (que roubou espaço do telejornalismo local) a Rede Globo de Televisão reforça seus telejornais locais genericamente conhecidos dentro da rede como praça TV - e cria a sua versão de jornalismo comunitário, abrindo espaço para um maior número de entrevistas e matérias de serviço voltadas para o interesse das comunidades. De forma estratégica, a emissora atende a demanda do público por mais espaço para o telejornalismo 27, distribuindo durante a programação informativos regionais de curta duração. Os telejornais vão pouco a pouco abrindo mais espaço para as questões de polícia e a violência e, principalmente, de denúncias e escândalos de corrupção. Todas essas mudanças estão ligadas diretamente à redução do preço e do tamanho do vídeo-cassete e da câmara de captação de imagens domésticas ou amadoras 28, em um processo que permitiu o desenvolvimento do ao sistema conhecido VHS e posteriormente o S-VHS, ou Super VHS, que chegou a ser usado profissionalmente. Pouco depois surge também o VT portátil da microcâmera, que passa a ser utilizado reportagens-denúncia. Os novos equipamentos já com um processo de intercomunicação com outros sistemas, abrem caminho para o equipamento Betacam do tipo camcorder, um sistema digitalizado de gravação. Como vem fazendo historicamente, a Rede Globo de Televisão tem mantido em alta seus investimentos em tecnologia de última geração, mas, ao contrário das décadas anteriores, suas concorrentes estão igualmente audaciosas. O melhor exemplo desse perfil é a Rede Record que colocou no ar em setembro de 2007, a Record News, o primeiro exclusivamente de informação em televisão de sinal aberto no Brasil (canal 42 - UHF) com grandes investimentos em jornalistas e equipamentos. Outras novidades já se anunciam com a chegada da TV de alta definição, que traz embutida a promessa de multiplicação de canais e a fragmentação da audiência. Antes da televisão o país do passado, após a TV, o pais do futuro 29. A afirmação inicial deste texto, de que o Brasil da modernidade teve seu marco inaugural com o surgimento do Jornal Nacional é, antes de tudo, uma figura de linguagem e não uma hipótese a ser comprovada. De fato, a modernidade é o resultado de um complexo entrelaçamento de fatores, externos e internos, cuja análise e definição exigiria uma elaboração teoria maior do que é possível em um artigo científico. Para os brasileiros a televisão significa modernidade um conceito muito caro a um país repetidamente clas- 27 Segundo Sousa Filho, entre 1987 e 1992 a elevação do interesse pelo material informativo foi de 31%, passando de 39% para 50%. (In MATTOS, 1997, p.40). 28 De fato, uma das grandes viradas em relação à queda na audiência na Rede Globo de Televisão ocorre em abril de 1997, com uma reportagem-denúncia baseada no vídeo de um cinegrafista amador sobre a truculência policial na Favela Naval, em Diadema, São Paulo. 29 A expressão explora um slogan do Governo Militar brasileiro, mas também é facilmente explicável se considerarmos que o governo militar brasileiro quando se dispôs a usar a televisão como instrumento de unificação do país, teve primeiramente que investir em infra-estrutura, construindo hidroelétricas e levando energia às cidades de médio e pequeno porte. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

20 TEMER, Ana Carolina 20 sificado como subdesenvolvido ou atrasado. No entanto, essa afirmativa surge na construção da imagem de um Brasil moderno, voltado para o futuro e para o desenvolvimento industrial, em oposição a um Brasil histórico, agrícola e apegado a tradições (apresentadas como supertições, crendices e hábitos resultantes da ignorância e da falta de acesso a educação e aos recursos da modernidade Nesta relação a cidade desponta como o espaço onde tudo acontece, e o campo, e particularmente o homem do campo, aquele que deve se adaptar as novas demandas urbanas e modernas da vida contemporânea. O interior seja o campo/espaço de produção agrícola; sejam as pequenas cidades não foram esquecidos nesta representação, embora ocupem um papel secundário, condizente com o papel que deveriam assumir nesta modernidade. No entanto, a representação é de um campo que pode ser modernizado se assim o desejarem os produtores, e de pequenas cidades que servem como ponto de partida para que se busque uma vida ou um crescimento pessoal e profissional em cidades maiores. A riqueza do campo só se justifica como apoio a vida nas grandes cidades, e seus problemas e crises só geram material jornalístico quando trazem consequências para a vida na cidade. A partir deste ponto podemos concluir que no Brasil a televisão que foi fundamental para a construção da identidade nacional, atuando como elemento básico para a formação de um laço social 30, mas o fez a partir de um ideal de modernidade no qual a vida no campo, ou pior ainda, no interior, é algo menor, um estágio antes de se buscar as grandes cidades, ou uma espécie de purgatório tedioso do qual alguns não conseguem sair. De uma forma geral, o brasileiro vê o que está na televisão como uma espécie de continuidade de sua própria vida, uma oportunidade de sentir-se parte do contexto maior, um espaço no qual as coisas efetivamente importantes da vida (de sua vida) efetivamente acontece. De fato, Bucci (1997) aponta que a vida dos brasileiros é determinada pelos limites da televisão. A televisão unifica o Brasil no plano imaginário o país real das desigualdades sociais, geográficas e culturais. E como a televisão e o telejornalismo mostram prioritariamente os espaços do sudeste e as grandes cidades, é lá que a vida acontece. Desta forma, seria ingenuidade afirmar que as transmissões via satélite - as vozes vindas do céu foram fundamentais para unificar o país. Ao contrário, as imagens mostradas de forma sedutora ao público que vê a muito fascínio e pouca crítica de muitas maneiras acentuam as diferenças e criam a imagem de que o Brasil que não pertence ao sudeste é ainda um outro país. Nesta equação, o uso da tecnologia - equipes móveis, replays foi fundamental, pois eles atuam como indicadores de exclusividade, prestação de serviço, de avanço tecnológico, de qualidade da produção. A competência técnica é, ou pelo menos é para uma parte significativa de receptores brasileiros, sinônimo de competência social, de sucesso, de modernidade. No entanto, houve sim uma união, uma padronização, mas essa veio do consumo, da busca, em qualquer 30 A expressão explora um slogan do Governo Militar brasileiro, mas também é facilmente explicável se considerarmos que o governo militar brasileiro quando se dispôs a usar a televisão como instrumento de unificação do país, teve primeiramente que investir em infra-estrutura, construindo hidroelétricas e levando energia às cidades de médio e pequeno porte. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

21 TEMER, Ana Carolina 21 lugar do Brasil, pelas mesmas marcas, pelos mesmos símbolos de modernidade, como o caro esporte que não pode circular nas estradas rurais ou as máquinas de lavar informatizados, dez programas diferentes e nenhum eficiente para atender as demandas de quem trabalha com a produção rural. Evidentemente, a televisão da qual estamos falando é também uma televisão do passado. A televisão de sinal aberto atual enfrenta a pulverização da audiência decorrente dos novos comportamentos do consumidor (que passou a dividir o seu tempo livre entre várias opções de lazer, que incluía games interativos, Internet e até mesmo opções mais tradicionais, como teatros e shows, cujos preços se tornaram mais acessíveis em um fenômeno que aconteceu em vários países do mundo). Reinventando-se a cada dia, a televisão brasileira vem mantendo o seu prestígio junto ao público e os anunciantes, e consequentemente, vem mantendo o seu papel fundamental nos jogos políticos que envolvem as decisões sobre o comando e as ações do Estado brasileiro. Parte deste processo passa pela revisão das relações entre as emissoras locais as emissoras afiliadas e as emissoras que comandam o processo produtivo. Ou, melhor dizendo, entre o centro e o interior. O que nos espera, portanto, são novas histórias. Muitas histórias, nas quais os profissionais de comunicação e as imagens que eles construírem dessa relação, terão papel fundamental. Referências Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

22 TEMER, Ana Carolina 22 ANDERKRONE, Elmo Francfor,, acessível em Sampaonline.com.br. Atualizado em 28 de Setembro de Acessada em 22 de novembro de ARNT, Ricardo (1991). A desordem do Mundo e a Ordem do Jornal. In: NOVAES, Adauto. Rede Imaginária. São Paulo: Cia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura. p BARBOSA LIMA, Fernando. Nossas Câmeras são os seus olhos. In: BARBOSA LIMA,Fernando,PRIOLLI, Gabriel e MACHADO, Arlindo. Televisão & Vídeo. Rio de Janeiro: Zahar, BORELLI, SÍLVIA & PRIOLLI, Gabriel (coords). A Deusa Ferida porque a Rede Globo não é mais a campeã de audiência. São Paulo: Summus, CARVALHO, Elisabeth. et al. Anos 70: televisão. Rio de Janeiro: Europa Gráfica e Editora, l980. FISKE, John. Britsh Cultural Studies and Television. In: ALLEN, Robert. Channels of Discourse. Chapel Hil: University of North Carolina Press, 1987 FOLHA DE S. PAULO. Ibope- Os cinco programas mais vistos em São Paulo de 20/1/97 a 26/197. São Paulo, 16 fev. 1997, TV Folha, p. 2 FURTADO, Rubens. Programação I Da Rede Tupi à Manchete, uma visão histórica. IN MACEDO, Cláudia, FALCÃO, Ângela e MENDES DE ALMEIDA, Cândido José. TV ao Vivo Depoimentos. São Paulo: Brasiliense, 1988.p KEHL, Maria Rita, COSTA, Alcir Henrique da, e SIMÕES, Inimá Ferreira. Um país no ar: a história da TV Brasileira em 3 canais. São Paulo: Brasiliense/ Funarte,1986. LIMA, Venício A de. Mídia. Teoria e Política. São Paulo: Editora Perseu Abrano, LORÊDO, João. Era uma vez... a televisão. São Paulo: Alegro, MARCONDES FILHO, C. Política e Imaginário - nos meios de comunicação para massas no Brasil. São Paulo: Summus, MATTOS, S. Um perfil da TV brasileira (40 anos de História- de l950 a l990). Salvador: A Tarde, MATTOS, Sérgio (org.) Televisão e cultura na Alemanha e no Brasil: Apresentações no Seminário Cultura e Política na Televisão do Brasil e da Alemanha, em Salvador, de 9 a 14 de maio de Salvador: ICBA Instituto Cultural Brasil Alemanha, MATTOS. Sérgio. A televisão no Brasil: 50 anos de história ( ). Salvador: Ianamá, MOYA, Álvaro de. Gloria In Excelsior. Ascensão, Apogeu e queda do maior sucesso da televisão brasileira. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, MILLER. Toby. A televisão acabou, a televisão virou coisa do passado, a televisão já era. org/images/espanol/a%20tv%20em%20trans%20notas%20ajustadas.pdf. Acesso em 25/09/2012. PATERNOSTRO, Vera Iris. O texto na TV- manual de telejornalismo. Rio de Janeiro, Campus, REZENDE, Guilherme. Perfil Editorial do Telejornalismo Brasileiro. São Bernardo do Campo: UMESP, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

23 TEMER, Ana Carolina 23 (Tese/Doutorado). RIXA. Almanaque da TV - 50 anos de memória e informação. Rio de Janeiro: Objetiva, SAMPAIO, Walter. Jornalismo audiovisual: rádio, TV e cinema. Petrópolis: Vozes, SIMÕES, Inimá. Nunca fui santa (episódios de censura e auto-censura). In BUCCI, Eugênio & SOUZA FILHO, Whashington. O jornalismo na Televisão. IN MATTOS, Sérgio. Televisão e Cultura no Brasil e na Alemanha. Salvador: ICBA, SQUIRRA, S. O telejornalismo brasileiro num cenário de competitividade. Intercom Revista Brasileira de comunicação. São Paulo, Vol. XVIII, n 1, Jan/Jun, 1995b SQUIRRA, Sebastião. Boris Casoy: O âncora no Telejornalismo Brasileiro. Petrópolis: Vozes, SQUIRRA, S. (org). Telejornalismo memórias. São Paulo: ECA:USP, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p. 8-23, nov 2012

24 ISSN: O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDI- ÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 1 Marcos Pedro da SILVA 2 e Débora Cristina TAVARES 3 Resumo Este trabalho pretende analisar as transformações ocorridas na prática cultural da Colônia Russa em Primavera do Leste-Mato Grosso, aos olhos da comunicação e mediações culturais. Acredita-se que as mudanças são ressignificações da tradição cultural e da religiosidade e está diretamente ligada aos novos recursos decorrentes das tecnologias midiáticas que vem sendo inserida em seu cotidiano e dando novos significados. Palavras-chave: : : Cultura Popular; Mediação Cultural; Religião; Mídia; Cultura; Cultura Russa. 1 Trabalho apresentado no 1 Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigrm/ Dourados/ MS. 2 Mestrando em Estudo de Cultura Contemporânea ECCO - UFMT, marcospedro.ecco@gmail.com 3 Professora Doutora do Curso de Comunicação Social da UFMT e Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudo de Mídia e Cultura, dedetavares@gmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

25 SILVA, Marcos Pedro 25 Introdução Quando se fala da manifestação cultural da Colônia Russa em Primavera do Leste, MT é necessário primeiramente contextualizar ao longo de sua história todos os acontecimentos que marcaram e ressignificaram esta cultura. Essa busca será analisada desde sua saída da Rússia e sua chegada ao Estado de Mato Grosso. Fatos esses que vem entrelaçados e englobados através do processo imigratório gerado pelo conflito religioso e político em seu local de origem. Tentar responder quais os fatores que motivaram a sua vinda para esse novo mundo, assim considerado por eles, é uma questão bastante delicada. O que se tem de concreto sobre a Comunidade Russa no Brasil são poucos registros de fatos históricos ou relatos deixados pelos primeiros imigrantes ao se estabelecerem no Brasil e principalmente em Mato Grosso, os poucos recortes de jornais, sites e revistas são esses postulados que trazem informações importantes para melhor compreensão sobre o seu contexto sócio-cultural de sua chegada. Para situar o que caracteriza esses fatos culturais, se faz necessário um breve relato histórico. Segundo Lucena Filho (2007, p.151) não é possível analisar uma manifestação cultural sem considerar sua historicidade e as variáveis sociais, econômicas, políticas e culturais do lugar onde o fato ocorre. Esta pesquisa trata da influência da tecnologia midiática na prática cultural da Colônia Russa em Primavera do Leste - MT. Em síntese, é procurar descrever como esse processo manifestou e/ou manifesta com a chegada da tecnologia midiática, quais as alterações em sua prática religiosa, e, principalmente, o seu modo de vida, pois geram muitos questionamentos e problemas a serem respondidos. A ideia para produção deste artigo foi inspirada na observação feita aos logos de 2008 até os dias atuais e leitura do texto Imigração Russa no Brasil: aos olhos da comunicação percorre um contexto amplo de possibilidades. Baseadas na teoria dos meios, às mediações, mundialização e cultura encontram parâmetros para serem analisadas as interações entre a prática cultural e a mídia no contexto local, como os meios estão vinculados à prática cotidiana desse grupo. Essa nova configuração cultural é potencializada pela influência dos meios de comunicação de massa: a internet, o celular e a televisão, entre outros elementos midiáticos na contemporaneidade, principalmente analisando como esses aspectos de mudanças se dão em relação com a mídia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, a fim de trazer mais informações a respeito da história da cultura russa e dos meios de comunicação e das teorias de Cultura de massa e cibercultura bem como a realização de pesquisa documental que possibilitasse as análises e exemplificação do objeto de estudo. Os Staroveri em Mato Grosso Diferentes dos imigrantes que fixaram suas moradias ao sul e sudeste do Brasil, os russos que vieram para região centro-oeste pertencia a um movimento religioso, denominado os Staroveri ou velhos crentes. Surgido a partir de 26 de Outubro de 1917, com a implantação do marxismo-leninismo na Rússia, aboliu todas as propriedades privadas e a religião pertencente a essa comunidade rural, das quais muitos deixaram o seu local de origem para exilarem em países vizinhos. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

26 SILVA, Marcos Pedro 26 Os russos tradicionais ou camponeses como são chamados, despojados de suas propriedades agrícolas foram impedidos de exercer a sua fé, resistiram aproximadamente durante dois anos às perseguições de que foram vítimas na Rússia. Durante esta perseguição sofreram ao longo das estepes siberianas 4, das quais os russos fundamentalistas tiveram de cumprir um demorado périplo para a fuga, que consumiu quase uma geração. Inicialmente muitos foram para outros países como China, Mandchúria e Mongólia, nações onde nasceram alguns imigrantes que reside em Mato Grosso e varias regiões do Brasil. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial e outras revoluções acabaram por expulsá-los, de cidade em cidade, de país em país. Já entediado de tantas perseguições buscaram uma nova pátria em outros países, dentre esses o Brasil. Um numeroso grupo decidiu dar um basta ao exílio e buscar novos caminhos, onde pudessem encontrar tranquilidade, segurança e viver em paz e praticar principalmente, os rituais do cristianismo primitivo de suas crenças. Essa cidade caracterizada na linguagem Bíblica a Canaã, o especialista em cultura russa Zabolotsky (2007, p.74) explica que foi encontrada no início da década de sessenta, as primeiras famílias que se estabeleceram no município de Primavera do Leste, no cerrado matogrossense, a uma distância de trezentos quilômetros da capital. O pioneiro desta expedição foi senhor Wassily Killy, que enfrentou a dura vida do serrado, construindo cabanas improvisadas, espalhadas pelas futuras fazendas. Nelas foram estabelecidas regras de conduta dos velhos crentes, como a divisão de tarefas entre homens, mulheres, meninos e meninas. Com o sucesso do plantio e a fartura das colheitas, novas famílias de imigrantes russos brancos vieram para esta região, juntando-se aos pioneiros. Transformaram a mata virgem em fervilhante concentração de tratores, semeadores, colhedeiras, caminhões e veículos novos. Mesmo estando em uma região aparentemente isolada, o modo de vida permanece ainda completamente diferente do homem urbano. O uso da tecnologia industrial aplicada no plantio sempre esteve presente, com grandes máquinas que contribuíram na plantação do milho, soja, arroz. Surgiram também, casas, hortas e jardins, moinho doméstico e fábricas de rações. Transformando-o no celeiro da região. As residências denotam um estilo particular, que são erguidas pelo grupo seguindo um estilo camponês russo, têm variações brasileiras para se adaptar ao clima de muito sol e chuva, em vez de neve e gelo. As paredes das casas são, na maioria, de madeira ou às vezes de alvenaria. Dispõe ainda de equipamentos domésticos rústicos, para garantir certa autosuficiência para as famílias. O forno de barro e o fogão a lenha são indispensáveis. Nesta comunidade as mulheres têm por costumes usarem vestidos longos e cumpridos, lenços e tranças no cabelo, tecem e bordam, costuram as roupas de toda família. Além dos afazeres domésticos. Tudo é aproveitado, nem que seja para fabricar vodka fina, a brashkva, feita de arroz fermentado ou de frutas especialmente preparado para as ocasiões festivas, entretanto, é considerado um excelente refresco. Para eles a ociosidade é um pecado no seio da comunidade. 4 É vegetação rasteira, clima frio e seco, longe da influência marítima e perto de barreiras montanhosas. principalmente nos EUA, na Mongólia, na Sibéria e na China. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

27 SILVA, Marcos Pedro 27 Esse modelo incomum, aos nossos olhos, das práticas culturais da comunidade russa, agrega-se desde muito cedo a formação educacional das crianças, sendo até certo ponto rígida, embora não apresenta certa severidade. São introduzidas na infância nas práticas e ministério do cristianismo ortodoxo. Além do catecismo convencional, aprendem a ler textos antigos, em russo e grego helênico, que servirá de ajuda na leitura da Bíblia cristã primitiva e para os cânticos religiosos. Com paciência e obstinação, os pais ensinam os filhos pequenos a falar e ler em russo. Além da propedêutica dos caminhos da virtude cristã do catolicismo ortodoxo, não se descuidam em colocá-lo em escola pública para aprender o português e cursar o ensino fundamental e médio. Embora algumas famílias não permitissem que as adolescentes ou jovens terminassem o ensino médio, o papel da mulher nessa comunidade é cumprir com as obrigações do lar, como uma boa dona de casa, princípios esses que são estabelecidos por considerarem uma família extremamente patriarcal. Apesar do tempo em que vive nesta região, ainda são visto com certa estranheza. Isso certamente em virtude de seus trajes, hábitos, costumes e, principalmente, por causa da língua, a escrita em cirílico (alfabeto eslavo) e a religião onde moram. O que também gera um distanciamento entre a comunidade urbana, é o fato de serem auto-suficiente em tudo faz, rarefazendo os contatos com a vizinhança e com as pessoas da cidade. Mas de modo algum se isolam em sua comunidade por completo, nem formam grupos fechados na integra. O contato que se tem está ligado diretamente com as relações comerciais. Mesmo com esse contato urbano, os próprios integrantes dessa comunidade procuram ou mantém certo distanciamento dos hábitos e práticas desse homem urbano, procura cumprir os padrões e regras que são estabelecidas e ensinadas desde muito cedo e que devem ser cumpridas e preservadas por cada um. Além de estimularem numerosa prole, as crianças são nascidas por uma parteira à moda antiga, e são batizados pelo Padre Gabryl Kosnitchov, o líder em Mato Grosso. Sobre o casamento, é um momento muito festivo, chega a durar aproximadamente três a cinco dias de comemoração. Zabolotsky (2007) comenta: Os jovens casam cedo. O noivo oferta uma flor da grinalda que a noiva usa durante o noivado. Escolhem os acompanhantes para os preparativos do casamento. As vizinhas e parentas costuram, bordam e, principalmente, trocam segredos do matrimônio com a futura esposa. Quanto o rapaz, neste período, dedica-se às despedidas de solteiro, com os amigos e muita braskhva. Enquanto isso, seus parentes lhe preparam o enxoval, resumindo em várias rubaskas, (camisas) alguns pares de trussi (calças) e os indispensáveis paissocos (cintos tecidos e bordados em casa) dos blusões (ZOBOLOTSKY, 2007, p.75). Nesse contexto da citação acima, percebe-se nessa manifestação casamenteira uma tradição arcaica que ainda hoje são realizadas e cumpridas. O casamento na colônia é feita a moda antiga, onde as famílias presam pela escolha noivo ou noiva para o filho ou filha. Podendo ainda nessas escolhas os pretendentes pertencer a uma dessas comunidades russas existente no Brasil ou no exterior, desde que mantenha os mesmos ritos religiosos, padrões e regras, e, principalmente que professa a religião ortodoxa. Já houve caso na comunidade, de brasileiro que se converteu ao catolicismo ortodoxo e todas as suas práticas, e conseguiu o consentimento dos pais para se casar. Fazer parte dessa comunidade, não é somente se converter, mas, é necessário cumprir todos os ritos religiosos e tradição, bem como estabelecer sua moradia na colônia. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

28 O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 28 Além de todos esses elementos importantes para o pertencimento nessa comunidade, existem ainda inúmeras colônias em várias regiões do Brasil como: Goiás, Mato Grosso, São Paulo e Rio Grande do Sul e no exterior Bolívia, Argentina, Chile, Estado Unidos e Canadá. A semelhança entre elas são suas práticas ritualísticas da religião ortodoxa, com suas características primitivas de cultuar. Ordeiros, disciplinados e devotados ao trabalho, demonstram através de sua fé que ainda mantêm a solidez da comunidade contra desagregações e tentações da sociedade globalizada e permissiva, principalmente ao uso das tecnologias midiáticas que, embora em menor impacto, também os tem alcançado. Com essas mudanças, algumas comunidades deixaram de preservar a sua tradição, principalmente as vestimentas como era de praxe, incorporaram um novo modelo, agregou-se também em sua prática o uso da tecnologia midiática ao modo de vida. Com a virada do século e entrar no terceiro milênio cristão, pretendia continuar vestindo e vivendo como viviam seus velhos ancestrais da velha Rússia czarista. Embora ainda hoje exista comunidade que preserva os moldes de seus antepassados, como é o caso da colônia russa em Primavera do Leste. Mesmo assim as mudanças e alterações só ocorreram através desse contato com as novas tecnologias. Panorama da Religião Ortodoxa Sobre a Religião Ortodoxa é importantes compreender todo o processo histórico como a história se escreveu ao longo do tempo, começando a divisão do mundo romano em Império do Ocidente (ano 395). De um lado o latino, que abrange todo o Ocidente, de outro, famílias de ritos que constituem as chamadas Igrejas Orientais, encarnações da vida cristã em diversas culturas milenares do Oriente, como a grega, egípcia, russa, romena cristianismo sérvio, búlgaro, georgiano e outras. A Igreja Ortodoxa professa a Doutrina autêntica do Cristo, tal e qual como foram reveladas dos seus próprios lábios e exercidas pelos Apóstolos no primeiro século da era cristã, então na Palestina e cidades de Jerusalém, Damasco e Antioquia, transmitida pelos Apóstolos aos seus próprios sucessores e aos fiéis, e preservada zelosamente em sua pureza cristalina através dos séculos. É considerada a doutrina certa e justa, compreendida sem subtração e sem acréscimo nas Sagradas Escrituras, na Tradição e nos Sete Concílios Ecumênicos. Chama-se Ortodoxia a doutrina que observa os ensinamentos do Nosso Senhor Jesus Cristo, reverenciados e propagados pela Igreja Ortodoxa, para glorificar a Deus e salvar as almas. A Cristandade ficou dividida entre duas igrejas: Católica Romana, e Católica Ortodoxa (orto: reto; doxo: fé). A religião Ortodoxa atingiu o apogeu com Igreja Russa criada 988, pelo Príncipe Vladimir. As Igrejas Católicas Romanas e Católicas Ortodoxa são uma só, fundada por Jesus Cristo e estabelecida pelos Santos Apóstolos. Apresentam mínimas diferenças no dogma, algumas na liturgia e na hierarquia eclesiástica. A fé na Ortodoxia, cuja crença contribuiu e ajudaram os colonos a suportar as dificuldades encontradas ao longo da vida e dos sofrimentos com a chegada ao Brasil, sem dúvida foi o elo integrador e de união entre eles, bem como a resistência e preservação da própria cultura. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

29 O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 29 Sendo denominado como Católico Ortodoxo ou Ortodoxo. Os russos descendentes professam de maneira inquestionável a sua fé, freqüenta as liturgias estabelecendo vinculo com o ofício religioso expressada na prática do seu cotidiano, tudo esta associado a religiosidade que é o fator primordial. Começando pelo calendário festivo da comunidade. Segue e observa o calendário Juliano que divergem do romano, a única diferença de um para outro que um tem treze dias a mais. Esta religiosidade com o passar dos anos percebe-se uma nítida diferença da geração anterior e a atual. Enquanto a geração anterior externa uma religiosidade mais íntima, mais compenetrada por ocasião dos ofícios litúrgicos. A geração atual participa mais descontraída dos atos litúrgicos e sua religiosidade aparenta ser mais superficial. Isso se observa através da comparação dos comportamentos dessas gerações. Além da religião, segundo Jacinto Zobolotsky (2007): Os imigrantes e descendentes, principalmente os mais idosos, preservam, ainda hoje, alguns usos e costumes, transmitidos de geração em geração. As mulheres mais velhas costumam usar lenços na cabeça e vestidos com estampas coloridas. Os noivos por ocasião do casamento, após a Liturgia, são recebidos pelos pais, com um ícone, em geral da Virgem Maria. Ele é colocado em um lugar de honra em seu novo lar, para as orações. Simbolizando a vida, força, trabalho, hospitalidade e abundância fazem-se a partilha do pão e sal, para que nunca falte aos noivos o pão e sal. É também usado para dar boas vindas na recepção a visitantes ilustres (ZOBOLOTSKY, 2007, p. 156). Em algumas casas, ainda hoje se preservam o ângulo belo, iluminado pela lampatka, um ângulo na entrada onde são colocados os ícones. A preferência é por um lugar alto, para elevar o olhar ao Altíssimo, que significa a presença de Deus na casa. Quem conhece a tradição, ao entrar na casa, após saudar o dono, inclina-se, faz o sinal da cruz. Quando um cristão ortodoxo morre, coloca-se envolto de sua cabeça, uma espécie de faixa com inscrições em russo ventchik 5, significando que o finado cumpriu em vida com honra, seus compromissos religiosos e sua missão aqui na terra, sendo como um passaporte da Terra para o Céu. Novos Desafios da Cultura Russa As condições vividas pelos antepassados influenciaram na formação dos imigrantes russos e se seus descendentes: embora sendo tímidos, pacatos, retraídos, desconfiado, mais são tementes a Deus e às leis dos homens. Até então com sua chegada era taxados de comunistas, por causa da revolução 1923, I e II guerras mundiais, ditadura de Vargas e a ditadura militar que cortaram as relações com a pátria mãe. Neste contexto conturbado Zobolotsky (2007) comenta: as casas dos imigrantes eram revistadas e livros levados para o Quartel. Muitos documentos foram queimados, livros, ícones e relíquias (ZOBOLOTSKY, 2007, p.178). 5 Significa: Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

30 O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 30 Diante de todos esses acontecimentos, as mudanças estão acontecendo paulatinamente. Os filhos e netos já quase não querem falar a língua russa e boa parte de suas tradições estão esquecidas. Através das influências de outras culturas, diminuindo sensivelmente o número de fiéis, causando apreensão, os poucos que tem procuram, confiam em Deus e conservam sua fé da maneira mais viva possível, contudo, nessa busca sente-se necessidade de resgatar a sua identidade e signos que ao longo do tempo foram deixadas. Quando procuramos compreender as mudanças na pratica cultural da comunidade russa em Primavera do Leste, esse consumismo pela tecnologia midiática, principalmente pelo uso do celular e a televisão, trazem outros significados e sentidos na forma de ver o mundo real. A importância que esses meios de comunicação têm, se assim pode dizer, é estar conectado a uma realidade presente e cada vez mais a interagindo com a multiplicidade cultural, sem negar a sua identidade, e sim, absorvendo elementos que somam a sua prática diária. Embora seja difícil para eles, diante de tudo que tem presenciado, a impossibilidade em permanecer neutralizado, intacto e longe desse mundo globalizado esta sendo impossível, pois esse novo ver desperta o desejo dessa nova geração pelo uso desenfreado das tecnologias midiáticas. Lembrando que a utilização desses meios de comunicação até algum tempo atrás, não era permitido. Embora algumas famílias ainda hoje não permitissem o uso dessas tecnologias. As proibições para o staroveri se resumem na prática religiosa do catolicismo ortodoxo, que vê o mundo como uma influência má e que até mesmo poderá desviar dos bons costumes ou negar a sua própria fé. Para quem conhece a colônia russa em Primavera do Leste, MT, continua por algumas famílias mais conservadoras a desqualificar todos esses avanços, procuram de toda maneira neutralizar essa nova forma e bem de consumo do homem contemporâneo. A nova geração que esta se erigindo na comunidade se apegou as esses meios tecnológicos que facilita a vida e o contato rápido com toda a novidade global. Um ponto determinante, como já citado, é o uso do celular e da televisão, o uso era muito restrito, mesmo distante dessa tecnologia midiática, contraria os próprios princípios bíblicos que são pregados pela liderança religiosa, sobre tais proibições. As observações em loco, apresentou uma outra realidade, se por um lado existem as proibições, por outro existe uma tecnologia industrial (maquinário) de ponta muito utilizado no seu dia-a-dia e sempre esteve presente, servindo de suporte necessário no plantio e na colheita de seus seriais. Para Stuart Hall (2002): quando mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos lugares e imagens, pelas imagens da mídia e pelo sistema de comunicação globalmente interligado, mais a identidades se tornam desvinculadas, desalojada de tempos, lugares, histórias e tradições específicas e parecem flutuar livremente (HALL, 2002, p.75) O medo que ainda paira em algumas famílias, que essa juventude deixe seus hábitos e costumes que ao longo dos tempos foram carregados por uma tradição e posição religiosa. Hoje, são visíveis as alterações que gradativamente vem dando outros significados, mudando o comportamento dessa nova geração. O novo é visto com uma certa aversão dos mais religiosos. Esse contato esta mais presente no ambiente escolar, e com a cidade. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

31 O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 31 As novidades que são apresentadas por outras pessoas, das quais não fazem parte da colônia, trazem uma gama de informações e novidades tecnológicas pertinentes a atualidade, que despertam nessa juventude russa o desejo por esse bem de consumo. Com a chegada da televisão, o uso dentro de suas casas só é permitido com uma certa moderação e limitação. Procuram assistir novelas épicas, nada que venha denegrir os bons costumes e princípios religiosos. Toda comunidade traz pautado a religiosidade como algo de maior importância e simbolismo cristão a ser representado no seu dia-a-dia. Se por um lado o meio de comunicações tem estado presente, em contra partida buscam nos princípios religiosos uma vida de fé e prática. Por outro lado agrega-se de maneira não tão espontânea, cuja finalidade ao mesmo tempo permiti a essa nova geração a utilização dessa tecnologia midiática, mais também que saiba dialogar e viver de uma forma harmoniosa, sem perder os princípios religiosos. Cada vez mais a cultura local vem se posicionando no contexto globalizado, suas manifestações passam por uma atualização. Estabelece procedimentos da comunicação, pelos quais as manifestações populares se expandem, se socializam, convivem com outras cadeias comunicacionais, sofrem modificações por influências da comunicação massificada e globalizada se modificam quando apropriadas por tais signos. Stuart Hall, (2002) faz uma abordagem: que a globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado (HALL, 2002, p.67). Para compreensão das transformações ocorridas nas práticas culturais da comunidade russa, alguns teóricos culturais argumentam que há uma tendência em direção a uma maior interdependência global que esta levando ao colapso todas as identidades culturais. Isto é, está produzindo uma fragmentação cultural, a multiplicidade de estilos, a ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente, na diferença no pluralismo cultural e na hibridação. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

32 O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 32 Considerações Finais Pensando no contexto dessa comunidade na representação histórica e fatos que foram extremamente importantes desde sua vinda, carregam consigo as práticas religiosas, contudo as experiências vividas estão entrelaçadas ao seu modo de vida anteriormente cultuado na velha Rússia. O modelo tradicional da própria cultura deveria ser praticado em sua nova pátria, o Brasil. Confrontado com a dura realidade do país, o multiculturalismo e a chegada de diversas culturas vindas de várias partes do mundo, nesse mesmo período, fugindo das guerras e das revoluções, houve um choque cultural. Nesse impacto cultural agregaram-se outros valores e símbolos às vezes imperceptíveis a suas práticas. Este conjunto de símbolos e tradições culturais apresentados contempla a fala de Lucena Filho (2007) quando afirma que: As manifestações da cultura de um povo abraçam não apenas as suas instituições e linguagens. As culturas se expressam via transmissão de múltiplos signos, símbolos e ícones, vivenciados nas suas crenças, danças, na musicalidade, na religiosidade, nas comidas típicas, na literatura, na oralidade, nas suas produções artísticas e nas suas festas (LUCENA FILHO, 2007, p. 154). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

33 O STAROVERI: A INFLUÊNCIA DA TECNOLOGIA MIDIÁTICA NA PRÁTICA CULTURAL 33 REFERÊNCIAS CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. 3. ed. São Paulo: Edusp, HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. DP&A editora. Rio de Janeiro: LUCENA FILHO, S. A. A festa junina em Campina Grande-PB: uma estratégia de folkmarketing. 1. ed. João Pessoa-PB: Editora universitária/ufpb, MARTÍN-BARBERO, J.. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, ORTIZ, Renato. Mundialização e Cultura. 11. Ed. São Paulo: Editora Basiliense, ZOBOLOTSKY, Jacinto Anatólio. A Imigração Russa no Rio Grande do Sul: os longos caminhos da esperança. 4. ed. Rio Grande do Sul: Editora Martins Livreiro, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

34 ISSN: PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 1 José Milton ROCHA 2 e Mario Luiz FERNANDES 3 Resumo O texto apresenta o Perfil Universitário, um sítio de Dourados, voltado para o público universitário da cidade. Trata-se de um estudo preliminar, do perfil dos sítios de Dourados, a partir da perspectiva de mídia de proximidade, inserida no ciberespaço. A metodologia utilizada é a descritiva. O sítio utiliza o formato de portal de notícias, mas, ainda carece de elementos para esta configuração. Pelo ineditismo da ferramenta e o papel que exerce no processo de comunicação apresenta fortes traços da mídia de proximidade. Palavras-chave: Mídia de proximidade; sítios; ciberespaço, Dourados. 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS. 2 Mestrando do Curso de Comunicação da UFMS, milton.10@uol.com.br 3 Orientador do trabalho. Professor do Mestrado de Comunicação da UFMS, mario.fernandes@ufms.br Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

35 ROCHA, José Milton 35 Introdução A internet tem favorecido o surgimento e consequente fortalecimento de portais regionais de forma massiva e segmentada. Barbosa (2002, p.64) avalia que esses portais [...] se distinguem pela atuação segmentada e pela relação direta estabelecida entre comunidade e conteúdo. Constituem-se em exemplo de apropriação da tecnologia seguindo a lógica de articulação local-global. Peruzzo (2003, p.70) ratifica a valorização dos meios de comunicação local: [...] revitalizados no momento atual como uma demanda social pela diferença e por uma comunicação mais próxima à vida e aos interesses do cidadão. Ela adverte, contudo, que o interesse da mídia comercial se caracteriza pela demanda do segmento, sem aprofundar a sua potencialidade de comunicação de proximidade, tampouco a de um caráter mais voltado para os interesses do cidadão. O Estado de Mato Grosso do Sul, situado na região do Centro-Oeste brasileiro, tem seguido esta tendência com um número significativo de sítios de notícias. Uma estatística ainda não finalizada do Portal de Mídia da UFMS já contabiliza 27 sítios jornalísticos. O município de Dourados responde por oito dos catalogados naquele Portal, mas esse número já ultrapassa 12, segundo verificação mais recente. Estes sítios não estão ligados a jornais impressos, são versões próprias do ambiente web. O Perfil Universitário é um destes portais de Dourados. Como o nome sugere, é voltado para o público universitário da cidade. O objetivo deste artigo é apresentar o sítio a partir da perspectiva do seu enquadramento como parte de uma mídia de proximidade. Peruzzo (2003) entende que a mídia de proximidade está ligada a fatores históricos e culturais, porque eles ajudam a configurar a existência e o grau de importância da mídia regional e local em cada contexto. A pesquisadora salienta que a mídia local, um elemento de abrangência da mídia de proximidade, se ancora na informação gerada dentro do território de pertença e de identidade em uma dada localidade ou região. Mas ela vai além quando diz o seguinte: Importa entender que o local se caracteriza como espaço vivido em que há elos de proximidade e familiaridade, os quais ocorrem por relacionamentos (econômicos, políticos, vizinhança etc.) e laços de identidade os mais diversos, desde uma história em comum, até a partilha dos costumes, condições de existência e conteúdos simbólicos, e não simplesmente em decorrência de demarcações geográficas (PERUZZO, 2003, p.69). Mas que enquadramento deve ser dado ao Perfil Universitário, no que concerne à categorização de sítios? De notícias, de entretenimento? Que inserção este tipo de mídia tem na população de Dourados? Qual é o seu conteúdo predominante? Muitos questionamentos podem ser suscitados, mas o trabalho tratará do sítio na perspectiva de mídia de proximidade, já que se trata apenas do início de uma pesquisa sobre os sítios de notícias de Dourados. No decorrer da pesquisa o assunto será analisado com maior abrangência, levando em conta outros aspectos como conceitos do jornalismo (lide e pirâmide invertida, por exemplo), mas principalmente os fundamentos do ciberjornalismo como hipertextualidade, multimidialidade, interatividade, customização de conteúdo/ personalização, multiplicidade/convergência, memória e instantaneidade (PALACIOS, 2004). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

36 ROCHA, José Milton 36 O trabalho é parte do projeto de pesquisa desenvolvido no Programa de Mestrado de Comunicação Social da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que estudará o perfil dos sítios de notícias da Grande Dourados, a partir do conteúdo jornalístico oferecido por eles, na perspectiva do ciberjornalismo. Mielniczuk (2003) entende que a palavra ciberjornalismo remete ao jornalismo realizado com o auxilio de possibilidades tecnológicas oferecidas pela cibernética, sendo, portanto, o jornalismo feito com o auxílio do ciberespaço. A utilização do computador para gerenciar um banco de dados na hora da elaboração de uma matéria é um exemplo da prática do ciberjornalismo (MIELNICZUK, 2003, p.43). O texto utiliza como metodologia duas formas de pesquisas apresentadas por (GIL, 1995): a exploratória e a descritiva, no caso, para estudo de caso do Perfil Universitário. De acordo com o autor, as pesquisas descritivas têm como objetivo principal a descrição das características de determinada população ou fenômeno ou, o estabelecimento de relações entre variáveis. Características como a entrevista e a observação sistemática, são consideradas técnicas padronizadas deste tipo de pesquisa. O autor entende que as pesquisas descritivas são, juntamente com as exploratórias, as que habitualmente realizam os pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática (GIL, 1995, p.46). Sobre a pesquisa exploratória, o autor considera que ela pode ser usada em estudo de caso, e tem como objetivo oferecer maior familiaridade com o objeto pesquisado, permitindo o uso de entrevista para expor a situação. Estes tipos de pesquisas foram adotados neste trabalho porque a investigação ainda está no seu início e, neste primeiro momento, entende-se que, a melhor maneira de fazer é apresentando o objeto, descrevendo-o, ao tempo que se promove a exploração dele. 2 MÍDIA LOCAL, OU DE PROXIMIDADE É necessário, portanto, um olhar acurado para se entender a importância que esse tipo de mídia exerce na sociedade atual. Um viés que pode ajudar a compreender, ou explicar, essa situação seria a mídia local, ou mídia de proximidade, no processo de globalização. Para Roger Silverstone 4, a mídia precisa ser estudada, para se compreender como e onde surgem os significados, além das consequências trazidas por ela. É preciso ter capacidade de identificar os momentos em que o processo parece falhar, onde ele é distorcido pela tecnologia ou de propósito. O autor define a mídia como um processo: [...] como uma coisa em curso e uma coisa feita, em todos os níveis, onde quer que as pessoas se congreguem no espaço real ou virtual, onde se comunicam, onde procuram persuadir, informar, entreter, educar, onde procuram de múltiplas maneiras, e com graus de sucesso, variáveis, se conectar umas com as outras (SILVERSTONE, 2005, p.12). Para ele, entender a mídia como processo, também implica um reconhecimento de que esse processo é fundamentalmente político, ou talvez, mais estritamente, politicamente econômico. E vai mais além quando afirma que, passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica, para fins de entretenimento e informações, de conforto e segurança, para ver algum sentido nas continuidades da experiência (SILVERSTONE, 2005). 4 Trecho de entrevista do pesquisador inglês Roger Silverstone publicada no sítio da ANJ. Disponível em: org.br/pje/biblioteca/entrevistas/professor-roger-silverstone-explica-porque-devemos-estudar-a-midia. Acesso em Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

37 ROCHA, José Milton 37 O pesquisador em jornalismo Mario Fernandes, citando Fontcuberta, define a proximidade como um dos fatores mais poderosos na hora de eleger uma notícia, embora ressalte que ela não deve ser entendida apenas como geográfica, mas também social e psicológica (FERNANDES, 2004). No entendimento de Peruzzo (2003), com o advento das novas tecnologias de comunicação, sobretudo a internet, as relações sociais e pessoais podem ser estabelecidas com base na proximidade de interesses e identificações por meio das comunidades virtuais. Outro aspecto que deve ser levado em conta no caso do Perfil Universitário é sua inserção no cenário da economia de Dourados. A pesquisadora ratifica a peculiaridade, quando afirma que a mídia local tem características em comum com a grande, mas que a unidade de negócio, rentável, ou seja, os interesses mercadológicos estão acima dos outros interesses. Outro aspecto observado pela pesquisadora sobre mídia local é que ela não é homogênea e que as estratégias editoriais são variadas e influenciam o tipo de inserção na cidade ou região. Há ainda o aspecto da variedade de suportes utilizados, que vão do meio tradicional impresso às tecnologias de radiodifusão e digitais. Sítios de internet, onde se insere o Perfil Universitário, aparece como um, dos vários tipos de meios de comunicação local, já que podem se constituir em canal de comunicação de entidades locais, na forma de páginas institucionais ou comunidades virtuais. Ressaltando o ineditismo da experiência de um sítio voltado para o público universitário de Dourados, cuja identidade, porém, é complexa, indefinida, pois mistura informações de prestação de serviço, com jornalismo e publicidade. Para fazer uma apresentação do portal foram feitos recortes de sua diagramação conforme as figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7 e, uma entrevista com os responsáveis, além de uma amostragem, num período de quatro dias da semana, que retratam quatro edições. Embora ainda não disponha de produção própria de conteúdo noticioso, como pretendem seus proprietários, em médio prazo, o sítio deverá adotar essa postura editorial. A criação do Perfil Universitário ocorreu a partir de um estudo sobre o público universitário em Dourados, estimado em 20 mil pessoas. 3 DOURADOS, UMA CIDADE UNIVERSITÁRIA Dourados é a segunda cidade do estado de Mato Grosso do Sul, com habitantes, conforme o censo de 2010 do IBGE. A primeira é Campo Grande, a capital, com habitantes. Fundada em 1935, Dourados só teve seu crescimento intensificado a partir da década de 1950 com o incremento do setor de infraestrutura, principalmente nas áreas de transportes e de comunicação, fazendo com que o município desenvolvesse a agropecuária, o comércio e serviços, e se consolidasse como importante polo regional, para uma região com quase um milhão de habitantes, incluindo parte do Paraguai. Isto lhe conferiu o título de Portal do Mercosul. Dourados é apontada pelo IBGE como o 136º maior município brasileiro e o 55º maior município do interior, em número de habitantes. Com uma economia vigorosa, representa 8% das riquezas produzidas pelo estado e é o 158º maior PIB (produto interno bruto) entre municípios brasileiros. A cidade ficou também em 146º lugar de maior potencial de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

38 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 38 consumo entre as cidades brasileiras, de acordo com IPC Marketing de A partir da década de 1970 passou a receber pessoas procedentes de outros estados brasileiros, estimuladas pela ocupação de terras, principalmente o gaúcho. Esses estrangeiros contribuíram para a expansão da cidade e da sua cultura. Dourados se transformou numa cidade cosmopolita, com uma gama cultural rica e diversificada, advinda dos diferentes povos, que trouxeram matizes e raízes culturais, de origem, sem falar da forte influência da população nativa absorvida da proximidade cultural da fronteira com o povo paraguaio. Outro aspecto significativo a ser destacado no processo de seu desenvolvimento é o importante polo educacional, que passou funcionar no município. Hoje, o município conta com cinco universidades: duas públicas sediadas no município - Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMES) - além das particulares -Unigran, Anhanguera e UNIDERP. Juntas, as universidades apresentam um contingente populacional de cerca de 20 mil estudantes universitários, procedentes de diversos estados do país. 4 UM SÍTIO PARA UNIVERSITÁRIOS JOVENS O sítio Perfil Universitário, criado em 2010, é mantido pelos proprietários da agência de web Comunicação e Marketing Integre Criativa, de Dourados, cujo foco principal é o marketing voltado para a web. A agência trabalha com desenvolvimento de sítios, fazendo gestão de redes sociais, gestão de web marketing, comunicação das empresas dentro da internet, de acordo com Tarciso Rodrigues, um dos sócios. Ele ressalta que a visão da empresa é voltada para web, pois seus proprietários acham que essa é a tendência do mercado. O publicitário Tarciso Rodrigues conta que a ideia de criação do Perfil Universitário surgiu de três amigos da mesma profissão: ele, Emerson e Eduardo. Tarciso afirma que tinha um projeto de criar algo relacionado à web; Eduardo, um projeto de uma revista; e Emerson, algo relacionado ao tino comercial. Então, eles juntaram as ideias e pensaram em um produto que fosse viável em Dourados considerando o grande universo de estudantes universitários. Na visão deles, a demanda dos estudantes torna os preços na cidade com aluguel, imóveis, e outros produtos mais altos, além de proporcionar muitos eventos sociais nos fins de semana. De acordo com Tarciso Rodrigues, a cidade já dispunha de sítios de notícias como o Dourados News, o mais antigo da cidade, que funciona desde 2000; o Dourados Agora, entre outros; mas faltava um que atendesse essa demanda estudantil, esse público segmentado e que o Perfil Universitário veio preencher essa lacuna. Os publicitários têm controle, em tempo real, sobre o que é acessado, sobre o que é baixado pelos usuários, comentado, de onde vêm os acessos (cidades, países) através de um programa pago (mensalmente) no qual é fornecido um código que é implantado (pelos donos) na programação do sítio, que gera um relatório dessa movimentação. Emerson Marques afirma que este programa é bastante eficiente por trabalhar a movimentação em tempo real. Ele explica que quando o usuário acessa o sítio pela primeira vez, é gerado um número de registro, e sempre que este usuário acessar o ambiente virtual vai aparecer seu número de registro. Isso permite o controle da audiência do portal. Eles afirmam que o sítio tem uma movimentação média de 60 mil visualizações por mês, mas quando há Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

39 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 39 um evento grande na cidade, esse número pode subir até para mais de 200 mil acessos. O recorde do sítio foi de 45mil visualizações em um só dia. De acordo com os proprietários do Perfil Universitário, a forma de os estudantes entrarem em contato com os responsáveis pelo sítio é via redes sociais (principalmente) e pelo próprio portal. O assunto que desperta maior interesse pelos usuários é sobre informações de eventos (preços, datas). Em relação à Universidade em si, atividades acadêmicas, há um interesse menor por parte dos usuários, pelo fato do serviço ser direcionado apenas ao público daquele determinado curso ou área de atuação. Tarciso admite terem encontrado dificuldades para gerar conteúdo original para cada segmento das universidades, por isso não há uma proporção tão grande de acessos relacionados à notícia, mas que mesmo assim, a seção desperta interesse. Os usuários comentam, compartilham, curtem via rede social. Tudo que é postado é sempre visto, curtido. O Perfil Universitário não dispõe de jornalista para produzir conteúdo jornalístico. Quem posta o conteúdo é também uma publicitária, que integra a equipe. Geralmente, as matérias utilizadas pelo sítio são procedentes de assessorias de imprensa. Emerson explica que os sítios de notícias da cidade são sustentados por contas de governo, porque as empresas locais não têm condições financeiras de pagar anúncios. Os proprietários do sítio pretendem trabalhar junto à área governamental captação de verbas publicitárias, mas por enquanto a parceria é apenas com empresas privadas (uma concessionária de moto, clínica de ortodontia, autoescola, aluguel de carro, loja de roupas). Hoje, o faturamento do portal é suficiente para sustentar o projeto, mas como fonte de renda prevalece os serviços da Integre Criativa. Eles não quiseram revelar valores de custo, nem da receita, mas admitiram que a marca, hoje, está estimada em R$ 100 mil. Na avaliação dos proprietários, o Perfil Universitário funciona como um case, pois vai verificar a eficácia do que funciona na web além da marca, em Dourados. Eles acreditam que 80% dos universitários da cidade conhecem o sítio, tendo também certo apreço pela marca. Eles ressaltam o ineditismo do portal e afirmam não haver sítio com esta proposta e este perfil, no País. 4 - O CONTEÚDO DO PERFIL UNIVERSITÁRIO O Perfil Universitário se apresenta em formato de portal de notícias, sob o domínio com.br. Procura adotar uma linguagem não verbal limpa e voltada para o público jovem, usando cores fortes e chamativas, como o vermelho, por exemplo. Na parte superior da página principal (Figura 7), ao lado da logomarca cuja letra O de Universitário traz uma simbologia dos sexos masculino e feminino, uma referência a universitários e universitárias e, logo a seguir, uma sequencia de fotos de jovens, em movimento, e o slogan: qual é o seu perfil? Na barra de ferramentas, os canais dos sítios com seus produtos e serviços conforme figuras 1, 2 e 3. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

40 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 40 Figura 1 - Fonte: Site Perfil Universitário Barra de Ferramentas e chamadas do dia Embora não seja um sítio jornalístico, ele se apresenta no formato portal de notícias, com diagramação que prioriza pequenas chamadas, a escalada, e remete para textos em outras páginas, a exemplo dos sítios noticiosos. Até mesmo as seções últimas notícias, enquete e em destaque estão bem caracterizadas. O design traz uma barra de ferramentas que funciona como menu, onde os canais home, fotos, notícias, agenda, lojinha, classificados, repúblicas, promoções e contato são destacados conforme figuras ilustrativas do sítio. Apresenta também hierarquização de assuntos, a exemplo das editorias dos sítios noticiosos. Além disso, os assuntos são chamados de notícias conforme pode ser visto nas chamadas dos assuntos. Figura 2 - Fonte: Site Perfil Universitário Barra de Ferramentas e chamadas do dia Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

41 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 41 A produção das notícias como se pode perceber nas figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7, é procedente de fontes externas (outros sítios, ou assessoria de imprensa), de interesse do público alvo, segundo os publicitários. Os assuntos versam sobre curiosidades, comportamento, concurso, vestibular e, em algumas ocasiões, dependendo da situação, sobre a agenda das universidades. A agenda, um dos pontos alto do portal é sempre atualizada, de acordo com os publicitários, pois os eventos são informados com antecedência. A agenda elenca os eventos festivos na cidade. É que o mais interessa aos usuários. Figura 3 - Fonte: Site Perfil Universitário Barra de Ferramentas e chamadas do dia Procurou-se acompanhar, durante quatro dias, três seguidos (21, 22, 23) e um alternado (25) de abril, sábado, domingo, segunda e quarta-feira, respectivamente, a produção de conteúdo do Perfil Universitário. Nos três dias iniciais não houve atualização de notícias. Percebem-se os mesmos destaques, mudando apenas a foto principal da capa, numa sequencia de seis slides. Na quarta-feira (25) houve uma mudança das chamadas da capa, com postagem de novas matérias, depois de quatro dias. Logo, fica caracterizada a falta de algumas características do jornalismo definidas pelo teórico alemão Otto Groth (GENRO FILHO, 1987) como a periodicidade, atualidade, universalidade, por exemplo. Tampouco são encontrados conceitos básicos do jornalismo na feitura do texto como o lide e a pirâmide invertida ou mesmo as características do ciberjornalismo já mencionadas. Figura 4 Fonte: Site Perfil Universitário Últimas notícias e enquete da capa. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

42 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 42 O sítio apresenta algumas seções ainda sem o devido funcionamento como é o caso da Lojinha. Segundo os sócios, o sistema está pronto, mas falta determinar quais produtos serão oferecidos. A ideia é que o sítio funcione como um shopping virtual, a proposta dessa loja é para que o universitário possa vender ou comprar o que ele desejar. Será um serviço gratuito. O aluno vai ao sítio, cadastra seu anúncio e publica as fotos. A mediação é feita pelos responsáveis do portal. Caso o produto não seja ilegal, ou de origem suspeita, é disponibilizado. Figura 5 Fonte: Site Perfil Universitário Últimas notícias e enquete da capa. O canal República funcionará seguindo o mesmo princípio, onde o usuário poderá cadastrar as repúblicas. Conforme Emerson Marques, tal seção já poderia render até pautas de matérias de serviço sobre preço de aluguel de quartos, quitinetes, ou mostrar a vida dos universitários em repúblicas, longe da família. A destinação destas duas seções tipifica a prestação de serviço, utilidade pública, oferecida pelo portal. A seção Promoções apresenta foto de universitárias que se submetem a concurso de beleza, o que eles chamam de cota universitária, uma promoção feita em 2010 onde mais de 300 meninas se cadastraram. Figura 6 Fonte: Site Perfil Universitário Destaques da capa do dia Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

43 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 43 Emerson Marques observa que no universo universitário, os potenciais 20 mil usuários do sítio, grande parte não foi atingida. São pessoas casadas, com 30 e poucos anos, que não saem para a balada, que estariam mais interessados em ver no sítio notícias locais. De acordo com o publicitário, o sítio apresenta maior número de acessos nas terças e quartas-feiras. Figura 7 Fonte: Sitio Perfil Universitário Apresentação da logomarca, da barra de ferramentas, das chamadas de notícias em destaques, do dia CONSIDERAÇÕES FINAIS O Perfil Universitário não caracteriza claramente um sítio de notícias, em função da falta dos elementos necessários que o classificariam como tal, já devidamente explicitado. Entretanto, não custa lembrar que Alsina (2009) entende que a construção do discurso jornalístico como uma composição de três fases: produção, circulação e consumo, ou reconhecimento. Essa concepção, contudo, está associada ao processo global de comunicação. Mas não há como negar o fato do portal apresentar traços deste segmento. Há uma percepção da significância do papel exercido por esta mídia junto ao público e sua inserção na cultura midiática, na cibernética, no ciberespaço tão afeita ao seu público alvo, no caso, o jovem, principalmente após o advento das redes sociais. Esta ferramenta exerce cada vez mais importância no processo de integração do tecido social contemporâneo. Nesse sentido, Barbosa (2003) observa que os portais operam de forma segmentada, disponibilizando entretenimentos e serviços para determinadas comunidades em cidades e regiões. Trabalham o princípio de proximidade tanto do ponto de vista da contiguidade, quanto do princípio jornalístico, de noticiabilidade (WOLF, 2009). Para a autora, os portais regionais se constituem num formato que pode ser usado como veículo na intensificação das relações entre a própria comunidade e o público do seu entorno, por meio da mediação do ciberespaço. Há ainda que se ressaltar que o Perfil Universitário poderia prestar mais serviço e de melhor qualidade ao seu público cativo, como afirmam os organizadores. Ele poderia utilizar a força de penetração da mídia para abordar assuntos pesquisados pela própria academia. Apresentar, por exemplo, trabalhos de pesquisas, resumo de artigos, bibliografias, além de informações factuais atinentes a este segmento social, de forma estruturada, levando em conta conceitos básicos do jornalismo. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

44 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? 44 Levantar questionamentos sobre maneiras de como determinado curso de uma universidade poderia produzir conhecimento usado no dia a dia da cidade, capaz de mudar a realidade da população para uma situação melhor, trazendo conforto e bem estar à sociedade de Dourados. Um exemplo aleatório: o desenvolvimento de um projeto por uma faculdade de engenharia visando melhorar o trânsito de Dourados. Barbosa (2003) na perspectiva de Steve Outing aponta uma mistura de serviços e conteúdos como fundamentais para o sucesso de um portal regional ou local: noticiário atualizado e dividido por áreas temáticas, sistema de manchetes do dia, links atualizados para jornais e TVs, links para serviços diversos, salas de bate-papo, relações de compras online. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

45 PERFIL UNIVERSITÁRIO: UM PORTAL DE MÍDIA DE PROXIMIDADE? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALSINA, Miquel Rodrigo. A Construção da Notícia. Petrópolis, RJ: Vozes, BARBOSA, Suzana. Jornalismo digital e a informação de proximidade: o caso dos portais regionais, com estudo sobre o UAI e o ibahia. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas, na UFBA, Salvador (BA), Novembro de Disponível em: pt/pag/barbosa-suzana-portais-mestrado.pdfacesso em: FERNANDES, Mario. A força da notícia local: a proximidade como critério de noticiabilidade. In: IX Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento Regional, 2004, Araçatuba. IX Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento Regional Anais São Paulo : Cátedra Unesco/Umesp, v. 01. p GENRO FILHO, Adelmo. O Segredo da Pirâmide para uma teoria marxista do jornalismo, Porto Alegre, Tchê, GIL, Antônio Carlos. Como elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, MIELNICZUK, Luciana. Sistematizando: alguns conhecimentos sobre jornalismo na web. In: MACHADO, Elias, PALÁCIOS, Marcos (Org.). Modelos de Jornalismo Digital. Salvador: Calandra, PALÁCIOS, Marcos. Jornalismo Online, Informação e Memória: Apontamentos para debate. Trabalho apresentado no VII Congresso Latino-Americano de Ciências da Comunicação, da Associação Latinoamericana de Pesquisadores em Comunicação (ALAIC), realizado na Faculdad de periodismo y Comunicación da Universidad Nacional La Plata, Argentina, de 11 a 16 de outubro de Disponível em Acesso em PERUZZO, Cicília M. Krohling. Mídia Local, uma mídia de proximidade. Comunicação: Veredas, Ano 2 nº02 novembro Disponível em: Acesso em: SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? São Paulo, Loyola, WOLF, Mauro. Teorias das comunicações de massa. São Paulo, WMF Martins Fontes, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

46 ISSN: NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 1 Alexandre Blankl BATISTA 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS Resumo O jornalista Paulo Francis é conhecido como referência do polemismo na imprensa brasileira. Como ex-intelectual de esquerda, sua guinada ideológica ao liberalismo coincide com seu exílio voluntário nos Estados Unidos e sua entrada para o Jornal Folha de São Paulo (FSP). Por meio de suas colunas nesse jornal, é possível verificar o discurso gradual de sua conversão ao liberalismo. A comunicação objetiva, por meio do estudo de suas colunas na FSP, problematizar como o jornalista articula a racionalização de seu ideal liberal ao mesmo tempo em que analisa a política mundial e brasileira no contexto do final da Guerra Fria. Palavras-chave: Paulo Francis; Folha de São Paulo; Imprensa e História. 1 Alguns fragmentos deste texto foram retomados da comunicação apresentada durante o encontro da ANPUH Nacional de 2011, cujos anais se encontram em: Batista-ANPUH2011-Completo.pdf 2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da UFRGS. blankl.batista@gmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

47 BATISTA, Alexandre Blankl 47 O polemista Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, popular Paulo Francis, foi um dos mais destacados jornalistas brasileiros. Durante seu percurso profissional, atuou como crítico teatral em jornais e revistas do centro do país (Rio de Janeiro e São Paulo). Somente na década de 1960 iniciou sua trajetória como polemista político. Teve destacada passagem pelo jornal Última Hora, dirigido por Samuel Wainer, e é muito lembrada a sua atuação no conhecido semanário O Pasquim, periódico que marcou época por sua postura audaciosa frente ao período de ditadura civil-militar da época. Após ser preso algumas vezes junto com a turma do Pasquim, decide morar nos Estados Unidos, onde seguia colaborando para o semanário. Em 1975 torna-se correspondente da Folha de São Paulo, tendo contrato exclusivo com este jornal e mantendo-se colaborador até o final da década de Durante a década de 1990 era um dos mais bem sucedidos profissionais da imprensa nacional. Nessa época, até 1997, quando faleceu, escrevia para O Estado de São Paulo (OESP) e O Globo. Além disso, ficou famoso ao aparecer em ligeiras inserções nos telejornais da Rede Globo de Televisão, desde O trabalho de pesquisa, que está sendo elaborado do PPG de História da UFRGS, tem entre outras preocupações o objetivo de investigar a atuação de Francis no Jornal FSP, com o intuito de perceber nas entrelinhas do discurso do jornalista as nuances de seu liberalismo político, como o mesmo foi moldado em paralelo às suas análises da política estadunidense, quais eram as ideias que defendia e como defendia. Junto a isso, liga-se a problemática de sua virada ideológica. Francis se dizia trotskista até meados da década de Depois do golpe de 1964, passou a ter dificuldades em conseguir estabelecer-se nas redações de jornais e revistas brasileiras. Nesta comunicação, nos interessa o período em que escrevia para a FSP. É neste ínterim, entre 1975 e 1989 que observamos, gradativamente, as mudanças das posições políticas do polemista. Daremos ênfase ao período final de sua atuação na Folha, sublinhando aspectos de sua linguagem e de seu discurso alinhado ao jornal. Embora fosse um profissional muito reconhecido já na época de atuação na Última Hora, nossa hipótese de trabalho é de que Paulo Francis ocupou um espaço privilegiado na imprensa nacional por se vincular organicamente aos interesses transnacionais capitalistas, especialmente ao setor financeiro e aos setores de imprensa que funcionam como Aparelhos Privados de Hegemonia destes mesmos interesses financeiros. O método Paulo Francis: Evidências biográficas Franz Paul Heilborn tinha um estilo de escrita bastante agressivo e irônico. Os leitores mais jovens talvez recordem de seus ataques à esquerda socialista, ao Partido dos Trabalhadores, às estatais e a uma série de polêmicas envolvendo certa dose de preconceitos de toda ordem, desde sua implicância com o povo nordestino, até seu desdém, cada vez mais pungente, com variados elementos da cultura nacional, presentes, por exemplo, na música e no cinema. Esses temas foram bastante ventilados durante seus últimos anos escrevendo para a FSP e durante sua atuação em O Estado de São Paulo. Embora este Paulo Francis fosse admirador e muito identificado com a cultura estadunidense, até se exilar nos EUA, não tinha aparentemente laços com o modo de vida norte-americano. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

48 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 48 Afinal, era brasileiro e morou a maior parte de sua vida no Rio de Janeiro. Nasceu nessa cidade, em dois de setembro de Fizera o ginásio e o colegial em escolas cariocas. Não chegou a completar o curso universitário de filosofia, no qual entrara em Com vinte e um anos fez sua primeira viagem internacional a Paris. De 1951 até 1954, o jovem Franz frequentava determinados círculos que o conduziram às artes dramáticas, como o Teatro do Estudante e uma temporada em Nova Iorque, ocasião em que estudou com Eric Bentley. Essas experiências com o teatro acabaram direcionando sua carreira profissional como crítico teatral, momento em que iniciou suas incursões como jornalista e escritor. Como referido anteriormente, a dedicação aos temas políticos somente veio com a atuação no jornal Última Hora. Em 1963, época de seu início como jornalista cobrindo a política nacional, Francis já tinha fama de crítico ácido nos tempos de análise teatral. A nova experiência deu continuidade à linguagem ácida, com ataques certeiros. Embora a linha do jornal fosse de apoio ao governo João Goulart, e Francis fosse um trotskista desconfiado do populismo herdado de Getúlio Vargas, preferia tal conduta a ver o país ser controlado pela UDN e outras forças reacionárias. No jornal, atacava Carlos Lacerda, criticava os Estados Unidos por seu imperialismo, proferia insultos aos latifundiários e organizações de cunho empresarial, como o IBAD. Ademais, elogiava muito Brizola e Miguel Arraes, cobrando atitudes semelhantes de Jango a desses líderes políticos. Entretanto, durou pouco tempo a sua aventura no Última Hora. Após o Golpe Civil-Militar de 1964, a maioria das redações restringiu o seu ímpeto crítico, movido à ironia e linguagem ácida. Francis só voltaria às redações em 1967, editando o Quarto Caderno do Correio da Manhã, mas já sem a mesma verbe agressiva de antes e sem assinar as colunas. Um ano depois veio a primeira prisão, seguida de outras três até 1970 (ao todo somou dois meses de detenção). É importante mencionar neste meio tempo a criação de O Pasquim, semanário em que Francis foi um dos co-fundadores. Com exceção da primeira, as demais detenções foram o reflexo de sua colaboração àquele semanário, honraria dividida com seus colegas de redação, frequentemente convidados a dar depoimentos nas delegacias e conduzidos à prisão. Foi logo depois desta época que conseguiu estabelecer-se em Nova Iorque, por meio de uma bolsa concedida pela Fundação Ford. Até o momento, não temos maiores informações sobre a contra-partida desta bolsa. Contudo, é um dado interessante, visto que a Fundação Ford, junto com outras instituições estadunidenses, naquela época, auxiliava na edificação das políticas econômicas e culturais, apregoadas por iniciativa dos EUA, para a América Latina. Pelo menos, sabemos que a própria condição de aceitar tal incentivo, indique um arrefecimento da aversão de Francis quanto às instituições de cunho estadunidense. No final de 1975, ao ser contratado pela FSP, já tinha um pequeno histórico de esparsas colaborações a esse jornal. No que tange nossa pesquisa, de uma forma mais ampla do que nesta curta comunicação, este marco é importante, pois é por volta dessa época que temos um leque mais conciso de textos para averiguar a problemática de sua virada ideológica. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

49 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 49 Há que se considerar o fato de que Paulo Francis não é um caso isolado no manancial de ex-intelectuais de esquerda que, de alguma forma, entre as décadas de 1960 até 1990, deram uma guinada à centro-direita e à direita liberal. YA grande imprensa: Folha de São Paulo A coluna de Paulo Francis, designada O Diário da Corte, foi originalmente criada no jornal Folha de São Paulo. A corte analisada por Francis dizia respeito aos EUA e sua política interna e externa. No entanto, não era apenas a política estadunidense o objeto dos textos de Francis. Não raras vezes o jornalista cobria eventos na Europa, viajando a outros países. Mas, predominantemente, seu assunto era a política dos EUA. Nos Diários da Corte, porém, não faltavam referências ao Brasil e à comparação entre nossos costumes, cultura, política e sociedade, aos seus congêneres no norte da América. É importante destacar como as ideias de Francis, seus posicionamentos subjetivos em termos de política e modelos de preferência econômica, foram acompanhando, em maior ou menor grau, os editoriais da FSP. Uma interpretação, por exemplo, que chama a atenção pela unissidade de sua formulação é referente a como se deu o golpe de 1964 e como se deve interpretar a ditadura que vigorou entre 1964 a 1985 no Brasil. A FSP tem se configurado como uma defensora da visão de que teríamos tido uma Ditadura pouco repressiva, que teve méritos em áreas estratégicas da economia, bem como diferindo linhas de militares com perfis opostos durante o regime, emitindo juízos elogiosos a personagens como Castello Branco e Ernesto Geisel. Paulo Francis seguiu raciocínio semelhante, indo ao encontro, posteriormente, às de outro jornalista também ligado à FSP, Elio Gaspari, que publicou recentemente juízos semelhantes em seus livros acerca do período e do tema. A recepção do neoliberalismo é, sem dúvida, uma evidência interessante da confluência entre grande parte dos jornalistas e dos grandes jornais no Brasil. O autor Francisco Fonseca estudou os jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, O Globo e Jornal do Brasil, defendendo a tese de que a grande imprensa brasileira teria colaborado para a introdução da Agenda Ultraliberal no país (FONSECA, 2005). De meados dos anos 1980 até início dos anos 1990, Fonseca apresenta, através dos editoriais daqueles jornais, diversos elementos que permitem observar como a grande imprensa defendia a abertura da economia, a desregulamentação de mercados e as privatizações. Segundo ele, tais ideias foram divulgadas e vulgarizadas pelos jornais, mostrando de maneira simplificada, e até distorcida, processos extremamente complexos a respeito do funcionamento das economias de livre mercado. Verificando, naquela época, o histórico das opiniões dos jornais FSP e OESP, Fonseca nota que, para além dos editoriais, as coberturas feitas pelos diversos colunistas corroboravam com a postura dos jornais. O posicionamento de Francis em relação à adoção das privatizações e liberalização da economia entre os anos 1985 e 1990 eram marcantes. O colunista tornou-se um dos principais vulgarizadores das noções de privatização e abertura da economia ao capital estrangeiro. Falava com autoridade, de quem vivia há tempos num país que Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

50 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 50 teria se beneficiado por essas práticas, além de inúmeras vezes repetir que pensava diferente antes, mas se convencera dos benefícios do liberalismo econômico vivendo em solo estadunidense. Outros eventos importantes de comparação entre as ideias de Francis e os editoriais do jornal dizem respeito ao juízo emitido em relação ao socialismo, especialmente na época da derrocada da URSS e da queda do muro de Berlim, e às eleições presidenciais de Todos esses eventos foram acompanhados de perto pela Folha e, particularmente, por Paulo Francis. Os trechos a seguir exemplificam a perspectiva sobre o estilo de escrita, que faz uso da agressividade e da ironia, do qual comentamos anteriormente. Ao lado desses aspectos, a observância do (pouco) grau de profundidade da análise de Francis, e em especial de sua leitura do processo eleitoral brasileiro, da concepção de um tipo ideal em que nossa política deveria espelhar-se e ser concebida, além de verificar seu olhar sobre os processos históricos paralelos que trancorriam naquele momento em âmbito internacional. Boa parte dos editoriais e das colunas da FSP enfatizavam, em 1989, o fim inevitável do socialismo e a ruína de um regime calcado em uma doutrina ultrapassada. Somado a isso, tal discurso aliava-se a uma antipatia pelo candidato do PT, Luís Inácio Lula da Silva, nas eleições daquele ano. O estudo dos editoriais, neste sentido, é bastante elucidador, pois mostra a posição do jornal diante dos acontecidos, e não a opinião de um ou outro colunista. No caso de Paulo Francis, suas opiniões diferiam dos editoriais mais pela forma do que propriamente pelo conteúdo. Para ilustrar este quadro, pode-se notar em uma coluna do dia 9 de novembro de 1989, no contexto da fase final do primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras e do processo de queda do muro de Berlim, como Paulo Francis resume um pouco de suas impressões daquele momento: Muita gente me pergunta em quem votar. Em que votar seria a pergunta correta. Em quem tiver coragem de macho para privatizar e eliminar as estatais e liberar as forças da produção. ( ) Por que o comunismo está acabando? Porque levou a extremos o estatismo brasileiro. Tomou conta da produção. Isso já não funciona. Comprovado. Há sempre mordomias do governo e negligências e desinteresse pelo que o consumidor quer. E resolveu estatizar também a vida pessoal das pessoas. Não se dá um passo sem consentimento da polícia. Não se pode fazer isso e aquilo. Não se pode ler o que o governo não quer. Ninguém aguenta. Foge quem pode. Já estive lá duas vezes e o ambiente não podia ser mais baixo-astral (FSP, Ilustrada, 9/11/1989). Os editoriais do jornal naquela semana narravam os acontecimentos internacionais enfatizando tanto a crise soviética quanto a da Alemanha Oriental. Os jornalistas que faziam a cobertura internacional mencionavam que o fim estava próximo. Ao verificar este excerto de Francis, notamos que o autor convergia com esse discurso, mas a utilização da ironia dá um tom diferenciado à sua análise. A começar pela questão da eleição presidencial, a qual relaciona com a necessidade de privatização das estatais. Subentende-se que há covardia, por parte do governo de então, por não tomar a iniciativa da privatização. Da mesma maneira, correlaciona esses aspectos, necessidade de privatização e as eleições brasileiras, com o colapso do regime político da Alemanha Oriental. Não seria necessário dizer que o problema que envolveu o colapso e queda do comunismo no leste europeu é muito mais complexo de analisar do que simplesmente atribuir as razões deste ocaso à impossibilidade de gerenciamento do Estado. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

51 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 51 Porém, a relação feita por Francis, e em época de eleição, limita as possibilidades de escolha de um candidato a um leque mais restrito de opções. Além do que, fica clara a posição por uma ideia, um projeto de sociedade, e menos por um candidato. Pelo menos, esta é a postura de Francis no primeiro turno das eleições presidenciais de 1989, quando o quadro dos postulantes a ir ao segundo turno ainda era incerto. Diante disso, havia apenas uma certeza: o antilulismo. Isso ele deixava claro em todas as suas colunas durante a campanha presidencial. Nesta mesma coluna, do dia 9 de novembro, observava o seguinte a respeito do candidato à presidência pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Luiz Inácio Lula da Silva: Já um bestalhão como Lula é capaz de acreditar que o Brasil expropriados os ricos poderia ser um país em que cada um tivesse o suficiente para viver. A burrice brota em cada calçada entre os paralelepípedos. É espontânea. Vem aí. Como Sílvio Santos (FSP, Ilustrada, Idem). Aqui aparece a caracterização agressiva dos textos de Francis, agregada à ironia sempre presente (o adjetivo bestalhão pertence a ambas), sem contar a deixa nas entrelinhas sobre a breve candidatura Sílvio Santos, uma alegoria. Própria da burrice estampada nas ruas? Ou a burrice envolve tanto Lula, como Sílvio Santos, quanto as pessoas que votariam neles? Tanto faz. A precisão nas ideias não importa tanto. As ideias podem ser até contraditórias, desde que sirvam para algum propósito. Apesar da aparente obviedade, esses elementos devem ser apontados e significados dentro dos objetivos textuais do autor, nos quais estaria, evidentemente, a finalidade de desqualificar a figura e as supostas intenções de Lula, sem que, no entanto, se entrasse no mérito de um debate aprofundado sobre as mesmas. Mesmo a constituição das explicações em torno dos pretensos benefícios do livre mercado e do incentivo às privatizações, o raciocínio fica baseado em uma justificativa sumária, rasa de conteúdo e de maiores esclarecimentos sobre o que se ganha e o que se perde com tais prerrogativas. Em relação ao texto de Francis, devido à extrema acidez e aos componentes irônicos, o conteúdo parece ficar à margem desses outros elementos, os quais parecem adornar o seu argumento, tornando-o mais vistoso na aparência. Mas, na mesma direção, e conforme as análises de Fonseca, o Jornal, como um todo, banalizava e homogeneizava o conteúdo político que publicava. Neste sentido, é interessante notar a observação feita por um leitor da Folha, publicado no espaço Painel do Leitor, em 17/11/1989, intitulado Socialismo Mesmice : O Socialismo acabou. Os países socialistas tentam juntar seus escombros. Esta é a tônica de artigo publicado (27/10) pela Folha e assinado por José Arbex. Se não fosse assinado, poderíamos creditá-lo a qualquer profissional desse jornal ou de outro veículo de comunicação burguês, já que a mesmice tomou conta da mídia do país. Joaquim Santos Turim - São Paulo, SP (FSP/ Painel do Leitor, 17/11/1989). Tal notícia certamente não ecoou uníssona apenas na Folha de São Paulo, porém o incômodo do leitor, certamente, reflete aquele mesmo incômodo que temos ao folhear mais de um veículo dos diferentes/iguais da grande imprensa. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

52 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 52 Lembrando que a quase totalidade das notícias internacionais (e mesmo as nacionais) até hoje nos chegam por meio de agências de notícias. Cabe salientar que a manchete intitulada O Socialismo Acabou sentencia o fato, ou deixa nas entrelinhas, a constatação de não haver mais possibilidade de construção de qualquer projeto socialista. Neste ponto, é interessante de se questionar como Paulo Francis realizava o seu papel de corresponde internacional, se trazia notícias que fugissem das grandes agências internacionais, ou as reproduzia. Ao que parece, embora possa ter se constituído em um baluarte para a imprensa conservadora brasileira, em uma análise superficial, Francis inovou mais na linguagem e iniciativa agressiva, do que propriamente em um conteúdo novo, ou contribuísse, de alguma forma, para a adaptação daquelas ideias que defendia ao caso brasileiro. A respeito da conjuntura relacionada à queda do muro e ao receio da eleição de Lula, Francis continuava a relacionar o primeiro assunto com o segundo em tom jocoso e agressivo sempre que tinha oportunidade. Importante acrescentar também as previsões econômicas que fazia, calcadas no fator de risco baseado na potencial fuga de capitais, posição semelhante às adotadas nas colunas especializadas em economia da FSP e mesmo em alguns de seus editoriais: Com Lula o dinheiro todo brasileiro já foi ou vai embora. Só quem não puder tirar é que deixará qualquer coisa aí. E as estatais vão falir e a hiperinflação vem. ( ) Lula nos coloca au niveau de Cuba e Nicarágua. É uma besta quadrada. Não sabe de nada do que está falando. Vai usar o dinheiro dos juros da dívida que não pagamos para aumentar o salário mínimo dos trabalhadores. Não dá. Alguém deve saber as quatro operações entre os petelhos (FSP, Ilustrada, 23/11/1989). A preocupação com a fuga de capitais é uma justificativa comum daqueles que defendem o aumento dos juros para implantar metas inflacionárias e medidas impopulares para regular a economia. Certamente não foi coincidência que essa mentalidade estivesse em consonância com o Consenso de Washington e com as metas econômicas do FMI, especialmente para os países da América Latina. A receita não foi amplamente discutida e debatida, mas assimilada aos poucos, tendo a grande imprensa um papel de destaque dentro desta prerrogativa. Balizada pela recepção dos textos por parte dos leitores, o medo do lulismo era racionalizado por toda a conjuntura daquele momento e aliado ao fator econômico. O seguinte excerto, escrito por um leitor da Folha, resume bem a mensagem insistentemente construída durante aquele ano, especialmente nos meses de outubro e novembro: Temos uma boa nova: caiu o Muro de Berlim, que separava as duas Alemanhas, uma democrata e outra comunista. No Brasil, não podemos aceitar que partidos da esquerda queiram impingir ao nosso povo doutrinas já ultrapassadas no tempo. Elementos desses grupos de esquerda procurarão expulsar do país os capitais estrangeiros que necessitamos para o desenvolvimento. Carlos A. Pereira de Oliveira - Curitiba, PR (FSP/ Painel do Leitor, 22/11/1989). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

53 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 53 Entendemos que opiniões como a deste leitor podem se enquadrar dentro daquilo que Francisco Fonseca entende como Consenso Forjado, ou seja, o processo de criação do consenso em sua fase final, relacionando os eventos e dando a racionalidade antes forjada nos aparelhos privados de hegemonia. Nos editoriais da FSP não encontramos este tipo de síntese. Isso cabe aos colunistas, como Paulo Francis, ou mesmo mesmo aos leitores, os quais sem dificuldade expressam com mais clareza o simulacro que têm acesso através do conjunto do jornal. Não é nosso objetivo aqui realizar um trabalho de recepção, mas é evidente que o leitor fala a mesma língua e interage com o conteúdo que tem acesso, mesmo apropriando-se muitas vezes de maneira distinta àquela da matéria (ou matérias) que teve acesso, o leque de apropriações possíveis é sempre limitado. Isso é algo bastante palpável no acompanhamento do dia-a-dia das matérias, editoriais, colunas e cartas dos leitores publicadas. Não é difícil entender quem ou o que são os alvos a serem atingidos: qualquer projeto de socialismo ainda existente e projetos que vão de encontro à agenda neoliberal, já em voga e assimilada na grande imprensa, como o investimento e manutenção das estatais, por exemplo. Quanto a Paulo Francis, há de se destacar que seu palavreado recheado de insultos e estilo cômico chamava a atenção para a leitura de suas colunas. Segundo Bernardo Kucinski, nos anos de 1980 Francis teria tornado-se o colunista mais lido da FSP essencialmente por caluniar em seus textos inúmeras personalidades respeitáveis, o que provocava surpresa e espanto diante de sua suposta ousadia. O mesmo autor questiona o seguinte: Além do sucesso de público, o que mais explica que textos de baixo nível estilístico e ético tenham sido aquinhoados com espaços tão grandes em jornais respeitáveis, como FSP ( ) e OESP ( )? (KUCINSKI, 1998: 86). Kucinski formula a hipótese de que em períodos de crise há sempre modos de agir utilitários dentro do jornalismo que são estimulados pelos proprietários dos meios de comunicação. É uma tese bastante plausível. Paulo Francis teria sido um intelectual bastante útil dentro do quadro que se apresentava em 1989 e nos anos seguintes, com uma real possibilidade de que a agenda política dominante não se concretizasse. Ora, embora não formulasse postulados políticos respeitáveis e acadêmicos sob o ponto de vista de um analista social mais rigoroso e atento, Francis apontava os caminhos e traduzia em uma linguagem mais do que acessível o que seria válido e o que não seria em termos de política e economia nacional e internacional. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

54 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 54 Considerações Finais A importância de estudar um intelectual como Paulo Francis vai além de sua contribuição para o entendimento da chamada Agenda Neoliberal no Brasil. É notório como o jornalista influenciou a maneira de polemizar os temas políticos brasileiros, caros à grande imprensa e, particularmente, aos grandes veículos de comunicação do país. A problemática de sua virada ideológica pode ser igualmente comparada com a de outros intelectuais brasileiros, jornalistas ou não, que saíram do país, sob exílio forçado ou voluntário, e pode enriquecer o entendimento destes deslocamentos ideológicos, vinculados ao deslumbramento com os países ricos, muitas vezes servindo de palcos para esses exílios, à desilusão com o socialismo e com a luta desigual frente à Ditadura Civil-Militar brasileira. De qualquer forma, nosso estudo, de modo mais amplo, até o final da pesquisa de doutorado, pretende dar conta destes dois motes, a saber, as razões que envolveram a guinada de Paulo Francis ao liberalismo e a associação entre as suas ideias e as da grande imprensa, materializadas no jornal FSP. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

55 NOTAS SOBRE A ATUAÇÃO DE PAULO FRANCIS NO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO ( ) 55 FONTES E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, José Luiz. O Pasquim e os Anos 70: mais pra epa que pra oba Brasília, DF: Editora da UNB, CARO FRANCIS, Brasil, 2010, duração de 95 min. Direção de Nelson Hoineff (Documentário). FONSECA, Francisco. O Consenso Forjado: A Grande Imprensa e a Formação da Agenda Ultraliberal no Brasil. São Paulo: Hucitec, FRANCIS, Paulo. Trinta Anos Esta Noite: 1964, o que vi e vivi. São Paulo: Francis, 2004 (1ª ed. de 1994).. Diários da Corte, Ilustrada, Folha de São Paulo, 9/11/ Diários da Corte, Ilustrada, Folha de São Paulo, 23/11/1989. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 2 Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, KUCINSKI, Bernardo. A Síndrome da antena parabólica: Ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Ed. Perseu Abramo, Jornalistas e Revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Editora Página Aberta Ltda, NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A Nova Pedagogia da Hegemonia. São Paulo: Xamã, NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). Direita para o Social e Esquerda para o Capital: Intelectuais da Nova Pedagogia da Hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, NOGUEIRA, Paulo Eduardo. Polemista profissional. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Painel do Leitor, Folha de São Paulo, 17/11/1989. Painel do Leitor, Folha de São Paulo, 22/11/1989. PIZA, Daniel. Paulo Francis: Brasil na Cabeça. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Prefeitura, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

56 ISSN: Morte do jornal de papel e novas tecnologias digitais: desafios e perspectivas MELECH, Edgard Cesar Universidade Estadual do Centro-Oeste, PR Resumo Importantes transformações sociais e tecnológicas conspiram contra os jornais impressos no mundo todo. A forte redução da verba publicitária, o envelhecimento dos leitores, o custo do papel e, principalmente, portais e sites de informação e os novos suportes de mídia digital através da Internet, exercem forte impacto na história e na vida dessa tradicional forma de mídia. No Brasil, apesar das novas tecnologias já terem motivado o fechamento vários de grandes periódicos, também se registra, em contrapartida, aumento na tiragem dos jornais de papel devido à expansão, em tempos recentes, dos pequenos jornais. Esse contexto traz à tona antiga polêmica sobre a sobrevivência dessa mídia. Conseguirão os jornais de papel encontrar novos caminhos para resistir ao impacto das novas mídias? Palavras-chave: Imprensa, Mídia, Novas Tecnologias, Fim do Papel Jornal. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

57 MELECH, Edgard Cesar 57 A nova realidade bate à porta Para Dines (2010) nenhum jornal é uma ilha e que a cada um que morre, menor a imprensa, menor o continente, o mundo, a humanidade. Mas a previsão sombria quanto ao tempo de vida dos diários de papel parece que caminha a passos largos para uma materialização irreversível, à medida que as rotativas são desligadas para dar lugar aos sites jornalísticos. Vive-se um momento crítico de mudança caracterizado pelo declínio do produto midiático de papel e o surgimento e fortalecimento do produto midiático digital do século XXI. As projeções para o fim do jornal impresso indicam que nos Estados Unidos ocorrerá em 2017, depois na Inglaterra em 2019, em seguida Canadá e Noruega, em 2020 e em 2027 no Brasil. Essa realidade já atinge jornais de todos os países, e inclusive nos EUA, onde somente em 2011 desapareceram 142 títulos em diversas cidades. Entre esses há jornais centenários, refletindo novas condições culturais e sociais em que o número de leitores e a receita publicitária dos sites de notícias já supera a dos jornais impressos. Em compensação, a difusão dos jornais em papel continua em alta na Ásia e Oriente Médio, tendência que compensa as perdas na Europa, Estados Unidos e América Latina. Em todo mundo, o aumento da mídia impressa foi de 1,1% entre 2010 e 2011, segundo a Associação Mundial de Jornais, WAN. No Brasil, a Associação Nacional de Jornais, ANJ, revela que de 2001 a 2011 o aumento médio da tiragem dos diários brasileiros ultrapassou o índice de 11 por cento. No total, a tiragem brasileira já ultrapassa oito milhões de exemplares/dia. Acompanha esse crescimento a verba publicitária para esse veículo: Gráfico 1 VERBA PUBLICITÁRIA PARA JORNAIS NO BRASIL Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

58 MELECH, Edgard Cesar 58 No Brasil, quando comparado com outras mídias, o jornal impresso teve reduzida sua participação no rateio da verba. Essa mídia, que detinha 21,73% do investimento em comunicação em 2001, acabou com uma redução para 12,36% em Enquanto isso, a Internet, que possuía apenas 1,49% em 2003, foi para 4,64% em 2009, conforme demonstram dados abaixo: Gráfico 2 INVESTIMENTO POR MEIO (%) No contexto mundial, o ingresso de publicidade nos periódicos diminuiu 40% até 2007, atingindo principalmente o mercado americano, entretanto, quatro mil entrevistas realizadas pela WAN em 2010, entre leitores, editores, anunciantes, jornalistas e outros profissionais, mostram que leitores de países como Estados Unidos, Canadá, França, Reino Unido, Alemanha, Holanda e Suiça ainda preferem o papel à Internet. As conclusões apontam que jornais tradicionais ainda têm uma forte ligação com o seu leitor. Acredita-se que essa tendência também se reflita no Brasil através dos jornais de circulação paga, considerando-se a variação positiva da tiragem, o número títulos e a importância dessa mídia para a sociedade em geral, conforme observa-se: Gráfico 3 MAIORES JORNAIS BRASILEIROS DE CIRCULAÇÃO PAGA Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

59 MELECH, Edgard Cesar 59 Constata-se, ainda, que a circulação dos jornais brasileiros teve um ligeiro crescimento de 2,3% no primeiro semestre de Houve estabilidade do meio, que teve seu desempenho puxado, em partes, pela alta da circulação dos títulos mais baratos (com preço de capa inferior a R$ 2). Entretanto, a circulação brasileira de jornais impressos ainda é muito inferior à média mundial, já que em 2006 o país ocupava a 101ª posição no índice de leitura de jornais (circulação média/população adulta cópias por mil habitantes), atrás da Palestina, Guiana, El Salvador, Equador, Jamaica e Costa Rica. (IVC, 2012) Atualmente os maiores jornais brasileiros estão distribuidos, principalmente, nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul do país, entretanto, a quantidade de pequenos periódicos com periodicidade diária, semanal, quinzenal e mensal tem crescido consideravelmente, apontando para novas condições e realidades que estabilizam a sobrevivência do jornal de papel. Pequenos jornais semanários, principalmente, estão em expansão porque conseguem diminuir custos operacionais, quantidade de papel, número de funcionários, e ainda alcançar boa tiragem e circulação devido à integração entre o jornal de papel e site jornalístico. Gráfico 4 PERIODICIDADE DOS JORNAIS BRASILEIROS Pequenos jornais diários, de um modo geral, cobrem todas as regiões brasileiras. Distribuídos entre Região Norte (31), Região Nordeste (55), Região Sudeste (278), Região Centro-Oeste (44) e Região Sul (147), representam enorme potencial de imprensa que ocupa espaço deixado pelos grandes veículos e que, de uma forma sistemática, vem se organizando ao longo dos últimos anos. As associações de jornais do interior reúnem afiliados e obtém, a partir de ações editoriais e políticas conjuntas, grande repercussão junto ao público e, como resultado, aumento da verba publicitária, assinaturas e mais venda avulsa. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

60 MELECH, Edgard Cesar 60 Esse avanço da tiragem dos jornais brasileiros, em muito resultado do crescimento da tiragem dos pequenos jornais diários e semanários, pode ser analisado a partir de alguns dados que apontam a demanda de mídia impressa nos municípios até há pouco tempo sem jornal. Entre os possíveis fatores desse crescimento estão a estabilidade econômica do país, o aumento do poder aquisitivo da população de baixa renda e o melhor desempenho dos números na educação formal. Entretanto, o que se coloca em questão para os jornais impressos, sejam grandes ou pequenos, é a necessidade para encontrar fórmulas que apresentem soluções possíveis quanto ao avanço das novas mídias e suportes para informação jornalística. Em geral, os pequenos jornais já associam notícias impressas com a versão online, uma forma de integrar o leitor tradicional com leitores a partir das mídias digitais. Importância disso é que praticamente a metade da população norte-americana declara obter notícias online pelo menos três vezes por semana, contra 40 por cento que afirmam obter notícias dos jornais em papel e dos sites a estes associados, constatação que mostra o quanto a migração para a web está se acelerando, em conjunto com a expansão do uso dos tablets e dos celulares inteligentes. (INFOABRIL, 2011) Jornal O Estado do Paraná: vida e morte O embate tecnológico e cultural que atinge os jornais foi marcado, em 2010, pela paralisação das impressoras do Jornal do Brasil, que agora é somente digital. Outro exemplo, em 2011, é o caso do fechamento do diário O Estado do Paraná, a alguns meses de completar 60 anos de circulação. A despedida foi acompanhada do anúncio em que seu proprietário justificava a necessidade de acabar com essa tradicional mídia, para dar vez a um site como forma de se adaptar aos novos tempos, mas o plano não deu certo. Fundado em 1951, O Estado do Paraná tinha sede própria instalada num dos bairros mais valorizados de Curitiba, com uma infra-estrutura que causou inveja aos concorrentes. Ao completar 59 anos, no dia 17 de julho de 2010, tinha orgulho de possuir edições ininterruptas no formato standard, impressas em moderno parque gráfico. Sua produção contou com excelentes e premiados jornalistas, fotógrafos, chargistas, publicitários, gráficos e, em seus melhores dias, chegou a ter uma equipe integrada por mais de cem profissionais. Entre 1970 e 1990 foi o jornal cuja circulação atingia a maior parte de municípios do estado, dando ao veículo conceito e prestígio. Nos últimos dez anos, entretanto, diversos fatores ampliaram sua crise financeira. Entre eles destacaram-se a falta de planejamento e organização, diminuição do número de anunciantes, aumento das dívidas trabalhistas, elevação dos custos gráficos, e principalmente, a queda na venda de exemplares em bancas e a brutal diminuição do número de assinantes. Ao mesmo tempo em que enfrentava momentos difíceis para manter o jornal impresso, a direção da empresa encontrou outra mídia para chegar até seus leitores, com o lançamento do site Paraná OnLine - experiência anterior à do jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul. Desde 16 de junho de 1997 a editora vinha abastecendo o site com as notícias, reportagens e artigos publicados pelo O Estado do Paraná e pela Tribuna do Paraná, outro jornal do grupo que ainda se mantém como impresso. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

61 MELECH, Edgard Cesar 61 O serviço de notícias do site chegava aos s de uma grande clientela e ainda não incomodava a concorrência porque naquele momento a Internet estava apenas em sua fase inicial no Brasil. Alguns importantes jornais regionais e nacionais ainda nem possuíam sites, inclusive seu maior concorrente local, o diário Gazeta do Povo, do grupo Rede Paranaense de Comunicação, vinculado à Rede Globo. Ao encerrar suas atividades, o Estado do Paraná informava uma tiragem média de 40 mil exemplares com 35 páginas nos dias úteis e 40 páginas nos finais de semana, sendo 40% do espaço ocupado com publicidade e 60% com notícias. O lançamento de seu novo endereço acabou sendo alvo de muitas críticas, pois desconsiderou aspectos técnicos e de bom senso que mereceriam ser observados. Mesmo com todos os problemas advindos da mudança, entretanto, o futuro do veículo dependeria das ações estratégicas a ser realizadas. Segundo seu proprietário, em entrevista publicada na última edição impressa (06 de fevereiro de 2011), essas novas mídias provocaram alterações no perfil dos leitores, que buscam notícias rápidas e instantâneas: Como a mídia impressa vai competir com esse sistema tão rápido de transmissão da notícia? Não há nenhuma possibilidade. E o custo se torna cada vez mais elevado. O jornal impresso depende da chapa, da tinta, do papel, do barbante, do empacotamento, do transporte. Isso tudo está ficando no passado. O presente é a transmissão da notícia rapidamente, com todas as facilidades, com fotos, gráficos e charges em qualidade excepcional e riqueza de detalhes, além da possibilidade de atingir um público maior. (PIMENTEL, 2011) Poucos meses após o fechamento de O Estado do Paraná, o site Paraná OnLine foi vendido ao maior grupo de comunicação do estado retransmissor da Rede Globo, significando não somente o fim de um veículo impresso, mas também a concentração da informação e da opinião em um grupo majoritário. Assim, o atual contexto tecnológico possivelmente incentivará fortes mudanças nas empresas de comunicação, alterando os modos de produção e envio de informações. Novos modos de produção Medina ressalta a importância de entender desde o século XIX as forças históricas, políticas, econômicas e sociais que interferiram no modo de produção e consumo de notícias e comerciais dos jornais, principalmente quanto às características que fundamentavam a importância da organização empresarial no contexto da imprensa: Nesta época, especialmente no Rio de Janeiro (centro de decisões e de movimento econômico), observam-se duas tendências no sentido de transformar a atividade jornalística em exploração comercial e industrial: de um lado, os jornais como a Gazeta de Notícias e o Jornal do Comércio, tradicionais folhas que vêm do tempo do Império, adquirindo equipamento e passando a faturar, principalmente, a venda de espaço publicitário; de outro, surgem novos órgãos já inteiramente estruturados como empresa e voltados, como qualquer negócio, para o lucro como objetivo. (MEDINA, 1978 p. 38) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

62 MELECH, Edgard Cesar 62 Mas no início deste século as mudanças aceleraram bastante: Convergência, interatividade e até mesmo o que muitas organizações de comunicação já temiam, que é a perda do controle da informação centralizada, capitaneada por monopólios e oligopólios do poder midiático. Steven Johnson considera que há necessidade de se avaliar esse impacto: (...) há realmente dois cenários piores que nos preocupam agora, e é importante distinguir entre eles. Primeiro, há o pânico de que os jornais vão desaparecer como empresas. E, depois, há o pânico de que as informações cruciais vão desaparecer com eles, que nós vamos sofrer culturalmente, porque os jornais não serão, por muito tempo, capazes de gerar as informações que temos invocado por tantos anos. (JOHNSON, 2009) Essas violentas alterações na produção e veiculação de conteúdos de mídia, que afetam diretamente a indústria jornalística, também geram ansiedade quanto à obrigação que os jornais têm de se adaptar às novas tecnologias. A pressa em mudar sem um planejamento adequado, para atender às expectativas de usuários da Internet, tem gerado problemas consideráveis para muitos diários, já que não basta apenas e simplesmente mudar do papel para o digital. Pavlik diz que é necessário que as empresas planejem com muito cuidado as escolhas que vão adotar. Ele observa que o conteúdo de notícias online deve evoluir através de três etapas: A primeira etapa envolve a adaptação dos conteúdos do jornal impresso para a edição on-line. Na segunda fase, o conteúdo é ampliado com recursos interativos, como os motores de busca, links e alguma personalização para o usuário que recebe notícias. A terceira fase é caracterizada pela criação de conteúdos originais, concebidos especificamente para o medium. (PAVLIK, 2002, p.43) Além disso, as empresas precisam deixar claro suas posições políticas e mercadológicas, sob o risco de verem desmoronar suas estruturas sob um mundo onde as informações já não podem ser controladas. Neste sentido, os modelos de jornalismo feitos à base de subsídios escusos, muito comum em épocas de autoritarismo, estão condenados ao fracasso e não conseguem intervir neste sistema onde produtor e consumidor tem a mesma importância. A interatividade também criou novas condições e desafios. Uma delas é a nova configuração para profissionais da notícia: Ciberjornalistas - adaptados a trabalhar interativamente com imagem, texto e áudio; e para os ex-consumidores passivos da notícia (antigos leitores ) um pomposo título: jornalistas cidadãos. Trata-se de uma realidade diferente, onde os internautas não são apenas co-produtores passivos da informação, mas também produtores cooperativos dos mundos virtuais (LÉVY, 1999, p.35). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

63 MELECH, Edgard Cesar 63 É compreensível, portanto, que em meio ao caos que toma conta da imprensa mundial, quando o tema é novas tecnologias, busquem-se respostas e posturas às vezes equivocadas e que acabam gerando prejuízos para as empresas de comunicação e, em cascata, para a qualidade do jornalismo. Muitas dessas empresas menosprezam seus leitores ao deixar de oferecer conteúdos não apenas qualitativos, mas principalmente, dialógicos e comunicativos. Trata-se de um equívoco, pois segundo o departamento de telecomunicações da Organização Mundial das Nações Unidas, 57% dos internautas estão em países em desenvolvimento e, para esse novo leitor não basta apenas conteúdos atrativos, já que dispõe de uma gama bastante diversificada de meios para obter informações cada vez mais especializadas.(onu, 2010) Conclusão A história do jornalismo brasileiro vivencia importantes momentos, uma fase não somente de transição entre as antigas tecnologias analógicas e a as novas tecnologias digitais, mas principalmente, de discussão e recuperação da finalidade da imprensa que é a capacidade de informar com rapidez, qualidade e responsabilidade social. Neste sentido, muitas temáticas tratadas aqui ainda estão em nível de suposições devido à velocidade com que essas inovações acontecem, e levam em consideração o papel do jornalismo para a sociedade moderna. Seja com antigas ou novas tecnologias, enquanto houver sociedade sempre haverá um leitor, mas ainda assim, uma razoável vantagem da multimídia são as possibilidades inesgotáveis de um espaço em construção permanente. Importante observar, no entanto, que para Lévy: Não se trata apenas de racionalizar em termos de impacto qual o impacto das infovias na vida política, econômica e cultural, mas também em termos de projeto (com que objetivo queremos desenvolver as redes digitais de comunicação interativa? (LÉVY, 1998, p.13) As previsões quanto ao tempo que ainda restaria para jornais impressos abandonarem por completo o suporte de papel mostram que a situação encontra-se indefinida. São muitas as possibilidades levantadas, várias delas polemizando diferentes perspectivas e que apontam, em geral, para três hipóteses básicas: A primeira hipótese é a de que os jornais podem adotar essas novas tecnologias sem abandonar a versão impressa, adaptando os conteúdos (impresso e online) aos seus públicos. A segunda hipótese apresenta o caminho dos tablets digitais específicos para recepção de jornais e revistas, que mantém a estética tradicional para os leitores acostumados a esses produtos. A terceira hipótese vai em direção a um novo e totalmente diferente conceito, que obriga o jornal a integrarse aos padrões visuais e estéticos das mídias sociais, como Twitter, Facebook, blogs e sites de informação, eliminando assim qualquer vestígio dos padrões e formatos que historicamente marcaram a imprensa. Vale observar que essa empolgação pelas novas tecnologias ainda reflete tendências com determinantes superficiais, pois há dados e pesquisas que revelam situações inovadoras na abordagem do problema. A mais nova perspectiva para jornais e revistas manterem cativos seus públicos vem com o tablet, tela digital portátil em que o leitor acessa através da Internet seu jornal preferido, baixa o arquivo online (através de download) e depois vê offline aquilo que desejar. Provavelmente em alguns anos estaremos falando de tecnologias ainda mais avançadas. Refletir os rumos a ser tomados exigirá avaliar e racionalizar essas novas condições que se impõe sobre os veículos de comunicação impressos. Para isso, Johnson acredita que o espaço da notícia é como um ecosistema, formado pela diversificação, complexidade e interligação presente no espaço de criação: O importante não é o futuro da indústria da notícia, ou o negócio do jornal impresso, mas o futuro da notícia em si. (JOHNSON, 2009) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

64 MELECH, Edgard Cesar 64 REFERÊNCIAS ABRIL, Editora disponível no site Acessado em 19/07/2012. ANJ Associação Nacional de Jornais disponível no site Acessado em 03/10/2012. ANJ Associação Nacional de Jornais disponível no site Acessado em 15/09/2012. ANJ Associação Nacional de Jornais disponível no site jornais-nunca-tiveram-tantos-leitores/view Acessado em 03/10/2012. DINES, Alberto disponível no site Acessado em 10/08/2012. INFO.ABRIL disponível no site -papel shl Acessado em 23/09/2012. IVC Instituto Verificador de Circulação disponível no site noticias/2012/07/23/ivc-circulacao-de-jornais-cresce-23-porc.html Acessado em 05/10/2012. JOHNSON, Steven disponível no site Acessado em 14/08/2012LÉVY, Pierre. Cybercultura. São Paulo, Editora 34, LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo, Loyola, MEDINA, Cremilda. Notícia Um produto à venda. Ed. Summus, SP, MEYER, Philip. Vanishing Newspaper Saving Journalism in the. Missouri University, ONU Organização das Nações Unidas disponível no site Acessado em 18/09/2012 PAVLIK, John V. O futuro do jornalismo online. Columbia Journalism Review, NY, julho/agosto PIMENTEL, Paulo disponível no site Acessado em 03/03/2011. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

65 ISSN: A ESCRAVIDÃO NA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO: UM ESTUDO DAS ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIAS DOS ESCRAVOS ATRAVÉS DOS JORNAIS (1831 A 1888) 1 Antutérpio Dias PEREIRA 2 Universidade Federal da Grande Dourados UFGD/ MS Resumo Neste artigo analiso, de forma introdutória, a resistência dos negros e negras escravas na Província de Mato Grosso, através da abordagem dos Jornais: O Iniciador; A situação; o Liberal, e A província de Mato Grosso vinculando-os com um debate sobre as fontes documentais e historiográficas, tendo como base teórica a História Social da Escravidão. O recorte temporal tem inicio em 1831 e o término em Palavras-chave: Escravidão, Resistência, Jornalismo, Liberdades e Jornais. 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS. 2 Doutorando em História pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) PPGHIS/UFGD. antuterpio@yahoo.com. br / orientando da Professora Doutora Nauk Maria de Jesus/UFGD. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

66 PEREIRA, Antutérpio Dias 66 Ao iniciarmos as pesquisas sobre a História Social da Escravidão negra no século XIX, constatamos que há uma reduzida produção sobre o tema, na Província de Mato Grosso. Embora, as consequências socioeconômicas deste passado ainda se fazem sentir no presente. Procurando preencher esta lacuna é que propomos este artigo, sendo que, salvo engano do pesquisador, esta abordagem é inédita no Estado com este marco teórico e temporal. Os processos sócio históricos devem ser analisados em escalas reduzidas, não apenas por causa dos efeitos que produzem, mas porque não podem ser compreendidos a não ser que os consideremos, de forma não linear, como o resultado de uma multiplicidade de determinações, de projetos, de obrigações, de estratégias e de táticas de resistências individuais e coletivas de escravos e negros livres. O que diz respeito às fontes, uma parte encontra-se organizada e catalogada no Arquivo Público do Mato Grosso. Os fundos arquivísticos a serem utilizados nesta pesquisa serão: Poder Judiciário Estadual que contêm documentação manuscrita, referente ao Período Imperial. No Arquivo Publico de Mato Grosso do Sul utilizaremos os fundos arquivísticos do Poder Judiciário estadual do 1º e 2º Ofícios das cidades de Paranaíba, Corumbá, Miranda e o Cartório de Paz e do Registro Civil de Nioaque que constituem um riquíssimo material referente a escravidão no Sul do Estado (cartas de liberdades, Escrituras de compra e venda, hipotecas, procurações, testamentos), documentos que foram transcritos em 1994 e deu origem ao livro Como se de ventre livre nascido fosse... publicado pelo Arquivo Publico do Estado de Mato Grosso do Sul. Devemos destacar que toda essa documentação do período delimitado já foi analisada. O Fundo Poder Judiciário Estadual do Arquivo Publico de Mato Grosso é composto por 3 grupos representados pelos cartório de 1º, 2º e 5 º Ofícios. Desta documentação cartorária pesquisamos em específico a documentação do 2º Oficio que abriga os processos criminais e as ações de liberdades referentes ao Período Imperial. No 5º Ofício encontram-se os inventários que foram selecionados devido aos inventariados serem negros forros. Pesquisamos também 01 livro de Matricula de africanos livres entregues pelo Governo Imperial à sociedade de Mineração da Província de Mato Grosso. Utilizaremos como fonte de pesquisa as matérias vinculadas nos Jornais da Província de Mato Grosso, porque a imprensa cumpre um importante papel ao divulgar e defender os interesses diversos, na tentativa de 3 Sobre este fato ver AZEVEDO, Célia Maria M. Onda negra medo branco: o negro no imaginário das elites século XIX. São Paulo: Paz e Terra. E MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismos e jogos de poder: um crime célebre em Cuiabá (1872), suas verdades jurídicas e outras histórias policiais. Cuiabá MT: Carlini & Carniato:EdUFMT, BARBOSA, Wilson do Nascimento. O caminho do negro no Brasil. São Paulo, 1999 Mimeo. AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha. A trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas- SP, Editora da Unicamp, Cecult, E O direito dos escravos: lutas jurídicas e abolicionismo na Província de São Paulo. Campinas SP, Editora da Unicamp, p17 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

67 PEREIRA, Antutérpio Dias 67 conquistar os corações e ganhar a mente e a simpatia da opinião pública, cuja pressão, contra ou a favor, certamente interferia, nas ações das autoridades e sobretudo na decisão do Conselho de Jurados. 3 Na Província de Mato Grosso analisamos os seguintes jornais: O Iniciador; A situação; o Liberal, e A província de Mato Grosso. Esta análise por exemplo, do Jornal A Situação, a priori, realizada demonstrou que as matérias publicadas demonstrava a postura política conservadora do Jornal, que não se cansava de afirmar o perigo da desordem que poderia reinar entre os escravos e seus senhores decorrentes da ação abolicionista e defendiam o direito dos senhores manterem o controle sobre as suas propriedade escrava. Para Lilia Moritiz Schwarcz, (...) a seleção do jornal enquanto documento básico se mostra significativa. Em primeiro lugar por se constituir em fonte histórica bastante completa e complexa, já que nele convergiam posições e opiniões diversas e representativas e esse parece ser um período relevante no que tange também à história do jornal no Brasil (SCHWARCZ, 2008, p 16) O Jornal ataca fortemente, o Juiz de direito interino de Cuiabá, Dr Antonio Augusto Rodrigues, devido a uma decisão sua de acatar o pedido de Liberdade de 112 africanos 4, tendo como base a Lei de 1831, o artigo apela para o bom senso do Presidente da Província de Mato Grosso e para o Tribunal da Relação:..., os livros da collectoria não estão a sua disposição para serem borrados como no exercício do seu cargo acaba de enlamear a sua toga,... 5 A utilização e seleção dos jornais como fonte de pesquisa histórica mostrou-se muito significativa porque convergem posições e opiniões diversas e representativas. Devemos entender os fragmentos de textos com produto social, como resultado de um oficio exercido e socialmente reconhecido como tal envolvendo expectativas, posições e representações próprias plenos de significações e interpretações de um mesmo fato. Com a análise dos jornais provincianos procuramos descobrir qual era a visão da população branca sobre os escravos negros na Província de Mato Grosso e a partir deste ponto ampliar, o entendimento sobre a resistência negra e o significado da frágil liberdade para os escravos negros e forros que aparecem no texto como uma Linguagem do Silêncio onde a linguagem diz por si mesma, ainda que se renuncie a fazê-lo. Pesquisamos também 50 processos contra a pessoa, contra o patrimônio e contra a ordem, nos quais escravos, libertos e negros livres são identificados como réus, ou vítimas existentes nos documentos cartoriais existentes no Arquivo Publico de Mato Grosso e no Núcleo de Documentação de História Regional da Universidade Federal de Mato Grosso e nas cartas de liberdades e revogações de liberdade transcritos no livro como se de ventre livre nascido fosse... que traz varias transcrições dos documentos sobre escravidão existente no Arquivo Publico de Mato Grosso do Sul. Os processos civis foram escolhidos como base para este projeto, porque revelam as visões de mundo, as práticas, as representações, as trocas culturais e é uma tentativa da justiça de revelar e conhecer os aspectos da 4 JORNAL A Situação, Cuyabá, Anno XIX 23 de maio de 1886 nº APMT 5 JORNAL A Situação, Cuyabá, Anno XIX 23 de maio de 1886 nº APMT Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

68 PEREIRA, Antutérpio Dias 68 vida cotidiana, o que confere aos processos criminais e civis uma singular importância. Os escravos rompiam a dominação cotidiana por meio de pequenos atos de desobediência, manipulação pessoal e autonomia cultural. Os senhores sabiam da precariedade da acomodação que para Eugene Genovese tinha um sentido ambíguo correntezas perigosas e fortes passavam sob aquela docilidade e ajustamento. Os Relatórios serão importantes porque demonstram implicitamente, este medo, e, explicitamente as formas que o Estado Imperial o combatia, principalmente os Quilombos. Essa diversidade de opinião e de documentos é de fundamental importância para o projeto, porque são opiniões, posturas diferentes, em relação ao escravo negro que no final da década de 1870, passa a frequentar constantemente as diferentes seções dos jornais da Província de Mato Grosso saindo dos anúncios de classificados de aluguel, venda ou captura de escravos. Através desses fragmentos de textos da imprensa que conseguiram chegar até nós procuraremos reconstruir, dentro do possível, as estratégias de resistências destes sujeitos históricos e a sua luta pela liberdade. Natalia Roseira, ao analisar os aspectos técnicos dos Jornais da província de Mato Grosso aponta que: No século XIX os jornais editados em Cuiabá tinham certas peculiaridades que os diferenciam dos jornais de hoje. Os periódicos pesquisados traziam vários tipos de texto, como os literários, os noticiosos, os políticos, os culturais, artigos, editoriais, entre outros. No entanto, normalmente se utilizavam expedientes poéticos, o que de um modo geral não acontece hoje. Os jornais publicavam textos que atualmente se aproximam do texto de revistas. Ou seja, a imprensa de então buscava seduzir o leitor sendo criativa, mas não indo diretamente ao fato, começando por uma introdução do assunto. (ROSEIRA, 2006, p 6) Outro fato que chama a atenção é que as notícias vinham misturadas à opinião do redator, ou do proprietário do jornal, hoje isso não costuma ocorrer. O jornal é dividido em cadernos, por assuntos, diferente dos editados em Cuiabá no século XIX, e existem as páginas específicas para as opiniões dos jornalistas, leitores, proprietários do jornal (editorial) e outros profissionais que queiram escrever. As categorias, jornalismo, informativo, interpretativo e opinativo, não existiam, tudo estava no mesmo texto, não era separado. Sabemos que o oficio do historiador não é fácil. Falta tudo. Mas sobra coragem. Trabalhamos com uma árdua tarefa de construir interpretações que já nascem condenadas à sua temporalidade, parcialidades e finitudes. Utilizamos, os traços, os vestígios contidos em documentos históricos para trazer à superfície valores, entendimentos, definições, alegrias, tristezas, esperanças, lutas, perdas e vitórias que permeavam os relacionamentos humanos em tempo outrora. Não queremos em hipótese alguma fazer uma apologia às relações escravistas baseadas no paternalismo escravista 6 e muito menos reabilitar a escravidão 7. Ela foi, sem nenhum sombra de dúvida, violenta, horrorosa, desumana, um crime contra a humanidade de milhões de negros brasileiros e africanos, com consequências desastrosas para seus descendentes 8. Queremos ampliar o discurso historiográfico, explorar as fontes citadas e ir além da dicotomia senhor versus escravo na análise do cotidiano dos escravos negros e libertos na província Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

69 PEREIRA, Antutérpio Dias 69 de Mato Grosso de 1831 a Uma visão simplista das formas básicas de relacionamento na sociedade escravista, tem sido sintetizada em uma dicotomia muito enraizada na cultura brasileira. Explicando a complexa realidade dos escravos a partir de dois pontos de vista: o escravo dócil e o escravo rebelde ou De um lado, Zumbi dos Palmares, a Ira Sagrada, o treme-terra; de outro o Pai João, a submissão conformada. 9 Para Fernando Henrique Cardoso 10 os escravos se auto representavam como seres incapazes de ação autônoma ou seja, os negros seriam incapazes de produzir valores e normas próprias que orientassem a sua conduta social. Para Jacob Gorender, a teoria do escravo coisa tem prosseguimento ao defender a idéia de que o oprimido pode chegar a ver-se qual a vê o seu opressor e o primeiro ato humano do escravo é o crime, desde o atentado contra o seu senhor à fuga do cativeiro. 11 Os negros oscilariam entre a passividade e a rebeldia e a única forma de negarem a coisificação social era o inconformismo. Para Sidney Chalhoub, a luta desta corrente da sociologia paulista 12 era combater o mito da democracia racial 13 e este embate trouxe várias conseqüências positivas para analise da situação do negro contemporâneo. 14 Michel de Certeau nos alerta que o historiador tem que escrever e pesquisar partindo do seu lugar social e reportando-se para os seus pares e para a sociedade da qual faz parte 15 e para alcançar este objetivos ele precisa problematizar e criticar as suas bases teóricas e documentais. 6 FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 34ª. Rio de Janeiro: Record, GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo SP, Ática, Ver NASCIMENTO, Flávio A. da Silva. O negro, questões culturais e raciais. UFMT/R-Depto História e Racismo Brasileiro, uma pequena introdução crítica. UFMT/R-Depto História REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, P CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo SP, Ática, CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma historia das ultimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, Sobre a democracia racial ver: TURRA, Cleusa; VENTURI, Gustavo. Racismo cordial. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1998; SAN- TOS, Joel Rufino dos. O que é Racismo. São Paulo: Brasiliense, Col. Primeiros passos; ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, col. Primeiros passos. 14 NASCIMENTO, Flávio A. da Silva. O negro, questões culturais e raciais. UFMT/R-Depto História Racismo Brasileiro, uma pequena introdução crítica. UFMT/R-Depto História. 2000; GUIMARÃES, Antonio S. & HUNTLEY, Lynn (org). Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

70 PEREIRA, Antutérpio Dias 70 A escravidão não transforma os negros, segundo Sidney Chaloub, em seres incapazes de ação autônoma ; nem em passivos receptores de valores senhoriais e muito menos em rebeldes heroicos e indomáveis 16. Na construção e manutenção de suas estratégias de resistências, os escravos, alforriados criaram uma singular astúcia pessoal na exploração das brechas do poder escravocrata. Eles sabiam manipular as cartas certas no trato com os brancos. Para André Rosemberg os libertos tinham mais chance de explorar as várias possibilidades nesta negociação velada. 18 Enquanto que cotidianamente para Maria Cristina Wissembach 19, os escravos e libertos, tiveram que sobreviver e improvisar respostas compatíveis à sua luta diária contra a escravidão. Transformando os mecanismos da discriminação, da segregação, da falta de recursos e da ausência de instituições que lhes amparassem, num árduo aprendizado da experiência da liberdade. Negros como: José, o africano; José Antonio; Anna Nagô, Manoel, Inocêncio; Joaquina; Ricardo, nagô; Bonifácio; Florentino; Macário; Maria Benguella; Rita nagô, Apolinário; Mariana; Leocádia Benguella; Julião Congo; Cazemiro Congo; Firmino Benguela; Cláudio Congo; João Cabinda; Josefa; José, escravo e muitos outros 20. Não podemos esquecer que a História do negro no Brasil e na Província de Mato Grosso, não pode ser compreendida sem a referência explícita ao preconceito racial que normatizou a organização da vida escrava e forra na colônia, no Império e na Republica e teve como um dos seus divulgadores Nina Rodrigues. 21 Estas ideias de evolução e de diferenças raciais são constantes em Jornais do Sudeste, e os Jornais do in- 16 CHALHOUB, Sidney.op. cit 17 REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, P ROSEMBERG, André. Ordem e burla: processos sociais, escravidão e justiça, Santos na década de São Paulo: Alameda, E MACHADO, Maria Helena P.T. O Plano e o Pânico: Movimentos sociais na Década da Abolição. 2.ed. rev. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, WISSEMBACH, Maria Cristina C. Sonhos Africanos, Vivências Ladinas. Escravos e Forros no Município de São Paulo, ª Ed. São Paulo: Editora HUCITEC, Levantamento baseado na documentação encontrada durante as pesquisas realizadas entre 2009 a 2011 no Arquivo Público de Mato Grosso (APMT) e no Núcleo de Documentação de História Regional da Universidade Federal de Mato Grosso (NDHIR/UFMT); Arquivo Publico de Mato Grosso do Sul (APMS). 21 RODRIGUES, R. N. Os africanos no Brasil, 2. ed., São Paulo, SCHWARCZ, L. M. O espetáculo das raças; cientistas, instituições e questões raciais no Brasil ( ), São Paulo, Companhia das Letras, FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo: Ática, Vol. 1 e 2 - E Significado do protesto negro. São Paulo: Cortez e Associados ( col. Polêmica do nosso tempo, volume 33), Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

71 PEREIRA, Antutérpio Dias 71 terior (Mato Grosso) copiavam estes artigos. O Jornal Correio Paulistano em seus diversos discursos explicavam desde a inferioridade da raça negra com relação à branca até suas características de humildade e servilismo, A raça negra progride (...) Em virtude da acirrada observação anthropollogica de sabido valor afirma a iminente autoridade afetiva dessa raça a séculos tão cruelmente explorada em razão mesmo de seus dotes naturaes de brandura e submissão. Por certo servilismo, bem conhecemos, essa fria sensibilidade, desinteressado apego de coração da raça negra (Correio Paulistano, 7 de julho de 1892) Para melhorar a caracterização da raça negra, comentava-se insistentemente no Correio sobre seu continente de origem, com seus costumes primitivos e espécimes exóticos. (...) É um bello espécime de selvagem nobre perfeitamente negro com uma estatura de cerca de seis pés, parece contar com 50 annos e tem uma fisionomia simples e benévola. Não dá trabalho, só come um boi inteiro por dia. (Correio Paulistano, 3 de dezembro de 1883) Existia, para a historiadora Silvia Hunold Lara, um clima acentuadamente discriminatório e discricionário alicerçado em uma política de vigilância constante sobre os escravos, redobrada nos alforriados e negros livres. 22 Para Maria Helena Machado, o Historiador não pode ignorar a complexa realidade multivariada da escravidão 23 e muito menos a capacidade dos cativos em criar artifícios de sobrevivência que, certamente, acompanhariam os ex-escravos no trajeto de integração ao universo dos homens livres. 24 E são estes artifícios que este projeto pretende identificar e analisar. Para o escravo havia a necessidade de reorganizar a escravidão em seus próprios termos, reordenar as relações escravistas entre eles e seus senhores, reafirmar valores étnicos entre seus iguais, são os objetos das lutas coletivas, entre ou individuais dos cativos. Porque o anseio maior era sobreviver e lutar com todas as armas disponíveis contra a ordem estabelecida pelo regime da escravidão. 22 Ver LARA, Silvia Hunold. Campos da violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750 a Paz e Terra, E na província de Mato Grosso este controle era oficializado por várias leis entre elas a LEI PROVINCIAL Nº 22, 02 DE SETEMBRO DE 1843: Fixa sanções sobre os escravos que saírem fora das Cidades, Vilas e Povoações sem estar portando uma cédula datada e assinada por seu Senhor. Fonte Assembléia Legislativa de Mato Grosso. acesso em 05/03/ MACHADO, Maria Helena P.T. O Plano e o Pânico: Movimentos sociais na Década da Abolição. 2.ed. rev. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, WISSEMBACH, Maria Cristina C. op cit. p 29 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

72 PEREIRA, Antutérpio Dias 72 A alforria segundo, Laura de Mello e Souza e Eduardo França Paiva, era um engodo, uma contradição e serviria para aplacar ódios e ressentimentos para os escravos era uma forma de resistência que atuava, para ela, dentro do sistema sem procurar rompê-lo. 25 Enquanto que para Roberto Guedes fica difícil de entender este pensamento dicotômico entre o engodo do senhor e a resistência escrava. Será que os escravos caíram em uma armadilha senhorial e contribuíram para a manutenção da escravidão? Ele afirma que a alforria era basicamente uma concessão senhorial 26 seria no limite um acordo desigual, que foi estimulado pela pressão dos escravos e está situado, para Sidney Chalhoub no âmbito do poder moral dos senhores. 27 Na sociedade escravista, para Roberto Guedes, a desigualdade era o principio básico e a alforria era o inicio da diferenciação social para os escravos. Por isso que a aceitação da concessão era uma atitude de submissão intencional ( sem negar as tensões e os conflitos) e uma maneira de ascender socialmente. Para ele a alforria era um código de dominação paternalista que reforçava o poder senhorial e era vista de forma diferente pelos escravos que não negavam a negociação para consegui-la. 28 Ambas as formas coexistiram simultaneamente? E qual seria a visão que os escravos tinham da alforria? E os senhores como entendiam a alforria? Como os sujeitos históricos envolvidos utilizavam deste instrumento jurídico para conseguirem alcançar os seus objetivos? Na historiografia regional que aborda a escravidão a Historiadora Lucia Helena Gaeta Aleixo 29, analisa a mão-de-obra escrava e livre em Mato Grosso no período de 1850 a 1888, ressaltando a necessidade do Capital Mercantil em criar um mercado livre produzindo para o mercado internacional. Para ela a economia mercantil, no período colonial e Imperial, estava baseada na mineração e no trabalho escravo. Mas, a acumulação de Capital/dinheiro acontecia principalmente através do comércio. Esses comerciantes, com o declínio da mineração diversificaram suas atividades produtivas a lavoura de cana-de-açúcar, a criação de gado e o extrativismo. 30 Para Aleixo, o escravo era dominado através da violência e o braço escravo foi o responsável pela acumulação primitiva e ele estava inserido no plano da economia colonial e no da economia imperial. Esta idéia é rea- 25 SOUZA, Laura de Mello e. Norma e Conflito. Aspectos da História de Minas no século XVIII. Belo Horizonte: Editora da UFMG p156 e PAIVA, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII. São Paulo: Annablume, GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto Feliz /São Paulo Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, P CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade. p GUEDES, Roberto. Op cit. p ALEIXO, Lucia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho Escravo e Trabalho Livre 1850 a Brasília. Ministério da Fazenda ALEIXO, Lucia Helena Gaeta. Op. Cit. P 88 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

73 PEREIRA, Antutérpio Dias 73 firmada por Edvaldo de Assis 31, o negro escravo não foi utilizado nas atividades extrativistas da poaia e da erva mate, o escravo negro foi substituído pelo negro forro, devido a natureza e a extensão das áreas, era impossível o controle sobre o escravo. Segundo, Edvaldo de Assis, para a Coroa Portuguesa era importante o maior número de trabalhadores escravizados nos trabalhos auríferos para aumentar a produtividade. 32 Ele aborda também a violência física e cultural que sofreram os escravos na Província de Mato Grosso e que os mesmos devido a sua precária situação, eram mais propensos a serem atingido pelas epidemias da região de garimpo. Os trabalhadores escravizados resistiram como podiam a escravidão criando inúmeras formas de luta, como o suicídio; o assassinato; a fuga e a organização dos quilombos. Na fala de vários Presidentes de Província, constatam-se que eles sabiam da precariedade da Paz, em um sistema escravista, ela nunca é verdadeira, porque mascara uma guerra não declarada. 33 Os escravos rompiam a dominação cotidiana por meio de pequenos atos de desobediência, manipulação pessoal e autonomia cultural. 34 Os senhores sabiam da precariedade da acomodação que para Eugene Genovese tinha um sentido ambíguo correntezas perigosas e fortes passavam sob aquela docilidade e ajustamento. 35 Neste contexto, Maria de Lourdes Bandeira 36 faz um estudo sócio-antropológico sobre a constituição da comunidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, abordando a história da criação de Vila Bela e a sua transformação em uma cidade majoritariamente negra. Ela mostra a resistência dos pretos à identidade estigmatizante de cativos 37 e de como houve a reorganização da identidade étnica no processo histórico da formação da cidade e que foi o desejo de liberdade que uniu os negros na resistência à escravidão e na manutenção e consolidação da comunidade Vila Belense, principalmente, nos momentos de crise. O cotidiano dos escravos na Província de Mato Grosso é analisado por Luiza Rios Ricci Volpato que procura resgatar o cotidiano dos cativos e a construção de sua identidade, no trabalho, na transgressão e no quilom- 31 ASSIS, Edvaldo de. Contribuições para o estudo do negro em Mato Grosso. Cuiabá. EdUFMT ASSIS, Edvaldo de. Op. Cit. P REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, P33 34 Conforme pesquisa realizada no Periódico O INCIADOR - cidade Corumbá ano pagina 18/01 seção cousas locais- NDHIR-UFMT 35 REIS, João J. & SILVA. Op. Cit P BANDEIRA, Maria de Lourdes. Território negro em espaço branco. São Paulo: Brasiliense, BANDEIRA, Maria de Lourdes. Op. Cit. P 96 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

74 PEREIRA, Antutérpio Dias 74 ação violenta dos escravistas e faz referência a uma possível acomodação pacífica entre os escravos e senhores, tendo como base para tal argumentação as Cartas de Liberdades, que mostravam gratidão por parte dos senhores em relação ao afeto demonstrado pelo escravo para com o senhor. Porém, há passagens onde a autora denuncia a violência e a tensão nessas relações sociais em Cuiabá marcadas pelo aspecto cruel e violento. Os escravos que optaram pela liberdade tinha várias alternativas a fuga, a luta armada, a cooptação, a compra da alforria. 40 A historiadora, Luiza Rios Ricci Volpato, ao escrever sobre os quilombos ressaltou que a resistência ocorreu na luta do dia-a-dia, em pequenos enfrentamentos ou em fugas para as terras espanholas (nas regiões de fronteiras), ou criando quilombos em terras matogrossenses, como os quilombos de Quariterê, do Rio Manso, do Piraputanga e do centenário Sepotuba, um dos mais antigos existentes em Mato Grosso. Ela analisa a expansão dos quilombos e a articulação dos quilombolas com os soldados desertores para obterem armas, informações táticas, no período da Guerra do Paraguai ( ), chegando a atacar fazendas próximas de Cuiabá, Capital da Província. 41 Osvaldo Machado Filho 42, analisa, através do assassinato do Tenente Coronel Lauriano Xavier da Silva, a historia da criminalidade cuiabana, o aparato legal para coibí-lo e as deficiências do sistema policial, precário para investigar, identificar e punir os culpados. O historiador para construir a sua narrativa utilizou de uma vasta documentação (relatórios, boletins, de ocorrências policiais, correspondências de chefes de polícia e de presidentes da província) para suprir algumas lacunas sobre a história da Província de Mato Grosso. Ele analisa a formação e o funcionamento das estratégias que o poder, na sociedade escravista, utiliza para manter os privilégios e se retroalimentar do Ilegalismo, no jogo do poder. A partir da descrição da Cuiabá do século XIX, o autor procura caracterizar a paisagem urbana vinculando-a com os fatos históricos, como a Guerra do Paraguai, aumento populacional, o progresso, o aumento da violência urbana e a falta de interesses das autoridades em relação as doenças que assolavam a população. 43 Ele faz uma reconstituição das relações sociais dos escravos ao citar em várias passagens o cotidiano dos escravos e suas relações sociais sendo a passagem mais rica a história do escravo Januário 44 e suas complexas redes de 38 VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá 1850 a Cuiabá MT. Marco Zero/EdUFMT, VOLPATO. L R Ricci. Op.cit p VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Op. Cit. P 109/ REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (orgs). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo, Cia das Letras, In VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Quilombos em Mato Grosso: resistência negra em área de fronteira. P MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismos e jogos de poder: um crime célebre em Cuiabá (1872), suas verdades jurídicas e outras histórias policiais. Cuiabá MT: Carlini & Carniato:EdUFMT, Ver CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. Cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia das Letras, MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Cit p 175 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

75 PEREIRA, Antutérpio Dias 75 relacionamentos profissionais, amorosos e de interesses vários. E como o Estado Imperial, através da força policial, procurava controlar o lazer (principalmente o consumo da aguardente) para evitar a aproximação, através do uso da cachaça em ambientes comerciais, entre brancos e negros. a aguardente, em cuja esteira vinham as brigas e a violência, mas que também era uma poderosa arma para nivelar as diferenças sócias e aproximar brancos e negros, livres e escravos. 45 Nos jornais há uma clara menção aos malefícios do álcool entre a escravaria, Morte no frio, Sexta feira ultima foi encontrado na estrada que vai de Sorocaba ao banco da Árvore Grande um individuo de cor preta de nome Sebastião. Pelas observações feitas, verificou-se que Sebastião morrera enregelado talvez devido a achar-se sob o efeito do Álcool. (Correio Paulistano, 13 de agosto de 1890). Essas obras sintetizadas acima são importantes porque procuraram retratar o cotidiano do escravo negro dentro da sociedade colonial e provincial de Mato Grosso. Suas várias abordagens documentais, teóricas demonstram a diversidade de encaminhamentos e focos que se pode ter sobre a História social da escravidão negra em Mato Grosso que é uma região pouco estudada pela historiografia brasileira que concentra suas pesquisas na região nordeste e sudeste. Este projeto vem de encontro há uma necessidade de se ampliar este debate, novos olhares 46, sobre novos lugares em relação a resistência escrava e a problemática da liberdade na Província de Mato Grosso. Acreditamos que esta fundamentação teórica, em conjunto com as fontes selecionadas, nos permitirá reconstruir as estratégias criadas pelos escravos e negros forros para resistirem e lutarem contra a escravidão, como nos mostra a historia de Anna Nagô, alforriada, que em 1831, busca na justiça a carta de liberdade dos dois filhos, pois seu antigo senhor não quitou algumas dividas antes de morrer e o testamenteiro pede a penhora dos dois filhos de Anna 47. Neste processo que ocorreu em Vila Bela da Santíssima Trindade, percebemos que os negros agiam baseados em uma racionalidade própria, muito sutil e perspicaz, e que suas ações eram firmemente baseadas em conhecimentos experiências que demonstram uma complexa e eficiente rede de solidariedade e de relações pessoais que nos levam a conjecturar sobre como uma escrava analfabeta teria acesso a um conhecimento especifico sobre as leis? E como as suas relações sociais a levaram a encontrar alguém que a representasse contra o seu senhor, porque o escravo, por lei não poderia entrar diretamente contra o seu senhor. Para a historiadora Silvia Hunold Lara, considerada por Alyson Luiz Freitas de Jesus a fundadora da nova historiografia brasileira sobre a escravidão, os forros e os escravos são agentes históricos que a partir do contato 45 MACHADO FILHO, Oswaldo. Op. Cit p BURKE, Peter (org).a escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, Doc da procuradoria geral dos ausentes cartório do 2º oficio Cx 111 ano 1881 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

76 PEREIRA, Antutérpio Dias 76 diário passaram por um intenso processo de trocas culturais. Mas como se deu esta troca cultural na Provincia de Mato Grosso? Quais foram as bases de negociação destas trocas? Como os sujeitos históricos perceberam estas mudanças e transformações? A analise dos jornais nos fez formular algumas questões fundamentais em relação ao tema: os escravos construíram uma racionalidade própria? Qual era a função da experiência e das relações pessoais? Por que sabemos que a luta pela liberdade envolvia um sentimento de união e solidariedade entre os que saíam vitoriosos e se envolviam em projetos de alforria de familiares e parentes mobilizando toda uma rede social. 48 Mas como escravos montavam essas redes? De que forma isso era percebido pelos senhores? Existiu uma relação mais próxima entre escravos e não escravos? Existiram em Mato Grosso as relações de apadrinhamento? Compadrio? As historias dos africanos livres, escravos, escravas, forros, livres, quilombolas, demonstram a complexidade das relações sócias na escravidão e de como os escravos utilizavam de suas relações de sociais para resistir. E é neste contexto de resistência que pretendemos analisar as fontes de pesquisa. Queremos ir além da dicotomia escravo bom, senhor mau na Província de Mato Grosso. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

77 PEREIRA, Antutérpio Dias 77 REFERÊNCIAS ALEIXO, Lucia Helena Gaeta. Mato Grosso: Trabalho Escravo e Trabalho Livre 1850 a Brasília. Ministério da Fazenda ALYSSON, Luiz Freitas de Jesus. No sertão das Minas: violência e liberdade São Paulo: Annablume; Belo Horizonte: Fapemig, P 28 ASSIS, Edvaldo de. Contribuições para o estudo do negro em Mato Grosso. Cuiabá. EdUFMT AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha. A trajetória de Luiz Gama na imperial cidade de São Paulo. Campinas- SP, Editora da Unicamp, Cecult, BENEDITO, Mouzar. Luis Gama: o libertador de escravos e sua mãe libertária, Luiza Mahin. São Paulo: Expressão Popular, 2006 CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Paz e Terra CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense, CHALHOUB, Sidney. Cidade Febril. Cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Cia das Letras, CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma historia das ultimas décadas da escravidão na corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1999 CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel e Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990 FERREIRA, João Carlos. Mato Grosso e seus municípios. Cuiabá: SEEM, FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala. 34ª. Rio de Janeiro: Record, 1998 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais, morfologia e história. São Paulo: Cia das Letras, 1991 GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social. Porto Feliz /São Paulo Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, P 183 JESUS, Nauk Maria. Saúde e Doença: Práticas de Curas no Centro da América do Sul (1727 a 1808). Cuiabá MT. PPGH-UFMT. Dissertação de mestrado. mimeo JUCA, Pedro rocha. A imprensa oficial em Mato Grosso. Cuiabá Imprensa Oficial do estado de Mato Grosso LARA, Silvia Hunold. Campos da violência. Escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750 a Paz e Terra, 1998 LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial. Trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 MACHADO FILHO, Oswaldo. Ilegalismos e jogos de poder: um crime célebre em Cuiabá (1872), suas verdades jurídicas e outras histórias policiais. Cuiabá MT: Carlini & Carniato: EdUFMT, 2006 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

78 PEREIRA, Antutérpio Dias 78 MACHADO, Maria Helena P.T. O Plano e o Pânico: Movimentos sociais na Década da Abolição. 2.ed. rev. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, MELO, José Marques de. Jornalismo opinativo. Campos do Jordão: Mantiqueira, MENDONÇA, Estevão. Breve memória sobre a imprensa em Matto-Grosso. X - Coleção: Cadernos de História / 1.Cuiabá: Edições UFMT, MOURA, Zilda Alves de. Cativos nas terras dos pantanais. Escravidão e resistência no sul de Mato Grosso. Séculos XVIII e XIV. Passo Fundo: EdUPF-Coleção Malungo 15, NASCIMENTO, Flávio A. da Silva. Racismo Brasileiro, uma pequena introdução crítica. PAIVA, Eduardo França. Escravos e Libertos nas Minas Gerais do Século XVIII: estratégias de resistência através de testamentos. São Paulo: Annablume, REIS, João J. & SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negro no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, REIS, João José e GOMES, Flávio dos Santos (orgs). Liberdade por um fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo. São Paulo: Cia das Letras, RODRIGUES, R. N. Os africanos no Brasil, 2. ed., São Paulo, 1935 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Retrato em Branco e negro: jornais, escravos e cidadãos em São Paulo no final do século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1987 SLENES, Robert W. Na Senzala, uma flor. Esperanças e recordações na formação da família escrava - Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil.4ªed. Rio de Janeiro. Mauad TAVARES, Valdiva de Matos. A mulher escrava em Cuiabá: espaços de visibilidade e de subordinação Cuiabá. Especialização em Metodologia da História UFMT. Mimeo. VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Cativos do sertão: vida cotidiana e escravidão em Cuiabá 1850 a Cuiabá MT. Marco Zero/EdUFMT, 1993 WISSEMBACH, Maria Cristina C. Sonhos Africanos, Vivências Ladinas. Escravos e Forros no Município de São Paulo, ª Ed. São Paulo: Editora HUCITEC, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

79 ISSN: O JORNAL E SUAS REPRESENTAÇÕES: OBJETO OU FONTE DA HISTÓRIA? 1 Maurilio Dantielly CALONGA 2 Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS Resumo Neste trabalho pretende-se discutir a questão do uso dos jornais impressos enquanto fonte para o conhecimento do passado. A problemática visa refletir sobre as metodologias adequadas ao tratamento dos periódicos. O objetivo primeiro é situar as fontes impressas no contexto de renovação historiográfica dos anos de Posteriormente, debater acerca das possibilidades usuais da imprensa escrita como objeto e fonte de pesquisas, e, por fim, analisar o conceito de representações, relacionando-o à leitura dos periódicos. Palavras-chave: Imprensa Escrita; Fontes Históricas; Representações. 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigran/ Dourados/ MS. 2 Mestrando do Curso de História da FCH-UFGD, dantielly@gmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

80 ISSN: Em 1988, a historiadora Maria Helena Capelato afirmou ser a imprensa manancial dos mais férteis para o conhecimento do passado, pois possibilita ao historiador acompanhar o percurso dos homens através dos tempos (CAPELATO, 1988, p.13). Tal afirmação enquadra-se num contexto de renovação historiográfica, a partir, sobretudo, das proposições advindas com a chamada Nouvelle Histoire. Os Annales, especialmente a partir de 1970, propuseram à História, por meio da interdisciplinaridade, novos objetos, problemas e abordagens 3. Ampliou-se, com isso, a noção de documento na historiografia, inclusive em relação aos métodos de investigação. Entretanto, até aquele momento, os historiadores assumiam posturas distintas com relação aos periódicos. No século XIX a tradição positivista, restrita a descoberta da verdade, impedia a utilização dos impressos na produção historiográfica. Imaginava-se, pois, subjetivo, portanto, falsificador da realidade, o que distorcia, por assim, as imagens do passado. Restituir os tempos pretéritos implicava ao historiador rigor no distanciamento do objeto, tanto temporal quanto imparcial, tornando-se, então, tarefa fundamental para se atingir o conhecimento objetivo e verdadeiro. O modelo histórico-científico proposto por Leopold Von Ranke, o qual a função do historiador seria a de recuperar os eventos, suas interconexões e suas tendências através da documentação e, a partir dela fazer a narrativa histórica (ALVES; GUARNIERI, 2007, p.36) não admitia a leitura de outras espécies de documentos senão das fontes escritas oficiais. Conforme Bloch a fórmula do velho Ranke é celebre: o historiador propõe apenas descrever as coisas tais como aconteceram (2002, p.125), nesse sentido, a mesma se limitaria a documentos escritos oficiais de eventos essencialmente políticos, sobretudo, documentos militares, eclesiásticos e de governos. O historiador, portanto, manter-se-ia neutro diante do objeto, para assim, poder conhecer a verdade dos fatos. A ideia de que o historiador deveria ter uma visão objetiva dos acontecimentos levou à negação de determinadas fontes, como a imprensa, que não poderia servir à História por ter uma alta carga de subjetividade na maneira como narrava os acontecimentos. Na verdade, pensava-se atingir seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitantes ao inventário das fontes, à crítica dos documentos, à organização das tarefas na profissão (BOURDÉ; MARTIN, 1993, p.97). Não obstante, a partir da década de 1930, o uso da imprensa escrita como fonte histórica começou a ser encarada com outras perspectivas. Erguendo-se contra o paradigma tradicional, os franceses Marc Bloch e Lucien Febvre, inauguram a revista Les Annales. Sob a influência das Ciências Sociais a corrente inovadora despreza o acontecimento e insiste na longa duração, deriva a sua atenção para a atividade econômica, a organização social e a psicologia coletiva (BOURDÉ; MARTIN, 1993). Recusam-se, pois, os objetos tradicionais da história para dar atenção à vida econômico-social e mental. 3 Publicação da coletânea com esse nome, na França, por Jaques Le Goff e Pierre Nora (1974). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

81 ISSN: Através das propostas de análises históricas difundidas pela Écolle des Annales, os estudos históricos receberam novos ares. Ampliaram-se as pesquisas que passaram a tratar com novos objetos, novos enfoques e métodos, e com outros documentos capazes de responder as problemáticas surgidas na investigação. A partir de então, a noção do que se constituía como fonte histórica ampliou-se e o documento deixou de ser apenas o registro político e administrativo, identificado, pois, em um processo temporal de construção, portanto, histórico. Enquanto os historiadores metódicos viam nos documentos, e mais, apenas nos documentos oficiais a possibilidade de investigação histórica científica, à procura de uma certeza objetiva, os Annales, recusando esta ideia, afirmavam ser o discurso histórico fruto das interferências do historiador, de suas escolhas, de seu olhar. O historiador, nesse sentido, não estaria mais submisso ao documento. Por meio de problemas, hipóteses e ampliada documentação a história denominou-se conhecimento cientificamente conduzido ou, simplesmente, ciência em construção. Segundo Febvre a fórmula cientificamente conduzido implica duas operações, as mesmas que se encontram na base de qualquer trabalho científico moderno: por problemas e formular hipóteses (1989, p.32). Apesar disso, mesmo os primeiros Annales não efetivaram imediatamente as potencialidades da imprensa enquanto fonte, relegadas, portanto. Isso porque, os estudos deste período fixavam-se, sobretudo, na época medieval, distantes no tempo, concentrando-se suas análises às temáticas econômicas e sociais. Somente a partir da chamada terceira geração dos Annales, os caminhos abriram-se efetivamente aos impressos. Os historiadores pertencentes a esse grupo, incluindo-se Jacques Le Goff, Georges Duby, Emmanuel Le Roy Ladurie, entre outros, propuseram novas aberturas, problemas e abordagens. Sem negar definitivamente a análise estrutural da segunda geração, com seu expoente máximo Fernand Braudel, os Annales promoveram um relacionamento íntimo da História com a Linguística, Psicologia e Antropologia, nesse sentido, incorporaram um modelo essencialmente interdisciplinar, sobretudo, em relação à metodologia. Portanto, neste contexto, a história multiplica suas curiosidades. Desloca-se a análise histórica para a descontinuidade, a ruptura, o novo, fragmenta-se numa especialização extrema. Segundo Le Goff e Pierre Nora: A novidade parece-nos estar ligada a três processos: novos problemas colocam em causa a própria história; novas abordagens modificam, enriquecem, subvertem os setores tradicionais da história; novos objetos, enfim, aparecem no campo epistemológico da história. (LE GOFF; NORA, 1978, apud, DE LUCA, 2010, p.113) A corrente historiográfica dos Annales na década de 1970 alterou o campo de atuação do historiador, conduzindo-os a novos rumos, a trilhar novos caminhos. A utilização dos impressos resulta justamente dessa renovação da própria disciplina. Significa, ao menos, que tais mudanças provocaram rupturas epistemológicas ao conhecimento histórico, constituindo-se, entre outros, uma revolução documental (LE GOFF, 2010, p.531). Indagar a noção de fonte na história tornou-se, assim, passo essencial na vida dos historiadores. Conhecer e historicizar as fontes permitiu adequações ao método. Tais mudanças decorreram de processos des- Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

82 ISSN: contínuos, onde a postura acerca do metier foi questionada. De acordo com Ciro Flamarion Cardoso, tal alargamento na concepção de documento trouxe para a produção historiográfica uma ampliação das possibilidades de investigação, conforme avalia: Assim, hoje tal crítica tem dimensões jamais sonhadas pelos historiadores de fins do século XIX; os textos não são tratados apenas em seus conteúdos ou enunciados, mas também mediante métodos linguísticos de análise do discurso, da enunciação, com apoio em alguma teoria das classes e das ideologias sociais. Em outras palavras, procura-se determinar em que condições sócio-históricas a produção do texto pôde ocorrer. (CARDOSO, 1986, p.54) A renovação no campo histórico abriu novas possibilidades, entre elas, o retorno da História Política e a consolidação da História Cultural, o que permitiu incluir antigas e novas temáticas. Em relação ao político, a abordagem de outrora, ligada ao espectro positivista, invalidou por muito tempo análises profundas sobre o tema. Já a chamada Nova História Política, longe de restringir suas análises a modelos macropolíticos, biográficos, ou mesmo, de enaltecimento dos governos, busca, acima de tudo, romper com esta visão, valorizando, pois, questões que envolvam o poder por outros prismas. Destacam-se aí, os micropoderes, os símbolos políticos, as propagandas ideológicas, enfim, as relações do imaginário político com o próprio poder, como por exemplo, as relações e formas de poder que permeiam o jornal. Neste imenso contexto, a História Cultural também (re)surgiu. Embora o corpo teórico cultural seja foco de críticas, são inegáveis suas contribuições. Notadamente, a História Política relacionou-se com a cultural. A noção de cultura, que evocou desde Febvre seu lugar na historiografia, talvez atualmente tenha vencido, ao menos por hora, a queda de braço contra o determinismo econômico. Destaca-se, neste ínterim, a contribuição dos próprios marxistas na renovação do campo cultural, em especial E. P. Thompson. A renovação marxista foi, portanto, outro ponto convergente para o alargamento do campo histórico ligado a cultura. A renovação das abordagens políticas e culturais redimensionou a importância da imprensa escrita, que passou a ser considerada como fonte documental, na medida em que enuncia discursos e expressões, como agente histórico que intervém nos processos e episódios. Além disso, problemáticas surgidas em processos históricos recentes enquadraram-se, igualmente, na esteira atual da História, isto é, os estudos relacionados à história do tempo presente. Implica-se, por isso, verificar como os meios de comunicação impressos interagem na complexidade de um determinado contexto. Haja vista, que o conhecimento que temos da realidade é mediado pelos fatos divulgados pela imprensa escrita e radiotelevisiva (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.10). Nesta conjuntura os impressos são validados no campo de análise do historiador. O discurso da imprensa e sua linguagem não se restringiam apenas a um conjunto de vocabulários, mas antes, seriam capazes de desvelar o nível básico das relações sociais. Expressam-se, portanto, através dos jornais, as forças políticas dos grupos que compõe a sociedade, desse modo: Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

83 ISSN: A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como mero veículo neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere. (CAPELATO; PRADO, 1980, p.19) Nesta perspectiva, os jornais, por meio dos discursos, produzem estratégias e práticas tendentes a impor autoridade, uma deferência, e mesmo a legitimar escolhas (CARVALHO, 2005, p.149), isto porque, é um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de forças que aí detinham o poder (LE GOFF, 2010, p.536). Os jornais procuram atrair o público e conquistar seus corações e mentes. A meta é sempre conseguir adeptos para uma causa seja ela empresarial ou política, e os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos (CAPELATO, 1988, p.15). Conforme Capelato (1988) a imprensa impôs-se como uma força política. Os governos e os poderosos, por isso, sempre a utilizam e temem; ora adulando, ora vigiando, controlando e punindo. Pois, os impressos têm a função de despertar as consciências e modelá-las conforme seus valores e interesses, procurando indicar uma direção ao comportamento político do público leitor (CAPELATO, 1980, p.23). Mesclam-se, assim, os interesses políticos e de lucro, uma vez que: Jornais, revistas, rádios e televisões são empresas e, portanto, também buscam lucros. De outra parte, negociam um produto muito especial, capaz de formar opiniões, (des)estimular comportamentos, atitudes e ações políticas. Elas não se limitam a apresentar o que aconteceu, mas selecionam, ordenam, estruturam e narram, de uma determinada forma, aquilo que elegem como fato digno de chagar até o público. (DE LUCA; MARTINS, 2006, p.11) O trabalho com a imprensa, por tudo isso, constitui-se para o historiador numa das possibilidades de resgatar a participação de grupos sociais, em contextos específicos. Contudo, faltavam ainda trabalhos sobre os próprios jornais. Fundamental, portanto, é o estudo dos periódicos enquanto objeto, transformando-se, ele mesmo, no foco dos trabalhos. Destacam-se no Brasil a obra O Bravo Matutino (1980), estudo de Maria Helena Capelato e Maria Ligia Prado sobre o jornal O Estado de São Paulo. Outra referência são as análises de Tania Regina de Luca sobre a Revista do Brasil (tese de doutoramento, USP, 1996). Aliás, segundo a autora não era nova a preocupação de se escrever a História da imprensa, mas relutava-se em mobilizá-los para a escrita da História por meio da imprensa (DE LUCA, 2010, p.111). Dessa maneira, é possível encontrar inúmeros livros que tratam da trajetória da imprensa e do jornalismo no Brasil. Exemplo disso, Nelson Werneck Sodré, na clássica obra A História da Imprensa no Brasil, de No entanto, apesar do relativo aumento das pesquisas, o campo ainda se mostra inexplorado, sobretudo, em relação aos impressos fora do eixo das grandes cidades. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

84 ISSN: A significação do passado envolve, por assim, sérias tarefas que embora pareçam lógicas, isto é, partindo-se de fontes seguras o resultado certamente será confiável, situa, ao invés disso, a história numa rede complexa de análises. O pesquisador dos jornais, na verdade, trabalha com o que se tornou notícia, o que por si só abarca um aspecto de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa (DE LUCA, 2010, p.140). Torna-se, então, fundamental ao analisar os jornais, relacionar texto e contexto: buscar os nexos entre as ideias contidas nos discursos, as formas pelas quais elas se exprimem e o conjunto de determinações extratextuais que presidem a produção, a circulação e o consumo dos discursos (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.378). Deve-se ainda considerar que a construção do fato jornalístico interfere não apenas em elementos subjetivos de quem os produzem, mas também dos interesses aos quais os jornais estão vinculados (CAPELATO, 1988). Propomo-nos, portanto, ao analisar o discurso da imprensa, considerar a opinião de Manzière (2007), quando diz que a análise do discurso não se separa do enunciado nem de sua estrutura linguística, nem de suas condições de produção, de suas condições históricas e políticas, nem das interações subjetivas, visando permitir uma interpretação. Entende-se, pois, o discurso como fruto de condições sócio-históricas específicas, nesse sentido, Koselleck afirma: [...] o mesmo pode ser pressuposto para um texto político, como por exemplo um artigo de jornal, suas manchetes e editoriais, que se ligam a um dia e fatos específicos, e que, passados cinco dias, perdem a força que possuíam no momento de sua publicação, posto que o cotidiano pode superá-los. (KOSELLECK, 1992, p.143) Para Cardoso e Vainfas, o pressuposto essencial das metodologias propostas para a análise de textos em pesquisa histórica é o de que um documento é sempre portador de um discurso que, assim considerado, não pode ser visto como algo transparente (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.337). É necessário identificar, de antemão, o público ao qual o jornal pretende atingir, pois se alteram em função do leitor os aspectos visuais e de materialidade, incluindo-se maior ou menor número de ilustrações, páginas, textos, seções, formas de linguagem, diagramação, qualidade tipográfica, etc. Ao analisar o documento impresso, levar-se-á em consideração à análise semântica da linguagem e o contexto social. Destacam-se as propostas de Laurence Bardin (1997), nas quais, a unidade de contexto diz respeito à totalidade, ao contexto histórico, às estruturas sociais e/ou ao universo simbólico no qual se insere(m) o(s) discurso(s) analisado(s) (CARDOSO; VAINFAS, 1997, p.383), pois: [...]os jornais não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (DE LUCA, 2005, p.140) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

85 ISSN: Segundo Ciro Flamarion e Ronaldo Vainfas, no capítulo intitulado História e Análise de Textos, contido na obra Domínios da História (1997), a semântica é a teoria do conteúdo das significações ou, como agora passou a preferir-se, estudo das mencionadas significações que seja ao mesmo tempo gerativo (investimentos sucessivos de sentido em patamares diferentes) (1997, p.377). Desse modo, Reinhart Koselleck assevera: A semântica é assim imprescindível para a comunicação linguística e para o uso pragmático da língua. É ainda imprescindível para que se possa fazer política, exercer influência social, fazer revolução, enfim tudo aquilo que se possa imaginar como atos sociais e históricos (KOSELLECK, 1992, p.141). O acontecimento ou fato singular, uma das opções de unidade de registro propostas por Bardin (1997), integra o eixo entre a análise do discurso dos periódicos e o momento histórico de sua produção, uma vez que a linguagem e a natureza do conteúdo tampouco se dissociam do público que o jornal ou revista pretende atingir (LUCA, 2010, p.140). Deve-se, assim, levar em consideração para quem os discursos eram produzidos, já que tais determinações, que regulam as práticas, dependem das maneiras pelas quais os textos podem ser lidos diferentemente pelos leitores que não dispõem dos mesmos utensílios intelectuais e que não entretêm uma mesma relação com o escrito (CHARTIER, 1991, p.179). Os impressos são produtos forjados a partir de representações contextualizadas da realidade. O que, invariavelmente, revelam formas simbólicas de luta pelo poder de representar, afirmando-se, com isso, a memória de um grupo ou mesmo de partidos políticos. Segundo Capelato, nos vários tipos de periódicos e até mesmo em cada um deles encontramos projetos políticos e visões de mundo representativos de vários setores da sociedade (CAPELATO, 1988, p.34). Identifica-se, portanto, nos impressos, as lutas de representações decorrentes do recuo da violência física; e para a constatação de que o poder depende do crédito concedido à representação (CARVALHO, 2005, p.150). De acordo com Chartier (1990), as representações são entendidas como classificações e divisões que organizam a apreensão do mundo social como categorias de percepção do real. Parte-se, desse modo, de um objeto ausente que é substituído por uma imagem material, que por sua vez irá reconstituir uma memória. Conforme Francismar Carvalho, as representações são variáveis segundo as disposições dos grupos ou classes sociais; aspiram à universalidade, mas são sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as forjam (CARVALHO, 2005, p.49). O historiador, dessa maneira, procura estudar os jornais como agente da história e captar o movimento vivo das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos impressos (CAPELATO, 1988). O campo das representações, portanto, pode incluir as formas de pensar, sentir e agir, transformandose em máquina de fabricar respeito e submissão. (CHARTIER, 2002), servindo como matrizes geradoras de condutas e práticas sociais (PESAVENTO, 2005, p.40), uma vez que as representações não são discursos neutros. Torna-se, assim, fundamental, através dos jornais, identificar o modo como, em diferentes lugares e momentos, uma realidade social é construída, pensada, dada a ler (CHARTIER, 1990, p.16). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

86 ISSN: Sob a influência do paradigma tradicional a imprensa era vista como subjetiva demais, ao ponto de ser desprezada. Some-se a isso o fato dos estudos restringirem-se apenas aos episódios políticos. Após 1970, ao invés disso, a imprensa passou a ser concebida como espaço de representação do real, ou melhor, de momentos particulares da realidade. Sua existência é fruto de determinadas práticas sociais de uma época (CAPELATO, 1988, p.24). A possibilidade de analisar as formas de representação de um dado contexto levou os historiadores a voltar-se para este tipo de documento antes praticamente descartado. O jornal, nesse sentido, não é um transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos e tampouco uma fonte desprezível porque permeada pela subjetividade (CAPELATO, 1988). Historiadores de diversos matizes teóricos reconheceram na imprensa escrita novas possibilidades de análises e resignificações do passado. Contudo, a inserção dos impressos na produção historiográfica brasileira, especialmente o uso de jornais, revistas, folhetins e edições ilustradas, ainda é recente se comparado a Europa e Estados Unidos. Somente nos últimos anos, os trabalhos que se valham de jornais e revistas como fonte para o conhecimento da história do Brasil se consolidaram. Identificam-se, a partir daí, relativo aumento na utilização dos periódicos como documento e objeto de pesquisas, incluindo-se dissertações de mestrado, teses de doutorado, publicações de artigos e/ou livros. As discussões apresentadas neste artigo não tiveram a pretensão de modular as fontes periódicas em compartimentos estanques. Na verdade, apenas ilustram as problemáticas no tratamento desta. Revela-se aqui, como já mencionado, a preocupação central dos historiadores em pontuar questões fundamentais relativas ao tratamento dos documentos na pesquisa histórica. Referir-se, pois, as problemáticas contemporâneas da história requer, ao menos, compreender as mudanças ocorridas no campo de ação do historiador. A compreensão do passado faz-se por meio de fontes, isto significa que o historiador apropria-se de documentos para construção de narrativas, por isso, tornou-se fundamental situar o contexto onde a história traçou novos caminhos, incluindo-se, dessa forma, os impressos na historiografia. Portanto, antes mesmo de negar a figura subjetiva do historiador é necessário desdobrar-se na própria subjetividade dos documentos. Talvez seja esse o maior desafio dos historiadores neste momento. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

87 CALONGA, Maurilio Dantielly 100 REFERÊNCIAS ALVES, Fábio Lopes, GUARNIERI, Ivanor Luiz. A utilização da imprensa escrita para a escrita da História: diálogos contemporâneos. Revista brasileira de ensino de jornalismo, Brasília: vol.1, nº 2, p , ago./nov BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, BLOCH, Marc. Apologia da História: ou o ofício de historiador. Tradução André Telles, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Portugal: Europa-América, CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, PRADO, Maria L. O Bravo Matutino. São Paulo: Editora Alfa-Romeu, CARDOSO, Ciro Flamarion S. Uma introdução à História. 5º Ed. São Paulo: Editora Brasiliense, CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo. História e Análise de Textos. In: CARDOSO, Ciro Flamarion, VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p CARVALHO, Francismar Lopes de. O conceito de Representações Coletivas segundo Roger Chartier. Diálogos, DHI/PPH/UEM, v. 9, n. 1, p , CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Col. Memória e sociedade. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, O mundo como representação. In: À Beira da Falésia: a História entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: UFGRS, 2002, p FEBVRE, Lucien. Combates pela história. 3ª Ed., Lisboa: Editorial Presença, KOSELLECK, Reinhart. Um história dos conceitos: Problemas teóricos e práticos. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 5, nº 10, 1992, p LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: História e Memória. 5º Ed. Trad. Bernardo Leitão et.al, Campinas: Editora da Unicamp, 2010, p LUCA, Tania Regina de; MARTINS, Ana Luiza. Imprensa e cidade. São Paulo: Editora UNESP, A história dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org.). Fontes Históricas. 2º Ed. São Paulo: Contexto, 2010, p MANZIÈRE, Francine. Análise do Discurso. São Paulo: Parábola, PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2º Ed. Belo Horizonte: Autêntica, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

88 ISSN: IMAGEM & MÍDIA: RELAÇÕES COM O ENSINO 1 Viviane Scalon Fachin 2 Rodrigo Domingues de Oliveira 3 Resumo A proposta deste estudo é fomentar o debate sobre a importância da imagem e da internet na contemporaneidade e no meio educacional, propondo reflexões teóricas acerca da sua aplicabilidade didática, visando propiciar condições a docentes e discentes de interpretar as várias possibilidades de absorção das mensagens imagéticas do mundo midiático e percebê-las como um ato de comunicação criador de significados e de cultura. Palavras-chave: Educação, mídias, indústria cultural. 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS. 2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Carlos, docente dos cursos de História e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. sfviviane@uems.br 3 Estudante de, 3º ano do curso de História da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. rdodomingues@hotmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

89 FACHIN, Viviane Scalon 80 A organização das idéias que constituem o corpo do trabalho aqui tratado é fruto das inquietações sentidas na condição de professora de estágio supervisionado em História no Ensino Médio e coordenadora de área do Programa Institucional de Iniciação à Docência PIBID, em Ciências Sociais e do aluno frente a sua experiência como estagiário na rede pública de ensino em Amambai, município de Mato Grosso do Sul. Representa a necessidade de descobrir por que, ainda hoje, com os avanços tecnológicos, as escolas, na sua grande maioria, resistem à utilização de recursos audiovisuais como instrumentos didáticos habituais em sua proposta pedagógica e quando o incluem o fazem de forma esporádica. O móvel das inquietações é o reconhecimento de que na atualidade as tecnologias de informação e comunicação de massas, constituídas como redes, se distribuem e exercem controle, além de serem instrumentalizadas e instaladas no cotidiano das pessoas, na maioria das vezes sem se considerar os seus efeitos sobre a sensibilidade dos indivíduos. (Eunice Vaz Yoshiura, 2006, p.2-5) Neste estudo focamos as mídias, especificamente a fotografia, o cinema e a internet como elementos simbólicos, responsáveis por identificar e comunicar, de forma superficial e indistinta, reforçando as suas interfaces simbólicas e exacerbando os mecanismos da fascinação que exerce já amplamente discutida pelos estudiosos 4 da indústria cultural. A percepção visual, desde tempos imemoriais 5, se dá por meio das imagens. Estatísticas indicam que aquilo que se apresenta por imagem é apreendido com mais eficácia do que o que é lido ou ouvido. Outro aspecto a ser considerado em relação à imagem e que é apresentando por Yoshiura, segundo a qual [...] enquanto linguagem midiática Universal, pode ser compreendida por todos os povos, independentemente da língua ou da cultura, constituindo-se de elementos simbólicos não codificados que não revelam, em si, claramente o seu sentido, deixando à percepção a tarefa de ser construído pelo indivíduo. E completa que [...] o seu significado aparente pode ser apreendido imediatamente, porém o seu sentido intrínseco, muitas vezes escapa. (2006, p 7-8) O propósito de reconhecer o papel da imagem na história da humanidade torna-se parte vital deste estudo, visto ser desse reconhecimento que partem alguns dos nossos pressupostos. Pode-se afirmar que o próprio conhecimento da história do homem se deve, em grande parte, aos registros imagéticos 6. São os sentidos da visão e a formação das imagens mentais, nas quais o tempo age como mediador, que nos remetem aos principais e primeiros meios de percepção da história, tanto no nível individual, quanto coletivo. A história vista sob esse prisma, muitas vezes traduzida em imagens mentais ou mesmo concretas, é o resultado de uma síntese bastante complexa da cultura histórica adquirida e dos elementos de ordem subjetiva de 4 Theodor Adorno e Max Horkheimer. 5 Desenvolvimento tecnológico aqui caracterizado como toda instrumentalização humana que possibilitou sua sobrevivência e seus avanços evolutivos. 6 Termo empregado por Nelson PRETTO para identificar o recurso da imagem. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

90 FACHIN, Viviane Scalon 81 quem produz as imagens. Durante grande parte da trajetória da humanidade, a cultura histórica dos indivíduos foi forjada predominantemente por aquilo que se via no seu cotidiano e que era armazenado em suas memórias visuais; o próprio ato de recordar, quase que invariavelmente nos reporta a imagens. É ainda Yoshiura quem ressalta que O reconhecimento das imagens como objetos conhecidos pode nos parecer suficiente para a compreensão daquilo que se vê. E concluí No entanto, as imagens em si, pelo modo como se apresentam, por suas características específicas, tais como cor, forma, proporção, posição, dinâmica, podem nos comunicar algo mais [...] (2006, p. 7) e nós acrescentamos que é parte da tarefa do educador, na atualidade, ter preparo pra trabalhá-las em seu cotidiano escolar. Tal qual o comunicador visual busca exercer o controle de sua obra através da composição, da manipulação dos elementos visuais (2006, p.7-8) o indivíduo professor e/ou aluno deve estar preparado para filtrar seus efeitos de forma a entender o poder da indústria cultural na contemporaneidade. A esse respeito Sadek faz algumas considerações pertinentes ao momento vivido pela educação, parte das quais são transcritas aqui a guisa de uma possível explicação para a aparente inércia do sistema educacional quanto ao uso das mídias Construir conhecimentos, criar conexões, relacionar fatos, analisar argumentos, duvidar de algumas verdades, descobrir ou inventar outras são alguns movimentos fundamentais na educação. Podemos entender educação como o estado de espírito, a disposição de aprender, de descobrir, de relacionar, de construir. É um estado de permanente movimento. Ou deveria ser. (1999, p. 13) Infelizmente tem-se observado na escola que os movimentos, tomando emprestado de Sadek o seu significado em substituição ao termo transformação, são desprovidos de relação entre a realidade que o aluno vive e carrega consigo daquela que é posta na escola. Não se pode afirmar que esta situação ocorre em todos os movimentos do ensino, embora ainda se constate que a bagagem que o aluno traz para a escola nem sempre é considerada. Essa preocupação fica registrada na Carta para o Século 21, documento assinado pelos professores reunidos no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Seminário Imagem, Educação e Cultura, em abril de 1998 e o qual corroboramos. Entre outras, destacam-se as seguintes proposições: [...] os professores reunidos no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o seminário Imagem, Cultura & Educação, em abril de 1998, recomendam: que se priorizem pesquisas centradas na recepção à TV, nos diferentes grupos etários e sociais; que se intensifiquem as ações dirigidas ao receptor, visando à formação do telespectador a alfabetização para a mídia e do professor; Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

91 FACHIN, Viviane Scalon 82 que se promova uma mobilização social objetivando a exigência de maior qualidade na produção televisiva oferecida pelos meios de comunicação; que se desenvolvam programas e projetos voltados para a formação do professor [...], numa perspectiva de educação para a imagem e a mídia; que os educadores trabalhem as novas linguagens audiovisuais como linguagens pedagógicas, admitindo que são tão legítimas quanto a linguagem escrita [...] E como conclusão propõe: [...] que os educadores aprendam a lidar com as novas formas de aprender e de se comportar geradas pelas linguagens audiovisuais, assumindo a produção do saber escolar com e a partir dessas linguagens; que todos os que se preocupam com educação assumam o desafio cultural de formar jovens aprendendo a lidar com as novas formas de sociabilidade geradas pelo contato intensivo e extenso com as linguagens audiovisuais e com as mídias. (MYRIAN DAUELSBERG, 1999, p ) Pelo exposto podemos começar nossa reflexão sobre as relações de ensino pensando na fotografia e nas implicações de sua interpretação e desta forma temos no fotógrafo, aquele que observa e interpreta o ambiente que o rodeia, selecionando o que lhe interessa. O produto de sua seleção é a fotografia, uma imagem mediada pelo seu olhar e pela de quem a irá olhar/apreciar/interpretar. Embora ambas as atividades sejam autônomas, interpretativas e criadoras, suas imbricações permitem uma bricolagem 7, tornando a apreensão da imagem fotografada, tanto por quem a fez quanto por quem a vê, única, ímpar. Do movimento da fotografia nasceu o cinematógrafo e a indústria da imagem ganhou um importante e vital recurso, que encanta, deslumbra, fascina e influencia homens, mulheres, jovens e crianças, dada sua característica de permitir variadas dinâmicas de análise que podem ser adotadas para explorar as imagens fotográficas e cinematográficas como recurso didático, lembrando que é o professor/educador quem deverá fazer as propostas de intervenção, posicionando-se sempre e segundo Moran [...] trabalhando sempre dois planos: o ideal e o real; o que deveria ser (modelo ideal) e o que costuma ser (modelo real).(1995, p. 02). Em todas as instâncias de manifestação da vida em sociedade, estão sendo processadas transformações cruciais que envolvem mudanças de mentalidade, ressaltando as formas de comunicação e linguagem, as tecnologias produtivas e intelectuais e também as formas de subjetivação, cognição e criação, e embora ocorram em ritmos desiguais e de maneira heterogênea já é possível delimitar suas implicações na vida concreta dos homens, refletindo nas possibilidades que elas apontam como devir. Walter Benjamim foi um dos primeiros teóricos do século XX que enxergou e defendeu essa relação de interdependência existente entre as modificações tecnológicas e as transformações humanas cognitivas e subjetivas, tecendo críticas a posturas historiográficas da época que se apoiavam numa concepção linear e cronológica do tempo. No texto intitulado A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica o autor tece algumas considerações que se destacam por sua pertinência face ao exposto. A forma como conceitua aura, em se tratando de uma obra de arte, e analisa as mudanças ocorridas Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

92 FACHIN, Viviane Scalon 83 pela sua reprodutibilidade, permite que se estabeleça relação sobre a questão proposta, partindo da seguinte assertiva Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial. E, na medida em que esta técnica permite à reprodução vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido. Esses dois processos resultam num violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise atual e a renovação da humanidade. (BENJAMIM, 1983, p ) Ao constatar que a reprodutibilidade faz desaparecer a autoridade da coisa, seu peso tradicional, abre espaço para a discussão em pauta e prossegue em suas conclusões, também pertinentes na confirmação da interferência exercida pela interdependência anteriormente citada. Indo mais adiante em suas considerações, retomamos suas palavras, visto que quando se refere à destruição da aura de uma obra de arte através da reprodutibilidade, ele afirma que No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente. (BENJAMIM, 1983, p. 169) Quando um pensador do porte de Benjamim reporta-se ao estudo da reprodutibilidade das obras de arte, o faz por reconhecer que o momento em que se pensou a reprodutibilidade é um novo momento histórico, em que a mentalidade humana está em transição. A trajetória da humanidade mostra que em determinados momentos o homem usou a técnica de que dispunha para possibilitar ou transmitir ensinamentos, seja nos rituais primitivos, seja em uma película cinematográfica. Martín-Barbero, quando fala sobre as contradições pelas quais a modernidade 8 é permeada, afirma que o primeiro elemento de des-ordem na cultura foi introduzido pelo cinema, pois segundo sua visão, o novo sensorium das massas, com a experiência de multidão que o pedestre vive nas avenidas das grandes cidades, o cinema veio aproximar os homens das coisas. (1999, p.18) Desta forma pode-se concluir que não houve linearidade histórica na evolução do pensamento humano, e indo mais adiante, que a história permite esta conclusão, quanto ao aspecto da influência da arte e sua reprodutibilidade na vida humana, pois à medida que as imagens emancipam-se de sua função ritual, tornam-se mais numerosas as ocasiões de serem expostas. Aqui, à guisa de conclusão parcial faz-se necessário acrescentar ainda o seguinte: 7 Construção individual a partir do entendimento e da visão de mundo de cada observador. 8 Na afirmação de MARTÍN-BARBERO, a análise pioneira dessas contradições encontra-se em: BELL, D. Las contradicciones culturales del capitalismo. Madrid, Alianza, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

93 FACHIN, Viviane Scalon 84 A controvérsia travada no século XIX entre a pintura e a fotografia quanto ao valor artístico de suas respectivas produções parece-nos hoje irrelevante e confusa. Mas, longe de reduzir o alcance dessa controvérsia, tal fato serve, ao contrário, para sublinhar sua significação. Na realidade, essa polêmica foi a expressão de uma transformação histórica, que como tal não se tornou consciente para nenhum dos antagonistas. Ao se emancipar dos seus fundamentos de culto, na era da reprodutibilidade técnica, a arte perdeu qualquer aparência de autonomia. Porém a época não se deu conta da refuncionalização da arte, decorrente dessa circunstância. (BENJAMIM, 1983, p. 176) Percebe-se que separando-se de sua condição ritual, a imagem objetivada adquire valor de troca, estando portanto, sujeita às leis da circulação mercantil. O mercado livre fundamenta a base da imagem como potencial de publicidade, tornando-a pública, aberta ao olhar. Ressaltar a importância dessas reflexões para se pensar a situação da educação nesse contexto de transformações torna-se primordial. O alcance e profundidade dessas discussões nos meios intelectuais serão tanto melhores quanto se conseguir evitar qualquer ilusão progressista ou qualquer visão sistematicamente pessimista a respeito da problemática, dado que a produção maquínica de subjetividade pode trabalhar tanto para o melhor quanto para o pior, 9 superando-se desta forma o caminho tendencioso ou ingênuo tanto dos integrados quanto dos apocalípticos que associam ao uso que vêm sendo feito das novas tecnologias ou as panacéias salvadoras da humanidade ou as causadoras da desgraça coletiva, respectivamente 10, sem levar em conta que a utilização das mesmas, na maioria das vezes, se presta aos interesses mercadológicos ou ideológicos daqueles que a introduzem, seja no campo financeiro/industrial, seja no campo educacional. A extensão do conflito pode ser constatada nos trabalhos de vários autores 11, e com base em seus estudos percebe-se que conseguiram trazer à tona a existência, na contemporaneidade, de ambas as visões assinaladas. Cumpre refletir que, do ponto de vista proposto, são equivocadas todas as posições extremistas. Para ilustrar essa conclusão mais uma vez nos reportamos à Martín-Barbero, quando afirma: A atitude defensiva da escola e do sistema educacional os leva a desconhecer (ou fingir que desconhecem) que o problema real está no desafio imposto por um ecossistema comunicativo no qual emerge uma outra cultura, outro modo de ver e ler, de pensar e aprender. A atitude defensiva limita-se a identificar com o livro o melhor do modelo pedagógico tradicional e a rotular o mundo audiovisual como o mundo da frivolidade, da alienação e da manipulação; a fazer do livro o âmbito da reflexão, da análise e da argumentação, diante de um mundo de imagens sinônimas de emotividade e sedução. (1999, p. 28) O autor se respalda em pesquisa realizada pela Universidad del Valle, 12 sobre os hábitos de leitura e os usos 9 Segundo texto de GUATTARI, em As três ecologias. 10 Ver ECO, Umberto, em Apocalípticos e Integrados. 11 Nessa asserção nos reportamos a análise em Frigotto e Eco. 12 MUÑOZ, S. El ojo, el livro y la pantalla.cali, Univalle, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

94 FACHIN, Viviane Scalon 85 sociais da televisão e continua afirmando: Quem dera o livro fosse, na escola, um meio de reflexão e argumentação, e não de leituras canônicas e de repetição estéreis! [...] Em Cali a grande maioria das pessoas, de todas as classes sociais e não apenas dos setores mais populares, identifica o livro com tarefa escolar; uma vez terminada essa fase da vida, o livro deixa de ter utilidade ou função. Isso revela que nossas escolas não proporcionam um espaço no qual a leitura e o ato de escrever sejam atividades prazerosas, mas predominantemente uma tarefa obrigatória e entediante, sem possibilidades de conexão com dimensões fundamentais da vida do adolescente. Uma atividade até mesmo castradora: confundindo qualquer expressão de estilo próprio na escritura com algo anormal ou com plágio, os professores tendem sistematicamente reprimir a criatividade. (MARTÍN-BARBERO, 1999, p. 29) O paralelo que se estabelece a partir desses estudos se situa na constatação de que o despreparo que assistimos hoje em relação ao uso das novas mídias por parte das escolas, também existe em relação ao uso de materiais didáticos tão familiares como os livros. Confirmando essa hipótese, ainda encontramos em Martín -Barbero constatações de extrema significância: Não por má-fé, mas pelos próprios hábitos 13 de leitura dos professores e pela inércia do ensino, legitimada pelo modelo reinante de comunicação escolar: quando o aluno ou aluna escreve diferente do que o professor espera, este se sente autorizado e mesmo na obrigação de reprimir tal anormalidade. [...] O quadro não poderia ser mais significativo: enquanto o ensino discursa pelo âmbito do livro, o professor se sente forte, mas quando o mundo da imagem aparece, o professor perde o prumo, seu terreno se move, porque o aluno sabe muito mais e, sobretudo, maneja muito melhor a linguagem da imagem do que o próprio professor. E, além disso, porque a imagem não se deixa ler com a unilateralidade de códigos que a escola aplica ao texto escrito. Diante do desmoronamento de sua autoridade perante o aluno, o professor não sabe reagir a não ser através da desautorização dos conhecimentos passados pela imagem. Por outro lado, a oralidade cultural das massas tampouco cabe na escola, pois tanto o mundo das anedotas e das narrativas orais como o mundo do rock e do rap deslocam também partir de suas próprias lógicas, conhecimentos e gostos o triste e ascético autismo do livro. (1999, p ) Nos dias atuais vive-se um momento histórico com o despontar de um novo homem com novas perspectivas, de um novo logos e de uma nova subjetividade. É Lévy quem insiste: O novo equipamento coletivo de sensibilidade, de inteligência, de relação social está, de fato, nascendo em silêncio. Trata-se de um equipamento coletivo de subjetivação.(1998, p. 02) O despontar do século XX traz uma gama de transformações nos mais variados campos do saber criando uma sociedade em que é preciso novos agenciamentos sociotécnicos direcionados cada vez mais para uma comunicação generalizada, estruturados nas linguagens mediáticas, tendo na imagem um elo central, consequen- 13 De acordo com MARTÍN-BARBERO: Sobre o sentido dessa categoria: BORDIEU, P. & PASSERON, J. C. La reproduction: element pour une théorie du systéme de l enseignement. Paris, Minuit, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

95 FACHIN, Viviane Scalon 86 temente o homem moderno cede lugar, gradualmente, a um novo homem e a uma nova subjetividade. À medida que o contato humano com as novas tecnologias da comunicação e informação vão se acentuando criam-se novas modalidades e complexos de subjetivação, atuando tanto de forma positiva quanto negativa sobre os meios sociais, configurando novas representações do mundo e exigindo novas maneiras de pensar. É inquestionável essa mudança de mentalidade que se deu no limiar do século XX, que se estende até a primeira década desse novo milênio em que vivemos, parte de um amplo processo, conduzido em boa medida pelo desenvolvimento tecnológico que a humanidade tem vivido desde tempos imemoriais 14 e que se intensificou a partir dos últimos sesseta anos, notadamente nos domínios da comunicação e informação. Nesse processo encontram-se englobados variados setores da sociedade humana, desde o econômico ao político, do social ao simbólico, do cultural ao psíquico, todos trazendo profundas implicações para os domínios da educação. Essa nova configuração de mundo acaba colocando em xeque todo o sistema pedagógico convencional e fazendo surgir novos horizontes para uma educação renovada, baseada em novos universos paradigmáticos. O historiador Marc Ferro, em entrevista à Folha Online, em 11 de setembro de 2004, afirmou que : A história feita pelo cinema toma cada vez mais o lugar daquela feita pelos livros. Para uma criança de hoje, a Segunda Guerra Mundial é a imagem que se pode pensar a partir dos filmes, o saber passa necessariamente pela imagem, e vários historiadores entenderam que é preciso fazer filmes e não apenas livros. A esse respeito Napolitano também observa que: Nos últimos anos tem sido cada vez mais freqüente o uso de novas linguagens não somente para motivar os alunos, como também para atualizar a concepção de fonte (de aprendizado), incluindo-se neste campo as imagens, paradas ou em movimento, produzidas por uma determinada sociedade e veiculadas por um meio específico. O problema é que, em muitos casos, o uso escolar das imagens requer um tipo de abordagem diferente da reservada ao documento escrito. Se o professor optar por trabalhar com as novas linguagens aplicadas ao ensino, deve ter claro que esta novidade não vai resolver os problemas didático-pedagógicos do seu curso. A incorporação deste tipo de documento/linguagem não deve ser tomada como panacéia para salvar o ensino de história e torná-lo mais moderno. Muito menos deve ser vista como a substituição dos conteúdos de aprendizado por atividades pedagógicas fechadas em si mesmas. Todo cuidado é pouco, principalmente numa época de desvalorização do conteúdo socialmente acumulado pelo conhecimento científico.(napoli- TANO, 1999, p. 47) Faz-se necessário nesta reflexão fazer um esclarecimento quanto ao móvel de sua condução. O respaldo nos autores que foram usados como referencial teórico para o desenvolvimento do trabalho não são necessariamente pertencentes à mesma linha teórica de pensamento, embora as inserções de suas falas objetivaram 14 Desenvolvimento tecnológico aqui caracterizado como toda instrumentalização humana que possibilitou sua sobrevivência e seus avanços evolutivos. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

96 FACHIN, Viviane Scalon 87 reforçar a idéia principal que consiste em integrar o trabalho educacional ao mundo da imagem e da mídia, preponderante na atualidade. Assim é interessante observar Sadek quando diz: Por que utilizar as novas mídias, não cabe mais discutir. Duvidar se se deve ou não usá-las parece anacrônico. Ninguém mais de bom senso se preocupa com isso. Como usar, com que objetivos e que alternativas escolher são as questões que precisam de respostas. E rápidas, antes que a história nos atropele.( 1999, p. 16) A educação escolar está hoje diante da exigência de adaptar-se ao ritmo das mutações culturais, e do desafio de se colocar à frente dessas mudanças. Mas para que isso ocorra, é preciso que se trabalhe também a subjetividade contida no ensino pela imagem, com a intervenção do professor que, dando cumprimento ao seu papel de orientador, deve preparar o jovem de hoje para o pleno desenvolvimento das relações sociais que se impõem, propondo possibilidades emancipadoras. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

97 FACHIN, Viviane Scalon 88 Considerações Finais Pelo fato da escola assumir o compromisso explícito da transmissão da herança cultural humana e do processo civilizatório do homem, assume automaticamente o desafio de transformar os meios audiovisuais, principalmente o televisivo, em aliado, uma vez que a televisão, que a princípio representaria apenas um meio, extravasa essa função assumindo papéis que a escola desempenha, embora sem o compromisso explícito desta. Torna-se imprescindível a construção de novas metodologias que permitam a introdução de professores e alunos no universo da produção de mensagens através da linguagem audiovisual, processo que alguns autores contemporâneos vêm chamando de alfabetização audiovisual. Está comprovada a necessidade de que os educadores passem a abordar a imagem, não como simples instrumento, mas sim na perspectiva de transformá-la em fundamento do processo educativo. Trata-se de introduzir um novo discurso no processo de aprendizagem do aluno, discurso que não prescinde de palavras mas que incorpora as imagens. A escassa utilização do recurso audiovisual na educação tem suas razões implícitas e explícitas na falta de preparo/capacitação dos educadores em desenvolver uma prática educacional desvinculada da perspectiva instrumentalista, embora o façam sem perceber o reducionismo em utilizá-lo apenas como atividade complementar, como mera estratégia de animação, perdendo a oportunidade de assumir conjuntamente com os alunos o papel de descobrir informações e criar novos conhecimentos, de forma integrada às suas subjetividades. Corroborando o estudo, mais uma vez recorremos a Martín-Barbero ao construir a linha de raciocínio seguinte Enquanto se aferra ao livro, a escola desconhece o que se produz e circula no mundo da imagem e da cultura oral: dois mundos que vivem justamente do hibridismo e da mestiçagem, da mistura de memórias territoriais com imaginários deslocalizados. Vamos então dissipar o mal entendido que nos impede de reconhecer que, em nossos países, sociedade multicultural significa não apenas aceitar as diferenças étnicas, raciais ou de gênero. Significa também aceitar que convivem em nossas sociedades indígenas da cultura letrada com indígenas da cultura oral e audiovisual sublinhando que essas três culturas configuram maneiras muito distintas de ver e ouvir, de pensar e sentir, de sofrer e gozar. (1999, p. 30) Pode parecer definitiva a idéia de substituição do ensino da escrita pela imagem, mas não é essa a proposta, nem do autor e muito menos deste estudo. Cabe aqui uma nota explicativa a esse respeito, visto que no desenvolvimento deste trabalho vem sendo dada ênfase ao uso da imagem na educação. Isso ocorre em razão do pleno reconhecimento do papel preponderante e definitivo da escrita na transmissão do saber dentro do processo educativo, sem admitir sequer a hipótese de superação. É sabido que para a comunicação existir torna-se necessário que a mensagem seja percebida, que haja sensibilização quantos aos signos ou símbolos que a codificam, o que torna o processo complicado é o fato de que a percepção está, invariavelmente, ligada às capacidades, das mais variadas naturezas, do sujeito receptor. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

98 FACHIN, Viviane Scalon 89 Sem isso o desenvolvimento dos processos de comunicação e de ensino ficam inviabilizados, inviabilizando, por sua vez, o processo formativo, que é a prerrogativa maior da escola. O que se pretendeu fazer foi demonstrar a possibilidade de contribuir para que os jovens possam fazer uma leitura de mundo mais ampla quando motivados a isso. E porque não usar a ferramenta que o mundo da visualidade, do consumo e da superficialidade coloca em nossa mãos? Não tem sido através das imagens projetadas pela mídia a influência exercida em hábitos e costumes da sociedade desde meados do século passado? O que se torna necessário é saber como fazer, sob o risco de perpetuarmos esta utopia. Finalizando é preciso reafirmar a crença segundo a qual os meios imagéticos, tomando como exemplo a televisão e o vídeo, por serem bens culturais, produzidos e consumidos pela sociedade humana, tem prioritariamente a função de entretenimento. Mas isso não exclui sua força pedagógica. Podemos discutir os valores ensinados pelas imagens fotográficas, cinema e internet, mas não podemos negar sua capacidade de veicular mensagens e nem a sua audiência que, muitas vezes tem aproveitado seu potencial como aula, quer do currículo paralelo ou daqueles que nunca tiveram qualquer currículo oficial. (REZENDE, 1998, p. 82) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

99 FACHIN, Viviane Scalon 90 REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Tradução por Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, DAUELSBERG, Myrian (Org.). Carta para o Século 21. In: BRASIL. Ministério da Educação. Mediatamente! Televisão, cultura e educação. Brasília: SEED, p DEMO, Pedro. Questões para a teleducação. Petrópolis: Vozes, É errando que a gente aprende. Nova Escola, São Paulo, n. 144, p , ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, FACHIN, Viviane Scalon Fachin. A educação, a imagem e a participação docente. São Carlos: UFSCar, Dissertação (mestrado). FERRO, Marc. Folha Online. Entrevista em FRIGOTTO, Gaudêncio. Construção social do conhecimento e cultura tecnológica. Revista Paixão de Aprender. v. 5. Porto Alegre, p. 6-11, GUATTARI, Felix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1995 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução por Paulo Quintela. Portugal: Porto Editora, (Coleção Filosofia Textos).. Crítica da razão pura. Tradução por J. Rodrigues de Mereje. São Paulo: Edigraf, (Biblioteca de Autores Célebres).. Crítica da razão prática. Tradução por Afonso Bertagnoli. São Paulo: Edigraf, (Biblioteca de Autores Célebres LEVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, MARTÍN-BARBERO, Jésus. Novos Regimes de visualidade e descentralizações culturais. In: BRASIL. Ministério da Educação. Mediatamente! Televisão, cultura e educação. Brasília: SEED, p MATTOS, Fernando L. A utilização didática de produções em vídeos. Disponível em: < Acesso em: MORAN, José Manuel. O vídeo na sala de aula. Comunicação & Educação. São Paulo, n. 2, p , jan. / abr NAPOLITANO, Marcos. Como usar a televisão em sala de aula. São Paulo: Contexto, PRETTO, Nelson. Uma escola sem/com futuro. São Paulo: Papirus, SADEK, José Roberto. Educação, movimento e escolha. In: BRASIL. Ministério da Educação. Mediatamente! Televisão, cultura e educação. Brasília: SEED, p TEXTOS escolhidos: Benjamim, Horkheimer, Adorno, Habermas. Traduções de José Lino Grünnewald e outros, 2. Ed. São Paulo: Abril Cultural, (Os Pensadores, v. 48) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

100 FACHIN, Viviane Scalon 91 ZUIN, Antonio. A. S. Indústria cultural e educação: o novo canto da sereia. São Paulo: Autores Associados, YOSHIURA, Eunice Vaz. Imagem, mídia e poder. Disponível em acesso em Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

101 ISSN: A década de 60 e a reinvenção do jornalismo André Mazini¹ e Eduardo Rosa² Resumo O jornalismo e a literatura são distintos por suas naturezas. Enquanto o jornalismo tem na linguagem o meio para alcançar seu objetivo final, a informação, a literatura tem na linguagem e na experiência estética da narratividade, o seu objetivo primeiro. Este artigo analisa algumas divergências e convergências das práticas literária e jornalística e reflete de maneira pontual o movimento do New Journalism norte-americano da década de 60, responsável por romper radicalmente, na época, a fronteira que separa os dois universos conceituais, inaugurando o romance de não-ficção. Palavras-chave: : jornalismo; literatura; Novo Jornalismo 1 Jornalista graduado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Atualmente faz doutorado em História na UFGD e leciona nos cursos de Comunicação Social do Cenro Universitário da Grande Dourados (Unigran) andre_mazini@hotmail.com 2 Acadêmica do quarto ano de Jornalisno no Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) eduardarosa91@ hotmail.com. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

102 MAZINI, André 102 Jornalismo e Literatura: naturezas distintas O jornalismo define-se historicamente como atividade que apura acontecimentos e difunde informações da atualidade, buscando, capturar o movimento da própria vida. É da natureza do jornalismo tomar a existência como algo observável, comprovável, palpável, a ser transmitido como produto digno de credibilidade. Dessa forma, o jornalismo se propõe a prestar uma espécie de testemunho do real, fixando-o e ao mesmo tempo tentando compreendê-lo. Para essa captação do, supostamente, real, o jornalismo utiliza a linguagem como ferramenta. Logo, a linguagem é concebida como meio e não como fim e nesse ponto surge talvez a maior separação entre jornalismo e literatura. A natureza da literatura, por sua vez, parece ser outra e até oposta à do jornalismo. Trata-se de dotar a linguagem verbal de uma dimensão em que ela não é meio, mas fim; tomá -la como matéria em si, portadora de potencialidades expressivas. Na literatura, a linguagem não é mera figurante, mas centro das atenções. Nesse sentido, se há algo para comunicar na literatura, esse algo só existe pelo poder conferido à conduta da própria linguagem. Não se trata de exatamente de afirmar que não existe mundo algum fora da experiência da linguagem. Mas de supor que, para a realização literária tal mundo só s o verbal que o transmitir estiver, por assim dizer, transmutado, recriado, destituído de sua função cotidiana e costumeira. Com isso, vem a constatação de que a razão de ser da literatura não é exatamente a comunicação. (BULHÕES, 2007:12) De acordo com Bulhões a obra de arte literária recria a realidade, manifesta uma supra-realidade, ou seja, parte do mundo conhecido e visível para realizar uma permissiva transfiguração. Ela se lança à fabulação, à criação de situações ou universos que não possuem compromisso com a realidade racional do mundo empírico (2007:18). A literatura é, por excelência, um território para o devaneio fantasioso. A sua verdade reside, também, na capacidade de atingir uma dimensão universal e essencial da subjetividade humana, a da atividade imaginativa. Já a matéria do jornalismo é a vida enquanto substância tocável e representável. A atividade jornalística convencional, de maneira geral, assume, cada vez mais, o papel de um legítimo conhecedor e registrador de realidades comprováveis e aparentes. Com tais credenciais, ele participa ativamente da crença de ser um reformador social, adquirindo, na vigência democrática, o estatuto de vigilante do poder público e de porta-voz da sociedade. Assim, o jornalismo passa a formular, a respeito de si próprio, um discurso que o alude ao compromisso de dizer a verdade e nada mais que a verdade. Apesar das diferenças na base conceitual entre os campos da literatura e do jornalismo, há um, ou o principal, elemento que os converge, a narrativa. Produzir textos que dispõem uma seqüência de eventos que ocorrem num tempo e espaço determinado com participação de personagens, é algo que recai tanto sobre a prática literária quanto à jornalística. Além disso, lembra Bulhões, é importante não perder de vista que a narratividade está intimamente vinculada à necessidade humana de conhecimento e revelação do mundo ou da realidade. A diferença é que, na literatura, a busca por esse conhecimento se dá, principalmente, por via imaginativa e alegórica, já o jornalismo por meio de uma suposta verdade objetiva e testemunhal. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

103 MAZINI, André 103 Mas a linha que contorna os espaços ocupados por literatura (ficção) e jornalismo (não-ficção) nem sempre foi tão definida. Houve momentos históricos em que aconteceram flertes, bem ou mal sucedidos, por ambas as partes. Da parte do jornalismo, o interesse pela liberdade literária pode ser identificado em qualquer período que se analise. Nos anos 60, no entanto, o interesse ganhou corpo, ideologia e estilo próprios que repercutem até hoje. Nem Tom Wolfe, protagonista do New Journalism, nem Bulhões ao analisar o que aconteceu ao jornalismo dessa época, conseguem enxergar no Novo Jornalismo um movimento, pois não despontou com um delineamento de idéias estabelecidas por um grupo coeso de representantes, nem elaborou um manifesto declaratório de princípios. Foi mais uma atitude que se processou na fluência de uma prática textual desenvolvida em alguns jornais e revistas americanas, inicialmente com textos das chamadas reportagens especiais publicadas na Esquire, e no Harold Tribune, por gente como Jimmy Breslin, Tom Wolfe e Gay Talese, até atingir a configuração de grandes narrativas com feição de romance, nas obras de Truman Capote e Norman Mailer. (Bulhões, 2007:145). Esse movimento (o termo é apropriado no sentido agitação, animação) será melhor elaborado em seguida. Do jornalismo à literatura: A rebeldia criativa dos anos 60 Ousemos, pois. Ousemos sonhar novos horizontes. Abramos nossas comportas de percepção. Não tenhamos receio de ser felizes. Rompamos as barreiras do preconceito ilustrado que esconde sua profunda ignorância por trás do medo. Percamos a vergonha de deixar o coração pulsar com nossas mentes. (Edvaldo Pereira Lima) O século XX pode ser guardado nas páginas da história de diversas formas. Desde um século sangrento, com duas guerras de proporções globais e outras tantas localizadas, um século de transformações sociais com o capitalismo se espalhando e juntando o mapa mundi em uma proposta progressiva de globalização, um século de revolução cultural, e etc. Poderíamos nos estender facilmente pontuando slogans que traduzissem alguns dos viezes desse século tão movimentado, sem, no entanto, encontrar uma síntese satisfatória que desse conta da complexidade dos acontecimentos que marcaram esse período. O historiador Eric Hobsbawn, ao estudar o que ele classifica de Breve Século XX (período que vai da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, até a queda do Muro de Berlim na década de 80), faz o seguinte panorama: (...) a estrutura do Breve Século XX parece uma espécie tríptica ou sanduíche histórico. A uma Era de Catástrofe, que se estendeu de 1914 até depois da Segunda Guerra Mundial, seguiram-se cerca de 25 ou trinta anos de extraordinário crescimento econômico e transformação social, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável.. Retrospectivamente podemos ver esse período como uma Era de Ouro, e assim ele foi visto quase imediatamente depois que acabou, no início da década de 70. A última parte do século foi uma nova era de decomposição, incerteza e crise - e, com efeito, para grandes áreas do mundo, como a África, a ex-urss e as partes anteriormente socialistas da Europa, de catástrofe. (HOBSBAWN, 1995, p. 15) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

104 MAZINI, André 104 A compreensão de Hobsbawn apresentada na citação acima nos fornece uma visão área do século passado. O período que, aqui, nos interessa está quase no meio desse Breve Século XX no eixo no epicentro das mudanças culturais que ocorreram a partir dos anos 60. No período do pós-guerra, depois das forças aliadas declararam vitória na Segunda Guerra Mundial, as tropas regressaram a seus paises e a economia americana deu um grande salto fornecendo mercadorias aos paises que reconstruíam suas economias. As pessoas passaram a ter uma condição social mais estável e dessa estabilidade vieram os filhos, os muitos filhos. A geração que nasce nesses anos ( ) é chamada de Baby Boomer. Foram eles criaram os movimentos juvenis nos anos 60, protagonizaram a cultura dos excessos nos anos 70, e foram os yuppies encontrando seu caminho no mundo corporativo pela primeira vez nos anos 80. Apesar de a guerra física ter chegado ao fim, um novo conflito, subliminar, tomava postos. A guerra fria entre ideais capitalistas e socialistas foi uma guerra entre imaginários onde as batalhas se davam no campo do subjetivo. Os EUA, principal incentivador do capitalismo, precisava transmitir uma imagem de sucesso, de felicidade, relacionado ao seu modelo de gestão governamental. Especialmente na segunda metade de 1940 e boa parte dos anos 50 essa busca pela transmissão de uma imagem de sucesso construiu o que alguns chamam de Geração Silenciosa. O jornalista Arnaldo Jabor, no artigo Eu já vi o medo da América Profunda: a Geração Silenciosa dos anos 50 acordou agora com Bush, relata, em nível de experiência pessoal que: As ruas, pessoas, rituais, sorrisos e lágrimas, tudo parecia programado por uma máquina social obsessiva. A vida e morte eram padronizadas, previstas: abraços gritados, roupas iguais, torcidas histéricas no baseball, finais felizes, alegrias obrigatórias, formando uma missão comunitária cheia de fé, como um carrossel de certezas girando para um futuro garantido. (JABOR, acessado em 01/07/08) Inserida no contexto de uma guerra mundial, a sociedade civil ocidental no período imediato ao pós-guerra apresentava pouca força em manifestações populares de oposição aos governos vigentes. O professor Robert Putnam, diretor do Centro de Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, afirma, por exemplo, que nos anos 50, 75% dos norte-americanos acreditavam que o governo agia corretamente a maior parte do tempo, enquanto hoje, apenas 19% acham a mesma coisa (Making Democracy Work). O jornalismo dessa época se mostrava pouco ousado. A submissão às diretrizes governamentais, principalmente no que diz respeito à manutenção da ordem, direcionava a imprensa a se ater aos modelos funcionalistas de comunicação, limitando-se a leads, pirâmides invertidas e linguagem objetiva para a representação das noticias. A ruptura com o velho Enquanto a década de 50 se encerra relativamente em silêncio (exceto por movimentos como o dos beatnicks que já no final da década começava a se manifestar, ou o próprio rock and roll que também no final da década ganhava muita força nos EUA), os anos 60 anunciaram muito barulho. Através de uma imensa variedade de formas, a juventude procurava romper com tudo o que estava convencionado: universidade, família, arte, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

105 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 105 partidos políticos, etc. O que era novo passou a ter um valor em si: a tradição tinha que ser destruída. A contestação percorreu o mundo nessa época. Enquanto no campo ideológico os valores de paz e amor, liberdade, justiça, enchiam as canções dos poetas, uma nova realidade se apresentava: a de consumo, que estabelecia seus próprios valores de eficácia. Os mesmos jovens que sacudiram o mundo nesta década, se transformaram no principal alvo de vendas das grandes organizações comerciais desta época (Machado). Uma vasta linha de produção (discos, roupas, espetáculos) se voltou a atender as necessidades de consumo deste público. Esses produtos eram, além de consumidos, concebidos por eles mesmos. Os grandes ícones que fizeram sucesso justamente por contestarem o sistema, foram comercializados em escala global, por exemplo, na forma de camisetas com o rosto de Che Guevara estampado, pôsteres dos Beatles e dos Rolling Stones, etc. O consumo transformou a contestação a ele mesmo, em uma poderosa arma de venda. Uma dinâmica nova surgia. Os jovens contestavam a sociedade e essa consumia a contestação (Machado). Uma busca desesperada de afirmação para fazer valer a sua negação passava a ser realizada em todos os campos - na moda, na pintura, no cinema e sobretudo na música. Segundo termo fornecido por Marcuse, a Nova Esquerda norte-americana da década de 1960 não possuía uma ideologia definida (marxista ou socialista) e não considerava a classe trabalhadora como força potencialmente revolucionária. Ela era constituída por intelectuais, grupos que lutavam pelos direitos civis e jovens considerados radicais hippies que não possuíam atitude política, segundo a visão da esquerda tradicional. Apontava-se como singularidade sociológica da juventude o fato de ela, por ser essencialmente transitória, não constituir uma categoria social. Mas os jovens estavam cada vez mais se agrupando entre si nos clubes, nas boates, nas concentrações. A insistência sobre o parecer (vestido, cabelos), sobre o gesto típico (linguagem própria, dança) já era considerada como um primeiro passo para se constituir como categoria social. As grandes concentrações - como a de Woodstock, onde centenas de milhares de pessoas se reuniram para falar de paz, de música e para viver dias de completa liberdade - demonstraram o sentido profundo da comunidade que estava se formando entre os jovens daquela década e a compreensão mística de si mesmos como um grupo à parte: um nós em franca oposição a eles. Eles é o mundo adulto dos pais e sua impotência em viver os valores que pregam. Eles são também os sistemas socias incapazes de preencher o vazio entre ideal e realidade. (MACHADO) A constatação do fracasso da civilização criada pelas gerações anteriores - de guerras, injustiças sociais, violência, opressão - e a contemplação da massa amorfa de casos, dossiês e números em que às vezes o homem é transformado pela sociedade de consumo, explodiram na consciência dos jovens dos anos 60, que passaram a negar todas as manifestações visíveis dessa civilização. Machado diz a respeito desse contexto que a imaginação havia tomado o poder. Segundo ele todos os valores oficiais e tradicionais eram escrito entre aspas ironicamente e provocavam risos. Formas obsoletas de luta eram desenterradas (a pedra, a barricada, o pau), templos do saber como a Sorbonne eram invadidos, ídolos de outras gerações como Sartre e o comunista histórico Aragon eram vaiados, carros incendiados, teatros tomados. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

106 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 106 Os caminhos possíveis, pelos jovens impostos era a evasão/isolamento, ou a participação no processo de destruição da sociedade. Os hippies evadiram-se. Cerca de 400 mil jovens estadudinenses, integrante desse movimento dera, segundo Machado, as costas à sociedade e saíram à procura de outras verdades. Os hippies marginalizaram-se e tentaram uma revolução da moral e dos costumes. Os jovens dos países socialistas reivindicavam liberdade política, enquanto os dos países industrializados do Ocidente contestavam a civilização de consumo que aliena o homem. No terceiro mundo, a luta era pela liberdade econômica. As manifestações de descontentamento em relação ao american way of life protagonizadas especialmente pelos jovens apresentavam formas singulares, formando diversos movimentos, batizados pelos jornalistas da época como movimentos de contracultura, que apesar das peculiaridades de cada grupo se uniam em uma proposta a favor do amor e contra a guerra. Em contrapartida aos movimentos pacíficos da contracultura, o período do pós-guerra (décadas de 50, 60 e 70) foi fortemente ligado a perseguição dos comunistas e seus idéias libertários em todo o ocidente. Enquanto isso, os EUA vivia o macarthismo, marcado pela repressão aos estudantes, pela Guerra do Vietnã e Guerra Fria, pela constestação da beat generation e dos hippies, pelo preconceito racial, pelo ataque aos estudos humanistas, por um grande desenvolvimento tecnológico e pela famosa tríade ideológica do sexo, drogas e rock n roll. Neliane Maria Ferreira analisa que: Para Marcuse, não bastava naquela época mudar as estruturas sem mudar a consciência das pessoas, isto é, sua maneira de pensar e ver o mundo. Para ele, o processo revolucionário implicava uma necessária mudança da lógica capitalista introjetada. Marcuse fez também uma contraposição à interpretação da esquerda ortodoxa que só qualificava como revolucionárias pessoas diretamente envolvidas no processo de trabalho. A classe operária integrou-se ao modo de produção capitalista, absorvendo os seus valores e uma consciência anti-revolucionária, num mercado que tornou-se capaz de envolver os indivíduos. Ela analisa ainda que a classe trabalhadora, que tradicionalmente deveria estar mais engajada nos movimentos de contestação tinha sido integrada ao sistema capitalista devido aos benefícios que lhes eram oferecidos. Era possível observar, segundo Ferreira, uma consciência anti-revolucionária na classe trabalhadora. Com o aumento da produção dentro dos moldes do sistema capitalista, ocorreu uma intensificação do trabalho alienado e um aumento constante da competitividade, perpetuando o alto padrão de vida de alguns e aumentando assustadoramente o empobrecimento da maior parte da população mundial. Aí, segundo a autora, encontra-se um paradoxo quanto à concepção revolucionária de Marx, que encontra na classe operária a vanguarda do movimento transformador da sociedade. Jornalismo contra-cultural Tais elementos mostravam que o cenário era novo. Os anos 60 apresentavam um desafio de entendimento aos sociólogos e antropólogos. Em relação ao jornalismo um desafio peculiar surgiu. Como compreender um momento tão cheio de cores, gritos, viagens... tão cheio de subjetividades, com um molde estético de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

107 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 107 jornalismo exclusivamente objetivo? Apesar de se intensificar nesta década essa inquietação em busca de uma reforma na linguagem jornalística não era nova. Nas últimas décadas do século XIX, no contexto de guerra hispano-americana, Stephen Crane perguntava-se, de acordo com João Pereira Coutinho, o que são nomes e números quando a morte destes homens transcende nomes e números? Quem são estes soldados que todos os dias tombam na batalha? Quais são as suas famílias? Em que terras viveram? Em que casas? Não será possível dar rosto a esta gente e salvá-la do esquecimento numérico e burocrático? (Coutinho). Crane não ficou famoso por propor um novo jornalismo, mas percebeu que tornar comum é muito mais do que fornecer dados, estatísticas, infográfcos, etc, ele buscava um jornalismo humanizado que fosse além da simples informação e alcançasse os limites da comunicação humana. Tempos depois, chegando à década aqui estudada, a inquietação de Crane se intensificou e ganhou novas vozes norte-americanas. O momento histórico, em praticamente todas as perspectivas sociais, especialmente na cultura, exigia uma flexibilidade maior em sua representação pelo jornalismo da época. Tom Wolfe, um dos jornalistas protagonistas do new journalism, sugere que nem a Guerra no Vietnã, nem a exploração espacial, nem os assassinatos políticos, nem nada mais foi tão marcante nessa década do que a mudança radical (ou melhor, ruptura) que os costumes, a moral, os estilos de vida e as atitudes das pessoas em relação ao mundo sofreram. A representação dessas mudanças no espaço publico da noticia tornou-se um desafio maior do que poderia enfrentar o jornalismo puramente objetivo, defendido até hoje pelos grandes manuais de redação. Tais transformações pediam representações mais complexas, mais sensoriais, um campo de trabalho exuberante para o romance da época. Mas os romancistas, de acordo com Wolfe, viraram as costas para tudo isso. Eles pareciam fugir completamente das grandes cidades. A idéia de abordar um assunto desses parecia aterrorizá-los, confundi-los, fazê-los duvidar de seus próprios poderes (WOLFE, 2005, p. 52). Temos então um cenário interessante. A paquera que os jornalistas da época tinham com o romance era de longa data. E agora... Quase de repente. O romance deixou seu terreno para ser habitado pelos jornalistas. Mas que jornalismo daria conta da tarefa? Ora, os moldes objetivos de construção do texto jornalístico não seriam suficientes para representar aquelas transformações, o momento é de rupturas, era preciso também romper o jornalismo, inseri-lo no espírito da contracultura. Romper com as formas e propor um mergulho livre naquele mar de transformações. Com as renovações iminentes, uma parte delas, necessariamente teria que envolver a estética textual das narrativas informativas. Paulo Leminsk analisou literariamente o realismo (referência atribuída aos moldes textuais objetivos) e o naturalismo. Ele pontua que há um engano em pensar o jornalismo por uma ótica realista, pois o realismo é um discurso carregado de referencialidade e não camufla a perspectiva, ou seja, um discurso que assume o ponto de vista e com ele trabalha, retratando o real sem generalizar verdades absolutas. Para Leminski, o valor sobre o qual o jornalismo busca legitimar sua forma discursiva é uma assimilação do naturalismo. Neste, ao contrário do realismo, é o conteúdo e não a forma, que é visto como determinante no plano da linguagem. O naturalismo pode aqui ser entendido como uma estética na qual a linguagem é vista como uma positividade. (Demétrio) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

108 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 108 Leminsk contextualiza que o apogeu do naturalismo (Europa, segunda metade do século 19) coincide com a explosão do jornalismo. O discurso jorno/naturalista representa o triunfo da razão branca e burguesa: o discurso naturalista é a projeção do jornalismo na literatura. Ora, a simples idéia desse triunfo burguês entraria no alvo do jornalismo contracultural que se formava. A estética ganhava importância nas narrativas, o informar dava lugar ao comunicar um mundo, que era mais novo do que a própria linguagem que se propunha. Uma prática do texto criativo, coletivamente engajada, tem a função de desautomatizar. De produzir estranhamento. Distanciamento. É desmistificação de objetividade inscrita no discurso naturalista. Essa objetividade é falsa. Ela apenas reflete a visão do mundo de dada classe social, de determinada civilização. Sua pretensão a discurso absoluto é totalitária. Violação. Ruptura. Contravenção. Infratura. A poesia diz eu acuso. E denuncia a estrutura. A estrutura do Poder, emblematizada na normalidade da linguagem. Só a obra aberta (desautomatizada, inovadora), engajando, ativamente, a consciência do leitor, no processo de descoberta/criação de sentidos e significados, abrindo-se para sua inteligência, recebendo-a como parceira e co-laboradora, é verdadeiramente democrática. (Leminsk) É diante desse plano que o new journalism, de acordo com Demétrio, se vestia da contracultura. Voltemos agora aos anos 60. Se o cenário sócio-cultural apresentava uma grande matéria prima para o romance, mas esse o negligenciou, o caminho escancarou-se para os jornalistas, especialmente os repórteres especiais. Tom Wolfe diz que nos primeiros anos de 60, Nova York era um pandemônio com um grande sorriso (51). E foi experimentando esteticamente nas narrativas sobre esse mundo que o New Journalism ganhou o mundo e provocou uma reviravolta no mundo das letras. Duvido que a maioria dos craque que vou exaltar neste texto tenham entrado para o jornalismo com a mais remota idéia de criar um novo jornalismo, um jornalismo superior, ou mesmo uma variedade ligeiramente melhorada. Sei que eles nunca sonharam que nada que torvelinho fossem escrever para jornais e revistas provocasse tamanho no mundo literário... Causando pânico, tirando do romance o trono de gênero literário número um, inaugurando a primeira novidade na literatura em meio século... No entanto foi isso o que aconteceu (Wolfe, p. 9) Os textos eram carregados de uma rebeldia criativa, usando a expressão de Chaparro. Tomando emprestadas as lembranças de Edvaldo Pereira Lima; as narrativas fascinavam, tomando o leitor pelos olhos, pelos ouvidos, pelo tato, pela mente e pela coração, conduzindo-o de corpo inteiro à aventura da descoberta do mundo. Ferramentas textuais como a onomatopéia, o diálogo aberto com travessões, as cacofonias, e tantos outros, ganharam ares novos na narrativa de não-ficção permitindo que o real fosse fuçado pelo subjetivo, resultando num produto final cheio de humanidade. A seguir, segue as principais ferramentas utilizadas por esse novo jornalismo: 1) Construção cena a cena: Contar a história passando de cena para cena e recorrendo o mínimo possível a mera narrativa histórica. Daí os feitos de reportagem as vezes extraordinários que os novos jornalistas empreendiam: para poder testemunhar de fato as cenas da vida das outras pessoas no momento em que ocorriam registrando o diálogo completo. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

109 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 109 2) Diálogo Completo: Os redatores de revista, assim como os primeiros romancistas, aprenderam por tentativa e erro algo que os estudiosos acadêmicos demonstram: que o diálogo realista envolve o leitor mais completamente do que qualquer outro recurso.(...) Os jornalistas trabalhavam o diálogo na sua mais plena e mais completamente reveladora forma no mesmo momento em que os romancistas o eliminavam, usando o diálogo de maneira cada vez mais críptica, estranhas e curiosamente abstratas. 3) Ponto de vista da terceira pessoa: A técnica de apresentar cada cena ao leitor por intermédio dos olhos de um personagem particular, dando ao leitor a sensação de estar dentro da cabeça do personagem, experimentando a realidade emocional da cena como o personagem a experimenta. Os jornalistas usavam muitas vezes o ponto de vista eu estava lá da mesma forma que usavam autobiógrafos, memorialistas e romancistas. Isso, contudo, é muito limitador para o jornalista, umas vez que ele só pode levar o leitor para a cabeça de um personagem ele próprio -, um ponto de vista que muitas vezes se mostra irrelevante para a história e irritante para o leitor.porém, como pode um jornalista, escrevendo não-ficção, penetrar acuradamente os pensamentos de outra pessoa?a resposta se mostrou deslumbrandemente simples: entreviste-o sobre seus sentimentos e emoções, junto com o resto(...) 4) Status de vida: Registro de gestos, hábitos, maneiras, costumes, estilo da mobília, roupas, maneiras de viajar, comer, manter a casa, modo de se comportar com os filhos, com os criados, com o superiores, com os inferiores, com os pares, além dos vários ares, olhares, poses, estilos de andar e outros detalhes simbólicos do dia-a-dia que possam existir dentro de uma cena. Simbólicos de quê? Simbólicos, em geral, do status de vida da pessoa, usando essa expressão no sentido amplo de podo o padrão de comportamento e posses por meio do qual a pessoa expressa sua posição no mundo ou o que ela pensa que é seu padrão ou o que gostaria que fosse (WOLFE p. 53, 54, 55) Através dessas ferramentas o jornalismo, que não era nem tão novo assim, conseguiu, com mais propriedade, tornar comum a realidade de transformações que carimbava a década de 60 como única em vários campos: cultural, social, político, econômico, etc. A pós-modernidade e o novo paradigma da incerteza A vida pós-moderna é uma vida sem referências. A ciência que gerou o progresso criou também a bomba atômica. As religiões não conseguem mais responder aos conflitos da existência e essa falta de respostas acaba criando alguns desvios na fé (no que quer que seja). O processo de pós-modernização acaba se alimentando do desespero diante do fracasso da organização cientifica da vida. Orienta-se pelo sentimento de desorientação diante do excesso de informação e de conhecimento (Pondé). Essa nova configuração de construção da identidade social pautada pela incerteza, ou pela falta de referência em estruturas rígidas, objetivas ficou bastante evidente na nova geração dos anos 60. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

110 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 110 Se as certezas científicas fracassaram quais seriam as novas perspectivas? Para Morin, estamos...diante do paradoxo inédito no qual o realismo se torna utópico, e no qual o possível é impossível. Mas esse paradoxo nos diz também que há uma utopia realista, e que há um impossível possível. O princípio da incerteza da realidade é uma brecha tanto no realismo como no impossível. Essa complexidade das incertezas da corrida civilizatória traz consigo a certeza de que a realidade e a utopia são as duas faces de uma moeda que ainda gira no ar, à espera da sorte do seu destino. A doutora em saúde pública Maria Ligia Rangel analisando o principio da incerteza de Baudrillard (1992) diz que o que tem orientado o mundo da pós-modernidade, com o que as massas se põem diante da certeza estúpida e da banalidade inexorável dos números, encarnando esse princípio e cuidando secretamente da desordem estatística. Segundo esse autor, tal é o modo contemporâneo revolucionário do ser no mundo, em que as coisas, os signos as ações são libertadas de sua idéia, de seu conceito, de sua essência, de seu valor, de sua referência, de sua origem e de sua finalidade, entram então numa auto-reprodução ao infinito (Baudrillard, 1992: 12). O jornalismo no contexto do incerto Como não poderia deixar de ser, a crise da certeza também atingiu (e continua a confrontar) o jornalismo guiado por princípios objetivos de certeza, imparcialidade e neutralidade. O new journalism, conscientemente, ou não, apropriou-se desse conflito nos anos 60 e adotou, através das ferramentas descritas no capítulo anterior, uma narrativa que não ignorasse a subjetividade daquele tempo, mas que, antes, a utilizasse para otimizar a compreensão de seus leitores a respeito do tempo em que viviam. A natureza do jornalismo é naturalmente complexa, transdisciplinar, auto-organizativa e dialógica. Sendo assim, o fazer jornalístico, em sintonia com as transformações nos contornos sócio-culturais do mundo, paulatinamente vem superando o ideal engessado de objetividade cartesiana. Passa a incorporar a dinâmica da vida e faz dela sua fonte primeira de inspiração para construção de narrativas pela qual o personagem é o homem, o enredo, as suas ações em todas as suas dimensões e em que a intenção é senão contribuir para o entendimento, mínimo que seja, desse universo de relações. Um desafio que exige o exercício da sensibilidade, da empatia com o mundo, o pensar crítico e reflexivo, menos individual, mais solidário, menos solitário... O jornalista, mediador e protagonista do processo de tornar comum ações, pensamentos, medos, conquistas, derrotas, pelos recursos da narrativa, agrega valor humano, intelectual e social à informação. Para expressar o contexto e as relações do sistema múltiplo, aberto e complexo, o jornalista vai além do método de simples registro, mas compreende pela perspectiva de um pensar híbrido, constituído por uma razão inteligente que une lógica, racionalidade à emoção/ subjetividade. Compreender, então, torna-se uma prática reflexiva e formadora. Por esse princípio, quando o jornalista compreende, consegue levar a compreensão ao Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

111 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 111 outro, expressando-se por meio da mais rica arte de contar histórias, a narrativa aberta, trabalhada e enriquecida por jornalistas que imprimem autoria a sua produção, única na essência e nas formas expressivas. Por detrás desse fazer está a condição primeira que ativa esse processo de compreender/refletir/expressar o mundo, a sensibilidade em toda a sua totalidade. É ela que permeia e nutre esse processo, porque se não sinto, não me aproximo de uma compreensão consistente, de uma reflexão coerente e tampouco consigo ser o narrador com habilidades capazes de contar as histórias cotidianas. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

112 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 112 Referências Bibliográficas: MORIN, Edgar, Terra-Pátria, op. cit., p. 140 MACHADO, Luiz Alberto. Anos 60: Perfil dos jovens na década da contestação. Disponível em < democlub.com/13/anos60.html> Acesso em: 10/05/08 FERREIRA, Neliane Maria. Artigo Paz e Amor na Era de Aquário: a Contracultura nos EUA. Disponível em < Acesso em 15/05/2008 WOLFE, Tom. Radical chique: O Novo Jornalismo. São Paulo: Companhia das Letras, LIMA, Pereira Edvaldo. Páginas Ampliadas: o livro reportagem como extensão do. jornalismo e da literatura. Campinas, SP. Editora Unicamp, A importância da descrição. Artigo disponível em: < MEDINA, Cremilda. Entrevista: o diálogo possível. São Paulo, Ática, A arte de tecer o presente narrativa e cotidiano. São Paulo. Summus, IJUIM, Jorge K. Por um jornalismo humanizado: Reflexões sobre uma abordagem alternativa ao fazer jornalístico. Campo Grande, MS DEMÉTRIO, Sílvio Ricardo. Jornalismo Contracultural. Artigo disponível em < LEMINSKI, Paulo. Forma é poder. Folha de S.Paulo: Folhetim, 04/07/1982. JABOR, Arnaldo. Artigo, Eu já vi o medo da América profunda: A geração silenciosa dos anos 50 acordou agora com Bush. Acessado em 01/07/2008. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

113 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 113 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

114 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 114 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

115 A década de 60 e a reinvenção do jornalismo 115 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

116 ISSN: ENSAIO ACERCA DO DISCURSO DO JORNAL CORREIO DO ESTADO SOBRE A GESTÃO PEDRO PEDROSSIAN E AS ELEIÇÕES DE 1982 AO GOVERNO DE MATO GROSSO DO SUL 1 Wagner Cordeiro CHAGAS 2 Paulo Roberto Cimó QUEIROZ 3 Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados, MS Resumo O primeiro governo Pedro Pedrossian (PDS/ ) em Mato Grosso do Sul representou um período de estabilidade política, após golpes palacianos, articulados por esse personagem junto ao governo central, nos primeiros anos de instalação do Estado, que levaram em apenas dois anos, três personagens a administrar o Poder Executivo estadual. Foi nessa gestão que se deu a eleição direta de 15 de novembro de 1982 para governador, a primeira dessa Unidade da Federação, criada em 1977, e que sagrou vitorioso o candidato oposicionista Wilson Barbosa Martins (PMDB). Neste trabalho busco apresentar uma sucinta análise dos discursos feitos pelo jornal Correio do Estado, um dos mais antigos e o de maior circulação no Estado, sobre a gestão Pedrossian e o processo eleitoral ao longo de Para isso, faz-se necessário tecer uma contextualização a respeito dos momentos finais da ditadura militar no Brasil para uma melhor compreensão desse importante momento histórico de Mato Grosso do Sul e do País. Palavras-chave: : jornal, correio do estado, discurso 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11/ 2012, Unigram/ Dourados/ MS. 2 Mestrando em História pelo PPGH-UFGD e bolsista da CAPES, wc-chagas@hotmail.com 3 Orientador. Professor doutor em História da FCH-UFGD. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

117 CHAGAS, Wagner Cordeiro A lenta abertura política O contexto do período de abertura política do final dos anos 1970 e início de 1980 é caracterizado pelo que o governo militar do presidente Ernesto Geisel ( ) chamou de abertura lenta, gradual e segura, ou seja, o retorno das normalidades democráticas no Brasil, golpeada por meio da deposição do presidente João Goulart em março de 1964, ocorreria de uma forma que o governo pudesse ter total controle do processo. Dentre as medidas tomadas pelo governo para abrandar a ditadura, podemos destacar a Lei da Anistia, de 1979, a Reforma Partidária, também de 1979, Emenda Constitucional Anísio de Souza, de 4 de setembro de 1980 e a Emenda Constitucional nº 15, de 19 de novembro de A lei nº 6683, de 28 de agosto de 1979, conhecida como Lei da Anistia, permitiu a supressão de condenações feitas a lideranças políticas que foram consideradas subversivas pelo regime ditatorial, além de absolver agentes do Estado ditatorial que participaram de práticas de tortura e outros meios utilizados pelo regime para repressão. Da Reforma Eleitoral, desencadeada a partir da Lei Orgânica dos Partidos, em conformidade com Rogério Schmitt (2005), originou-se os seguintes partidos políticos: PP, PDT, PTB, PT, PMDB (em substituição ao MDB), PDS (sigla que passou a representar a extinta ARENA). Quanto à Emenda Anísio de Souza, esta alterava, por meio de adiamento para o ano de 1982, a realização das eleições municipais marcadas para ocorrer no ano de Isto levou a coincidência de mandatos entre governadores e prefeitos. Assim, o pleito de 1982 foi marcado por uma singularidade, pois os cargos em disputa abarcavam vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador e governador. Por fim, o Congresso Nacional aprovou em fins de 1980 a Emenda Constitucional nº 15 que restabeleceu as eleições diretas para governadores e senadores. 2- As estratégias do governo Figueiredo para as eleições de 1982 aos governos estaduais As eleições diretas para governadores de Estado haviam sido suspensas em 1966 por meio do AI-2 editado no governo do marechal Castelo Branco devido a derrotas sofridas pelo governo nas eleições para governador de Dos onze estados que tiveram eleições, em cinco, os candidatos da oposição venceram. O cientista político David Fleischer demonstra como as eleições 1982 foram arquitetadas pelo governo João Figueiredo, para limitar o crescimento das legendas de oposição: Durante 1981, o PDS sofreu uma erosão gradual, especialmente entre elementos da ex-arena, chegando à cifra de maioria absoluta mínima de 211 deputados, enquanto o MDB crescia. A estratégia golberiana para as próximas eleições era o PDS estabelecer alianças eleitorais com o PP, PDT ou PTB em certos Estados, e em outros aguardar a divisão do voto oposicionista que talvez deixasse o PDS vencer com uma maioria simples.. Reforçado por programas econômicos e de obras públicas populistas em 1982, este plano esperava ate- Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

118 CHAGAS, Wagner Cordeiro 118 nuar a maré oposicionista, deixando o governo numa posição razoável com diversas alternativas para negociações políticas na condução da fase final da abertura em 1983 e Porém, a demissão abrupta do general Golbery em agosto de 1981 marcou mudanças neste cenário. Durante a ausência do presidente Figueiredo (licença médica de 60 dias), a oposição, fortalecida com 10 votos do PDS, derrotou uma parte do Pacote sem expressão que teria estendido a sublegenda às eleições diretas para governador em Após o retorno do presidente em novembro, as últimas pesquisas de opinião eleitoral do SNI demonstravam que, apesar da coincidência das eleições federais, estaduais e municipais em 1982, a cotação do PDS nos Estados caía a cada mês. Mais uma vez os engenheiros políticos foram convocados para mudar as regras do jogo. O resultado foi o Pacote de Novembro (1981), que foi aprovado por decurso de prazo em janeiro de As modificações incluem o voto vinculado e a proibição de coligações eleitorais, mas curiosamente não adotaram a sublegenda para o cargo de governador (FLEISHER, 1988, p. 77 e 79). Ronaldo Couto menciona, por sua vez, um novo pacote, conhecido como Pacote de Maio, onde destaca: O pleito de 1982 foi realizado com as novas regras eleitorais. A ditadura teimava em complicar a vida dos partidos de oposição. A nova legislação foi forjada no famoso Pacote de Maio, alguns meses antes do pleito, e entre outras coisas reabriu as filiações partidárias para que o PDS pudesse receber alguns deputados, flexibilizou a legislação para que os partidos menores disputassem o pleito, nesse caso, com medo de que os pequenos partidos se fundissem com o PMDB. Também ampliou o número de deputados, criou o Estado de Rondônia, aumentou de quatro para seis anos o mandato do presidente da República e alterou o número de delegados ao Colégio Eleitoral (COUTO, 1999: apud SILVA E OLIVEIRA, 2006, p. 77). Desta forma é possível realizar algumas discussões a respeito dos métodos utilizados pelo governo militar para tornar ainda mais lento o processo de abertura política. Primeiro como destaca o cientista político David Fleischer, algumas das estratégias idealizadas pelo ministro-chefe do Gabinete Civil do governo Figueiredo, Golbery do Couto e Silva, podem ser consideradas difíceis de serem colocadas em prática naquele momento de ebulição da luta pela liberdade democrática, possivelmente a idéia de alianças com partidos de oposição em alguns estados seria impraticável. Por outro lado, em relação aos novos partidos lançarem candidaturas próprias, como também enfatiza Silva e Oliveira (2006), essa estratégia possibilitaria de certa forma algumas vantagens ao PDS, pois os votos da oposição estariam divididos entre diversos candidatos, e não se concentrariam apenas nos nomes do PMDB. Ao não permitir coligações partidárias, as agremiações para terem o direito de lançarem candidatos nos estados foram obrigadas a lançar chapas completas. Por seu turno, o chamado voto vinculado obrigava que o eleitor votasse em candidatos do mesmo partido político, caso contrário, seu voto seria anulado, outro meio de permitir que os votos dados aos candidatos governistas pudessem ser ampliados, já que o votante deveria escolher o governador, os deputados federais e estaduais, senadores, prefeitos e vereadores da mesma legenda. Apesar de todas as estratégias utilizadas pelo governo federal, o pleito de 1982 significou uma grande derrota a ditadura, pois em dez estados a oposição, representada principalmente pelo PMDB, elegeu seus governadores. Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o resultado ficou assim definido, pelo PMDB: Acre: Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

119 CHAGAS, Wagner Cordeiro 119 Nabor Júnior; Amazonas: Gilberto Mestrinho; Espírito Santo: Gerson Camata; Goiás: Íris Resende; Mato Grosso do Sul: Wilson Martins; Minas Gerais: Tancredo Neves; Pará: Jader Barbalho; Paraná: José Richa; São Paulo: André Franco Montoro. No Rio de Janeiro, Leonel Brizola se elegeu pelo PDT. 3- As eleições em Mato Grosso do Sul O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado através da Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977, por meio da divisão do estado de Mato Grosso. Em 1978, as lideranças políticas iniciaram o processo de formação dos principais órgãos dessa unidade federativa, foram eleitos os primeiros deputados estaduais, federais e um senador. O governador, por sua vez, foi escolhido pelo presidente da República, visto que as lideranças da ARENA estadual, divididas em suas facções, não chegaram a um consenso sobre qual nome indicar para posterior aprovação do Congresso Nacional e do presidente. Para solucionar a crise foi necessária a intervenção do presidente Ernesto Geisel que optou por nomear um personagem sem experiência política e que não tinha raízes no estado, o engenheiro Harry Amorim Costa, diretor do Departamento Nacional de Obras (DNOS). Apesar de ser oriundo do estado do Rio Grande do Sul, Harry havia realizado diversos trabalhos no antigo sul de Mato Grosso e o conhecia bem. Em 1979, Harry assumiu, porém, seu mandato se estendeu até junho daquele ano. Manobras palacianas fizeram com que o presidente João Figueiredo o demitisse do cargo. Em seu lugar assumiu o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Londres Machado. No final de junho foi nomeado o novo governador, o ex-prefeito de Campo Grande Marcelo Miranda Soares. Este ficaria até outubro de 1980 quando também foi exonerado. Em seu lugar assumiu o então senador Pedro Pedrossian, político de forte ligação com o presidente da República. Foi na gestão de Pedrossian que os sul-mato-grossenses puderam, pela primeira vez, eleger o governador em Como é possível perceber na tabela da página anterior, em Mato Grosso do Sul o PMDB sagrou-se vitorioso por meio da candidatura de Wilson Barbosa Martins 4. Wilson era um líder político de prestígio nos meios oposicionista, fora prefeito de Campo Grande, pela UDN, de janeiro de 1959 a janeiro de 1963 e deputado federal até 1969, quando teve seu mandato cassado pelo AI-5. É preciso ressaltar, contudo, que o nome mais cotado do PMDB era o de Plínio Barbosa Martins, irmão mais novo de Wilson, que também havia tido grande destaque na política mato-grossense. Sua primeira eleição foi em 1961 para vereador por Campo Grande, pela UDN. Mais tarde se elegeu, pelo MDB, prefeito de Campo Grande entre janeiro de 1967 e janeiro de Havia sido também candidato ao Senado por duas vezes, uma em 1970 contra Filinto Müller (ARENA) e Rachid Saldanha Derzi (ARENA) 5, e outra já pelo criado Mato Grosso do Sul, no ano de 1978, sendo derrotado por poucos votos para o ex-governador de Mato Grosso Pedro Pedrossian (ARENA) 6. Conforme Marisa Bittar, em entrevista com Plínio em 1996, este relatou que por questões de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

120 CHAGAS, Wagner Cordeiro 120 problemas de saúde na família, aceitou desistir da candidatura ao governo. Para Bittar, a vitória do PMDB no estado representou: [...] Além do significado maior que caracterizou aquelas eleições, o de ter infringido uma derrota à ditadura militar, elas se constituíram num marco para o estabelecimento da normalidade institucional, colocando termo aos sucessivos golpes palacianos que ocorriam desde 1979, ano da instalação do seu primeiro governo (BITTAR, 1998, p. 33). Em sua obra de memórias, Wilson Martins descreve sua vitória da seguinte forma: A primeira oportunidade que teve o povo sul-mato-grossense de escolher por voto direto e democrático o seu próprio governador foi em 1982 [...] Foi para todos uma surpresa ver a oposição vencer em Mato Grosso do Sul, justamente aqui onde a população acabara de ganhar de presente a emancipação política com o novo estado [...] Depois de dez anos condenado ao silêncio e ao ostracismo pela ditadura, acabei merecendo a confiança do meu partido e da maioria dos meus concidadãos (MARTINS, 2010, p. 196 e 197). Concorreram ao governo os seguintes nomes: José Elias Moreira (PDS), candidato do governador Pedro Pedrossian, Wilson Fadul (PDT), petebista histórico, ex-prefeito de Campo Grande e ex-ministro da Saúde do governo João Goulart, teve importante apoio de Leonel Brizola para se tornar candidato, e Antônio Carlos de Oliveira (PT), deputado federal eleito em 1978 pelo MDB, mas que deixou os quadros do partido a partir do momento em que ex-arenistas filiados ao PP, passaram a integrar o PMDB, devido à fusão das duas legendas em e que ajudou na fundação do Partido dos Trabalhadores no estado e a nível nacional. Assim, a oposição estava dividida em três candidaturas: a do PMDB, do PDT e do PT. 4 Conforme Ciro Toaldo, foi de grande importância para essa eleição a contribuição do Partido Comunista Brasileiro do estado (PCB-MS), que, apesar de estar na clandestinidade, empenhou-se na defesa do candidato do PMDB, e dos movimentos sindicais, como o caso da Federação dos Professores de Mato Grosso do Sul (FE- PROSUL) (2003). 5 O resultado final conforme Eronildo Barbosa e Tito Carlos foi: Filinto, eleito com votos; Rachid: votos e Plínio: votos (2006, p. 44). 6 Segundo Bittar, com base em dados coletados do TRE-MT, o resultado dessa eleição ficou assim: Pela ARENA, Pedro Pedrossian: votos, José Fragelli: Pelo MDB, Plínio: votos e Humberto Neder: (2009, p. 145). Para entendermos esse resultado é preciso lembrar que essa eleição foi realizada sob a vigência da lei da sublegenda, que fazia com que os partidos lançassem dois candidatos ao cargo de senador, em seguida, por meio da soma dos votos de ambos os, quem obtivesse o maior número de votos era o escolhido. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

121 CHAGAS, Wagner Cordeiro O jornal Correio do Estado e sua posição nas eleições de 1982 no Estado O jornal Correio do Estado foi fundado na cidade de Campo Grande no dia 7 de fevereiro de 1954 por um grupo de lideranças políticas, com o seguinte propósito: servir o povo de nossa terra, informando-o, indagando -o dos seus problemas, empenhando-se na sua solução, batendo-se por seus direitos e verdadeiros interesses (Correio do Estado, 7 fev. 1954). Sobre sua fundação, Isabela Schwengber relata que: O jornal foi lançado por um grupo do sul de Mato Grosso ligado à UDN com objetivos de disseminar as ideias do partido. Seus mentores foram Fernando Corrêa da Costa (na época governador), José Manoel Fontanillas Fragelli (o primeiro diretor-presidente do periódico, atualmente ex-senador, ex-deputado e ex-governador) e José Inácio da Costa Moraes [...] (SCHWENGBER, 2008, p. 40). Por esse breve histórico do referido periódico percebe-se como as discussões políticas são características marcantes do mesmo. No processo eleitoral de 1982 não foi diferente. Para uma melhor compreensão faz-se necessário analisar o contexto anterior as eleições, mais precisamente a partir do final de 1980, início do governo Pedrossian, e ao longo do ano de Ao final de 1980 o jornal apresentou suas matérias dando ênfase a posse e aos desafios que o novo governador teria a partir de então. A partir de meados de 1981 as matérias começam a destacar a possibilidade de o governador ser candidato ao cargo nas eleições de 1982, pois o mandato que Pedrossian exercia era legitimado por meio da nomeação do presidente da República e não por sufrágio universal. Nas eleições futuras, ele poderia se candidatar e tentar ser eleito pelo voto popular, desde que renunciasse três meses antes, no entanto, tal possibilidade deveria ser analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao mesmo tempo, destacavam-se no jornal as possibilidades das outras candidaturas ao governador do PMDB, PDT e PT. Nos meses finais de 1981, o Correio destacava de forma significativa a quantidade de obras públicas entregues pelo governo naquele primeiro ano de gestão, como fica demonstrando aqui: Ao concluir seu primeiro ano de Governo, o governador Pedro Pedrossian já pode inaugurar neste final de semana, várias obras incluídas no projeto Pró-Cidade. Hoje existem mais de 500 obras em todo o Estado visando dar condições mais dignas à população urbana (POSITIVO o 1º ano de Pedro. Correio do Estado, Campo Grande, 19/20 dez. 1981, p. 1). A divulgação de propaganda governamental sobre as obras também foi uma marca do jornal nesse período, como se vê no exemplar abaixo. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

122 CHAGAS, Wagner Cordeiro 122 Correio do Estado. Campo Grande, 31 dez. 1981, p. 9. Fonte: acervo Correio do Estado. Por outro lado, a partir de abril de 1982, o órgão se posiciona de maneira bem diferente ao que se via nos primeiros anos do governo Pedrossian. Em extensa reportagem feita com populares em Campo Grande, por meio de entrevistas, sobre a situação econômica e política do Estado, o periódico assim descreve: [...] O clima de insegurança se instalou de forma tão surpreendente que hoje dois sérios perigos ameaçam o MS frontalmente: o déficit econômico, que precisa ser corrigido com medidas seguras e as tramóias do processo pré-eleitoral que já delineia uma malha viciosa, que foge ao entendimento da população [...] Se a vida política desagrada a vida econômica do Estado desagrada muito mais. Tanto que a população já chama o Estado de a vergonha nacional da economia brasileira. Devemos para Deus e todo o mundo, isso qualquer um sabe, observa o odontólogo Jorge Azambuja [...] (POVO já fala do caos no Estado. Correio do Estado. Campo Grande, 27 abr. 1982, p. 2). Ainda naquele mês, outras críticas vieram, desta vez com relação as obras do Parque dos Poderes, construção de grande dimensão na Capital que objetivava abrigar as repartições públicas dos três poderes do Estado. A obra era vista como o maior elefante branco de todos os tempos (DE Parque a sonho dos Poderes. Correio do Estado, Campo Grande, 22 abr. 1982, p. 7). A partir do momento em que o próprio governador se decidiu pelo nome do ex-prefeito de Dourados José Elias Moreira e do ex-procurador do Estado Carlos Stephanini como candidatos do PDS a governador e vice, respectivamente, percebe-se que o jornal divulgava aquele fato como uma medida autoritária do governador, como se lê na seguinte manchete: PDS aceita imposição; José Elias é o candidato (Correio do Estado, Campo Grande, 1º e 2 maio 1982, p. 3). Sobre a candidatura do PDS é preciso lembrar que desde 1981 Pedrossian defendia o nome de Paulo Fagundes, presidente da Empresa Energética de Mato Grosso do Sul (ENERSUL), para governador e o de Gazi Esgaib, importante articulador político do governo, para vice. Estes eram tidos como certos, até o momento em que, de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

123 CHAGAS, Wagner Cordeiro 123 acordo com a matéria, por meio de uma imposição, a classe política foi surpreendida com a divulgação dos novos nomes, os novos ungidos de Pedrossian, como se encontra na reportagem. Em outra divulgação, de 5 de maio, o jornal divulgou a pesquisa encomendada ao Instituto Gallup de Opinião Pública para saber a opinião dos eleitores quando ao melhor nome do PDS para governador. O resultado apontou Levy Dias, deputado federal e ex-prefeito de Campo Grande, que iria concorrer com José Elias Moreira na convenção do partido. Juntamente a isso, as pesquisas revelavam que se a crise interna da legenda não fosse resolvida, a possibilidade do PMDB vencer seria muito fácil. No final daquele mês as notícias de que Mato Grosso do Sul estava falido eram destaques de primeira página, como se lê na manchete: Falido, MS está parando (Correio do Estado. Campo Grande, 25 maio 1982, p. 1). Os parlamentares pedessistas, por seu turno, reclamavam das críticas vindas do jornal, e defendiam o governo, mas, ao mesmo tempo, também reconheciam que a situação econômica de Mato Grosso do Sul não era satisfatória: Setores políticos governistas na Assembleia Legislativa reagiram ontem, negativamente, à publicação feita ontem pelo Correio do Estado, segundo a qual, falido, o governo determinou a paralisação de várias obras, maioria das quais sequer iniciadas, no interior do Estado. Irritados e sem querer fazer declarações oficiais, deputados do PDS afirmaram que a matéria contém muita maldade, embora expresse uma realidade indiscutível e inegável (POLÍTI- COS taxam de maldosa notícia de falência do MS. Correio do Estado, Campo Grande, 26 maio 1982, p. 3) Além disso, os deputados governistas acusavam políticos do PMDB como sendo os responsáveis pela situação econômica do Estado: Os deputados governistas asseguram que os grandes responsáveis pelo atual estado financeiro do Mato Grosso do Sul são os senadores José Fragelli, Mendes Canale e Saldanha Derzi, do PMDB, que participaram das manobras visando não dar o quorum necessário para as sessões de aprovação dos empréstimos (Idem, p. 3) Faltando um dia para a convenção do PDS que iria decidira entre Levy Dias e José Elias o candidato a governador, a publicação de um artigo assinado pelo jornalista e filho do proprietário do jornal José Barbosa Rodrigues, Antônio João Hugo Rodrigues, também conhecido como A. J., intitulado O curral e a censura, denunciava a situação dos convencionais que iriam votar: Ao alugar 60 apartamentos do Hotel Campo Grande, com objetivo de confinar convencionais pedessistas, impedindo-os não apenas de manterem contatos com o candidato dissidente, Levy Dias, o PDS, alinhado ao governador quis e conseguiu também, levá-los a não prestar declarações livres à imprensa, principalmente aquele que não está engajado na campanha do candidato pedrossianista, Zé Elias. O curral de luxo está montado. Vemos, na realidade, convencionais confinados. Está, a maioria, como gado de alta linhagem, recolhido a um estábulo luxuoso, cercados de rações de todos os tipos [...] Os convencionais estão sendo humilhados, cerceados em sua liberdade de ir e vir, obrigados a dar entrevistas apenas de acordo com os interesses do governo e da máquina governamental. E se assim não o fizerem serão, imediatamente, submetidos a uma pressão maciça e quase insustentável, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

124 CHAGAS, Wagner Cordeiro 124 aterrorizante, sem qualquer indício de democracia algo que, aliás, parece inexistir em todo o esquema organizado (Correio do Estado, Campo Grande, 12/13 jun. 1982, p. 3). Logo após a definição pelo nome de Zé Elias como candidato do PDS, o Correio do Estado começa a demonstrar ainda mais seu posicionamento, como por exemplo, em relação à falta de prestígio deste na maioria dos municípios do Estado. Em matéria do dia seguinte, percebe-se que para o Correio do Estado a oposição teria maiores chances com o resultado da convenção governistas: [...] As coisas ficaram mais fáceis para a oposição, conforme comentários ontem no final da convenção do PDS, entre políticos e pessoas que assistiram às disputas entre Levy Dias e Zé Elias. A oposição partirá para as eleições de 15 de novembro com um quadro mais sólido e com menos problema que o PDS. A falta de objetividade do candidato peemedebista só superada pela fragilidade eleitoral do candidato governista, com potencial de votos apenas na região de Dourados (RESULTADO favorece os oposicionistas. Correio do Estado, Campo Grande, 14 jun. 1982, p. 3). Em manchete do dia 17 de junho, escrito em letras garrafais, apresenta-se em primeira página os seguinte dizeres: Interior rejeita Zé Elias, demonstrando que 40% dos prefeitos não aceitavam a escolha do nome imposto por Pedrossian. Ao longo de praticamente todo aquele mês as chamadas da seção de política mostravam a situação do PDS e seu candidato, manchetes chamativas e matérias longas expressavam esse posicionamento, como esta relacionada a perca de alguns de seus filiados para a oposição: O Mato Grosso do Sul figura como o Estado onde mais governistas, de posse de um mandato parlamentar, deixaram os quadros da extinta Arena e do PDS para se filiarem aos quadros oposicionistas. Numa análise feita em todo o País, constatou-se que um número aproximado de 50 governistas com destacada importância nacional optaram pelos partidos de oposição. Dos oito senadores que deixaram a Arena ou PDS e passaram para oposição, Mato Grosso do Sul figura como o Estado de onde ocorreu o maior número de defecções (MS encabeça a lista de defecções no PDS. Correio do Estado, Campo Grande, 19 jul. 1982, p. 3). Em plena campanha eleitoral notícias divulgadas demonstravam quais eram as propostas do PMDB para enfrentar a crise financeira vivida por Mato Grosso do Sul: Gastos perdulários em obras que não são prioritárias, excesso de mordomias e aproveitamento do dinheiro público na campanha política foram apontados pelo ex-deputado Wilson Barbosa Martins como razões para a crise econômica vivida pelo Mato Grosso do Sul [...] As medidas de caráter imediato apontadas pelo candidato a governador do PMDB durante entrevista coletiva em Brasília, consiste basicamente em buscar recursos para que sejam renegociadas todas as dívidas do Estado junto a instituições financeiras do País e do exterior [...] Hoje o Mato Grosso do Sul deve no mercado financeiro interno e externo a soma de aproximadamente 28 bilhões de cruzeiros, o que já coloca em situação aflitiva empreiteiras, chefes de família e funcionários estaduais preocupados, os professores estão em greve e toda população do Estado em tensão diária, segundo Wilson Barbosa Martins (PMDB tem a saída para crise estadual. Correio do Estado, Campo Grande, 2 set. 1982, p. 3). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

125 CHAGAS, Wagner Cordeiro 125 A crise demonstrada aqui provocou diversas greves no estado. Conforme Tetila e Biasotto (1991), esse foi um dos períodos de maior efervescência dos movimentos sociais em Mato Grosso do Sul. Apesar desse posicionamento de críticas a situação política e econômica de Mato Grosso do Sul, é possível observar que não há um posicionamento claro de privilégio nas matérias jornalísticas ao candidato do PMDB, como também não foi encontrado críticas a ele, do modo como se fez com Zé Elias. Abaixo se encontra fotos onde se vê a publicação tanta de matérias sobre a propaganda peemedebista quanto pedessista, sendo possível afirmar que não havia um posicionamento declarado em favor de Martins. Outdoor de Wilson Martins (PMDB) em rua de Campo Grande. Correio do Estado. Campo Grande, 1º set. 1982, p. 3. Fonte: acervo Correio do Estado. Outdoor de José Elias (PDS) em rua de Campo Grande. Correio do Estado. Campo Grande, 6 out. 1982, p. 3. Fonte: acervo Correio do Estado. No entanto, a entrevista realizada com o ex-governador Wilson Martins confirma que o Correio do Estado lhe apoiava: O jornal Correio do Estado optou por nos apoiar naquela eleição. Seus administradores viram em nossa candidatura a melhor opção para governar o Estado 7. Em relação aos candidatos Wilson Fadul e Antônio Carlos de Oliveira, estes tiveram pouquíssimo destaque no jornal durante o processo eleitoral. Antônio Carlos, foi destaque antes do início da campanha, quando travou uma intensa batalha com os tribunais para ter sua candidatura aceita, já que não possuía os 35 anos exigidos na Constituição Estadual para ser candidato a governador. Isso só foi possível graças a uma Emenda votada pela Assembléia Legislativa. Em junho daquele ano, o petista em pronunciamento na Câmara dos Deputados, fizera denúncias a respeito de funcionários fantasmas no Estado, o que foi divulgado em ampla matéria pelo jornal. Sobre Wilson Fadul, a notícia de maior destaque estava relacionada ao lançamento de sua candidatura pelo 7 MARTINS, Wilson Barbosa. Entrevista. Campo Grande, 27 jan Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

126 CHAGAS, Wagner Cordeiro 126 PDT e a importância que teria a região da Grande Dourados em sua campanha, devido ao histórico reduto petebista que fora aquela localidade nos anos 1950, 1960, por conta da implantação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND) no final dos anos 1940 na gestão do presidente Getúlio Vargas. As outras matérias de pouco destaque, indicavam que os sul-mato-grossenses teriam três opções oposicionistas para governador naquele ano. Ao se aproximar a data da eleição, um editorial do dia 11 de novembro revela uma visão totalmente inversa do que há alguns meses o jornal vinha divulgando sobre o governador e sua gestão: Não há um dia da semana que o Governador Pedro Pedrossian não esteja inaugurando obras e não há um só município do Estado em que não esteja fazendo alguma coisa. Para o seu governo não há municípios grandes ou pequenos, pobres ou ricos, filhos ou enteados. Em todos põe a marca do seu dinamismo, o desejo de construir e fazer progredir. Em apenas dois anos de governo acionou a sua alavanca de impulsão na busca do tempo perdido. E o faz de tal maneira que muitos ficam imaginando o que teria sido realizado se estivesse governando desde o dia da instalação, como pretendia o Presidente da República, mas de fazer em razão do veto dos políticos que mandavam no partido oficial e que hoje, justamente porque ele foi chamado à revelia de sua vontade, integram-se no maior partido de oposição [...] Estamos com o orçamento do Estado em mão e por ele verificamos que as entradas de capital provenientes de crédito e empréstimos foram relativamente pequenos até agora. Por isso ficamos a pensar que milagres de equilíbrio estará fazendo o Governador para conseguir essa verdadeira multiplicação dos peixes, quando seus antecessores, homens reconhecidamente honestos e capazes, muito pouco puderam realizar. Pedrossian é mesmo um administrador com singular capacidade de realizar. E por isso mesmo, temos ouvido, de dezenas de pessoas, que seria, se quisesse aceitar, um candidato imbatível para o Executivo Estadual, em 1986 (AS obras de Pedrossian. Editorial. Correio do Estado, Campo Grande, 11 nov. 1982, p. 2). É estranho esse posicionamento do editor do jornal, pois fica claro uma mudança radical no discurso sobre o governo Pedrossian, muito diferente do que se declarava nos meses de lançamento das candidaturas. Seria uma estratégia dos empresários devido a proximidade do dia da votação e certa preocupação em ver eleito o candidato governista, o que poderia complicar a situação das propagandas governamentais a partir de março de 1983? Essa é uma pergunta ainda sem resposta. No dia 15 de novembro, o destaque do Correio do Estado é para os quatro candidatos a governador: Correio do Estado. Campo Grande, 15 nov. 1982, p. 2. Fonte: acervo Correio do Estado. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

127 CHAGAS, Wagner Cordeiro 127 Para o resultado final, utilizou-se uma matéria de capa para apresentar a vitória de Wilson Barbosa. Correio do Estado. Campo Grande, 22 nov Fonte: acervo Correio do Estado. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

128 CHAGAS, Wagner Cordeiro 128 Considerações Finais É possível dizer que a análise do discurso da imprensa implica realizar uma tarefa minuciosa para se ter a mínima noção de como ela se articula em um curto espaço de tempo. No caso do Correio do Estado e a sua atuação ao longo do primeiro governo Pedrossian e no período da campanha eleitoral de 1982, visualiza-se que este órgão foi bem flexível em sua tarefa de noticiar os fatos políticos daquele momento, ora defendia o governo pedessista, ora combatia. Nesse curto ensaio ficou claro como a grande imprensa lida com o poder político e se move para sua própria sobrevivência. No caso do Correio do Estado, acredito que já é quase uma tradição o modo com que ele se flexibiliza em relação aos governos que já comandaram Mato Grosso do Sul. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

129 CHAGAS, Wagner Cordeiro 129 REFERÊNCIAS BIASOTTO, Wilson Valentim & TETILA, José Laerte Cecílio. O movimento reivindicatório do magistério público estadual de Mato Grosso do Sul: Campo Grande: UFMS, BITTAR, Marisa. Estado, educação e transição democrática em Mato Grosso do Sul. Campo Grande: UFMS, FLEISCHER, David. As desventuras da engenharia política: sistema eleitoral versus sistema partidário. In: FLEIS- CHER, David (org.). Da distensão à abertura: as eleições de Brasília: UNB, MARTINS, Wilson Barbosa. Memória: janela da história. Campo Grande: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Quando o MST é notícia. Dourados: UFGD, SILVA, Eronildo Barbosa da & OLIVEIRA, Tito Carlos Machado de. Do MDB ao PMDB: quarenta anos de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: Oeste, TOALDO, Ciro José. O novo sindicalismo e a mobilização dos professores da rede pública estadual sul-matogrossense: avanços e rupturas (1979/1992) Dissertação (Mestrado em História) UFMS, Dourados. JORNAIS POSITIVO o 1º ano de Pedro. Correio do Estado, Campo Grande, 19/20 dez. 1981, p. 1. POVO já fala do caos no Estado. Correio do Estado. Campo Grande, 27 abr. 1982, p. 2. DE Parque a sonho dos Poderes. Correio do Estado, Campo Grande, 22 abr. 1982, p. 7. PDS aceita imposição; José Elias é o candidato. Correio do Estado, Campo Grande, 1º e 2 maio 1982, p. 3. Falido, MS está parando (Correio do Estado. Campo Grande, 25 maio 1982, p. 1). POLÍTICOS taxam de maldosa notícia de falência do MS. Correio do Estado, Campo Grande, 26 maio 1982, p. 3. O curral e a censura. Correio do Estado, Campo Grande, 12/13 jun. 1982, p. 3. RESULTADO favorece os oposicionistas. Correio do Estado, Campo Grande, 14 jun. 1982, p. 3. MS encabeça a lista de defecções no PDS. Correio do Estado, Campo Grande, 19 jul. 1982, p. 3. PMDB tem a saída para crise estadual. Correio do Estado, Campo Grande, 2 set. 1982, p. 3. AS obras de Pedrossian. Editorial. Correio do Estado, Campo Grande, 11 nov. 1982, p. 2. OS quatro candidatos a governador. Correio do Estado, Campo Grande, 15 nov. 1982, p. 2. WILSON é o governador. Correio do Estado, Campo Grande, 22 nov Capa. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

130 ISSN: RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO Célio Antonio dos Santos Daniela Cristiane Ota Resumo Retextualização é um tema recorrente em estudos linguísticos que procura enfatizar a diferença entre transcrever e retextualizar. Neste artigo pretende-se estudar e questionar a ideia de que a escrita tem primazia sobra a oralidade, visto que nem sempre as sociedades modernas e ditas letradas abandonaram, ou não reconhecem em seus processos de comunicação, marcas da oralidade. Pretende-se estabelecer as principais características de texto escrito versus oral e de língua falada versus escrita. Ao se pensar o texto do rádio como apenas oral, esquece-se de que antes disso ele foi concebido na forma escrita para depois ser lido. Portanto o processo de retextualização se dará em dois momentos da concepção do texto radiofônico. Palavras-chave: : Jornalista, Trabalho, Newsmaking Trabalho apresentado no Iº Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/11/2012, Unigram/ Dourados/ MS.v Mestrando em Comunicação pela UFMS, célio.santos@ufms.br. Professora Doutora do Departamento de Jornalismo da UFMS, daniela.ota@ufms.br. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

131 SANTOS, Célio Antonio 131 Introdução Ao longo dos anos, o Rádio tem sido objeto de estudos e pesquisas que abordam os mais variados temas que envolvem sua estrutura, linguagem, história, programação, conteúdo, estética e etc. A maior parte deles contribuiu, ou contribui, para a formação de referências teóricas ou estabelecimento de paradigmas norteadores de estudos subsequentes ou práticas de ensino no que tange ao conteúdo das disciplinas aplicadas ao rádio, como objeto de pesquisa ou como veículo. Uma das características mais marcantes do rádio é sua linguagem 4, ou a forma como se fala através dele. Um conjunto de elementos que, quando acionados, dão ao rádio o status de veículo de comunicação de massa que melhor expressa proximidade e intimidade com seu público. O falar no rádio desperta sentimentos criados a partir do imaginário suscitado pelo locutor. O ouvinte é constantemente convidado a criar suas próprias imagens para cada evento enunciado. Neste cenário, a produção de texto para o rádio requer do redator, além de pleno conhecimento da língua, habilidade no uso de termos e expressões que darão ao texto características da oralidade, por mais que se saiba que o que está sendo falado, na maioria das vezes, está escrito. A retextualização de um texto para o rádio passa por dois processos: um acontecimento que foi relatado em forma de nota ou notícia e a leitura do texto acabado, feita pelo locutor, no formato exigido para o rádio. O texto jornalístico para o rádio deve obedecer a determinados critérios que dão a ele a condição de um texto oralizado, mesmo sendo escrito. A dinâmica do texto escrito deve atender a expectativa de quem lê (o locutor/apresentador) e de quem ouve (o ouvinte/receptor) quando ambos esperam uma descrição acessível e facilmente compreensível do fato descrito. Porém, antes de abordar o texto no rádio e suas perspectivas teóricas, se faz necessário nos ocuparmos de um estudo breve sobre oralidade e escrita. Fala oralizada versus escrita O ser humano se distingue dos demais seres vivos por ter desenvolvido mecanismos conscientes para estabelecer comunicação com seu semelhante. Prova disso é que a linguagem sempre foi considerada a mais rica forma de arte humana, pois que a distingue da criação animal. (MCLUHAM, 1969, p. 98). A linguagem aqui citada, é o conjunta da habilidades humanas para se comunicar, seja pela oralização ou pela escrita. Durante muitos anos defendeu-se a tese de que a escrita, como resultado de um processo de desenvolvimento do ser humano, estaria em posição superior à oralidade. Para alguns estudiosos, as sociedades que desenvolveram a escrita como uma das formas de relação/comunicação entre seus membros estariam em um estágio mais avançado do que as que se mantiveram ligadas às tradições orais. De fato a escrita surgiu como um processo e uma consequência do desenvolvimento do pensamento humano. 4 A linguagem radiofônica é definida por Armand Balsebre como o conjunto de formas sonoras e não sonoras representas pelos sistemas expressivos da palavra, da música, dos efeitos sonoros e do silêncio, cuja significação vem determinada pelo conjunto dos recursos técnicos/expressivos da reprodução sonora e o conjunto de fatores que caracterizam o processo de percepção sonora e imaginativo-visual dos ouvintes. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

132 SANTOS, Célio Antonio 132 O homem passou a depender da escrita para registro de suas descobertas e garantia da propriedade privada, bem como a certeza de que sua história seria repassada a seus descendentes exatamente como aconteceu, sem a interferência do orador/contador. Biber afirma que: [...]a introdução da escrita no mundo foi um feito notável e correspondeu a transição do mito para a história se nos apoiarmos na realidade dos documentos. Foi a escrita que permitiu tornar a língua um objeto de estudo sistemático. Com a escrita criaram-se novas formas de expressão e deu-se o surgimento das forma literárias. Com a escrita surgiu a institucionalização rigorosa do ensino formal da língua como objeto básico de toda formação individual para enfrentar as demandas das sociedades ditas letradas. (BIBER, 1988 apud MARCUSCHI, 2010, p. 29). Alguns pesquisadores, como Walter Ong (1992) e Jack Goody (1977) (apud MARCUSCHI, p17) defenderam durante algum tempo a tese da grande virada cognitiva representada pela introdução da escrita. Para estes autores, nossa capacidade de raciocínio e o desenvolvimento tecnológico seriam impensáveis se não tivéssemos desenvolvido a escrita. Porém esses argumentos hoje não se sustentam, tanto que os próprios autores os abandonaram em detrimento de uma visão amplamente difundida de que não existe superioridade da forma escrita sobre a oralidade. Mesmo as sociedades altamente letradas ainda conservam marcas de oralidade em sua estrutura linguística. Marcuschi (2010. p17) afirma que oralidade e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não suficientemente opostas para caracterizar dois elementos linguísticos nem uma dicotomia. Uma das principais marcas da oralidade nas sociedades consideradas mais avançadas é a comunicação pela internet, os famosos bate-papos. Quando tecla uma pessoa emite uma mensagem escrita, porém com características da oralidade. Para Marcuschi (2010, p. 18)...algumas das propriedades até há pouco atribuídas exclusivamente à fala, tal como a simultaneidade temporal, já são tecnologicamente possíveis na prática da escrita à distância, como o uso do computador. Portanto podemos concluir que não existe primazia da escrita sobre a fala mesmo nas sociedades modernas, que disponibilizam de vasto e complexo arsenal tecnológico no uso da língua. Também não se pode concluir que as sociedades desenvolvidas a partir da escrita não têm esta forma de uso da língua como fundamentais em suas relações sociais. O letramento 5 nessas sociedades não se dá apenas pela alfabetização, ou letramento pedagógico, mas também como fruto das relações sociais e culturais que leva indivíduos, mesmo que analfabetos a reconhecer determinados símbolos e signos típicos de uma comunicação visual ou escrita. Neste sentido Street (1995, apud MARCUSCHI, 2010, p. 15) sugere usarmos o termo letramentos, já que para ele se manifestam como eventos em que a escrita, a compreensão e a interação se acham inteiramente imbricada. Na teoria de Marcuschi (2010, p19) a sociedade apresenta sinais de letramento no sentido em que, de certa forma, aqueles que participam das atividades sociais e culturais no meio em que vivem exercem algum tipo de leitura: a escrita é usada em contextos sociais básicos da vida cotidiana em paralelo direto com a oralidade. 5 Letramento, segundo Magda Soares, é o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter se apropriado da leitura e da escrita. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

133 SANTOS, Célio Antonio 133 Neste contexto estabeleceram-se vários estudos que se ocupam das relações entre a fala oralizada 6 e a escrita. A perspectiva das dicotomias, que de certa forma opõe as duas modalidades de uso da língua, privilegiando a escrita como a forma de se estabelecer regras para a aplicação do que se chama norma culta. Esta é uma abordagem da língua, defendida pelos gramáticos. Apesar de haver pensadores que aceitam, nesta perspectiva, fala e escrita dentro de um contínuo, seja tipológico ou da realidade cognitiva ou social (MARCUSCHI, 2010, p. 27), a maior parte deles analisam fala oralizada e escrita na perspectiva das dicotomias estritas, ou seja, uma análise centrada no código. Esse pensamento restritivo das modalidades linguísticas baseia grande parte dos processo de ensino da língua, focando em uma única norma linguística, ou a chamada norma culta. Os principais elementos da dicotomia restritiva podem ser observados a seguir. Quadro 1. Dicotomias estritas Uma segunda tendência é a que Marcuschi chamou de visão culturalista, na qual seus principais estudiosos buscam identificar as mudanças que ocorreram nas sociedades em que se introduziu o sistema de escrita. Tais mudanças são analisadas do ponto de vista cognitivo, social e antropológico a partir da observação da natureza das práticas da oralidade versus escrita. E vai além quando desenvolve uma fenomenologia da escrita e os efeitos na forma de organização do pensamento e da produção do conhecimento. O quadro a seguir sintetiza as características deste modelo: Quadro 2. Visão culturalista Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

134 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 134 A perspectiva variacionista trata o papel da escrita e da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais e faz propostas específicas a respeito do tratamento da variação na relação entre padrão e não padrão linguístico nos contextos de ensino formal. (MARCUSCHI, 2010, p. 31). Nesta perspectiva não se faz uma oposição ou dicotomia entre fala e escrita, mas sim uma observação criteriosa das variedades linguísticas que ambas apresentam. O próximo quadro sintetiza as principais características das duas modalidades dentro daquilo que a perspectiva variacionista preconiza. Quadro 3. Perspectiva variacionista A quarta perspectiva, denominada sociointeracionista preocupa-se com os processos de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócio-hsitoricamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. (MARCUSCHI, 2010, p. 34). Este modelo entende que as modalidades linguísticas são construídas interativamente e sensíveis aos fenômenos culturais, e não como dadas ou estanques entre si, além de preocupar-se em estudar os gêneros textuais e suas aplicações na sociedade. O quarto quadro apresenta-se com importante diferença dos outros três, evidenciando a forma como esta perspectiva entende os dois modelos linguísticos como complementares, orientando-se numa linha discursiva e interpretativa. Quadro 4. Perspectiva sociointeracionista Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

135 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO RETEXTUALIZAÇÃO E SUAS IMPLICAÇÕES Retextualização para Marcuschi não é a simples transcrição de uma forma (oralizada) para outra (escrita). Trata-se de um complexo processo de transformação de um texto pensado e dito na forma oralizada, em um texto escrito, sem que este processo altere o sentido construído a partir do enunciado oralizado. Para que isso aconteça é necessária a observação de que não existe primazia de uma forma sobre outra. Ou seja, é preciso entender que a forma oral da língua não está em posição inferior à forma escrita, mas sim que ambas têm aspectos distintos, mas nada que torne uma superior a outra. Não se pode pensar que a forma escrita da língua goza de uma organização estrutural, enquanto a oralização é o caos, sem nenhuma sistematização em sua formulação. O autor afirma que a passagem da fala para a escrita não é a passagem do caos para a ordem: é a passagem de uma ordem para outra ordem. (MARCUSCHI, 2010, p. 47). Há outro aspecto importante a ser considerado sobre as diferenças entre o texto escrito e o falado/oralizado. Cada um é capaz de carregar características próprias sem que isso demonstre ou certifique maior ou menor credibilidade para um ou para outro. Quando conversamos com outra pessoa deixamos marcas da nossa fala, sotaques, trejeitos e cacoetes que acumulamos com o passar do tempo, por uma série fatores. Sejam por questões culturais, sociais, cognitivas, ou mesmo em consequência de deformidades ou disfunções do aparelho fonador, nossas marcas ao falar nos caracterizam dentro do grupo social em que vivemos. As interrupções, falhas ou lacunas (elipses) no transcorrer do discurso são observadas por nossos interlocutores, porém na grande maioria das vezes a intenção de comunicar se completa. Há ainda interjeições ou repetição de termos intercalados nas frases. São marcas da oralidade que caracterizam cada indivíduo ao falar. Essas marcas não são repetidas quando da retextualização. McLuham (1969, P. 97) ao comparar a palavra falada e a palavra escrita afirma que... ao falar tendemos a reagir a cada situação, seguindo o tom e o gesto de nosso próprio ato de falar. Já o escrever tende a ser uma espécie de ação separada e especializada, sem muita oportunidade e apelo para a reação. A transcrição de uma entrevista para o jornal impresso, por exemplo, não leva em consideração tais marcas. O texto será elaborado a partir das regras elaboradas para a forma escrita da língua. A leitura seria dificultada se em um determinado texto escrito encontrássemos a todo momento a forma grafada, por exemplo, de ruídos provocados pelo rapar de garganta no meio de uma fala. Também as expressões faciais e corporais, bem como a gesticulação das mãos não são relatados na versão escrita de um texto que foi produzido originalmente na forma oral. O baixar dos olhos; o olhar distante ou penetrante; as expressões de dor, dúvida, contentamento, tristeza ou alegria; o cruzar dos dedos ou dos braços; o esfregar das mãos no rosto ou no cabelo; o movimento dos ombros ou dos pés. Tudo isso são marcas da oralidade no discurso, que não podem ser retextualizado para a forma escrita. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

136 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 136 As mesmas marcas são possíveis de ser encontradas no texto escrito. Pontuação, acentuação gráfica, parênteses, chaves, aspas são marcações dadas no texto escrito para identificar a intensidade da fala oralizada, as interrupções e as mudanças de tom ou de personagens durante um determinado discurso escrito. Quando lemos um texto escrito, por mais que este esteja reproduzindo oralizações, não dizemos os sinais gráficos porque, pelo conhecimento que temos do modo escrito de nossa língua, sabemos que quem ouve a leitura é capaz de compreender todo o texto por ser conhecedor da estrutura da língua na forma escrita. Mesmo que o ouvinte não domine ou não conheça profundamente o modo escrito da língua, ele compreenderá a mensagem porque quem lê o faz de maneira a interpretar todos os símbolos da escrita. O processo de retextualização deve levar em conta que ao passar um texto oral para escrito, quem faz este trabalho deve ter certeza de compreender o que foi dito, sob pena de alterar o sentido do texto inicial. Portanto, antes de qualquer atividade de transformação textual, ocorre uma atividade cognitiva chamada compreensão. (MARCUSCHI, 2010, p. 47). Oralidade e escrita são dois modos de se manifestar conteúdos linguísticos que não determinam se um indivíduo é mais ou menos capaz de formular e expressar pensamentos, seja de forma escrita ou oralizada. Escrever não aumenta a capacidade de conhecimento de um indivíduo, assim como quem não domina a escrita tem menor capacidade cognitiva. É claro que o indivíduo que domina a escrita tem maior acesso a determinados conhecimentos, mas não é garantia de um conhecimento melhor. Não é verdade, no entanto, que a fala é o lugar do pensamento concreto e a escrita o lugar do pensamento abstrato. Em resumo: a retextualização não é, no plano da cognição, uma atividade de transformar um suposto pensamento concreto em um suposto pensamento abstrato. Este mito da supremacia cognitiva da escrita sobra a fala já foi superado. (MAR- CUSCHI, 2010, p. 47). As atividades de retextualização são comuns e rotineiras no nosso cotidiano. Realizando atividades de retextualização até mesmo quando contamos um caso ou repetimos o que alguém disse estamos reformulando o que foi dito, e geralmente acrescentamos ou suprimimos partes do acontecimento de acordo com a nossa capacidade de relato em função, muitas vezes, da nossa compreensão sobre o assunto. A retextualização é mais comum quando feita de um texto oralizado para a forma escrita. As transcrições de falas oralizadas para a forma escrita é muito usada pelos profissionais de jornalismo, quando transcrevem a fala de um entrevistado para a publicação nos jornais, revistas ou sites de notícias. Em relação ao processo de retextualização, Marcuschi destaca quatro variáveis: a) o propósito ou objetivo da retextualização; b) a relação entre o produtor do texto original e o transformador; c) a relação tipológica entre o gênero textual original e o gênero da retextualização; d) os processos de formulação típicos da cada modalidade. Quanto ao propósito, dependerá do uso que se fará do texto escrito. Muitas vezes uma fala oralizada de maneira descontraída e informal será transformada em um texto informal. Ao passo que uma fala oralizada forma será trans formada em um texto forma. Quanto à relação entre o produtor do texto original e o transformador, muitas vezes o próprio emissor do discurso faz a transformação e isso interferirá no texto final já que tende a mudar totalmente o texto oralizado. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

137 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 137 Quando o transformador é uma outra pessoa a tendência é a manutenção da maior parte do relato oralizado. Mas, nos dois casos é sempre difícil esconder as marcas da oralidade no texto escrito. Quanto à relação tipológica é comum a transformação de um gênero textual oralizado para o mesmo gênero textual escrito. Este é o caso de uma narrativa oral que sofrerá menor interferência quando passado para o gênero narrativo escrito. Quanto aos processos de formulação, o autor destaca algo mais complexo e que de certa forma enfatiza e cofirma parte do que foi relatado até este ponto em relação às diferenças entre fala oralizada e escrita. Em resumo, trata-se da questão das estratégias de produção textual vinculadas a cada modalidade. Observe-se que quando se escreve (seja à mão, à máquina ou no computador) tem-se sempre a possibilidade de rever sem que esta revisão (ou correção) seja visível ao receptor da versão final do texto. Trata-se [...] de uma escrita neutralizada em que desparecem os vestígios da correção. já no caso da fala não temos outra alternativa senão a da neutralização pela metalinguagem que traz a correção como parte integrante do próprio texto oral. Assim os efeitos de maior perfeição e corretude da escrita e os efeitos da imperfeição e incompletude da fala não passam de uma característica dos processos estratégicos da formulação na produção e recebe soluções que não se correspondem quando se observa o produto final. (MARCUSCHI, 2010, p ). 3 - RÁDIO, O VEÍCULO DA ORALIDADE O rádio é considerado o primeiro veículo de comunicação de massa da história. Antes de o rádio tornarse realidade para a maioria da população ao redor do mundo a humanidade criou muitas formas de estabelecer comunicação. As pinturas feitas pelo homem das cavernas; a comunicação direta dos mensageiros ou o uso do pombo-correio; os sinais de fumaça; a carta. Várias foram as maneiras inventadas a partir das tecnologias desenvolvidas pelo intelecto humano para se chegar ao outro que não fossa da forma direta. Seria praticamente impossível pensar a evolução da humanidade sem a comunicação à distância. Sem as informações entre as nações, os povos, os governos e as empresas, não teríamos as notícias, muito menos os veículos de comunicação. O rádio surgiu como o primeiro meio eletrônico de difusão massiva de informação e entretenimento. As primeiras experiências com comunicação à distância a partir da emissão de ondas eletromagnéticas foram de vital importância para a consolidação da transmissão da voz humana sem o uso de fios. Desde as primeiras experiências do Padre Landell de Moura (1893/1894) até a indicação de David Sarnoff 7, em 1916, para a direção 7 Sarnoff enviou o seguinte memorando para a direção da empresa: Concebi um plano de desenvolvimento que poderia converter o rádio em um meio de entretenimento doméstico como o piano ou o fonógrafo. A ideia consiste em levar a música aos lares por meio de transmissão sem fios. (...) Poder-se-ia instalar, por exemplo, um transmissor radiotelefônico com um alcance compreendido entre 40 e 80 quilômetros em um lugar determinado em que seria produzida música instrumental ou vocal ou de ambos os tipos (...). Ao receptor poder-se-ia dar a forma de uma singela caixa de música radiotelefônica, adaptando-a a vários comprimentos de onda de modo que seria possível passar de uma a outra apenas fazendo girar uma chave ou apertando um botão. A caixa de música radiotelefônica possuiria válvulas amplificadas e um alto-falante, tudo acondicionado na mesma caixa. Colocada sobre uma mesa na sala, fazendo-se girar a chave escutar-se-ia a música transmitida (...). O mesmo principio pode ser estendido a muitos outros campos, como por exemplo, escutar, em casa, conferências, que resultariam perfeitamente audíveis. Também poder-se-ia transmitir e receber simultaneamente acontecimentos de importância nacional. (GIL, apud FERRARETTO, 2001, p 88) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

138 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 138 da empresa Marconi Company, antevendo o que seria a estrutura do rádio como veículo de comunicação de massa muita coisa se desenvolveu (FERRARETTO, 2001, p 88). Entretanto, a linguagem do rádio como a conhecemos hoje, somente se consolidou a partir da década de 30, como afirma KLÖCKNER. (2011, p 41). Nesse período criaram-se os radioteatros, as radinovelas, os programas humorísticos, os programas jornalísticos, as transmissões esportivas, os noticiosos, além de uma série de transmissões que privilegiavam a linguagem radiofônica ancorada na oralidade, na capacidade narrativa, no domínio e no incitamento das emoções. A partir deste momento o texto no rádio passou a ter importância fundamental para a consolidação do veículo como um poderoso instrumento de aproximação com o público. O rádio, ao contrário de outros veículos de comunicação, como, por exemplo, o jornal, estava ligado ao seu público pelo ouvido, portanto estabelecia uma relação de intimidade e de confiança. A inflexão e o modo certo de interpretar cada palavra traziam um significado, despertavam determinados sentimentos no ouvinte. (Idem). Desta forma, a estrutura do texto para o rádio mantém-se, ainda nos dias atuais, fortemente ligada aos fundamentos da oralidade, que segundo Gonzáles (1993, apud KLÖCKNER, 2011, p. 42) é uma forma de expressão, transmissão e acúmulo de informações do que é considerado socialmente relevante. Podemos inferir que, apesar de toda tecnologia envolvida no processo de produção radiofônica e sua informatização e eminente digitalização, a linguagem, ou a maneira de falar no rádio, dificilmente sofrerá alguma alteração significativa por conta dessa demanda tecnológica. Talvez a plataforma de produção do texto possa se alterar, como ocorreu com a máquina de escrever, substituída pelo computador. Porém o ouvido humano e a maneira como uma mensagem sonora é recebida e absorvida pouco provavelmente será alterada por uma determinação tecnológica. Neste sentido, a elaboração e divulgação do texto no rádio deverá continuar atendendo aos preceitos da oralidade. 4 - A RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: UM PROCESSO DE INTERPRETAÇÃO A retextualização no rádio se dará em dois momentos: quando acontece o relato de um fato e quando o fato é contado no ar pelo apresentador. No primeiro momento um determinado acontecimento chega ao conhecimento do repórter na redação. Seja através de sites de notícias, de jornais, revistas ou mesmo de um telefonema. Seja uma notícia escrita por outro jornalista ou dados colhidos direto de uma fonte. Qualquer que seja a origem, o modo de uso da língua ou o gênero textual, o importante é que este repórter irá redigir um texto contando o fato acontecido. Ao fazer isto ele executa o primeiro momento da retextualização aqui analisada. Para Marcuschi (2010, p. 48) a retextualização pode se dar da fala para a escrita, da fala para a fala, da escrita para a fala e da escrita para a escrita. Segundo o autor, fazemos estas operações diariamente quando repetimos ou relatamos o que Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

139 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 139 alguém disse, até mesmo quando produzimos as supostas citações ipsis verbis, estamos transformando, reformulando, recriando e modificando uma fala em outra (Idem). Após a redação, já obedecendo aos padrões para a veiculação através das ondas do rádio, o texto chega às mãos do locutor/apresentador. Podemos verificar aqui o segundo momento da retextualização do texto no rádio: o locutor/apresentador irá fazer a leitura do texto, emprestando a ele sua capacidade de interpretação durante a locução, imprimindo à leitura a entonação, ritmo, velocidade e a vibração que a leitura exigir. FERRARETTO cita a fala do jornalista Clóvis Paiva (Apud, AMARAL, 1986, p.150.), para quem o jornalismo no rádio adota a fórmula 3CV: clareza, correção, concisão e vibração como forma de manter a atenção do ouvinte para aquilo que está sendo narrado. Essas quatro características são fundamentais para o sucesso e repercussão do fato jornalístico. A clareza do texto irá permitir o bom desenvolvimento, deixando nítidas coerência e coesão. Ira facilitar a leitura por parte de locutor/apresentador no instante em que faz a retextualização, passando o conteúdo do modo escrito para o modo da fala oralizada. Por sua vez o locutor/apresentador deverá usar de clareza para falar ao ouvinte: sua voz deverá estar firma e sua pronúncia limpa. A correção e a precisão da informação darão credibilidade para o fato noticiado, estabelecendo uma relação de confiança do ouvinte com a emissora e o repórter ou locutor/apresentador. Seguir as regras mínimas da língua normativa na escrita não levará ao distanciamento do ouvinte pelo fato de que a linguagem radiofônica deve ser mais próxima da oralidade. Ao contrário, contribuirá para o bom entendimento do texto por parte do ouvinte, além de facilitar a leitura por parte do locutor/apresentador. Ser conciso não significa simplesmente encurtar uma notícia, mas informar o máximo possível com um menor número de palavras. O texto para o rádio deve evitar termos, expressões e conjunções desnecessárias para a boa fluidez. Ao escrever um texto jornalístico para o rádio é preciso sentar-se diante de uma máquina de escrever pensando que se vai elaborar um texto para ser ouvido, para ser contado, e não para ser lido. Esta atitudi facilitará a difícil tarefa de oferecer em poças frases, breves e simples, a mesma informação que o jornal ocupará vários parágrafos (...) (PRADO, 1989, p.29, apud FERRARETTO, 2001, p ) Não menos importante é a vibração no momento da leitura. O locutor/apresentador usará todo o seu repertório interpretativo (entonações) para dar vida ao texto, levando o ouvinte a criar suas imagens mentais. Não importa somente o conteúdo transmitido, mas também a maneira, a forma como a mensagem é radiofonizada. (KLÖCKNER, 2011, p. 41.) Para que se consiga alcançar êxito na tarefa de retextualização é importante a observação dos aspectos, já descritos, que envolvem tanto a língua falada oralizada, quanto a língua na forma escrita. O mais comum neste processo é a retextualização da forma oral para a forma escrita. As transcrições de entrevistas, conversas, pesquisas e outras formas da manifestação oral são objeto de estudo de vários pesquisadores que se ocupam do tema, inclusive o autor referência deste trabalho 8 que priorizou seus estudos no sentido de analisar a retextualização da fala oralizada para a escrita. 8 Luiz Antonio Marcuschi é pesquisador e professor titular de Linguística da Universidade Federal de Pernambuco. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

140 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 140 Porém, antes de ir ao ar o texto no rádio para por operações complexas e significativas no que tange à sua forma: trata-se de um texto escrito para ser oralizado. Estaríamos diante de um paradoxo: um texto é escrito para ser oralizado ao mesmo tempo em que, quando oralizado está na forma escrita? Ao ser redigido o texto segue as indicações de clareza, correção e concisão no que tange à sua forma escrita. Obedecendo a estes três critérios o texto escrito para o rádio atende os princípios básicos da linguagem radifônica, que de modo geral deve estar o mais próxima da oralidade. A simplicidade é a regra básica do texto radiofônico, preparado para um público genérico, ou seja, qualquer pessoa apta a ligar um receptor e sintonizar uma emissora. (FERRARETTO, 2001, p. 204). Após este passo, vem a leitura no ar. O locutor/apresentador será o responsável pela segunda retextualização: o texto escrito será agora oralizado, ou melhor, será interpretado. Não se trata apenas de uma leitura pura a simples. Trata-se de dar sentido a cada palavra dita no ar. O trabalho do locutor/apresentador assemelha-se ao de um ator, cujo trabalho não se está querendo reduzir a importância, com a diferença de que o que está sendo interpretado é a realidade, são os fatos que cercam o cotidiano do ouvinte: política, esportes, economia, violência, trânsito. BITTENCOURT (1989, p. 21, apud FERRARETTO, 2001, p. 309) afirma o seguinte, a respeito da atuação do locutor/apresentador: Na leitura de um texto jornalístico é preciso ser expressivo, sem ser emotivo. No momento em que se é emotivo, passa-se o interior, e automaticamente acrescenta-se alguma coisa ao texto, o que não é função do jornalista. O importante é apenas dizer o fato, mas é possível usar de alguma expressividade para ganhar a credibilidade do ouvinte. No momento em que está lendo (interpretando) um texto no ar, o locutor/apresentador usa o poder de sua voz para suscitar no ouvinte sentimentos que vão contribuir para a compreensão e absorção pelo ouvinte dos fatos noticiado. Dependendo da atitude do locutor/apresentador o ouvinte vai concordar ou não, aceitar ou não determinado ponto de vista ou opinião. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

141 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse aspecto, a retextualização do texto escrito para a forma oralizada dependerá do tipo de negociação psicológica entre o locutor/apresentador, o texto lido e o ouvinte. Como vimos retextualizar não é apenas transcrever um texto. Se assim o fosse, não teríamos a necessidade de escrever textos específicos para o rádio. Para levar informação aos ouvintes, bastaria que se lesse algo escrito no jornal. Como pudemos observar a retextualização envolve muito mais do que a transcrição do mesmo texto em modalidades linguísticas diferentes. Tal processo envolve uma gama de conhecimento adquiridos sobre o uso da língua em suas várias plataformas e gêneros textuais. Para cada forma, ou para cada ordem da língua, sua expressão leva em consideração os aspectos morfológicos que as fundam. Em cada ordem há uma determinada característica diferente da outra. Este fenômeno é o que nos leva a dizer o mesmo conteúdo de forma diferente, dependendo de que instrumento de comunicação estamos lançando mão: a fala oralizada ou a escrita. Não se pode fazer distinção entre uma e outra, sob pena de desprezarmos formas legítimas de manifestação da língua e consequentemente estaremos desprezando segmentos da sociedade que tradicional e culturalmente privilegia o uso de determinada ordem linguística ao se manifestar. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

142 RETEXTUALIZAÇÃO NO RÁDIO: A ORALIDADE E A ESCRITA NO MEIO ELETRÔNICO 142 REFERÊNCIAS BALSEBRE, A. A Linguagem Radiofônica. In: MEDITISCH, E. (Org). Teorias do Rádio: Textos e Contextos. Florianópolis, SC: Insular, 2005, p FERRARETO, L.A. Rádio: o veículo, a história e a técnica. 2. ed. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, KLÖCKNER, L. O Repórter Esso: A Síntese Radiofônica Mundial que Fez História. Porto Alegre: Edpucrs, MARCUSCHI, L.A. Da Fala Para a Escrita: Atividades de Retextualização. São Paulo: Cortez, MCLUHAM, M. Os Meios de Comunicação Como Extensão do Homem. 1. ed. São Paulo: Cultrix, SOARES, M. Letramento: Um Tema em Três Gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

143 ISSN: A nova onda do rádio em Três Lagoas Sidnei Carlos Santos Bonfim Ferreira Resumo As antenas de transmissões não são mais limitadoras do alcance das freqüências das emissoras de rádio em Três Lagoas. Seja na Freqüência Modulada (FM), ou na Amplitude Modulada (AM), as sete emissoras três-lagoenses migraram a programação para o universo on line e atingem hoje um público cada vez mais amplo e distante. Após uma pesquisa de campo pode-se constatar que outra característica é o pouco espaço cedido para o jornalismo. Migrar para a internet e se dedicar mais ao entretenimento têm sido a tendência desse veículo que perdeu espaço para a televisão e agora está reencontrando novas formas de alcançar o ouvinte Palavras-chave: : Gêneros radiofônicos. Rádios de Três Lagoas. Rádio na Internet. 1- Sidnei Carlos Santos Bonfim Ferreira é jornalista formado pela UniToleto/Araçatuba, professor universitário das Faculdades Integradas AEMS/Três Lagoas-MS e mestrando em Comunicação pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

144 FERREIRA, Sidnei Carlos Santos Bonfim 144 A nova onda do rádio em Três Lagoas O ano de 2012 é um marco para a história da radiofusão no Brasil. São 90 anos desde que o presidente Epitácio Pessoa fez o primeiro pronunciamento, via rádio, do Teatro Municipal, Rio de Janeiro, para centenas de pessoas que acompanhavam a transmissão do pico do corcovado, onde hoje está o Cristo Redentor. Em nove décadas houve muitas transformações e no presente momento, Três Lagoas, cidade do interior de Mato Grosso do Sul, vive o auge de parte dessas transformações. A principal delas, além da digitalização dos estúdios, é a migração para o espaço on-line. Esse novo suporte faz com que as emissoras ultrapassem as barreiras limitadas pela potência de suas antenas. Três Lagoas -MS Localizada na região Centro-Oeste do Brasil, a cidade integra o grupo de 11 outros municípios que formam o chamado Bolsão Sul-mato-grossense, uma região subdividida informalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Entre eles, Três Lagoas é a maior em número de habitantes, território, comércio, indústria e principalmente economia. Fundada em 1915, Três Lagoas tem hoje 97 anos de emancipação. Parte de seu crescimento e desenvolvimento econômico se atribui as suas personalidades políticas de grande influência no Estado e no País. Da cidade já foram projetados Deputados (Estadual e Federal), Ramez Tebet, Simone Tebet, Eduardo Rocha, Akira Otsubo, Governador Ramez Tebet e o Senador Ramez Tebet. A atual vice-governadora do Estado, Simone Tebet, também é filha de Três Lagoas. Mas foi a industrialização o divisor de águas desse potencial econômico. Em 1998 a cidade ganhou sua primeira indústria de grande porte, a fábrica de biscoitos Mabel. Depois a porta da industrialização foi se abrindo para inúmeras outras. As mais recentes são as fábricas de celulose e papel, International Paper e Fíbria, antiga VCP. Atualmente essas duas empresas que tiveram a pedra fundamental lançada em junho de 2016 estão em processo de ampliação. No momento, também em construção em Três Lagoas outra indústria de celulose. A Brasil Eldorado promete ser a maior fábrica do mundo nesse ramo, com previsão de ser inaugurada até dezembro de A pedra fundamental foi lançada em julho de Imprensa de Três Lagoas Devido seu crescimento industrial e consequentemente populacional, Três Lagoas também viu aumentar o número de veículos de comunicação nos últimos anos. Atualmente, são cinco periódicos impressos em circulação: dois diários (Jornal do Povo e Hoje MS), um semanário (Acontece) e dois quinzenais (Correio de Três Lagoas e Dia a Dia). São sete emissoras de rádio, quatro na frequência FM comercial: Cidade, Três Lagoas, Band e Cultura, uma comunitária Pantanal e duas AM: Disufora e Rádio Caçula. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

145 FERREIRA, Sidnei Carlos Santos Bonfim 145 Sites de notícias são pelo menos cinco em atividade: jptl.com.br, hojems.com.br, minutoaminuto.com.br, radiocacula.com.br e ainda perfilnews.com.br. Os dois primeiros sites são ligados aos veículos Jornal do Povo e Hoje MS, respectivamente. Emissoras de televisão existem três com equipes de jornalismo na cidade. Porém,apenas uma delas, TV Concórdia retransmissora da TV Cultura, tem programação local. As outras duas emissoras TV Morena e TV Campo Grande conta apenas com escritório em Três Lagoas e o material produzido pelas equipes são enviados para a rede estadual. Das sete emissoras instaladas na cidade, duas delas as mais antigas, operam no sistema AM (Amplitude Modulada) e as demais no sistema FM (Frequência Modulada). O que todas elas tem em comum é a simultânea transmissão pela internet, podendo ser ouvidas de qualquer lugar do mundo. Além de concorrerem entre si, por mais e mais ouvintes, nos dias de hoje ainda tem que competir com os modernos instrumentos de entretenimento, tais como MP3,4,5,6,7 etc, Ipad, Ipod e outros. Para segurar o ouvinte, seja pelo aparelho de rádio ou conectado na estação via on line, vale de tudo um pouco. A disputa por ouvintes fica acirrada através de promoções que vão de sorteio de ingressos para shows a prêmios de utensílios domésticos, como geladeira, televisão, DVD e jogo de sofá. Num país como o nosso, o rádio é muito mais do que o veículo das massas, universal e cósmico. Aqui, o radiojornalismo transcende a sua função meramente informativa para assumir-se como cimento, amálgama. Vínculo basilar. Jornal, revista, TV ou Internet nada se compara ao rádio. É o primeiro degrau de um processo por meio do qual o indivíduo torna-se plural, integra-se ao meio e começa a caminhada até converter-se em cidadão. Alberto Dines (1997) Gêneros Radiofônicos André Barbosa Filho (2003) é um dos poucos autores sobre o Rádio que traz em sua obra uma ampla caracterização do que sejam os gêneros radiofônicos. Ao todo, são sete gêneros identificados pelo autor: Jornalístico, Educativo-Cultural, Entretenimento, Publicitário, Propagandístico, Serviço e Especial. Nair Prata descreve com fidelidade em seu artigo Charaudeau e o discurso radiofônico a nomenclatura de cada um dos gêneros radiofônicos traçados por Barbosa Filho. 1- Gênero Jornalístico: nota, notícia, boletim, reportagem, entrevista, comentário, editorial, crônica, radiojornal, documentário jornalístico, mesas-redondas ou debates, programa policial, programa esportivo, divulgação tecnocientífica. 2- Gênero Educativo-Cultural: programa instrucional, audiobiografia, documentário educativo-cultural, programa temático. 3- Gênero de Entretenimento: programa musical, programação musical, programa ficcional, programete artístico, evento artístico, programa interativo de entretenimento. 4- Gênero Publicitário: spot, jingle, testemunhal, peça de programação. 5- Gênero Propagandístico: peça radiofônica de ação pública, programas eleitorais, programa religioso. 6- Gênero de Serviço: notas de utilidade pública, programete de serviço, programa de serviço. 7- Gênero Especial: programa infantil, programa de variedades. (PRATA, Nair, 2005, p.238) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

146 FERREIRA, Sidnei Carlos Santos Bonfim 146 Entre os sete gêneros radiofônicos traçados por André Barbosa Filho (2003), no livro Gêneros Radiofônicosos formatos e os programas em áudio, percebe-se a predominância do gênero de entretenimento nas emissoras treslagoenses. Tal gênero é caracterizado pelo autor como programa musical, programação musical, programa ficcional, programete artístico, evento artístico e programa interativo de entretenimento. O gênero jornalístico (nota, notícia, boletim, reportagem, entrevista, comentário, editorial, crônica, radiojornal, documentário jornalísticos, mesas-redondas, debates, programa policial, programa esportivo e divulgação tecnociêntifica), é pouco explorado, com exceção da Rádio Caçula AM. A maior parte da grade das emissoras é preenchida por programas musicais, são poucas que oferecem horário cativo para o radiojornalismo e algumas não chegam a cumprir nem mesmo os 5% da programaçãon bguyth54 com jornalismo exigido pela Lei de Só a cumprem quando inclui a transmissão do horário obrigatório A voz do Brasil, cuja duração tem uma hora. A briga pela audiência se concentra na parte da manhã, e não por acaso todas as emissoras exploram o carro chefe no período matutino. Esse é o caso da Rádio Cidade FM que integra o grupo SRC (Sistema Regional de Comunicação), de Nivaldo Franco Bueno da Rocha. O Bom Dia Alegria, com Marcelo Alencar, toma conta da programação das 8 às 11 horas. Já a Rádio 3 Lagoas FM tem como carro chefe um programa de Rede, Refazenda, com Alcides Bernal que vai ao ar das 5 horas até às 9 da manhã. A Rádio Cultura FM, a mais nova de Três Lagoas, elege o programa Casa Sertaneja, com José Augusto, das 8 horas ao meio dia, como o principal da grade. De todas, a que dedica menor espaço jornalístico é a Band FM com apenas dois flashes no período da manhã e outros dois a tarde. O Band Bom Dia, das 8 h ao meio dia, é o carro-chefe. A única emissora comunitária da cidade, a Pantanal FM, também prioriza o musical na grade de programação. A audiência é medida pelo número de participações no programa Rock Santos, de segunda a sexta, das 8h às 11 horas da manhã. Somente as emissoras AMs (Difusora e Caçula) exploram no período da manhã o jornalismo como principal atração. Há 19 anos o programa Toninha Campos é o carro chefe na Caçula AM que dedica quase todo espaço para ouvir os reclames da população e cobrar as reivindicações das autoridades. [...] a preocupação com os gêneros jornalísticos integra-se portanto, nesse esforço de compreensão daquilo que Todorov, no plano literário chama de propriedades discursivas. O que constitui um ponto de partida seguro para descrever as peculiaridades da mensagem (forma/conteúdo/temática) e permitir avanços na análise das relações socioculturais (emissor/receptor) e político econômicas (instituição jornalística / estado / corporações mercantis/ movimentos sociais) que permeiam a totalidade do jornalismo. (Barbosa Filho 2003, p.70) A seguir, um relato mais detalhado de cada emissora de Três Lagoas por ordem cronológica de implantação no município. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

147 A nova onda do rádio em Três Lagoas 147 Rádio Difusora AM Khz Fundada em 1º de janeiro de 1957, a emissora pertencia a um grupo de pelo menos 22 acionistas, entre eles José Lopes, o atual diretor/proprietário. Com o passar dos anos, Lopes que foi o último prefeito nomeado de Três Lagoas, foi adquirindo as partes dos sócios até tê-la por completo. Além de ser a mais antiga da cidade, é também a mais conservadora. Operando pelo sistema AM (Amplitude Modelada) a programação tem foco nas classes C, D e E. O momento de maior pico na emissora é das 10 horas até as 13 horas. Nesse espaço de tempo tem uma hora do programa Francisco de Andrade, que inicia às 8 horas da manhã e em seguida, às 11 horas entra no Ar o programa jornalístico A Tribuna Livre, com Adonildo Santos. Depois da Rádio Caçula, a Difusora é a que dedica maior espaço na programação para o jornalismo. Diariamente são 5 horas, incluindo A Voz do Brasil. Mas uma forte característica dessa emissora é o tempo destinado às igrejas. Quase três horas todos os dias. A maior parte fica com igrejas evangélicas que tem 2 horas e 15 minutos em horários diversos no decorrer do dia, de segunda a sexta-feira. A igreja católica é contemplada com 40 minutos diários (vide programação). Apesar de ser uma emissora conservadora, quanto ao público que atinge, bem como ao quadro de locutores velhos de casa, a Difusora anda lado a lado com a modernidade e toda programação também migrou para a internet onde é possível acompanhar on line pelo site todos os horários dos programas veiculados, bem como notícias e interatividade. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

148 A nova onda do rádio em Três Lagoas 148 Rádio Caçula AM Khz A emissora Rádio Caçula AM de Três Lagoas, fundada em 14 de novembro de 1959 pelo empresário Romeu de Campos, completou em 2012, 57 anos de história e tradição no município. A empresa foi criada pelo empresário aos seus 32 anos de idade, na época em que atuava como radio telegrafista dos Correios e tenente no Exército Brasileiro. Em 1970 a emissora ganha um novo sócio, Romeu de Campos Júnior, filho do proprietário. Na época, o nome da rádio era A Voz da Caçula LTDA. Este nome se deve ao fato que naquela ocasião Três Lagoas era uma das menores cidades do Mato Grosso, antes mesmo da divisão dos Estados. Em 1979 houve a divisão entre Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A empresa foi originalmente inaugurada em um prédio na Rua Paranaíba, em frente à atual agência do Banco do Brasil, em um estabelecimento de propriedade do empresário Ale Mustafa, onde possuía oficina de consertos de rádios. Por não possuir condições financeiras, construiu artesanalmente o primeiro transmissor da emissora que foi aprovado pelo então DENTEL e que funciona perfeitamente até os dias de hoje, e mantido pela emissora como relíquia. O local original das instalações dos transmissores permanece inalterado até os dias atuais na Lagoa Maior, onde posteriormente abrigou as instalações gerais da Rádio Caçula. Na grade de programação da empresa, Romeu de Campos sempre promoveu programas de auditórios, que tinha participação de seus ouvintes que assistiam e compartilhavam a recreação no auditório construído na própria rádio, quando a mesma funcionava em um prédio da rua João Carrato. Em 1993 a emissora passa por grandes transformações e reformulações no comando do casal Romeu de Campos Júnior e Toninha Campos. A primeira inovação foi a informatização de todo sistema interno. Nesse quesito, foi a pioneira do Estado. Foi nesse ano também que a direção da empresa adquiriu a primeira unidade móvel, um Fiat Fiorino usado. O falecido Wilson Alaman comandava as reportagens externas na área policial que eram de grande sucesso. André Luiz Benites foi outro destaque nos comentários diários da cidade. Com o crescimento da rádio, outros veículos foram comprados, como um Ford Fiesta 0 Km. Atualmente a emissora possui duas motocicletas -moto link- e outros dois veículos Fiat Uno 0 Km. A empresa também investiu em equipamentos de última geração ficando 100% digital. A Rádio Caçula AM de Três Lagoas também ficou conhecida pelo seu site de notícias br, que já é referência em várias cidades do País e um dos líderes em acesso em Mato Grosso do Sul. A emissora emprega atualmente 29 funcionários. Das 7 emissoras treslagoenses, é a que destina maior parte da programação para o noticiário jornalístico. O programa carro chefe e de maior audiência é o de Toninha Campos que vai ao ar de segunda sexta-feira, das 8h às 11 horas da manhã. A população participa diretamente com queixas e reclames dos serviços públicos e tem o retorno imediato. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

149 A nova onda do rádio em Três Lagoas 149 É um mix de jornalismo e entretenimento. Com os outros programas jornalísticos somam-se 7 horas diárias de informação precisa à comunidade. Rádio Band FM 93,3 Mhz Inaugurada em julho de 1987, na época com o nome de Concórdia FM, a Band é a emissora de Frequencia Modulada mais antiga de Três Lagoas. Ela integra o grupo RCN de Comunicação, da qual também fazem parte as emissoras Cultura FM (Aparecida do Taboado), Cultura FM (Paranaíba), Concórdia AM (Campo Grande), e Cultura FM (Três Lagoas). O diretor proprietário, Rosário Congro Neto, possui ainda o Jornal do Povo, a emissora local telivisiva TV Concórdia e Mídia Indoor. Entre as emissoras de Três Lagoas é a que dedica o menor espaço para o jornalismo. Não fosse o horário obrigatório da Voz do Brasil, conforme lei de 1962, dificilmente a Band FM cumpriria os 5% de jornalismo em sua grade. Durante todo o dia são apenas 4 boletins informativos de 1 a 2 minutos cada, dois veiculados pela manhã e os outros dois na parte da tarde. O restante da programação é com musicais. Um outro diferencial da Concórdia FM que passou a ser Band desde outubro de 1985 é que por ser retransmissora de uma empresa nacional, boa parte da programação vem da rede. A programação local é das 8h às 12h e das 14 às 19 horas. No ar há 32 anos, a Band FM está presente em mais de 700 municípios do Brasil pela Rede Band FM, atingindo cerca de 40 milhões de ouvintes. A rádio integra o Grupo Bandeirantes de Rádio, o maior grupo de emissoras do país. Com uma programação voltada ao público jovem, a Band FM apresenta os sucessos do pagode, samba, sertanejo universitário e também do pop nacional e internacional. A emissora é a rádio oficial dos principais eventos do Brasil, como a Festa do Peão de Barretos e o Carnaval de Salvador, além dos melhores shows e e micaretas do país. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

150 A nova onda do rádio em Três Lagoas 150 A pesquisa realizada pelo Instituto Tendência, em 2010, revelou que a Rádio Band FM é a mais ouvida de Três Lagoas. O levantamento foi realizado com base nas respostas de 952 pessoas entrevistadas, sendo que 31% citaram que costumam ficar sintonizados na FM Band, que existe na Cidade há 20 anos. Com relação somente a audiências das rádios que transmitem por ondas de Freqüência Modulada, a liderança da FM Band é absoluta, com 45,1% da preferência dos ouvintes, o dobro da rádio que ficou em segundo lugar (22,8%). A pesquisa revelou que a maioria dos seus ouvintes são mulheres (52,9%) e pertencentes à classe econômica C (60%). Também na era da modernidade, a emissora tem a programação veiculada por meio do site pertencente ao grupo RCN. Rádio Cidade FM 102,9 Mhz A segunda emissora mais antiga da Frequencia Modulada (FM) de Três Lagoas, a Cidade FM foi homologada em agosto de Ela é a 4ª emissora ligada ao Sistema Regional de Comunicação (SRC), um dos maiores grupos de comunicação do Estado de São Paulo. O SRC conta com um conglomerado de 12 emissoras de rádios, a maioria localizada na Alta Noroeste Paulista, um jornal diário O Liberal e mais um canal de TV Educativa, em Andradina. O diretor proprietário Nivaldo Franco Bueno faz participações diárias nos programas jornalístico com transmissão em rede para todas emissoras do SRC. Mas o jornalismo aqui tem um espaço de apenas meia hora nas primeiras horas do dia e mais 10 minutos na hora do almoço. Das 8h às 21h a emissora veicula Boletins Informativos de um minuto de hora em hora, totalizando 13 minutos. Bom Dia Alegria é o programa carro-chefe, conduzido por Marcelo Alencar, no ar de segunda a sábado das 8h às 11h. O público alvo tem faixa etária de 25 a 50 anos e está presente nas classes B e C. Para manter a audiência e o público cativo, o locutor apela para as promoções que dão prêmios aos ouvintes. A premiação vai de ingressos para shows, eletrônicos, celular e viagens. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

151 A nova onda do rádio em Três Lagoas 151 Com antena potente de 25 mil watts, não só Três Lagoas, mas várias cidades da região ficam sintonizadas na emissora. Por estar geograficamente em área de divisa de Estados, o público atingido está nas duas margens do rio Paraná que corta São Paulo e Mato Grosso do Sul. Em março de 2012 foi inaugurado oficialmente o novo estúdio 100% digital da rádio Cidade FM 102,9. A tecnologia aplicada pelo grupo SRC torna a Cidade FM a primeira rádio HD do Mato Grosso do Sul. O evento, realizado na sede da emissora, contou com a presença de diversas autoridades locais, como a prefeita de Três Lagoas, Márcia Moura, do presidente da Câmara Municipal, Nuna Viana, do delegado geral de Polícia, Marcos Carneiro Lima, do deputado estadual, Eduardo Rocha, entre outras personalidades. O novo estúdio tem o que há de mais moderno. São dois monitores de LCD, além de uma tela de alta definição, por onde o locutor acompanha a programação que está sendo exibida. O local foi montado para receber até dois convidados, que podem interagir com o locutor. Isso porque o novo estúdio 100% HD tem dois modernos microfones. Para ouvir a programação via on line basta acessar o endereço eletrônico br/ onde há link para ouvir não só essa, mas todas as outras emissores do grupo SRC. Rádio Pantanal FM 97,9 Mhz (Comunitária) Sob o nome fantasia Pantanal, a Associação Comunitária de Três Lagoas iniciou suas atividades radiofônicas no município em janeiro de As rádios comunitárias frequentemente enfrentam dificuldades, como a falta de recursos, de funcionários, e estrutura precária. A Pantanal FM, que é uma emissora comunitária, não foge a está regra. Instalada no centro de Três Lagoas, há dez anos, possui um período de transmissão relativamente curto se comparado às rádios comerciais, devido a ausência de locutores. A programação ocorre apenas das 6h às 19h. Os noticiários estão divididos ao longo do programa e a maioria mantém caráter de utilidade pública, isto é, busca de soluções para problemas da comunidade. Tal serviço é pouco explorado nas rádios que são conhecidas pelo público em geral. Outro fator diferenciado da Pantanal FM é a ausência de anúncios comerciais, como prevê a legislação da rádio comunitária no Brasil. A rádio é uma boa opção para aqueles que gostam do estilo sertanejo, uma forte característica da região, pois estão presentes durante quase toda a programação, a tarde e à noite. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

152 A nova onda do rádio em Três Lagoas 152 Por ser uma rádio comunitária há uma limitação de alcance das ondas sonoras. Para solucionar este problema foi criada a versão online da Pantanal FM, que é transmitida para todo o Brasil: Em 2010, a antena de transmissão da rádio Comunitária Pantanal FM caiu em cima da fiação elétrica. O acidente aconteceu no centro da Cidade, na rua Monir Thomé, esquina com a rua Oscar Guimarães, onde funcionava a estação de rádio. Dois carros foram atingidos por pedaços da torre e tiveram parte da lataria e vidros danificados, ninguém ficou ferido. O quarteirão onde estava instalada a antena ficou sem energia elétrica por algumas horas. Rádio Três Lagoas FM 101,7 Mhz Três Lagoas FM de Três lagoas faz parte da Rede MS Integração de Rádio e Televisão, criada em 2005 pelo empresário Ivan Paes Barbosa para integrar Mato Grosso do Sul através de um sistema de comunicação que abrangesse o maior número possível de municípios do estado. A primeira emissora da rede foi a Rádio Cidade FM 97.9, de Campo Grande, que é hoje uma das campeãs de audiência na capital. Em fevereiro de 1987 foi inaugurada a TV MS, retransmissora da Rede Manchete, responsável por um dos programas que mais ajudou a divulgar o nome de Mato Grosso do Sul no restante do país, a novela Pantanal, no início dos anos 90. Com a extinção da Rede Manchete, a TV MS passou a retransmitir, em 1994, a programação da Record. Em 2003, mais um passo no rumo da expansão. A antiga Rádio Transamérica FM, de Dourados, passa a fazer parte da Rede MS, com o nome de Rádio Cidade FM São feitos novos investimentos e o sinal da emissora chega com clareza e qualidade aos municípios da Grande Dourados e até a fronteira com o Paraguai. Mas a Rede MS quer mais e em junho de 2005 inaugurou a FM Três Lagoas para atender à população do município que está se transformando no maior pólo industrial do estado. A Bonito FM, entrou no ar em junho de 2007, É A primeira emissora de rádio comercial da cidade de Bonito, um dos principais destinos do turismo ecológico no Brasil. Hoje a as emissoras de rádio da Rede MS oferecem uma programação variada aos moradores de vários municípios, onde vive, praticamente, metade da população do estado. O sinal da televisão está presente em 23 municípios. Tudo isso para cumprir sua missão de integrar o estado através da informação, da prestação de serviço e do entretenimento de boa qualidade. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

153 A nova onda do rádio em Três Lagoas 153 A programação da emissora reserva apenas duas horas de jornalismo diário. Uma hora com o Noticidade (Rede e local) e mais uma hora da Voz d Brasil. Porém, o programa de maior audiência é o Refazenda, apresentado por Alcides Bernal, das 5h às 9 h da manhã, programa de Rede. A mistura de música sertaneja com boletins de utilidade pública coloca a programação como carro-chefe, mesmo sendo transmitido da capital. Rádio Cultura FM 106,5 Mhz Essa é de fato a emissora caçula de Três Lagoas, a mais recente implantada na cidade. A Cultura FM entrou no Ar no dia 09 de maio de 2007 pela freqüência: 106,5. A exemplo da Band FM, a Cultura também integra o grupo RCN de Comunicação. A grade de programação dedica somente 1h20 de jornalismo com produção local e mais uma hora da Voz do Brasil. O carro chefe da emissora é o Casa Sertaneja, apresentado no período matutino, das 8h ao Meio dia. Separando o público por faixa de idade, a pesquisa Tendência constatou que a FM Cultura, existente há apenas quatro anos, é a rádio que vem fazendo a cabeça do público jovem treslagoense. A maioria dos ouvintes com idade até 35 anos (80,4% ) afirmara que preferem a programação da Cultura. A pesquisa também revela que a FM Cultura é preferida das pessoas consideradas das classes econômicas A e B (42,3%). Esta segmentação do público demonstra que a rádio vem conseguindo alcançar seu objetivo, que é oferecer ao público ouvinte uma programação cultural diversificada e atualizada, focada em oferecer entretenimento e informação de alta qualidade. A participação do ouvinte nos programas diários é a peça chave para garantir a interação entre o público e a FM Cultura. Levar informação, educação, entretenimento, cultura, promover mobilização social e garantir a participação da comunidade, são as bandeiras da FM Cultura que se propõe a continuar norteando sua trajetória, acompanhando o progresso e desenvolvimento de Três Lagoas. Pelo site é possível acompanha a programação on line, a mesma veiculada pelas ondas do rádio. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

154 A nova onda do rádio em Três Lagoas 154 Considerações Percebe-se que a química entre o emissor (rádio) e o receptor (ouvinte) ainda é muito forte, mesmo em período de avanço tecnológico e concorrência de muitas outras mídias. O rádio precisou inovar em algumas áreas para não perder público, precisou migrar para a internet para não ficar restrita ao limite de alcance de sua antena. Mas esse veículo que poderia ser importante ferramenta de comunicação e informação, se destaca mais pelo entretenimento de suas músicas e interação entre locutor e ouvinte. O radiojornalismo não é o carro chefe das emissoras e pelo visto a tendência é que os profissionais da área de comunicação vão dispor de uma opção a menos para prática de suas atividades. A função que antes era executada por um jornalista hoje é substituída pelo próprio locutor musical que apenas retransmite informações lidas de jornais impressos ou até mesmo de páginas da internet. Sem apuração dos fatos e refém de fontes terciárias, o risco de acompanhar os erros produzidos por jornais aumenta gradativamente. Talvez a polêmica da não necessidade do diploma para exercer a função de jornalista contribui ainda mais com a banalização da notícia. Os locutores que meramente retransmitem o que lêem não demonstram compromisso algum com a verdade. Não é apenas o veículo o prejudicado, mas toda sociedade que muitas vezes depende dele para se informar dos acontecimentos do seu bairro, cidade ou região. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

155 A nova onda do rádio em Três Lagoas 155 Referências Bibliográficas BARBOSA FILHO, André, Gêneros Radiofônicos. São Paulo: Paulinas, 2003 BENJAMIM, Roberto, Globalização e Regionalização das Comunicações/ org. Cesar Bolaño. São Paulo: EDUC, 1999 PRATA, Nair, et al. Charaudeau e o discurso radiofônico. Teorias do Rádio Textos e contextos, São Paulo, v.1, p , set Sites consultados Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

156 ISSN: O DEBATE SOBRE O MILAGRE ECONÔMICO BRASILEI- RO NO JORNAL FOLHA DE DOURADOS Juliana dos Santos PEREIRA 2 João Carlos de SOUZA 3 Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS Resumo O milagre econômico consistiu em um período de alta da economia brasileira, entre 1970 e 1973, que proporcionou ao país o desenvolvimento do setor industrial, ampliação de sua infraestrutura e a modernização no campo, bem como na agricultura e pecuária. Temos como objeto de pesquisa analisar os efeitos desse período no município de Dourados, ainda no antigo sul de Mato Grosso, por meio da mídia impressa, especificamente pelo jornal Folha de Dourados. Palavras-chave: jornalismo, ciência, religião, Cuiabá, história, divulgação científica 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS. 2 Mestranda do 4º semestre do Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados. Bolsista CAPES. Juliana_ufgd@hotmail.com. 3 Orientador do trabalho. Professor Doutor da graduação e pós-graduação de História da FCH- UFGD. jsouza@ufgd. edu.br. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

157 PEREIRA, Juliana dos Santos 157 Introdução A realização deste trabalho tem por finalidade entender o poder que a imprensa possui, através de como representa fatos, formando e transformando opiniões. Esta pesquisa trata especificamente da imprensa da cidade de Dourados, no sul do antigo Mato Grosso. Trataremos o período do milagre econômico, que ocorreu no Regime Militar. A fonte principal de pesquisa será o jornal Folha de Dourados. O período compreendido entre 1970 a 1973 será o recorte temporal que nos basearemos. Nesses anos, a economia brasileira vivenciou um aumento considerável devido grandes incentivos do governo. Inúmeros eram os planos e projetos lançados, afim de que a economia alcançasse índices elevados. Neste momento, o governo permitiu também que o mercado externo instalasse no país suas empresas. Devido a isso, ocorreu de fato um crescimento, mas a renda obtida ficou nas mãos apenas de pequena parte da população brasileira. Neste contexto, quem governava o país era o presidente Emílio Garrastazu Médici. No momento em que o país vivia os anos do milagre econômico, vivia também os anos mais severos da Ditadura Militar, no que tange a censura. Para que o foco não ficasse voltado para as atrocidades da repressão, propagandeavam intensamente a alta da economia. Era preciso que a população ficasse informada de que o país estava vivendo anos de economia elevada, e que logo se tornaria um país desenvolvido, e a imprensa se configurou com uma das alternativas mais eficazes. Em muitos casos os fatos noticiados pela imprensa nem sempre são isentos de opiniões formadas por determinados grupos, e não raro os leitores acabam sendo influenciados a pensar da mesma forma como os autores das notícias. Evidentemente que não podemos generalizar tal afirmação, uma vez que a imparcialidade é imprescindível para o jornalista. No período do milagre econômico tal influência ocorreu de forma intensa. Muitos proprietários de jornais apoiaram o Golpe de Estado, ocorrido em 31 de março de Em suas pesquisas, Alzira Alves de Abreu demonstrou que muitos grupos ligados a União Democrática Nacional (UDN) conspiraram com os militares para efetuar o golpe. Como exemplo, podemos citar a família Mesquita, proprietária do jornal O Estado de São Paulo, assim como Roberto Marinho, dono de O Globo. (2002, p.13). Na região de Dourados, a situação não era inversa. Os jornais da cidade publicaram inúmeras notícias sobre o crescimento econômico do município, da região e do Estado. Diferente dos grandes centros, a economia da região de Dourados era baseada na agricultura e pecuária, recebendo assim muitos incentivos do Governo, como acesso aos créditos e programas de desenvolvimento destinados à região. A expressão milagre econômico não foi encontrada em nenhum dos exemplares analisados do jornal Folha de Dourados. Todavia, a partir das análises, constatamos que a região de Dourados sentiu a alta da economia, podendo isso ser evidenciado nas mais diversas páginas deste periódico. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

158 PEREIRA, Juliana dos Santos 158 Utilizamos como fonte de pesquisa para realização deste trabalho, as edições do jornal Folha de Dourados, especificamente as que correspondem aos anos de 1970 a As edições de 1968 a 2008 do referido jornal pode ser encontradas no Centro de Documentação Regional da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Seria possível usar a imprensa como documento histórico? Há algumas décadas os historiadores vêm se utilizando da imprensa como fonte histórica, sendo trabalhada como fonte principal ou auxiliar nas pesquisas. Todavia, quando analisamos o contexto anterior à década de 1970, percebemos que os jornais, por exemplo, recebiam certo desprezo como fonte histórica. Eram questionados pela sua suposta falta de objetividade, por fornecerem imagens parciais e distorcidas da realidade (LUCA, 2005 p.112). Não obstante, muitos historiadores utilizam tais periódicos como fonte para edificação de seus trabalhos, afim de adquirirem dados de fins econômicos, demográficos, ou para verificar aspectos sociais ou políticos de uma época determinada. Temos como exemplo o autor Gilberto Freyre, que por meio dos anúncios de jornais estudou diferentes aspectos da sociedade brasileira do século XIX (LUCA, 2005, p. 117). Tudo que é exposto nas páginas dos periódicos servem como fonte para pesquisas. Questões relacionadas ao meio social, policial, esportes, entretenimento, entre outros. São assuntos que em um primeiro momento servem apenas para informar, e que para os historiadores são objetos de pesquisa. Somando-se com as mais variadas fontes existentes, como depoimentos orais, fontes judiciais, arquivos policiais, dentre outros, os jornais podem, por exemplo, proporcionar um importante estudo sobre a classe operária da República Velha (LUCA, 2005, p.120). No nosso caso, nos proporcionou um estudo sobre a economia douradense nos anos do milagre econômico. Não somente a linguagem verbal dos jornais pode servir de fonte para estudo, mas também a não-verbal, como as imagens contidas em seu interior, servindo para discutir os quadros de representação social, os códigos de comportamento da sociedade e mais uma infinidade de aspectos. Ainda na perspectiva de Luca, a partir de pesquisas realizadas sobre as revistas Careta e Cruzeiro, a historiadora Ana Maria Mauad, por exemplo, valeuse da perspectiva histórico-semiótica da mensagem fotográfica para discutir os quadros de representação social e os códigos de comportamento da classe dominante carioca na primeira metade do século XX (2005, p.123). Ou seja, os jornais nos proporcionam uma imensidão de possibilidades em trabalhar-lho como uma fonte histórica. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

159 PEREIRA, Juliana dos Santos 159 A Imprensa no Brasil segunda metade do século XX Por volta de 1950, o monopólio da informação no Brasil era tido pelo o rádio e pela imprensa escrita. Na medida em que se iniciava, a imprensa não possuía recursos e dependia financeiramente do Estado, de pequenos anúncios populares e de publicidades das lojas comerciais. Com o passar do tempo, já no final da década de 1950, a imprensa foi se modernizando e algumas mudanças foram ocorrendo. Os noticiários se ampliaram, a grafia foi se aperfeiçoando, e os jornais adotaram a fotografia na primeira página, (Abreu, 2002, p.11). Diferentemente de como começou, o final da década de 1950 foi um período muito importante para imprensa, devido às diversas modificações que a mesma sofreu. Neste contexto, a imprensa passou por aprimorações lentas e gradativas. Na década de 1960, começaram alterações nas adaptações nos textos, na grafia, e no cuidado com as notícias, devido à censura do Regime Militar. Nesta época, a imprensa de forma geral, passou a dar destaque maior aos noticiários sobre economia, deixando um pouco de lado os temas relacionados a política, que eram minuciosamente vigiados pelos censores, para que nenhuma crítica ao governo fosse publicada. Nesta perspectiva, de acordo com Abreu, os temas políticos passaram a ser cuidadosamente censurados, enquanto a imprensa, com uma série de estratégias e artifícios, tentava denunciar a ação da censura (2002, p.15). Ainda conforme a autora, devido a repressão muitos jornais foram fechados pelo fato de não apoiar o Regime (2002, p.18). Entretanto, essa não foi a única causa do número elevado de desaparecimento de jornais e revistas na época, uma vez que muitos deles não conseguiam se sustentar, devido o preço do papel que estava muito elevado, conseqüência da crise que começava se alastrar no mundo no início da década de É importante ressaltar que a intensidade da censura não foi igual durante o período ditatorial. Ela se tornou mais rigorosa especialmente com a promulgação do Ato Institucional nº5, em 13 de dezembro de Neste período, alguns jornais foram invadidos e fechados. Contudo, diante do contexto repressivo, grande número dos jornais se utilizava de artifícios para mostrar que estavam sendo impedidos de exercer sua liberdade de expressão. Assim sendo, [...] nos espaços das matérias que haviam sido proibidas, alguns jornais e revistas publicavam receitas culinárias absurdas ou poemas (ABREU, 2002, p.15). Torna-se indispensável mencionar a existência de jornais que faziam críticas ao governo militar brasileiro. O jornal carioca Última Hora, foi um dos únicos que assumiu posição crítica frente às autoridades militares, demonstrando abertamente a favor de João Goulart, que apoiou as chamadas reformas de base e as reivindicações dos sindicatos e dos movimentos de esquerda (ABREU, 2002, p. 14). Lembrando que os militares derru- 4 Pessoas encarregadas pelo Governo para examinar publicações, peças teatrais, obras literárias entre outros meios de comunicação. 5 O Ato Institucional nº5, ou AI 5, foi o quinto decreto emitido pelo regime militar nos anos seguintes ao Golpe de Ele se sobrepunha à Constituição Federal, às constituições estaduais, dava poderes extraordinários ao Presidente da República e suspendia várias garantias constitucionais. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

160 PEREIRA, Juliana dos Santos 160 baram João Goulart para instaurarem a ditadura. O jornalismo econômico nasce na época em que a economia brasileira alcançava índices elevados, ou seja, no momento do milagre econômico. Surgem jornalistas especializados no assunto econômico, fato que não existia antes. As notícias passaram a ser acompanhadas de análises, diferente das antigas que eram notícias essencialmente financeiras ou comerciais, somente apresentando números, voltadas apenas para informações práticas. No governo do presidente Ernesto Geisel, período em que a censura foi mais amena contra a imprensa, os jornais e revistas, bem como toda a imprensa passaram a agir com mais desenvoltura em defesa do retorno da democracia. A partir da segunda metade da década de 1970, a censura passou a agir com menos rigor. Os telefonemas e avisos repressores às emissoras de rádio e TV passaram a diminuir. Nessa época, surgiam as notícias de que a crise se alastrava no Brasil e no mundo, particularmente a crise do petróleo, iniciada por volta de Na compreensão de Abreu, notícias sobre desemprego, fome, má distribuição de renda e críticas ao governo aos poucos se tornam freqüentes (2002, p.26). No que tange a televisão, podemos dizer que no início da década de 1950, o seu desenvolver-se estava em fase incipiente. Ainda de acordo com a autora, foi somente após os anos de 1970 que a mesma passa a se tornar um meio de comunicação em massa (ABREU, 2002, p.16). A primeira emissora do país foi a TV Tupi de São Paulo. Com o passar dos anos foi criada a TV Rio, e mais tarde outras emissoras, como a TV Globo no ano de A partir de análises e reflexões sobre a imprensa, é possível dizer que ela além de informar, também serve como um veículo de comunicação que muitas vezes induz e forma opiniões. Nem sempre as notícias são imparciais e neutras diante dos acontecimentos. Destacando os jornais, é possível notar a sua influência no meio social, ficando evidente nas notícias em que expressam opiniões claras, ou ao inserir imagens que causam impacto, formando e transformando opiniões de leitores. Para elucidar o que está sendo discutido, convém citar um artigo do jornal Folha de Dourados em que ocorreu esse tipo de ação. No artigo, intitulado de Fragelli, futuro governador do Estado, o jornalista expõe toda a satisfação daquela empresa jornalística quando o governador do estado de Mato Grosso, indicado pelo então Presidente da República, toma posse: Nós não telegrafamos, porque sempre estivemos e estaremos ao lado de Fragelli, e outros antigos companheiros de lutas, que permanecem de sentinela pela defesa da Pátria e direitos humanos, e liberdade democrática. Percebemos que, ao se posicionar a favor da figura do governador, desta- 6 Meios de comunicação de massa são os meios ou canais de comunicação usados na transmissão de mensagens a um grande número de receptores. Os mais comuns são os jornais, as revistas, o rádio, a televisão e, o mais recente, a Internet. 7 Fragelli, futuro governador do Estado. Folha de Dourados, Dourados, p. 01, nº. 114, ano III, 20 de junho de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

161 PEREIRA, Juliana dos Santos 161 cando os direitos humanos e a liberdade, induz, mesmo que indiretamente, o leitor a criar uma imagem positiva do governador. Não queremos afirmar o contrário do que diz a reportagem, mas apontar que as palavras do artigo induzem indiretamente o leitor a criar uma imagem positiva, baseando-se no que foi lido por ele. Quando é utilizada essas palavras: que permanecem de sentinela pela defesa da Pátria, procura também convencer a sociedade de que Fragelli seria um ótimo governador, assim como os anteriores. Era interessante fazer com que a população admirasse o novo governante, uma vez que o mesmo fora indicado pelo presidente da República. O debate do milagre econômico na Imprensa douradense Sob censura, a maior parte da imprensa durante a Ditadura Militar era controlada e se limitava em suas reportagens. Conforme mencionamos anteriormente, as críticas ao governo não poderiam ser feitas. Muito pelo contrário, o que realmente havia eram notícias exaltando-o. Havia um censor em quase todas as redações para supervisionar as reportagens, ou existia a autocensura até por parte dos próprios redatores. Em análises, percebemos nas edições do jornal Folha de Dourados, que muitas notícias eram publicadas enaltecendo o grande acontecimento que foi a Revolução de 64. A edição de 13 de março de 1971 publicou uma notícia que tinha por nome Ministro do Exército orienta comemorações de 31 de março, que ofereceu um explícito exemplo sobre isso: [...] a revolução democrática de 31 de março de 1964 constitui acontecimento do mais alto significado cívico patriótico para os destinos da nacionalidade brasileira, as comemorações no corrente ano [...] se constituirão em jornada de trabalho no qual todos os escalões do governo e em todos os setores participem de atividades em comunidade. Verificamos no artigo, que representava a fala do ministro do Exército Orlando Geisel, que o engrandecimento feito ao Governo era intenso, especialmente quando se fala que a Revolução constituiu um acontecimento do mais alto significado cívico-patriótico. Neste caso, muitas pessoas, principalmente os menos instruídos, acabavam sendo influenciados a pensar que a comemoração de 31 de março era um compromisso que tinham obrigatoriamente que participar. Entendia-se também seria comemorada uma revolução protagonizada pelos militares anos antes, mas sem entender claramente as causas dessa revolução. Ou seja, era um compromisso que a população devia cumprir em honra a 31 de março de 1964, que foi de fato o Golpe que acabava mais uma vez com o curto período democrático. No contexto nacional, a imprensa através de manchetes e notícias utilizava linguagens cifradas para transmitir informações proibidas. E muitas vezes a população entendia o que estava sendo transmitido, não o que 8 Ministro do Exército orienta comemorações de 31 de março. Folha de Dourados, Dourados, p. 03, nº. 148, ano IV, 13 de março de 1971 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

162 PEREIRA, Juliana dos Santos 162 se passava de fato na realidade. Sobre isso, cabe lembrar o texto de John B.Thompson no qual diz que devemos abandonar a idéia de que os destinatários dos produtos da mídia são espectadores passivos cujos sentidos foram permanentemente embotados pela continua recepção de mensagens similares (1998, p.31). Muitas eram as reportagens nos jornais e revistas sobre o crescimento da economia brasileira. Um exemplo pode ser observado em um artigo da Revista O Cruzeiro, de 24 de outubro de O artigo evidencia a confiança do presidente do Banco Nacional da Habitação (BNH) sobre o PIB brasileiro: Rubens Costa, entendido como é, não esconde sua convicção: o nosso Produto Interno Bruto se elevará a 200 bilhões de dólares em 1990 e a 400 bilhões no ano de O cálculo do Presidente do BNH é feito na base do crescimento auto-sustentado que o Brasil atingirá no final da década e levando em conta a expansão econômica de 7 % ao ano. Esse milagre na economia brasileira só tornou-se possível porque o empobrecimento do povo não significou uma estagnação. Havia renda, mas esta era mal distribuída, sendo muito nas mãos de poucos e pouco nas mãos de muitos. A concentração de renda cresceu, e houve também um achatamento salarial, considerado o maior na história do país, apresentando dessa forma um índice elevado de desenvolvimento. Mesmo gerando desigualdades, esse surto da economia foi capaz de beneficiar muitos setores de negócios, com facilidades de crédito, em que muitos puderam adquirir casas próprias e o primeiro automóvel. Nos grandes centros falava-se no crescimento das indústrias, da casa própria, automóveis, acesso fácil a créditos, e no próprio termo milagre econômico. Diferente, entretanto, do interior do país, em que o crescimento foi no ramo da agropecuária e da infra-estrutura das cidades. Nos artigos analisados, não percebemos a utilização do termo milagre econômico, somente reportagens sobre o crescimento alto da economia. A cidade de Dourados na década de 1970 era considerada uma importante produtora agrícola para a região do estado de Mato Grosso. Isso fica evidenciado nas palavras de Lori Alice Gressler e Kiyoshi Rachi: Em 1970, Dourados ocupava o 2º lugar no Estado, em produção extrativa vegetal e o 6º lugar em pecuária e agricultura. No ano seguinte, ou seja, em 1971, estava colocado em 5º lugar na arrecadação estadual e em 1º lugar entre os municípios da micro-região a que pertence. (GRESSLER e RACHI, 1976, p. 20). A população de Dourados era composta de migrantes provenientes dos estados do Nordeste, de São Paulo, de Minas Gerais, e uma parcela considerável do Rio Grande do Sul. Essa população veio para região trabalhar na agricultura. Conforme Gressler e Rachi de 1960 a 1970 a população da região praticamente triplicou, com certos extremos, de municípios nascentes, cuja população aumentou 18 vezes no mesmo período (1976, p.29). Constata-se que Dourados no período do milagre econômico já era considerado um importante produtor agrícola para a região, e com os incentivos do governo a tendência só foi melhorar. Além da agricultura, outro setor que se caracterizava como base da economia era a pecuária. 9 Revista O Cruzeiro, 24 de outubro de 1973, n. 43, p. 43, Rio de Janeiro. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

163 PEREIRA, Juliana dos Santos 163 Analisando os artigos publicados no jornal Folha de Dourados, percebemos a presença de inúmeros noticiários sobre a economia regional, subentendendo-se que de fato a região caminhava juntamente com a nação nos anos do milagre econômico. Analisemos uma reportagem intitulada Mato Grosso exportou mais de um bilhão em 72: 65% das exportações matogrossenses no ano de 1972 foram do setor da pecuária. Na pauta de exportações, em primeiro lugar fica a pecuária, em segundo a agricultura e ressaltando também a exportação de madeira bruta e industrializada. Percebemos, com a citação acima, que as exportações estavam com índices elevados, principalmente relacionados à pecuária. No setor da agricultura, temos como exemplo a exportação de soja e do mate. Conforme dados da época, o estado de Mato Grosso era considerado o maior produtor agrícola do Brasil, destacando a sua antiga região sul, na qual faz parte o município de Dourados. Enquanto nos grandes centros o milagre econômico era percebido pelos incentivos de grandes construções, como a ponte Rio Niterói, ou a construção da estrada Transamazômica, e também no setor industrial, no interior do país, especificamente no extremo sul do antigo Mato Grosso, o setor primário, caracterizado pela agricultura que recebia investimentos. No dia 05 de fevereiro de 1972, foi publicada uma notícia sobre empréstimos que o Governo faria aos agricultores. Na notícia Mais de 20 tipos de empréstimos à lavoura, é destacado que os empréstimos eram feitos de acordo com as necessidades de cada um, e que havia mais de 20 tipos de empréstimos, a fim de garantir o crescimento da produção agrícola. Os setores de infraestrutura também foram amplamente incentivados pelo governo. Com o apoio do governador José Fragelli, muitas rodovias foram construídas, no intuito de interligar municípios da região de Dourados e as zonas de produção agrícola. Muitas eram as notícias sobre essa questão, por exemplo, Mato Grosso: O maior produtor Agrícola do Brasil, da edição de 27 de abril de 1972, no qual diz que o governo de José Fragelli investe em construção de rodovias, em uma média de 4,5 quilômetros diários. A construção de rodovias era indispensável no que diz respeito ao desenvolvimento da agropecuária, uma vez que se torna necessário a escoação das mercadorias para os mercados consumidores. Essas obras eram feitas pelo governo do estado com apoio do Governo Federal, e as notícias publicadas procuravam mostrar à população as grandes obras públicas da época. Entre os anos de 1964 a 1972, a pavimentação da rede rodoviária federal brasileira foi quase triplicada, com construção de km de vias de interesse nacional, conforme observamos em um artigo do jornal Folha de Dourados, intitulado de Em oito anos o Brasil construiu km de rodovias, do dia 07 de outubro de Era importante que a população tivesse conhecimento das obras realizadas pelos governos, e neste caso a imprensa era o veículo utilizado. Os jornais, neste caso específico, levava a informação à população sem escolher classe social, grau de instrução ou 10 Mato Grosso exportou mais de um bilhão em 72. Folha de Dourados, p.05, nº. 337, ano VI, 20 de fevereiro de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

164 PEREIRA, Juliana dos Santos 164 distância, ou seja, assim como o rádio era um veículo de grande alcance, diferente da televisão que ainda estava em processo de popularização. Em contraste com o meio rural, nos grandes centros urbanos a capacidade da produção da indústria aumentava com o passar dos tempos, sobretudo pelo fato do Governo apoiar o investimento de capitais estrangeiros no país. Na obra de Chiavenato, constatamos que os militares privilegiaram as empresas estrangeiras para que buscassem investir no país: O governo militar preferiu associa-se ao capital estrangeiro, favorecendo políticas que estrangularam a indústria nacional. Indústrias obsoletas no exterior ou que já haviam exaurido o mercado de seus países foram transferidas para o Brasil, (...) em resumo, a política econômica do governo militar privilegiou as multinacionais: baixos salários, liberdade para remessa de lucros e incentivos fiscais (CHIAVENATO, 1994, P.89). Uma evidência disso são as reportagens que expressam o progresso das empresas estrangeiras no país. Tomemos como exemplo um artigo publicado no dia 30 de setembro de 1972, cujo nome era O papel da Volkswagen na comunidade brasileira. Analisemos: A grande aceitação dos veículos da VW resultou num interrupto aumento de produção e com isso o número de colaboradores multiplicou-se algumas dezenas de vezes. (...) Desta maneira, enquanto o salário mínimo da região (Grande São Paulo) é de Cr$ 268, 80, o mínimo da empresa é de Cr$ 439, 20, ou seja, 63% superior ao regional. O milagre econômico ao mesmo tempo que beneficiou o país devido ao grande desenvolvimento da economia nos três setores, foi também um acontecimento de grandes contradições. Para que a economia crescesse foi preciso, por parte do governo congelar salários dos trabalhadores, e a renda que ia se acumulando também se concentrava nas mãos de poucos. Nestes anos, a maior parte dos brasileiros vivia em situação de extrema pobreza. Ao mesmo tempo que o governo utilizava as mídias para exaltar o crescimento econômico, ele tentava mascarar a realidade por meio de propagandas. Ou seja, nada mais conveniente para o Governo do que usar a imprensa para esconder a realidade em que o país se encontrava. Como já foi salientado, muitas vezes a imprensa é capaz de persuadir através de palavras e imagens, caso não sejam examinadas com cuidado. No jornal analisado, do dia 24 de outubro de 1972, é possível notar como a política de desenvolvimento dos militares era enaltecida pelos políticos, como é o caso do senador arenista paulista Orlando Zancaner. Abaixo se encontra a fala do senador, que é passível de muitas análises e interpretações: 11 Mais de 20 tipos de empréstimos à lavoura. Folha de Dourados, p.02, nº. 195, ano V, 05 de fevereiro de Mato Grosso: O maior produtor Agrícola do Brasil, Folha de Dourados, p.02, nº.221, ano V, 27 de abril de Em oito anos o Brasil construiu km de rodovias Folha de Dourados, p.01, n.290, ano V, 07 de outubro de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

165 PEREIRA, Juliana dos Santos 165 O governo já ergueu pilares de desenvolvimento nacional, assegurando um lugar respeitável para o Brasil no conjunto das grandes nações, (...) e que é inegável o crescimento do mercado de capitais no Brasil cuja rápida evolução tem merecido inequívoco reconhecimento internacional, notadamente por aqueles que se interessam vivamente pela nossa economia e pelas causas geradoras do desenvolvimento do país. Conforme percebemos, a mídia foi de fundamental importância para que os militares pudessem tornar públicas idéias de que o país estava vivendo períodos de grande crescimento econômico, fossem através de jornais, de rádio ou da televisão. Martelavam-se os slogans otimistas, animando, encorajando, em mensagens positivas e ufanistas: Pra frente, Brasil; Ninguém mais segura este país; Brasil, terra de oportunidades; Brasil, potência emergente (REIS, 2002, p. 56). Houve de fato um crescimento significativo na economia brasileira no início da década de Contudo, a imprensa não mostrava o que havia por trás de todo crescimento, sendo a miséria um problema grave que assolava o país. Não é correto evidentemente afirmar que a imprensa por um todo agia desta forma. Havia meios de comunicação alternativos, como jornais e panfletos que denunciavam as atrocidades do Regime. Desta forma, podemos entender que existiam lacunas na imprensa da época, não negando é claro os conclaves políticos entre imprensa e Regime. Conforme já foi dito, a maioria dos brasileiros não foram beneficiados pelo milagre econômico devido à grande concentração de renda que decorreu dessa política. Desta forma, o governo criava mecanismos para ludibriar a população, para que essa não percebesse e questionasse a realidade da época. Uma das formas para que isso se tornasse possível, eram as notícias exaltando o suposto crescimento econômico, e também através de eventos promovidos, como concursos de misses, mostras de cinemas, entre outros. Tais eventos distraiam a população da realidade que viviam. Foi publicado no dia 13 de março de 1971, no jornal Folha de Dourados, um artigo sobre a inauguração de um cinema para a cidade. No artigo Cine Ouro Branco o mais moderno no Centro-Oeste, fala-se de instalações modernas, importadas e de primeira linha, tudo para oferecer conforto e entretenimento ao povo douradense. Segundo os cálculos que o jornal havia feito, foram empregados mais de 500 mil cruzeiros para implantação do cinema, que será o ponto de encontro da elite douradense. Ao mesmo tempo em que o artigo emprega o termo povo, ele também fala de elite. Mas ao utilizar povo, subentendemos num primeiro momento que o cinema era destinado a toda população douradense. Contudo, também se fala em elite douradense. Sendo assim, será 14 O papel da Volkswagen na comunidade brasileira. Folha de Dourados, p.03, nº. 287, ano V, 30 de setembro de O termo arenista designa o filiado do partido Aliança Renovadora Nacional (Arena). 16 Mercado de Capitais. Folha de Dourados, p. 01, nº. 297, ano V, 24 de outubro de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

166 PEREIRA, Juliana dos Santos 166 que esse espaço de sociabilidade (cinema) era destinado a todos, ou a uma pequena parcela da sociedade, ou seja, a elite (aqueles que detinham poder econômico e político)? Nesta oportunidade, não pretendemos responder a indagação, mas sim levantar essa problemática, que irá ser aprofundada em pesquisas futuras. Outro artigo também neste sentido é sobre a possibilidade de se adquirir um aparelho de televisão. Nesta publicação, de título Todos poderão ter seu TV com 70 cruzeiros mensais, de 26 de setembro de 1970, a população é informada de que já é possível adquirir o aparelho de forma simples, com preços e condições acessíveis, pela firma A ELETRÔNICA LTDA. Este artigo também evidencia a explosão de consumo de eletrodomésticos na época. Mesmo com toda essa explosão de consumo, percebemos que as condições que o Brasil vivia na época do milagre econômico eram assombrosas, pelo menos para maior parte da população, e cabia ao Governo ocultá-las, por meio de propagandas sobre o suposto crescimento da economia. Para tanto, como mostra Chiavenato: Em menos de cinco anos o milagre mostrou sua verdadeira face: a concentração de renda abusiva privilegiou uns poucos e afundou na miséria a grande maioria do povo. E provocou o mais violento processo de desnutrição da nossa história (CHIAVENATO, 1994, p. 92). Neste contexto, a partir da segunda metade da década de 1970, a censura passou a agir com menos rigor. Nessa época começaram a surgir na imprensa notícias sobre a crise que se alastrava no Brasil e no mundo. Conforme Abreu aponta, a imprensa publicava notícias sobre desemprego, fome, má distribuição de renda, e as críticas ao Governo aos poucos se tornaram freqüentes (2002, p. 26). Diante do que foi exposto, concluímos que o Governo se utilizou da imprensa para propagar o milagre econômico à população brasileira. Desta forma, entendemos que o modo como o período foi representado por grande parte da imprensa foi interessante para o Governo, fazendo com que sua imagem crescesse em méritos perante a sociedade, também formando e transformando opiniões de grande parte dos leitores. 17 Cine Ouro Branco o mais moderno no Centro-Oeste. Folha de Dourados, p. 06, nº. 148, ano IV, 13 de março de Todos poderão ter seu TV com 70 cruzeiros mensais. Folha de Dourados, p.06, nº. 129, ano III, 26 de setembro de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

167 PEREIRA, Juliana dos Santos 167 Considerações Finais Diante das fontes consultadas e bibliografias analisadas, pode-se dizer que alcançamos os objetivos propostos no projeto de pesquisa. Tendo como fonte principal o jornal Folha de Dourados, percebemos a forma com que as notícias eram construídas e transmitidas para a população douradense, especialmente acerca do milagre econômico e seus efeitos na região, como a construção de estradas, indústrias, incentivos agropecuários, aumento salarial, enfim, a questões que diziam respeito ao crescimento econômico. Não obstante, compreendemos que as publicações analisadas giravam em torno também da figura de políticos da época e do Estado brasileiro, quase sempre os enaltecendo. Por fim, destacamos também a relevância dos jornais enquanto fonte para os historiadores, auxiliando-os na compreensão do passado, e na constante aventura em se tentar desvendar histórias. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

168 PEREIRA, Juliana dos Santos 168 REFERÊNCIAS ABREU, Alzira Alves de. A modernização da imprensa, ( ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. CHIAVENATO, Júlio José. O golpe de 64 e a ditadura militar. São Paulo: Moderna, p. GRESSLER, Lori Alice; RACHI, Kiyoshi. Dourados: diagnóstico, planejamento, educação. Dourados: [s.n.], p. LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos, e por meio dos periódicos. In:PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, p REIS, Daniel Aarão. Ditadura Militar, esquerdas e sociedade. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. Revista O Cruzeiro. Rio de Janeiro, THOMPSON, John B. Comunicação e Contexto Social. In:. A Mídia e a Modernidade: uma teoria social da mídia. Vozes, cap. 1. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

169 ISSN: ANÁLISES DE JORNAIS E REVISTAS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA Bruno Augusto Amador Barreto 1 Resumo O artigo pretende apresentar uma proposta metodológica de análise para veículos impressos, quando o corpus da pesquisa é em grande quantidade, por meio de três categorias estabelecidas: Destaque, Alteridade e Agendamento. Com estas categorias pode-se analisar, quantitativamente, um conjunto complexo de fatores quantitativos, como planejamento visual gráfico, tratamento de informações e temas pautados pelos veículos. A técnica pode ser utilizada por pesquisadores interessados em analisar a cobertura de jornais ou revistas sobre determinados temas como pessoas, instituições, países, povos, objetos, dentre outros. Palavras-chave: Pesquisa em Comunicação, Análise de veículos impressos, Categorias: Destaque, Agendamento e Alteridade. 1 É doutor em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo/ Universidad Pontificia de Salamanca (Espanha), com MBA em Administração Acadêmica e Universitária pela Faculdade Pedro Leopoldo/Carta Consulta de Belo Horizonte/ MG, graduado e Mestre em Comunicação Social pela Universidade de Marília. Atualmente é Diretor de Planejamento de Ensino no Centro Universitário da Grande Dourados. brunoaabarreto@gmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

170 ANDRADE, Danusa Santana 170 PROPOSTA METODOLÓGICA A técnica quali-quanti de análise de veículos impressos surgiu durante a graduação do autor e foi aprimorada durante sua dissertação de mestrado. A idéia vem da necessidade de ter um método para investigar um grande volume de material, estudando períodos inteiros e possibilitando uma análise macro do todo por mais de um ângulo, especificamente, por meio da diagramação, do tratamento da matéria e do agendamento que ela possa causar. Para isso trabalha-se com as categorias de análises: Destaque, Alteridade e Agendamento Por meio destas três categorias analisam-se um conjunto complexo de fatores em mídias impressas, possibilitando desde análise do posicionamento de uma notícia na página à relação do veículo com o objeto estudado; de temas pautados aos subsídios para se compreender os fatos; do espaço dedicado a um tema à construção de sentido do veículo. Com a representação gráfica, fruto da tabulação dos dados desta técnica, tem-se um conjunto de resultados qualitativos sobre os aspectos levantados anteriormente. A técnica pode ser utilizada por pesquisadores interessados em analisar a cobertura de jornais ou revistas sobre determinados temas como pessoas, instituições, países, povos, objetos, dentre outros; de coberturas eleitorais a análises de representação de países em veículos específicos. Devido as características das variáveis de estudo realizadas por esta técnica, dentre elas a grande quantidade de informações, ela pode ser utilizada como método de coleta e interpretação de dados em Trabalhos de Conclusão de Cursos e Dissertações, devido o tempo reduzido para a pesquisa destes estudos. Esta técnica, uma vez assimilados as suas definições e formulas de tabulação, é um método prático e ágil de colher e interpretar informações. A seguir apresenta-se cada categoria, suas definições, quesitos e formas para tabulação dos dados. 2. DEFINIÇÃO DAS CATEGORIAS DE ANÁLISE 2.1. Categoria Destaque A Categoria Destaque afere o tratamento/planejamento visual gráfico que um determinado veículo de comunicação dedica a um tema e/ou objeto específico. Busca avaliar a mancha gráfica dedicada a certo tema e a sua localização na página impressa. Assim, considera-se dois quesitos para colher os dados desta categoria: espaço e posição. Analisando os quesitos espaço e posição de um determinado conteúdo em uma página impressa identifica-se o grau de importância que o veículo condicionou a um tema/objeto Quesito Posição Dois olhos manifestam a visão humana em movimento que assumem uma forma esferóide. Passar o olho sobre uma página impressa é mecanicamente natural, embora assumam traços seqüenciais que dão margem à orientação do planejador gráfico, manifestando a percepção dos detalhes. (KUNTZEL, 2003: 95). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

171 ANDRADE, Danusa Santana 171 A distribuição dos temas pelas páginas de um veículo impresso não é feita de maneira aleatória, considerar esta diagramação é o foco do quesito posição. A diagramação pode e deve ser utilizada como uma forma de guiar o olho do leitor. Para que isso ocorra da melhor maneira possível é necessário que saibamos identificar as áreas de uma página. (HORIE, 2001: 42). O lugar da página em que um determinado tema encontra-se mostra o grau de tratamento daquele fato ao veículo, baliza a leitura dos seus leitores. Numa página de jornal podem ser observadas as zonas de visualização. Quando alguém recebe uma comunicação escrita, uma carta, qualquer recado de um amigo, instintivamente sua visão se fixa no lado superior à esquerda do papel, pos estamos condicionados a saber o começo da escrita ocidental será sempre no lado superior esquerdo. (SILVA, 1985: 47). A percepção humana é extremamente visual os olhos em movimento buscam incessantemente obstáculos, para fixar o foco (KUNTZEL, 2003:97) e a fixação da leitura tende a ser em zonas estratégicas de uma página. Lugares onde os temas que o veículo deseja ressaltar são colocados. No diagrama abaixo tem-se as Zonas de Visualização apresentadas por Edmund C. Arnold em uma página impressa (KUNTZEL, 2003:98; SILVA, 1985: 49 e HORIE, 2001: 43 ): Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

172 ANDRADE, Danusa Santana 172 A zona 1 é a principal de uma página, primeiro lugar visto pelo leitor. A zona 2 é a secundária, direção da visão em um segundo momento. As áreas 3 e 4 são as chamadas zonas mortas, utilizadas para inserir informações de importância secundária. A posição 6 é o centro geométrico de uma página, no entanto, é na zona 5, centro óptico, que a visão tende a se fixar por um tempo maior; espaço reservado para fatos que o veículo deseja evidenciar. É importante considerar que a altura do centro óptico varia de acordo com a dimensão da página, dependendo da relação entre a largura e a altura.. (SILVA, 1985: 48). Para medir o quesito posição considera-se: as zonas 1 e 5 como áreas de alta exposição, 2 e 6 de média exposição e os espaços 3 e 4 de baixa exposição. Escala de medida adotada no quesito: Um fato que ocupe mais de um ponto, considera-se para medição o quesito de maior exposição. Por exemplo, uma reportagem que ocupe toda a parte inferior de um jornal, zonas 4 e 2, será considerada a área 2, ou seja, um assunto com exposição mediana Quesito Espaço No quesito espaço busca-se identificar a quantidade de mancha gráfica que o veículo impresso dedicou a determinado tema. Não se considera o conteúdo da informação, é estimado apenas o volume deste material. A unidade de medida em tipografia utilizada no Brasil é o ponto Didot, desenvolvido pelo tipógrafo e impressor francês, Francisco Ambrósio Didot, representado no sistema métrico um pouco menos que meio milímetro, cerca de 0,376 mm. (...) Existem outros sistemas de medidas tipográficas, tais como o sistema Fournier, criado também por um tipógrafo francês cujo nome é Pedro Simon Fournier, representado cerca de 0,350 mm, em uso ainda praticamente só na Bélgica. Contudo, o conhecido sistema de Fournier deu origem ao sistema de medidas anglo-americano, representado pela paica (pica), correspondendo o seu ponto gráfico a 0,351 mm. (SILVA, 1985: 93). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

173 ANDRADE, Danusa Santana 173 Estes sistemas de medidas tipográficas calculam milimetricamente a mancha gráfica de qualquer meio impresso como jornais, revistas e livros, sem margem de erro. No entanto, sua utilização é maior nas artes gráficas, na editoração e no design; para analisar o quesito espaço adota-se um sistema de avaliação simplificado, visto que as variáveis a serem medidas no arranjo gráfico não necessitam de dados milimetricamente calculados, estes não alterariam os resultados esperados. Espera-se deste quesito apenas a identificação do espaço geral que foi atribuído em determinado veículo a um ou mais temas e/ou assuntos. A escala a ser verificada pode ser feita por qualquer estudante de comunicação que tenha uma noção mínima de planejamento visual gráfico. Como escala de tamanho adota-se os conceitos: grande, médio e pequeno. Grande para conteúdos acima de oito parágrafos, com foto e/ou ilustração - exemplo: reportagens. O conceito de médio é atribuído para textos entre quatro e oito parágrafos, com ou sem foto e/ou ilustração - exemplo: notícias. Como pequeno considera-se as notas de um a quatro parágrafos, sem foto e/ou ilustração. Escala de medida adotada no quesito: Tabulação da Categoria Destaque Para chegar aos dados da categoria destaque é necessário reunir os resultados do quesito posição com os do quesito espaço. Os resultados da categoria são classificados como: Bom, Regular e Insuficiente. O conceito Bom é atribuído para as matérias que possuem: grande espaço e alta exposição; grande espaço e média exposição; espaço médio e alta exposição. Regular para: grande espaço e baixa exposição; médio espaço e média exposição; pequeno espaço e alta exposição. O conceito Insuficiente atribui-se para: médio espaço e baixa exposição; pequeno espaço e baixa exposição; pequeno espaço e baixa exposição. Para tabular a categoria utiliza-se a seguinte escala de medida: Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

174 ANDRADE, Danusa Santana Categoria Alteridade O Conceito O conceito de alteridade utilizado por esta categoria é compreendido com base no livro de TODOROV: A conquista da América: a questão do outro (1999). Na obra o autor mostra como são estabelecidas e criadas as relações com o Outro. Possibilitando, deste modo, aferir a condição ou a natureza que o outro adquire em um veículo impresso: Quero falar da descoberta que o eu faz do outro, o assunto é imenso. Mal acabamos em formulá-lo em linhas gerais já o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá e eu estou só aqui, pode realmente separá -los e distingui-los de mim. Posso perceber os outros como uma abstração, como uma instância da configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os normais. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que, contudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral e histórico, ou desconhecido, estrangeiro cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiro que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a mesma espécie (TODOROV, 1999: 3-4). Como mostra o autor, o princípio da relação com o outro pode ser entendido através dos seguintes pressupostos: 1) O outro é descoberto no eu; 2) Cada um dos outros é um eu também; e 3) Hesito em reconhecer língua e costumes que não compreendo ou que são distintos aos meus. A concepção e as relações com o outro são estudadas na categoria Alteridade por meio de uma análise que busca identificar a construção de imagem/significado de determinado tema/objeto pelos meios de comunicação impressos A Categoria A categoria Alteridade, como dito, avalia o tratamento dado à informação. Em uma analogia a TODOROV é estudado como os veículos impressos descobrem e/ou expõem o outro: temas e/ou objetos. Assim como na categoria Destaque, na categoria Alteridade dois quesitos são estipulados para identificar como os veículos versam/discorrem sobre algo, são: relação e subsídios. Esta categoria possibilita identificar a construção de sentido/significação de determinados temas por jornais ou revistas. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

175 ANDRADE, Danusa Santana Quesito Relação Neste quesito estuda-se as relações, tratamento, do veículo de comunicação com o referente reportado, se ele enaltece ou denigre, se é favorável ou desfavorável a um determinado fato. Para compreensão deste quesito faz-se necessário antes discutir a natureza dos signos lingüísticos. Natural ou convencional? Esta é discussão conduzida por Sócrates em Crátilo sobre a justeza dos nomes, de Platão; onde investiga-se a relação entre os nomes, as idéias e as coisas. A questão chave deste dialogo de três Crátilo, Hemórgenes e Sócrates é se a relação entre nome, idéia e coisa é natural ou depende de convenções sociais. Hemórgenes sustenta a tese de que os nomes são oriundos de uma convenção/acordo: (...) não existe nome dado à coisa alguma por sua natureza, tudo é convenção e hábitos dos usuários; essa é minha visão. (PLATÃO, 1999: 4). Já Crátilo, defende que os nomes possuem relação natural com as coisas que denotam: Representação por semelhança, Sócrates, é infinitamente melhor que representação por qualquer outro meio. (ibid.: 54). Mais adiante acrescenta: Eu acredito, Sócrates, que a explicação mais verossímil é que um poder superior ao homem deu às coisas seus nomes primitivos, de modo que estes são necessariamente justos. (ibid.: 58). Sócrates parece ser contraditório, ora dando ganho de causa a tese de Crátilo ora a de Hemórgenes, mas sempre esteve coerente tendo sua posição própria, mesmo que implícita no texto. Sócrates quer mostrar que a teoria de ambos estão corretas em certos aspectos, mas quer que descubram isso sozinhos, não entregando a chave da discussão de imediato. (BARRETO, 2007:3) A questão natural/arbitrária do signo foi suficientemente analisada em Crátilo 2 e nos teóricos que o sucedem. Trazendo a contenda aos nossos dias, em uma analogia a Crátilo, pode-se perguntar: as notícias são naturais ou arbitrárias? Possuem semelhanças ao objeto que denotam ou são fruto de convenções? E ai vê-se que a discussão, iniciada por Platão, nunca esteve tão atual. A cada dia mais valores, interesses e ideologias são agregados à informação, cada vez mais a convenção/acordo de grandes grupos de mídia pautam o noticiário - predominam sobre os fatos reais. Para buscar identificar o tratamento e a construção de significados, ocorrida nas relações objeto-veículo, mais uma vez utiliza-se da alteridade. Como visto o outro é sempre adotado com base no eu. Todavia, as relações com outrem nem sempre são iguais, não ocorrem em uma única dimensão. Podem ser divididas em três eixos: Para dar conta das diferenças existentes no real, é preciso distinguir em pelo menos três eixos, nos quais pode ser situada a problemática da alteridade. Primeiramente, um julgamento de valor (um plano axiológico): o outro é bom ou mau, gosto dele ou não gosto dele, ou, como se dizia na época [colonização], me é igual ou me é inferior (pois, evidentemente, na maior parte do tempo, sou bom e tenho auto-estima...). Há, em segundo lugar, a ação de aproximação ou de distanciamento em relação ou outro (um plano praxiológico): adoto os valores do outro, identifico-me nele; ou então assimilo o outro, impondo-lhe minha própria imagem; entre a submissão ao outro e a submissão do outro há ainda um terceiro termo, que é a neutralidade, ou indiferença. Em terceiro lugar, conheço ou ignoro a identidade do outro (seria a plano epistêmico); aqui não há, evidentemente, nenhum absoluto, mas uma gradação infinita entre os estados de conhecimento inferiores e superiores. (TODOROV, 1999: ). 2 PLATÃO. Crátilo. Versão traduzida por L. BULIK (em disquete). Londrina, UEL, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

176 ANDRADE, Danusa Santana 176 Os três planos destacados por TODOROV serão utilizados aqui para classificar o quesito relação. Com estes planos pode-se analisar o julgamento de valor e as ações de comportamento de veículos impressos, logo identificar a construção de sentido estabelecida ao tema reportado pelo meio de comunicação. Na primeira análise deste quesito adota-se a seguinte escala de medida: Exemplificando, se em uma reportagem o texto mostra gostar do objeto (plano axiológico), tem aproximação a ele (plano praxiológico) e demonstra conhecê-lo (plano epistêmico) essa reportagem é positiva ao objeto que reporta, tende a enaltecê-lo. Por outro lado, se temos uma notícia que manifesta não gostar do objeto citado, que não tem identificação e o ignora, essa notícia será negativa ao objeto divulgado; assim sucessivamente. Para tabular o tratamento dado em cada um dos planos tem-se como base a seguinte tabela: Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

177 ANDRADE, Danusa Santana 177 Os pesos acima dizem respeito aos dados encontrados na análise dos planos, um resultado positivo, tende a favorecer o objeto reportado, já um negativo, denigre. Os resultados positivo 2 e negativo 2 ficarão mais claro com a tabulação do próximo quesito Quesito Subsídios Além das relações veículo-objeto, busca-se identificar a construção dada a um determinado assunto. Verificase se o material jornalístico possui argumentos para que se compreendam as circunstâncias reais em que ocorreu cada fato noticiado, se a matéria dá bases para o entendimento da situação em que a notícia está inserida; ou se apenas comunica um fato superficialmente, sem subsídios para o seu entendimento. No quesito subsídios adota-se as classificações: embasado e superficial. Embasado para uma matéria que possibilite a compreensão do fato e superficial para um material sem lastros com as circunstâncias que levaram ao fato. Escala de medida do quesito: Tabulação da Categoria Alteridade Para tabular o tratamento dado à informação, identificado nos quesitos anteriores, atribui-se os conceitos: Favorável, Regular e Desfavorável. O conceito Favorável corresponde a um material que enaltece determinado tema ou assunto; o contrário do que ocorre com o conceito Desfavorável que denigre. Já o Regular identifica um material com certa neutralidade com relação ao objeto, nem enaltece nem denigre. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

178 ANDRADE, Danusa Santana Categoria Agendamento A Categoria Agendamento busca identificar quais são os temas que estão sendo pautados. Por agendamento tem-se como base a hipótese da agenda setting. Os pressupostos da hipótese de agendamento são vários, mas destaquemos alguns principais: a) o fluxo contínuo de informação (...) b) os meios de comunicação, por conseqüência, influenciam sobre o receptor não a curto prazo, como boa parte das antigas teorias pressupunham, mas sim a médio e longo prazos (...) c) os meios de comunicação, embora não sejam capazes de impor o quê pensar em relação a determinado tema, como desejava a teoria hipodérmica, são capazes de, a médio e alongo prazos, influenciar sobre o quê pensar e falar, o que motiva o batismo desta hipótese de trabalho (...) (HOHLFELDT, 2000 :190). Os temas e os assuntos tentem a circular em torno de um mesmo eixo. Este é o agendamento, o efeito enciclopédico provocado pela mídia. A escolha do que é dito nos veículos de comunicação torna-se o assunto de conversa entre as pessoas, gerando uma agenda individual e/ou coletiva. Por exemplo: (...) dependendo dos assuntos que venham a ser abordados agendados pela mídia, o público termina, a médio e longo prazos, por incluí-los igualmente em suas preocupações. Assim, a agenda da mídia termina por construir também na agenda individual e mesmo na agenda social. (HOHLFELDT, 2000 :191). Para identificar os temas que pautam/rotulam determinado objeto recorre-se a esta categoria. Para ter uma visão dos temas e/ou assuntos que estão em pauta em um veículo específico separa-se, nesta categoria, os fatos por temas e o número de vezes em que apareceram. Com os dados desta categoria têm-se o resultado de quais assuntos são agendados pelo veículo de comunicação, estes temas serão a médio e longo prazo relacionados à imagem do objeto estudado Roteiro para interpretação e coleta dos dados Compreendidas as definições de cada categoria e quesito, a coleta de dados é tarefa simples. Eleito o tema a ser estudado e os veículos a serem analisados o pesquisador inicia a coleta dos dados do material. O primeiro passo é a tabulação dos dados Tabulação é o processo de agrupar e contar os casos que estão nas várias categorias de análise. Pode haver tabulação simples e cruzada. A tabulação do primeiro tipo, que também é denominada marginal, consiste na simples contagem de freqüência das categorias do conjunto. A tabulação cruzada, por sua vês, consiste na contagem das freqüências que ocorrem juntamente em dois ou mais conjuntos de categorias. (GIL, 2006: 171). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

179 ANDRADE, Danusa Santana 179 A tabulação deve ser feita manualmente em todas as categorias. Sendo as categorias Destaque e Alteridade de tabulação cruzada e a categoria Agendamento simples. Antes de iniciar a análise tenham em mãos as tabelas de tabulação dos dados de todas as categorias e de seus respectivos quesitos. Para facilitar a aprendizagem da técnica quali-quanti de análise de veículos impressos será adotado um exemplo único (ficcional) para explicar como colher e interpretar os dados nas três categorias Exemplo Modelo para coleta e interpretação dos dados Objeto de estudo: a cobertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio em 2007 Veículos a serem analisados: Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo e Correio Braziliense Recorte: Cadernos de Esportes dos periódicos citados Período: 17 dias dos jogos, de 13 a 29 de julho de Total do material para análise: 04 jornais, 68 exemplares, 340 notícias (ima média de cinco matérias por dia em cada jornal) Supõe-se que inicie a análise pelo jornal O Globo de 17 de julho de 2007 e o primeiro material a ser estudado seja uma notícia sobre o número total de medalhas do Brasil em todos os Jogos Pan-Americanos, realizados desde Pan de Buenos Aires. Veja nos itens a seguir como colher os dados deste exemplo em cada categoria. Comece a análise pela categoria Destaque Tabulação da Categoria Destaque O primeiro passo para identificar o Destaque de uma matéria a ser analisada é identificar o quesito posição, logo após levanta-se o quesito espaço, cruzando os dados destes dois quesitos tem-se o resultado da Categoria Destaque. Exemplo Modelo 1: Quesito Posição: Supõe-se que a notícia sobre as medalhas conquistadas pelo Brasil esteja no canto superior direito da página. Para buscar este resultado veja o diagrama Zona de Visualização, e perceberá que a notícia está na zona 1, o que representa Alta Exposição. Logo, no quesito Posição a notícia tem Peso A. Quesito Espaço: A notícia possui uma foto e mais de oito parágrafos, o que representa o conceito grande. Logo, no quesito Espaço tem Peso 1. Desta forma, cruzando os dados dos dois quesitos temos o resultado 1-A, representa que esta notícia teve um Destaque Bom. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

180 ANDRADE, Danusa Santana Tabulação da Categoria Alteridade Identifique o quesito relação e depois o quesito subsídios, cruzando os dados terá o resultado da Alteridade. Exemplo Modelo 2: Quesito Relação: a notícia sobre as medalhas do Brasil teve um enfoque de inferioridade do país, mostrou indiferença em relação aos atletas brasileiros, mas demonstrou conhecimento do objeto reportado. Assim no Plano Axiológico tem peso N, no Praxiológico N, e no Epstêmico P, Pesos: NNP. Tabulando o quesito terá o resultado Negativo 2. Quesito Subsídios: analisando a matéria vê que a mesma é embasada, que permite compreender os fatos noticiados, logo tem Peso A. Analisando a tabela para tabulação da categoria nota-se que o resultado Negativo 2 A representa Alteridade Regular Tabulação da Categoria Agendamento A Categoria Agendamento utiliza pata tabulação dos dados uma tabela como a abaixo. Na coluna assunto são elencados os temas de cada matéria analisada e na coluna ao lado o número de vezes que este tema apareceu durante o período analisado. Exemplo Modelo 3: Imagina-se que o tema medalhas sai em mais três notícias até o final dos jogos, então tem-se: A coleta dos dados das categorias podem ser feitas simultaneamente, ou seja, uma vez analisada a notícia já identifica-se os seus resultados em cada categoria. Repete-se a atividade em cada notícia de cada jornal. No final terá o resultado final da cobertura destes quatro veículos sobre os Jogos Pan-Americanos e os resultados de desempenho de cada periódico. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

181 ANDRADE, Danusa Santana Interpretação dos dados A interpretação dos dados de cada categoria está sujeita a divergência entre um estudo e outro, devido a característica intrínseca do resultado com o objeto estudado. Por exemplo, se o objeto de estudo é determinadas matérias do caderno de cultura de um jornal específico e obtiver-se como resultado da Categoria Alteridade o conceito Favorável, pode ser algo positivo. Já obter o conceito Favorável em um estudo de notícias relacionadas a um determinado candidato na cobertura de eleições seria algo extremamente negativo, por demonstrar a parcialidade do veículo, resultado não esperado. Exemplo Modelo: No exemplo modelo utilizado obteve-se um Destaque Bom, o que pode mostrar que o veículo teve a notícia como uma das principais na edição. A Alteridade foi Regular, o jornal não enalteceu o tema, mas também não o denegriu. Já o Agendamento foi baixo, visto que o tema não foi dos mais noticiados. Vale salientar que o exemplo utilizado foi apenas ilustrativo, logo não há interpretações mais elaboradas, como a matéria era ficcional a análise das categorias foi criada a título didático. 3. ORIGEM DA TÉCNICA E APLICAÇÃO A primeira vez que a técnica foi empregada, ainda que superficialmente, foi na monografia do autor: Comunicação Controlada: As Agências de Notícias na América Latina (2003). Mas foi na sua dissertação de mestrado, Uma América e muitas vozes: a comunicação no continente 25 anos após o Informe MacBride, em que ela foi empregada com mais propriedade e com resultados mais satisfatórios. Na dissertação foram analisados com a técnica dez jornais latino-americanos, durante uma semana, num total de 70 exemplares. Buscava-se identificar a representação da América Latina em seus próprios jornais. Analisou-se especificamente as matérias relacionadas ao continente nas editorias de internacional, totalizando 192 notícias. Os resultados foram: 95 Destaque Bom Regular Insuficiente Categrioa destaque Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

182 ANDRADE, Danusa Santana 182 Alteridade Favorável Desfavorável Categoria alteridade Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

183 ISSN: AS ELEIÇÕES E O JORNAL O PROGRESSO: ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS (1954, 1958 E 1962) Fernando de Castro Além Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS Resumo Neste trabalho, partiremos para a análise das relações do jornal O Progresso com a classe política local, mas mais especificamente no que tange ao período eleitoral, através dos discursos construídos pelo periódico, para buscar compreender as estratégias de Weimar Torres e do PSD na tentativa de conquistar o poder em Dourados. E é claro, as eleições locais se constituem em pauta certa. Palavras-chave: O Progresso; política; eleições. 1 Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS. 2 Mestre em História pela UFGD; professor substituto do curso de História da UFGD; professor convocado do curso de História da UEMS/Unidade Amambai. fernandodagata123@hotmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

184 ALÉM, Fernando de Castro 183 Dourados, cidade localizada no sul do antigo estado do Mato Grosso, conhece um forte crescimento populacional a partir da migração para a região de milhares de famílias em situação de marginalização social. Tais famílias vieram em busca de um lote de terra doado na CAND Colônia Agrícola Nacional de Dourados projeto colonizador criado pelo presidente Getúlio Vargas em 1943, mas colocado em funcionamento a partir de 1948 pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A tabela abaixo aponta o número de habitantes no município em 1940, 1950 e 1960, demonstrando o crescimento populacional conhecido por Dourados, no campo e na cidade: Tabela 1 População de Dourados nas décadas de 1940, 1950 e 1960 Conforme indicado na tabela 1, o principal fluxo migratório ocorre a partir da década de O governo federal doou áreas consideradas devolutas à região para instalação dos colonos na zona rural, alterando profundamente o panorama no campo. Mas as transformações não estão circunscritas apenas à área rural, se estendendo também para a cidade, haja vista o forte crescimento populacional ter havido também na zona urbana, como apontado na tabela acima. A partir deste crescimento, são fundadas novas casas de comércio, se mudam para a cidade profissionais liberais das mais diversas áreas de atuação, companhias colonizadoras vendem áreas para plantio de café, surgem novos loteamentos urbanos, sem contar a chegada da agência dos correios, da companhia telefônica, da sede do bispado, além da ampliação dos serviços públicos, entre outras mudanças importantes na zona urbana da cidade. Os três principais partidos no período UDN, PSD e PTB são criados na década de Inserido no conjunto de mudanças que ocorriam em Dourados a partir da CAND estava a criação do semanário O Progresso, órgão de comunicação mais antigo do atual estado do Mato Grosso do Sul, ainda em funcionamento, posto em circulação em vinte e um de abril de Seu fundador, Weimar Gonçalves Torres, batiza o periódico com o mesmo nome daquele que havia circulado na vizinha Ponta Porã, cujo proprietário era seu pai, o advogado paraibano José dos Passos Rangel Torres. O homônimo da fronteira, fundado em 1920, foi obrigado a encerrar suas atividades na mesma década por questões políticas (SCHWENGBER, 2005, p. 48). Weimar Torres chega em Dourados no ano de 1948, após ter se formado em direito no Rio de Janeiro. Constrói família na cidade, se tornando membro influente da sociedade douradense. Além de atuar como advogado e jornalista, participa ativamente de diversas instituições criadas no município, quase sempre fazendo parte da diretoria destas, como o Clube Social, a Companhia Telefônica de Dourados, o Rotary Clube, entre outros. Era Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

185 ALÉM, Fernando de Castro 184 proprietário de diversas áreas no perímetro urbano, o que faz com que coloque a venda loteamentos na cidade, além de ser proprietário do cartório do primeiro ofício. Ademais, sua influência se amplia para o campo político. É eleito vereador pelo PSD em 1950, se reelegendo em Em 1962 vence o pleito para deputado estadual, e em seguida, já no regime militar, se elege deputado federal pela ARENA. E estando vinculado diretamente à política, o órgão de imprensa sob sua direção - O Progresso - acaba se tornando instrumento de difusão de assuntos políticos em Dourados, tanto nos períodos eleitorais quanto naqueles não eleitorais. Neste trabalho, partiremos para a análise das relações do jornal O Progresso com a classe política local, mas mais especificamente no que tange ao período eleitoral, através dos discursos construídos pelo periódico, para buscar compreender as estratégias de Weimar Torres e do PSD na tentativa de conquistar o poder em Dourados. É importante afirmar que, com a fundação do órgão, se consolida a ligação de Weimar com os políticos douradenses, através da doação de erário público aprovado pela câmara de vereadores para colocar o periódico em funcionamento. Nas páginas do jornal aparecem reivindicações ao poder público, agradecimento por benfeitorias, convenções dos partidos, propaganda partidária, entre outros assuntos políticos. E é claro, as eleições locais se constituem em pauta certa. Como veículo de informação pronto a atender aos interesses de uma elite política, serão analisadas as representações contidas em suas páginas reportagens, imagens, poesias, artigos, propagandas políticas, entre outros em 1954, 1958 e 1962 na cidade de Dourados, anos estes em que houve eleições no município. Demonstraremos que, de acordo com as conveniências e com a conjuntura política local, o periódico constrói discursos, tentando manipular a opinião pública douradense durante a campanha eleitoral em questão. Capelato e Dutra, ancoradas em Ferdinand de Saussure, afirmam que as representações estão ligadas à teoria de signos, seguindo articuladas ao pensamento/linguagem. Dessa forma são capazes de dar significado às práticas sociais, através de todo e qualquer domínio da linguagem, sejam elas icônicas, escritas ou verbais. Sendo o signo expressão de linguagem, possui uma relação simbólica, ou uma relação de representação, em que o signo toma o lugar da coisa representada, dando a possibilidade de estabelecer uma comunicação, Nesse momento, coloca-se em funcionamento outra categoria importante, a de imaginários sociais, que tem a sua existência afirmada pelo símbolo e seu chamado exposto através de palavras, discursos, objetos ou figuras de linguagens (CAPELATO, 2000, p. 235). Segundo as autoras, a representação política usa o símbolo linguagem como instrumento eficaz na idealização de imaginários, pondo em funcionamento estratégias capazes de garantir sentido a um determinado mundo social. As representações estabelecem significados às práticas específicas de um dado grupo no tocante ao poder. A linguagem através de símbolos, signos, discursos, narrativas, etc. extrapola a sua eficácia quanto ao reconhecimento pelos indivíduos em fazer parte do grupo, e é claro, em não pertencer a este. Rosângela Schulz, ao argüir sobre a crise de representação política vivida pelas democracias, aponta que Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

186 ALÉM, Fernando de Castro 185 hoje há um esgotamento do modelo de democracia dos partidos, sendo substituído pela democracia do público, e esta mudança altera a relação da mídia com a política. No modelo anterior havia um atrelamento da mídia a um determinado grupo político, enquanto na democracia do público há uma neutralidade relativa da mídia. (SCHULZ, 2006, p. 205). O jornal O Progresso se encaixa no modelo anterior, haja vista que, nos períodos eleitorais, o periódico se transforma em porta-voz do PSD, partido de Weimar Torres, propagandeando seus candidatos, construindo notícias que exaltam os políticos da legenda, além de criticar seus adversários sempre que preciso. Há um verdadeiro atrelamento do jornal ao PSD. O periódico é utilizado por Weimar Torres como elemento estratégico em prol dos interesses de seu grupo político visando a conquista de poder em Dourados, mas cujos resultados não foram positivos, haja vista o partido não ter ganho nenhuma eleição para prefeito e vice em no município durante o recorte temporal proposto. A exceção ocorre quando o pessedista Jonas Dourado, presidente da câmara de vereadores, assume a administração municipal no momento em que o prefeito Vivaldi de Oliveira (PTB) se licencia para buscar uma cadeira de deputado estadual, em Patrick Champagne afirma que a imprensa representa um agente fundamental na realidade política, uma vez que produz efeitos sobre essa realidade, ou mesmo pode até criá-la por meio de suas visões midiáticas ocupadas em descrever fatos ou acontecimentos do campo político (CHAMPAGNE, 2003, p. 75). Portanto, o jornal O Progresso se caracteriza como elemento importante na vida política da sociedade douradense, por servir como instrumento de manipulação de interesses de um determinado grupo político, cujos discursos tinham o objetivo de construir representações que pudessem trazer benefícios futuros a Weimar Torres e ao PSD. Trata-se de um veículo de comunicação que possuía relações manifestas com o poder local, gerando uma certa opacidade no tocante ao limite entre o público e o privado. Podemos verificar como adjetivos positivos, capazes de idealizar determinados personagens da política local são freqüentemente expostos, quase sempre na primeira página. Segue abaixo reportagem segundo a qual um vereador filiado ao PTB estaria sendo cotado para assumir a presidência municipal da legenda: Segundo apurou nossa reportagem, o vereador Orlando Marques de Almeida, brilhante representante do Partido Trabalhista Brasileiro na Câmara Municipal, (...) homem sereno e equilibrado, trabalhador incansável em defesa dos interesses do povo, (...) representará, por certo, o fortalecimento do partido. (O PROGRESSO, 17/01/1954, p.4). 3 Podemos afirmar na dificuldade em se delinear os limites de introjeção (ou influência) do agente público (ou instituição) em um ambiente privado, como o Jornal O Progresso. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

187 ALÉM, Fernando de Castro 186 Ao prefeito municipal em 1954 Sr. Nelson de Araújo, membro da UDN também não lhe faltam predicados elogiosos. As ações da Prefeitura local são estampadas em destaque em um período anterior às eleições daquele ano, que podem ser verificadas abaixo: [...] a arrecadação da tesouraria, no ano passado, deverá ultrapassar a casa dos dois milhões e quinhentos mil cruzeiros superando as melhores expectativas e deixando um grande saldo orçamentário. Sem dúvida alguma, tal fato vem demonstrar a eficiência da administração do município na gestão do Dr. Nelson de Araújo, que superando enormes obstáculos vem mantendo as finanças municipais em elevado índice e conceito. (O PROGRESSO, 10/01/1954, p. 1). Exaltações e elogios são por diversas vezes afirmados durante todo o ano de 1954 em se tratando do exsenador pessedista Filinto Muller. Na corrida pela indicação de uma vaga de seu partido ao Senado Federal, pode ser citado como: [...] homem de luta, passado brilhante, todo ele dedicado a serviço da pátria e do povo matogrossense, [...] um dos expoentes máximos da política nacional, justo orgulho de nosso Estado, que já representou na Câmara Alta, com inexcedível zelo e brilhantismo. Figura inconfundível de cidadão e de soldado. (17/01/1954, p. 1). Elogios e adulações são destinados ao próprio PSD, que ao contrário dos demais partidos, é citado como exemplo de coesão interna, cujos discursos o afirmam como a única esperança do povo douradense, e por isso sua responsabilidade é maior do que a dos demais partidos. Isso pode ser notado em um editorial de Weimar Torres, cujo ataque tem como objetivo certo atingir a direção local do PTB: Nunca na história de Dourados tiveram tão numerosos desligamentos de seus membros como nesta agitada preparação do pleito de 3 de outubro próximo. Isso denuncia por um lado a fragilidade dos laços que unem os componentes de uma agremiação partidária, e por outro lado a orientação reinante nos partidos que lhes vem sendo imprimida. Acrescente-se entretanto que o único partido de Dourados que até agora não teve nenhum desligamento de seus quadros é o Partido Social Democrático, para o qual estão voltadas as melhores esperanças do nosso povo, de uma solução feliz na escolha dos candidatos aos cargos eletivos municipais. (O PROGRESSO, 02/05/1954, p. 4). Portanto, em um momento anterior ao início da corrida eleitoral de 1954, podem ser apontados discursos cujo conteúdo meritório e elogioso tem a função elevar a figura do político citado, dono de qualidades importantes, sempre destacadas pelo jornal. O periódico fazia questão de mantê-lo em evidência, independente de sua agremiação partidária. O que interessava ao jornal era o bom proveito que poderia ser extraído de sua relação com os políticos, pois emitindo elogios ou adulações, poderiam estar garantidos os interesses do jornal O Progresso, seja em benefício do jornal, ou do homem público, político Weimar Torres, ou até mesmo de seu partido, o PSD, em uma futura aliança para as eleições de 1954; tratava-se de uma via de mão dupla. A citação anterior aponta para o início da mudança de postura do periódico, em um período anterior ao Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

188 ALÉM, Fernando de Castro 187 princípio da corrida eleitoral. Nesse momento, Weimar começa a perceber as dificuldades em se coligar com o PTB. Os discursos elogiosos e meritórios aos líderes da legenda desaparecem das páginas do jornal O Progresso. Mais tarde, O PSD se coliga ao PDC e a uma ala dissidente petebista, intitulada Ala Trabalhista. Essa corrente é formada por políticos filiados ao PTB, mas acabam discordando da direção do partido durante a convenção e estabelecem uma aliança informal com a coligação PSD-PDC, se mostrando alinhados aos pessedistas. Buscando influenciar a opinião pública douradense, os discursos escritos no jornal realçam as virtudes apenas dos candidatos da coligação PSD-PDC-Ala trabalhista, cujo Weimar Torres era candidato a vereador. Portanto, em um período anterior às eleições de 1954, o jornal O Progresso constrói discursos de conteúdo meritório e elogioso à toda a classe política local. Como não havia definição em relação às alianças, era necessário elevar os nomes dos políticos, futuros possíveis alinhados do PSD, partido de Weimar. O PTB seria o principal alvo dos elogios. Isso, de acordo com a nossa análise, se dá por dois motivos: o primeiro seria a força do PTB na colônia agrícola, partido mais forte na zona rural em Dourados, e seu apoio é fundamental para se conseguir qualquer vitória em Dourados, haja vista a CAND possuir o maior colégio eleitoral do município. Segundo, é o fato do PSD ser parceiro do PTB a nível nacional, e, ocasionalmente também em Mato Grosso. Conforme Maria Manuela Neves, no estado, o PTB agiria como o partido equilibrador do sistema bipartidário matogrossense, e a vitória de PSD ou de UDN dependia basicamente do apoio formal ou não do PTB, por isso a aliança com os trabalhistas seria tão cobiçada pelos dois adversários hegemônicos a nível estadual, o PSD e a UDN (NEVES, 1988, p. 26). Estes dois fatores explicam a vontade do PSD douradense em buscar o apoio do PTB local nas eleições municipais. Weimar e seu grupo político sabiam da força crescente do partido a nível local. Já em 1950, o PTB só não assume a prefeitura por conta de uma urna impugnada. Portanto, os trabalhistas já disputavam palmo a palmo as eleições no município. Mas quando Weimar Torres percebe que não haveria possibilidade de seu partido coligar com o PTB, muito menos com a UDN, os discursos meritórios são destinados apenas aos candidatos da aliança PSD-PDC-Ala Trabalhista. Para os demais, são destinados discursos que se apresentam, na maioria das vezes, de forma pejorativa. Porém, tal expediente acaba não sendo eficaz, pois o grupo de Weimar acaba perdendo as eleições daquele ano, vencidas pela UDN. Já em 1958, antes do período eleitoral, não há uma postura de afago à toda classe política local, como nos meses que antecedem as eleições de Há alguns elogios e adulações destinados ao PTB antes do período eleitoral, em um movimento semelhante ao que ocorreu no pleito de Mas o conteúdo meritório dos discursos são direcionados principalmente ao grupo político de Weimar Torres, principalmente em virtude de seu sogro, Vlademiro do Amaral, ser o escolhido pelo partido como candidato a prefeito. Quanto à UDN, principal adversário do PSD, apenas discursos pejorativos, tanto em relação à administração do prefeito Antônio Morais, quanto às estratégias políticas dos udenistas visando conquistar o poder, fazendo diversas críticas às tensões internas da UDN. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

189 ALÉM, Fernando de Castro 188 O jornal aponta para uma disputa que havia no interior da UDN entre João Augusto Capilé Júnior e Delmar de Oliveira, filho do coronel Joaquim de Oliveira. Tal tensão se deu em virtude da opção de Capilé Júnior em aceitar o apoio dos ditos comunistas instalados na CAND. No editorial intitulado Política é assim mesmo, Weimar Torres, sob o pseudônimo de J. Bartolomeu, afirma: Fiquei sabendo que a UDN está procurando outro candidato a prefeito, porque as brigas entre o pessoal do Sinjão e do Delmar acabaram esfriando todo o resto de entusiasmo nos arraiais udenistas. Do jeito que a coisa está, o Sinjão vai ter menos votos do que a D. Morena, como vereadora (O PROGRESSO, 18/05/1958, p. 3). Quanto ao PTB, há um movimento similar ao que ocorre nas eleições anteriores. O jornal destaca a tentativa do PSD de aproximação com os petebistas visando derrotar a UDN, demonstrando claramente que a iniciativa da coligação partia do PSD: Uma comissão permanente do PSD vai entrar em contacto com o PTB local visando encontrar uma fórmula capaz de unir as duas agremiações no pleito vindouro. As conversações terão como ponto de partida a procura de nomes que possam unir os objetivos dos dois partidos visando uma ampla vitória comum (O PROGRESSO, 13/04/1958, p. 1). Mesmo com a aceitação da candidatura de Vivaldi de Oliveira pelo PTB local em virtude do pedido de correligionários do partido (O PROGRESSO, 20/04/1958, p. 1), as conversas entre PSD e PTB ocorreram, sendo estruturada uma comissão visando construir a aliança: Uma Comissão inter-partidária do PSD e PTB está estudando a fundo, a possibilidade de aliança entre as duas agremiações. Ambos estão convencidos de que a disputarem separados o pleito, a vitória caberá à UDN (O PROGRESSO, 27/04/1958, p. 1). O partido, já com o processo eleitoral se aproximando, ainda busca uma coligação com o PTB, e com a chegada de Vlademiro a Dourados para a campanha, os entendimentos poderiam acontecer. (O PROGRESSO, 01/06/1958, p. 1). A coligação entre os dois partidos acaba não se consolidando, e o periódico começa a publicar as defecções no seio do PTB local, como ocorreu nas eleições de 1954, tentando demonstrar a fragilidade interna do partido. O jornal divulga amplamente a dissidência promovida por Tiburcio Olau de Almeida, um dos fundadores da legenda na cidade, eleito juiz de paz na eleição de 1954, pelo fato de não ter sido indicado candidato a prefeito pelo PTB local, como aparece em 08 de junho de No editorial Política é assim mesmo, escrita por Weimar Torres sob o pseudônimo de J. Bartolomeu, é construído um suposto diálogo entre o articulista e o coronel Juca de Mattos, líder do PSD douradense. Na conversa, Juca afirma que o candidato do PTB deveria ser Tibúrcio Olau, pois detinha a liderança no diretório: 4 Entrevista realizada com Adiles do Amaral Torres, viúva de Weimar Torres, em janeiro de Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

190 ALÉM, Fernando de Castro Me diga, cumpadre Juca, de quem é aquele jeep que passou ainda agora por aqui, levantando poeira? - Pois é o jeep do PTB, vovô Bartolo. Eles estão embalados para a candidatura do Vivaldi. - E o velho Olau, onde vai ficar? - Não sei vovô. Mas a verdade é que ele é que devia ser o candidato, pois tem oitenta por cento do eleitorado do partido, é uma injustiça que fique do lado de fora (O PROGRES- SO, 08/06/1958, p. 3). Como em 1954, Weimar construiu um discurso vinculado à estratégia de conquista do poder em Dourados. Era consciente da força política do PTB, crescente desde a chegada dos primeiros migrantes a partir da CAND. Por isso, as inúmeras tentativas em construir a aliança com os trabalhistas no município. Porém, Weimar Torres e o PSD não obtêm sucesso na empreita. Restava chamar a atenção do eleitorado para as fraquezas do PTB, construindo um discurso que maculasse a imagem do partido perante os votantes. Quanto à UDN, a crítica foi uma constante, haja vista se configurar como o principal adversário, tanto para pessedistas quanto para petebistas, pelo fato dos udenistas serem vencedores nos pleitos de 1950 e Portanto, as eleições de 1958 para prefeito em Dourados não demonstraram apenas o pragmatismo do jornal O Progresso no apoio aos candidatos do PSD, especialmente Weimar Torres e Vlademiro do Amaral. Serviram também para legitimar o comportamento do periódico perante seus adversários políticos. Quanto ao PTB, estratégia é semelhante a 1954: quando da tentativa de coligação, discursos elogiosos aos petebistas douradenses são construídos em busca do apoio. Quando se percebe a inviabilidade da aliança, o objetivo é demonstrar a cisão no seio petebista. Em relação à UDN, não cessam críticas à administração do prefeito Antônio Morais. Sem contar os artigos pejorativos dirigidos a João Augusto Capilé Júnior candidato udenista por ter aceitado o apoio dos comunistas. Em 1962, após deixar de circular por quase dezoito meses, O Progresso passa por transformações importantes. Weimar Torres ainda figura como diretor fundador, mas seu sogro, Vlademiro, se torna diretor gerente do periódico. Se mantém ainda como semanário, mas cresce de quatro para seis páginas. É importante verificar o significativo aumento de espaços para publicidade paga nesse momento. Deve ter havido uma campanha de vendas de espaços publicitários do periódico para que isso ocorresse, resultante do crescimento substancial da população urbana. Ou seja, o jornal passa a diversificar melhor suas fontes de renda, antes baseada nas vendas de seus números e nas ligações com os poderes públicos, embora esta última ainda continue sendo uma importante fonte de renda. No início de 1962, Weimar Torres corre contra o tempo para voltar a rodar O Progresso. Em seu diário pessoal, menciona a aquisição do novo motor, visando modernizar o jornal: Está sendo montado para alimentar a gráfica o motor que adquiri dos sucessores do finado Ângelo Nigro, com um gerador de 7 KWA (Diário pessoal de Weimar Torres, 11/01/1962). Em cinco de fevereiro, Weimar chama a atenção para a intensidade dos trabalhos visando circular novamente O Progresso: Trabalho intenso no jornal. Imprimimos as duas páginas do suplemento interno. A máquina ainda não está perfeita, mas pouco a pouco a iremos regulado (Diário pessoal de Weimar Torres, 05/02/1962). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

191 ALÉM, Fernando de Castro 190 Em relação à política, os discursos mais combativos próprios de Weimar Torres nos períodos eleitorais de 1954 e 1958 de ataques a adversários políticos, ou mesmo de afagos em períodos não eleitorais são deixados de lado. Um tom mais ameno passa a predominar nas páginas de O Progresso, no que concerne aos antigos adversários, especialmente às lideranças da UDN local. A exceção são as constantes críticas à administração estadual de Fernando Correa da Costa. Há de se destacar que Vlademiro do Amaral, sogro de Weimar Torres e candidato derrotado do PSD para a prefeitura de Dourados em 1958, é ex-udenista, vereador pelo partido de 1947 a 1950, deixando a UDN e migrando para o PSD por influência de seu genro, conforme aponta Adiles do Amaral Torres, viúva de Weimar. Portanto, há uma ligação de Vlademiro com a UDN local. Porém tal fator torna-se sem importância se voltarmos a 1958, eleição perdida por Vlademiro já no PSD momento de críticas ácidas aos candidatos udenistas no periódico. Outro motivo para atenuação das críticas à UDN é de que o filho de Vlademiro, Celso Muller do Amaral, ser candidato a vice-prefeito na chapa udenista, o que pode ter motivado um tom mais ameno de O Progresso quanto à UDN local durante o período eleitoral de 1962, embora Weimar e Celso Muller estiveram de relações cortadas durante o período eleitoral o que não permite espaço para Celso nas páginas do semanário havendo um pedido de reatamento de relações feito por Celso via carta na noite de natal daquele ano (Diário pessoal de Weimar Torres, 24/12/1962). Um fato de maior relevância remete também a um discurso mais tênue do jornal para com os udenistas locais: a tentativa de aproximação entre PSD e UDN nas eleições de 1962 em Dourados, aproximação essa liderada pelo próprio Vlademiro do Amaral. Ciente da força eleitoral crescente do PTB em Dourados, Vlademiro enxerga como a única possibilidade de derrota dos petebistas a aliança entre pessedistas e udenistas, sempre antagônicos nas eleições estaduais. Weimar Torres, avaliando que isso poderia lhe trazer prejuízos, em seu diário pessoal aponta sua preocupação com o fato: A situação política se agita no PSD. O Wilson Dias de Pinho insiste em ser candidato do partido à Prefeitura. Por outro lado, vários elementos, liderados pelo seo Amaral repelem essa candidatura para preferir uma aliança com a UDN. Minha situação, como candidato a deputado é delicadíssima. Uma dissidência viria comprometer, pontualmente, minha votação, tornando mais aconselhável desistir e, desta vez para sempre, da carreira política. Enfim, veremos como se sucederão os fatos (Diário pessoal de Weimar Torres, 21/01/1962). Tal aproximação acaba não acontecendo, e Wilson dias de Pinho é lançado candidato do PSD à Prefeitura de Dourados, candidatura esta que não era vista com bons olhos, nem por Weimar, nem por seu sogro Vlademiro do Amaral. Portanto, diferentemente das campanhas anteriores, o monólito pessedista acaba não se configurando. A cisão no PSD é certa, e O Progresso aponta sem muito alarde o nome do deputado estadual Wilson Dias de Pinho como candidato do partido. Em seu número de retorno, o periódico afirma que o nome de Wilson foi lançado pela maioria da legenda, o que não indica unanimidade do PSD em relação à sua candidatura, ainda mais lançando tal campanha sem aliados (O PROGRESSO, 11/02/1962, p. 1). Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

192 ALÉM, Fernando de Castro 191 Diferentemente das eleições anteriores, não há uma empolgação em relação à candidatura do PSD a prefeito por O Progresso. Prevendo resultados negativos na candidatura de Wilson Dias de Pinho, Weimar está mais preocupado com a reestruturação dos diretórios do PSD na região, que podem vir a se tornar importantes pontos de apoio à sua candidatura a deputado estadual. Em seu diário pessoal, Weimar ressalta o desastre que seria a campanha para prefeito do PSD em Dourados. O próprio Wilson tenta por diversas vezes renunciar à candidatura, mas é convencido pelos correligionários a não fazer (Diário pessoal de Weimar Torres, 02/05/1962). O jornal O Progresso dá outro tom à tentativa de renúncia de Wilson Pinho. Segundo o periódico, Wilson desmente os boatos de renúncia e que é um candidato para valer, para ganhar ou para perder, mas que lutará até o fim pela sua vitória (O PROGRESSO, 13/05/1962, p. 1). Mesmo assim, são feitas enquetes pelo jornal O Progresso na zona urbana de Dourados, segundo as quais Wilson Dias de Pinho supostamente disputava palmo a palmo a eleição com o deputado estadual Antônio Morais, da UDN, estando o candidato petebista Napoleão Francisco de Souza sempre em desvantagem. É importante frisar que O Progresso tinha circulação praticamente nula na colônia agrícola, reduto petebista, e que tais resultados poderiam também ser manipulados pela direção do jornal com o objetivo de alavancar a candidatura de Pinho. Mas sempre sem muito alarde, sem manifestações calorosas ao candidato do PSD, e sem ataques a seus adversários políticos. Os discursos elogiosos e de caráter meritório cabiam mais ao próprio Weimar Torres e às principais lideranças pessedistas estaduais, Filinto Muller e João Ponce, ou algum outro candidato a vereador pelo partido. É importante destacar o espaço publicitário que é dado a Wilson Barbosa Martins, prefeito de Campo Grande ( ) e candidato a deputado federal pela UDN, e Júlio de Castro Pinto, candidato udenista ao senado. Desde o início da campanha eleitoral as propaganda de tais candidatos são uma constante, sendo registradas todas as semanas até as eleições. No calor das eleições, é concedido a Wilson Barbosa um espaço de três quartos de página para divulgação de suas propostas, sem contar os comentários na coluna Passarela Política. Em quase todos, não faltam elogios a Wilson, afirmando que o mesmo será mais votado que o udenista Rachid Saldanha Derzi na região, candidato a deputado federal da UDN de Ponta Porã. Isso também explica a influência de Vlademiro, ex-udenista, quanto às publicações de O Progresso, indicando uma postura menos panfletária do semanário, pois importa muito mais os lucros vindouros das publicações, independente se são ou não originários de antigos adversários políticos. Mas o que importa para Weimar é sua eleição para deputado estadual, que o mesmo prevê que também será muito difícil. Pensando dessa forma, atua na reestruturação dos diretórios do PSD na região, dando destaque aos candidatos a prefeito pelo partido em Itaporã, Rio Brilhante, Ponta Porã, Maracaju e Nova Andradina, todos coligados com o PTB. O candidato itaporanense do PSD, Edson Bezerra, ganha mais destaque nas páginas de O Progresso que Wilson Dias de Pinho. Não faltam elogios e adulações a tais candidatos. Tais afagos aos apaniguados da região se tornam necessários para Weimar, pois sendo um importante instrumento a serviço do PSD, e tendo correspondentes nas cidades vizinhas, O Progresso atuaria na consolidação Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

193 ALÉM, Fernando de Castro 192 destas candidaturas, reforçando desta forma as bases de apoio a Weimar Torres, pois o partido possuía outro candidato da região a deputado estadual, o ex-prefeito Ruy Gomes. Em relação à candidatura de Napoleão Ferreira de Souza (PTB), não há críticas durante o período eleitoral. Além de Weimar e Vlademiro não acreditarem na vitória do candidato do PSD, esta postura tênue também em relação ao candidato do PTB se dá em virtude de pessedistas e petebistas estarem coligados nas eleições para o senado federal, suplente de senador e câmara federal no Mato Grosso. Ademais, o periódico noticia com certo entusiasmo as coligações para as eleições municipais entre os dois partidos nas cidades vizinhas. Mesmo com O Progresso atuando basicamente na campanha de Weimar, sua votação em Dourados também não é das melhores: obteve 926 votos, contra mais de quatro mil votos de Vivaldi de Oliveira, e dois mil e duzentos votos do udenista Antônio Duarte. Este resultado ruim para Weimar em Dourados demonstra a fraqueza do PSD no município, sendo necessário a este buscar bases em outras cidades da região, o que acaba dando resultado, pois conquista mil e setecentos votos fora de Dourados, o suficiente para garantir sua eleição para a assembléia legislativa. Wilson Pinho tem uma votação pífia para a prefeitura de Dourados, terminando as eleições em terceiro lugar. A análise dos discursos do jornal O Progresso de 1962 demonstram que, em relação à disputa pela prefeitura de Dourados, o PSD não dá a devida importância ao pleito. Tanto é que a postura é tênue em relação aos adversários. O que importava mesmo era a campanha de Weimar a deputado estadual, cujo periódico não se cansa em propagandear. Portanto, no período estudado, Weimar Torres constrói representações que demonstram claramente a estratégia de seu grupo político. O jornal O Progresso, como elemento capaz de interferir na vida social dos douradenses, serve de instrumento para manipulação de interesses do PSD no período, seja na tentativa de construir alianças, seja na vontade em alavancar seus candidatos por isso a elevação, adulação de determinados políticos em um determinado período. O contrário, adjetivos pejorativos também fazem parte do vocabulário político do periódico, destinados a desqualificar seus adversários. Maior ênfase do discurso elogioso ao PTB, pela força política na zona rural e pelos arranjos estaduais entre as duas legendas, mas tal discurso não é uma constante. Há também discursos de combate aos trabalhistas no município no período, sempre que a aliança não se consolida, como em 1954 e Para Jean-Noël Jeanneney, a imprensa detém uma importância cabal na conquista de votos, porém, os dirigentes geralmente exageram, tendem a potencializar essa importância (JEANNENEY, 2003, p. 216). O uso que o PSD faz do jornal O Progresso, como instrumento na estratégia do partido em conquistar o poder, serve de exemplo, está de acordo com a colocação do autor. Embora O Progresso seja utilizado por Weimar Torres e seu grupo político para garantir seus interesses, isso não se traduz em vitória eleitoral do partido, principalmente no tocante à cadeira de prefeito municipal de Dourados. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

194 ALÉM, Fernando de Castro 193 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAKAKI, Suzana. Dourados: memórias e representações de f. Dissertação (mestrado em História) Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Dourados. BERSTEIN, Serge. Os partidos. In RÉMOND, René (org.). Por uma História política. Tradução de Dora Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, p CAPELATO, Maria Helena R.; DUTRA, Eliana R. F. Representação política: o reconhecimento de um conceito na historiografia brasileira. In CARDOSO, Ciro F.; MALERBA, Jurandir. Representações: contribuição a um debate interdisciplinar. Campinas: Ed. Papirus, p CHAMPAGNE, Patrick. A visão mediática. In Bordieu, Pierre (org). A miséria do mundo. Petrópolis: Ed. Vozes, JEANNENEY, Jean-Noël. A mídia. In RÉMOND, René. Por uma História política. Tradução de Dora Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, p NEVES, Maria Manuela Renha de Novis. Elites políticas: competição e dinâmica partidário-eleitoral (Caso de Mato Grosso). São Paulo: Revista dos Tribunais, OLIVEIRA, Benícia Couto de. A política de colonização do Estado Novo em Mato Grosso ( ) f. Dissertação (mestrado em História) Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista, Assis. QUEIRÓZ, Paulo Roberto Cimó. Mato Grosso/Mato Grosso do Sul: Divisionismo e identidades (um breve ensaio). Diálogos, DHI/PPH/UEM revista eletrônica de História, Maringá, v. 10, n. 2, p , Disponível em: Acesso em 11 de maio de RÉMOND, René. As eleições. In (org.). Por uma História política. Tradução de Dora Rocha. 2 ed. Rio de Janeiro: Ed. FGV, p SCHULZ, Rosângela. A crise de representação e o espaço da mídia na política. Caderno de Ciências Humanas Especiaria, v. 9, n. 15, p , jan./jun Disponível em ed15/15_10_a_crise_de_representacao.pdf. Acesso em 02 de fevereiro de SCHWENGBER, Isabela de Fátima. Representações do MST na imprensa do Mato Grosso do Sul (1995 a 2000) f. Dissertação (mestrado em História) Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Dourados. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

195 ISSN: ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA: HISTÓRIA E MEMÓRIA SOCIAL NAS CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE JARDIM-MS 1 2 ETHNOGRAPHY OF CINEMA AND NEWSREEL AT SERRA DA BODOQUENA: HISTORY AND SOCIAL MEMORY ON IDENTITY CONSTRUCTIONS OF JARDIM-MS Resumo O presente trabalho desenvolve acerca do resgate e preservação da memória social dos cinemas e dos cinejornais presentes na região conhecida como Serra da Bodoquena. Os cinemas ganham importância na região quando consideramos sua instalação cerca de 20 anos antes da televisão e rádio nas cidades. As salas de cinema além de serem únicos meios de informação e relação com o global constituíam-se de espaços de encontro, lugares de vivência. Em todas as cidades pesquisadas os cinemas foram extintos, sendo o último em Jardim (MS) onde desenvolvemos a pesquisa etnográfica com descrição densa, observação participante, gravação e organização dos relatos para registro da narrativa e das mediações culturais no correr dos anos, presentes unicamente na memória da população. A memória social sobre os cinemas na cidade é patrimônio cultural imaterial, e registra nos processos de comunicação orais a história e desenvolvimento regional pelo ato de contar as experiências na mídia-lugar. Palavras-chave: Cinema, memória social, oralidade ABSTRACT Lairtes Chaves Rodrigues Filho³ e Daniele Cristiane Ota 4 This paper develops about the rescue and preservation of social memory of cinema and newsreels in the region known as Serra da Bodoquena. The cinemas in the region gain importance when considering its installation about 20 years before television and radio in cities. The movie theaters besides being the only means of information and relationship to the global, is constituted too as meeting places, places of living. All the cities surveyed had theaters abolished, the last being at Jardim (MS) where we developed ethnographic researching with thick description, participating observation, recording and organization of reports to record the narrative and cultural mediations over the years, present only on population s memory. Social memory about cinemas in the city is intangible cultural heritage, and registers in communication processes, the oral history and regional development by telling of the experiences in the media-place. Keywords: Cinema, social memory, orality 1Relatório final da pesquisa de Iniciação Científica CNPq, na qual o plano de trabalho se intitulava O Produto Audiovisual do Cinejornal e a representação social da realidade: Análise dos conteúdos informativos das grandes telas na formação sócio-política da região da Serra da Bodoquena. 2Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS. Bolsista de Iniciação Científica CNPq PIBIC 2011/2012. Graduando em Comunicação Social Habilitação em Jornalismo na UFMS. lairtesc@gmail.com Orientadora. Doutora em Ciências da Comunicação (USP). Professora Adjunta do Curso de Comunicação Social Habilitação em Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFMS. daniela.ota@gmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

196 FILHO, Lairtes Chaves Rodrigues 195 INTRODUÇÃO O interesse no tema surge antes mesmo do estudo da comunicação de massa no curso de jornalismo. Ainda adolescente, tive contato com alguns relatos sobre uma época não muito distante em que cidade interiorana de Jardim MS. Histórias sobre um cinema. Um cinema inaugurado em 1948 intitulado CineJardim de propriedade da Companhia de Estradas e Rodovias do Exército (CER-3) que mobilizou, até ser demolido em 1989, com filmes holliwoodanos, cinejornais governamentais e festivais de música e teatro, toda a formação de um município que foi território paraguaio antes da Guerra do Paraguai, que fora fazenda antes das expedições da companhia de estradas, que fora vila de militares, que fora estado de Mato Grosso, que hoje é Mato Grosso do Sul, e passou de duas famílias no começo do século a 42 mil habitantes em 68 anos de história (considerando que o estado de MS tem 35 anos). O conteúdo que passava na tela desse cinema foi objeto primeiro desse estudo durante a pesquisa de iniciação científica financiada pelo CNPq. O estudo procurava rever a presença dos cinejornais e de que forma eles influenciaram a formação da região da Serra da Bodoquena. Duas surpresas se fizeram presentes nos resultados. Diversas películas de cinejornais tinham imagens das pessoas, etnias e locais da região a população que formou aquele espaço estava representada num meio de comunicação de veiculação nacional. E segundo; não havia registro algum sobre tal cinema, sobre os filmes e os cinejornais ali transmitidos. Tudo estava presente apenas, na memória das pessoas que vivenciaram a existência desse cinema. Foi necessário para completar a pesquisa levantar as pessoas que tiveram essa experiência e entrevistar cada uma delas para fazer a leitura dessa memória audiovisual. Considerando as mudanças com o encontro desses novos fatores, foi necessário repensar o objeto e alterar o direcionamento. O conhecimento do conteúdo dos cinejornais precisou ser resgatado a partir na memória e das experiências das pessoas no cinema, que passa a ser compreendido então como mídia-lugar, considerando que ao mesmo tempo é meio de comunicação de massa e espaço de encontro. O resgate da memória oral centrado em um espaço de convivência o qual a população tem vínculos afetivos, possibilitou uma visão diversificada e policêntrica da história da cidade e as mudanças na sua identidade cultural, as implicações visíveis da globalização e ao mesmo tempo, a intimidade que a população tem com os aspectos relacionados à oralidade (considerando desde já que as principais mídias da cidade são o rádio, televisão e carros de som mais evidentemente o rádio, como na maioria das cidades do interior). O vínculo afetivo (PICHÓN-RIVIÈRE, 1998) da população com seu espaço/território está presente na narrativa oral, nas múltiplas expressões sonoras e pausas, no código, na transparência da intenção da fala, constituintes do relato de memória. Emoções de satisfação, raiva, fé, saudade, tristeza, são incluídas na narrativa sem o filtro da escrita. A oralidade garante até certo ponto, maior riqueza de detalhes na palavra, à medida que dá valor semântico e discursivo e dimensões de percepção que a palavra escrita não é capaz de oferecer, exceto por por hipertexto, com as tecnologias da informação. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

197 FILHO, Lairtes Chaves Rodrigues 196 Mapear estruturas de percepção e processos de comunicação nos espaços urbanos com centro na oralidade presente em determinada região torna-se a continuidade de uma contribuição acadêmica, que permite identificar territórios e identidades culturais e suas alteridades frente à sociedade em rede e as implicações nas chamadas geografias da comunicação. Quanto a relação de cidade, espaço midiático e memória, Nestor Garcia Canclini (2002) afirma: Mesmo onde não foram destruídos os centros históricos, as praças, os lugares que mantinham viva a memória e permitiam o encontro das pessoas, sua força diminui frente à remodelação dos imaginários operada pelos meios de comunicação. Os relatos mais influentes sobre o que significa a cidade emergem agora da imprensa, do rádio e da televisão. No tumulto heterogêneo e disperso de signos de identificação e referência, os meios não propõem tanto uma nova ordem, mas sim oferecem um espetáculo reconfortante. Mais do que estabelecer novos lugares de pertencimento e de identificação de raízes, o importante para as mídias é oferecer certa intensidade de experiências. Em vez de oferecer informações que orientem o indivíduo na crescente complexidade de interações e conflitos urbanos, os meios de comunicação ajudam a imaginar uma sociabilidade que relaciona as comunidades virtuais de consumidores midiáticos: os jovens com outros jovens; as mulheres com suas iguais; os que se interessam por algum esporte com outros praticantes em diferentes lugares da mesma cidade e do mundo; os gordos com os gordos; os que gostam de salsa ou bolero ou rock com outros que têm as mesmas preferências. As comunidades organizadas pela mídia substituiriam então os encontros nas praças, os estádios ou os salões de baile pelos não-lugares das redes audiovisuais. Analisar os discursos e as representações culturais e políticas nos cinejornais da região da Serra da Bodoquena passa primeiramente pelo conhecimento das condições de discurso e na construção histórica e do desenvolvimento das regiões pela memória da experiência das pessoas. A memória coletiva neste sentido e o relato oral (e logo a oralidade) são elementos de identidade cultural das cidades no tempo-espaço. A identidade cultural está intimamente ligada à memória social, na qual o espaço midiático é agente de encontros e experiências mediadas, principalmente na construção informativa e nos valores transmitidos pelo produto audiovisual, na representação das comunidades locais, como o sertanejo, o pantaneiro, o indígena e o sul-mato-grossense. A identidade étnica ou cultural do grupo parece condicionada a certa aderência de sua memória coletiva ao espaço (território ou lugar); sem o qual a sua marca subjetiva corre o risco de se diluir no continuum temporal, desprovido de referenciais perenes e imutáveis. Nossos processos mnemônicos seriam acionados e desencadeados por signos espaciais externos que transformam gestos anódinos em atos simbólicos passíveis de reconstituir a experiência ritualística existencial do grupo de origem, enriquecê-la e religar (não é mais preciso lembrar que, etimologicamente, a religião é um modo de religar - religare) as gerações presentes e futuras às antepassadas. (ELHAJJI, 2011) Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

198 FILHO, Lairtes Chaves Rodrigues 197 Políticas de Cultura e Patrimônio Cultural Rodrigues Filho & Vianna (2012) explicitam o compromisso do profissional e pesquisador da comunicação social nos termos da Lei n , de 2 de dezembro de 2010, que institui o Plano Nacional de Cultura - PNC, cujos princípios são: I - liberdade de expressão, criação e fruição; II - diversidade cultural; III - respeito aos direitos humanos; IV - direito de todos à arte e à cultura; V - direito à informação, à comunicação e à crítica cultural; VI - direito à memória e às tradições; VII - responsabilidade socioambiental; VIII - valorização da cultura como vetor do desenvolvimento sustentável; IX - democratização das instâncias de formulação das políticas culturais; X - responsabilidade dos agentes públicos pela implementação das políticas culturais; XI - colaboração entre agentes públicos e privados para o desenvolvimento da economia da cultura; XII - participação e controle social na formulação e acompanhamento das políticas culturais. O jornalismo como agente construtor da realidade (TRAQUINA, 2005), tem por função social o registro dos fatos e a difusão especializada do conhecimento. Por outro lado, a imprensa e os meios de comunicação tendem a se preocupar com a rotina e as informações correntes dos critérios de noticiabilidade, como atualidade, periodicidade, verossimilhança (WOLF, 1999), deixando falhas no que compete à memória nem tão recente. Nesse contexto de atribuições, princípios, função social da universidade e do jornalismo na preservação do patrimônio cultural brasileiro, decorre um objeto de pesquisa fundamental: a presença e influência dos cinejornais e dos cinemas no estado. O cinema chega no Brasil e, especificamente em Mato Grosso do Sul cerca de 50 anos da chegada da televisão, que se consagrou como meio de comunicação de massa popular, depois da década de 80. Da mesma forma, os telejornais, principal veículo informacional e noticioso da população, surge em consequência do nascimento da televisão. Mas como se dava o acesso à informação noticiosa no país e no estado antes disso? As telas e salas de cinema eram o principal recurso audiovisual de transmissão em massa das informações, daí a origem dos cinejornais. Nessas grandes telas onde jornalismo e cinema aproximavam-se em arte, mediados pelo projeto das grandes salas, registraram-se fatos, momentos históricos e formas de representação social e cultural únicas da população local; as quais, a própria população não tem acesso, senão pela narrativa oral dos habitantes mais velhos para os mais novos. Cabe aos pesquisadores da comunicação pelos instrumentos técnicos do jornalismo, a busca, levantamento, registro, preservação e principalmente, a difusão da memória e cultura local, como elemento essencial da formação da regionalidade e bases futuras para estudos da representação social nas primeiras mídias pelos cinejornais do Estado. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

199 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 198 Em conformidade com o PNC, as pesquisas de análise e presença dos cinejornais deve buscar reconhecer e valorizar a diversidade cultural, étnica e regional brasileira, pelo resgate e preservação dos registros e relatos da população sul-mato-grossense pela pesquisa da presença e impactos históricos dos cinejornais no estado, como forma de narrar parte da história do jornalismo local, e proteger o patrimônio histórico e artístico material e imaterial da cultura sul-mato-grossense. A preservação do patrimônio histórico e da memória passou a ser valorizada com mais evidência a partir da década de 1930, mais especificamente com a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN, no governo Getúlio Vargas (Lei nº 378, de 13 de Janeiro de 1937). Com esse estímulo, passaram a surgir um maior número de Centros de Documentação, em sua maioria a partir dos anos de Memória Social e Cultura A preservação da memória e seu resgate, considera o levantamento e consciência da população de seu patrimônio cultural, do desenvolvimento de seu território e das formações das múltiplas identidades. A conceituação dessa memória é algo que tem se alterado no passar do tempo. Para Lowenthal (1989), a memória pode ser entendida como um processo que colabora na projeção de um futuro, balizado pelos contextos históricos do passado. Memória, história e relíquias para o autor constituem metáforas mútuas, ou seja, fontes de conhecimento. Para Zilda Kessel (2011): O conceito de memória vem se modificando e se adequando às funções, às utilizações sociais e à sua importância. A invenção da imprensa, com tipos móveis, e a urbanização, com mudanças fundamentais na organização e nas relações sociais, nas atividades, papéis e percepções do indivíduo, trarão mudanças importantes para a memória individual e coletiva. De uma sociedade baseada na transmissão oral dos saberes necessários ao trabalho e à vida em grupo, novas ocupações relacionadas ao comércio e à vida nas cidades demandam registros de operações, de listas, de transações. Desenvolvem-se, a partir daí, artifícios cada vez mais sofisticados para guardar e disseminar a memória em textos e imagens. Este processo culmina com o computador, capaz de guardar grandes quantidades de informações e abarcar todos os meios inventados anteriormente para registrar e armazenar a memória. Le Goff (1994) compartilha essa linha teórica explicando que a memória coletiva tem a função de contribuir para o sentimento de pertinência a um grupo de passado comum, que compartilha memórias. Ela garante o sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória compartilhada não só no campo histórico, do real, mas, sobretudo no campo simbólico. Sobremaneira a idéia de memória está no ato de contar histórias ou lembranças. O ato de relembrar de acordo com Ecléa Bosi (1987), é uma ato de narrar experiências. A memória social neste sentido tem a função social de transmitir informações na especificidade da oralidade e, portanto, é essencialmente parte de um processo de comunicação Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

200 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 199 Regina Zilberman (2006), estudiosa dos aspectos gerais e comunicativos da oralidade, elenca em seu trabalho sobre a obra de Walter Benjamin nos estudos sobre as narrativas, pontos gerais que explicitam as razões pelas quais Benjamin privilegia a memória, de que depende a capacidade de narrar e a que associa a oralidade. Na linguagem, e em especial na oralidade, desembocam as preocupações de Walter Benjamin. O ato de nomeação extrai a natureza das coisas, fazendo com que a palavra as imite, podendo passar por elas. Ao mesmo tempo em que o substantivo manifesta, por mimetismo, o ser do objeto que expressa, pode substituí-lo. Palavras e coisas se identificam, conforme um sentimento mágico de que são exemplos algumas religiões, conforme as quais se proíbe o uso de determinados vocábulos para não atrair a atenção de seus portadores. A oralidade é o modo mais notório da relação entre o nome e a coisa, mas a escrita, originalmente, não tem como objetivo romper essa unidade. A oralidade é igualmente expressão mais credenciada da memória, conforme o estudo sobre o narrador, aproximando não apenas as palavras e os seres, mas também as pessoas, falantes e ouvintes. (ZILBERMAN, Op. Cit.) Se considerarmos tal como Zilberman ao ler Benjamin, que a oralidade é a expressão mais cadenciada da memória, podemos afirmar que A modernidade se caracteriza pelo rompimento da unidade primitiva, nostalgicamente recuperada por Benjamin. É igualmente o tempo da escrita individual e do isolamento do leitor, apontando para a dissociação, irrecuperável, entre a dicção e a redação, que o pensador diagnostica e lamenta. Entende-se por que Benjamin prefere valorizar a memória, em detrimento do inconsciente, valendo-se da realização literária alcançada por Marcel Proust, que lida com o que chama de memória involuntária. Esta, fundada na suspensão da consciência e na abolição da temporalidade, enquanto fluxo cronológico, faculta o retorno do tempo, a apreensão do passado, a recuperação dos momentos primordiais. Constitui experiência absolutamente pessoal, tal como a regressão aos momentos traumáticos, possibilitada pela terapia psicanalítica; mas as experiências recobradas pela memória involuntária não sãonecessariamente penosas, basta que tenham sido decisivas para o sujeito que as vivencia. Benjamin está interessado em diagnosticar o mal do século, caracterizado pela perda da experiência, que obstrui a linguagem e cala o homem. Baudelaire recupera essa capacidade pelo que Benjamin chama de experiência do choc, e Proust, de memória involuntária. Nestes casos, trata-se de valorizar a memória, com a conseqüente expressão lingüística que está na base da comunicação. Seu fundamento é o tripé experiência-memória-oralidade. A escrita vem depois, mas, para se adequar ao projeto benjaminiano, não pode perder a natureza mimética, comprovada historicamente, se lembramos que os primeiros alfabetos, como os dos sumérios, por exemplo, tinham pendor ideográfico, como é, até o presente, o dos chineses. O Ocidente estilizou a escrita, tornando-a crescentemente convencional, assim como o significado dos signos, entendido pela Lingüística como arbitrário.20 O processo, deplorado por Benjamin, separou memória e linguagem, colocando-se a escrita como divisor entre as duas e sublinhador das diferenças. (Ibidem) A narrativa constitui, pois, o espaço em que a memória se manifesta, tomando toda recordação a forma de um relato retrospectivo (BENJAMIN,1985). Representa a fonte do contar, logo, a origem da narração, exposição Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

201 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 200 primitivamente oral de um sujeito para um grupo de ouvintes, com o qual compartilha interesses e expectativas. Segundo Ota; Rodrigues Filho & Negruny (2012), a memória e sua transmissão oral permitem que a narrativa histórica modifique a escrita de estórias centralizada em grupos de poder, tornando protagonistas personagens que vivenciaram as histórias muitas vezes não presentes nos livros, grupos de personagens estes que exigem reconhecimento social e que lançam mão da memória coletiva como catalisadora e mediadora de um sentimento de pertencimento e identidade. Para Tedesco (2004), os elementos mediadores da memória, sejam objetais, de consciência coletiva e individual, de políticas de lembrança e de esquecimento, etc., servem de suporte à cultura, à identidade social e étnica, à tradição. A formação cultural e os aspectos mais profundos da regionalidade estão diretamente ligados à forma como a memória e a oralidade da região é registrada e reproduzida como elemento da identidade cultural e do sentimento de pertença ao território geográfico. Partindo da concepção de que toda memória, mesmo quando individualizada, é coletiva e de que apenas um pequeno grupo na sociedade (notadamente os que estão no poder e os que aspiram alcançá-lo) se preocupa em difundir, preservar ou negar a memória, podemos adentrar na noção de enquadramento, na qual também se inscrevem as tradições inventadas. De acordo com Hobsbawn (2008), essas tradições são reações a situações novas ou que assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu próprio passado através da repetição quase que obrigatória. A incorporação dessas invenções à memória coletiva depende de um esforço lento, custoso, de convencimento, de manipulação do passado, mas que, entretanto, são legitimadas pelas necessidades contemporâneas ao contexto em que são criadas de rupturas, de necessidade de preservação. Segundo Picolli (2010), nesta perspectiva, Podemos inferir ser a memória ancorada pelo suporte da oralidade um sistema cognitivo complexo, no qual, a cada recurso à rememoração, se desenha uma ressemantização de símbolos e de experiências em narrativas que assentam as identidades (e que por estas são enquadradas). Entretanto, a palavra memória pode ser associada a um sistema simplório de junção de lembranças intactas, imóveis, desvinculadas de contextos específicos, numa perspectiva ahistórica. Memória e história são complementares. A história escrita e sua reprodução não podem permitir o esvaziamento da pessoalidade e da identidade marcada pela experiência dos integrantes do processo histórico. METODOLOGIA Em primeiro lugar é importante destacar o a escolha pela Será da Bodoquena, formada pelos municípios de Jardim, Guia Lopes da Laguna, Bonito e Bodoquena, vista sua importância histórica para o estado, na ocasião da Retirada da Laguna no século 19 e, a convalidação das diversas etnias e minorias presentes na região. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

202 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 201 Abrigando populações indígenas como Terenas, Kadiwéu e Guarani, além de paraguaios residentes, fazendeiros e peões, e o pantaneiro como homem histórico, entender o processo de construção imagética e mítica da realidade e imaginário nessa região partir de como essas minorias se vêem e reproduzem em comportamento as informações agregadas dos valores impostos nas grandes telas é fundamental para narrar posteriormente a formação pós-moderna dessas populações e o desenvolvimento da narrativa jornalística e audiovisual no estado. Foram encontradas quatro salas de cinema na região duas em Jardim, uma em Guia Lopes da Laguna e uma em Bonito. Das quatro o cinema de maior destaque foi o CineJardim, no primeiro município. O trabalho correu num primeiro momento sob o levantamento bibliográfico e documental para reunir os cinejornais e a listagem dos cinemas na região. Com a ausência de registros nas cidades e a dificuldade financeira encontrada em fazer a gravação dos cinejornais; o foco da pesquisa foi direcionada para o material local disponível para o levantamento: a memória social. Ao incluir no modus operandi o contato e a entrevista com as pessoas, foi necessário reduzir o corpus da pesquisa. Restringimos o espaço para o município de Jardim por ser pólo na região e por ter o principal cinema registrado, o CineJardim, de onde originaram-se fluxos de migração em seu tempo de outras cidades para assistir os filmes dele. Para resgatar a memória sobre o cinema e cinejornais na cidade, escolheu-se a perspectiva antropológica da etnografia conforme o descrito por Geertz (1998), na qual o pesquisador realiza uma descrição densa dos elementos culturais e dos comportamentos sociais para entender os contextos da memória. Depois foram realizadas 45 entrevistas em profundidade, com uma única pergunta-chave: O que você se lembra e do que tem saudade com relação aos cinemas em Jardim?. O entrevistador não interferiu nas respostas que surgiam livremente conforme o entrevistado lembrava. Como resultado, tivemos relatos não-lineares no que se refere ao tempo cronológico, e conseguimos o desejado: relatos com carga afetiva, experiência no espaço, fatos histórico, descrição, tudo a partir do que o entrevistado considerava mais importante e portanto, lembranças que com o qual desenvolve vínculos afetivos. Os entrevistados foram voluntários. Após divulgação nos meios de comunicação da cidade (rádio, jornal e sites) e cartas-convite pregadas em todos os locais públicos, foi marcado um local de fácil acesso onde as pessoas interessadas em ceder suas memórias poderiam ir e efetuar a gravação. Em outro momento, procuramos reuniões de encontro de pessoas idosas para resgatarmos as memórias mais antigas da história do cinema, de onde tiramos verdadeiramente as narrativas de origem e desenvolvimento da cidade. Todos os relatos foram gravados digitalmente em mp3 e decupados na íntegra de modo a incluir as emoções nos relatos no texto escrito. A descrição densa dos aspectos culturais da cidade e o registro integral das memórias nos relatos orais permitiu o desenvolvimento da pesquisa etnográfica, de campo, exploratória. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

203 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 202 Há o apelo popular de todas as gerações ouvidas do retorno no cinema que muitos consideravam patrimônio cultural de Jardim (e de fato o era). Na verdade, com a extinção do espaço-mídia, o patrimônio cultural volta-se a memória social que registra as alteridades e identidades culturais a partir das relações e processos de comunicação no espaço-mídia. RESULTADOS E DISCUSSÃO Enquanto objeto de estudo, os cinejornais representam a mística e técnica do cinema, na preocupação e compromisso do jornalismo do início do século, ainda que utilizado em sua maior parte como aparelho ideológico de formação de opinião pelos governos. A integração primária de áudio, imagem e a técnica cinematográfica de unir elementos do real com as produções com fins representativos, como elemento documental, permitiu o registro histórico e social das populações e identidades culturais mutantes durante o século que devem ser resgatadas e estudadas, para entender os comportamentos e realidades construídas da atualidade. Durante o trabalho, evidenciou-se a ausência de qualquer registro acerca da presença dos próprios cinemas nas cidades. Algumas plantas e escrituras de terreno da década de 70 surgiram como registros materiais únicos. A matéria prima e objeto principal do estudo estabeleceram-se então apenas pelo uso do relato acerca da história das cidades, dos cinemas e depois, dos cinejornais enfim. Em Guia Lopes da Laguna encontraram-se relatos e registro de planta de um cinema, desativado no começo dos anos 90. Em Bonito relata-se a presença de um cinema entre 1980 e Bodoquena não teve cinemas ou salas de exibição. Jardim teve dois cinemas, um iniciado na década de 60, logo após a fundação da cidade, destruído por ordem do comando militar em 1989 (o CineJardim) e, outro comercial, falido pela falta de público e período desconhecido. Os dados históricos não puderam ser conhecidos por registros, mas pela memória das pessoas que vivenciaram essa história. O relato oral por si configurava uma narrativa rica em detalhes e descrição de cenários e personagens, que por si permitiam o entendimento de contextos e formação sócio-política das cidades. A pessoalidade e entendimento, bem como os boatos e interpretação de acontecimentos locais e nacionais estão presentes e todos os objetos, de modo que ao cruzar relatos, é possível encontrar elementos de repetição como partes de texto em todas as narrativas. O projeto de preservação da memória e do patrimônio histórico e cultural sul-mato-grossense pelos cinejornais tem como referenciais teóricos estudos desenvolvidos por autores como Lowenthal (1989) e Le Goff (1994), que desenvolvem pesquisas quanto à história e a memória coletiva, respectivamente. Para Lowenthal, a memória pode ser entendida como um processo que colabora na projeção de um futuro, balizado pelos contextos históricos do passado. Memória, história e relíquias para o autor constituem metáforas mútuas, ou seja, fontes de conhecimento. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

204 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 203 Le Goff também compartilha essa linha teórica explicando que a memória coletiva tem a função de contribuir para o sentimento de pertinência a um grupo de passado comum, que compartilha memórias. Ela garante o sentimento de identidade do indivíduo calcado numa memória compartilhada não só no campo histórico, do real, mas, sobretudo no campo simbólico. Entendeu-se nessa pesquisa a necessidade de se conservar documentos, depoimentos, imagens e áudio; a existência de um suporte material é imprescindível, pois permite registrar o pensar, o sentir, a história, os saberes de uma comunidade em determinado período (RODRIGUES FILHO; VIANNA, 2012). A pesquisa da influência dos cinejornais (produtos culturais-informativos) culminou obrigatoriamente na presença dos cinemas (espaços físicos), possuem transversalmente um ponto de encontro que é base para qualquer estudo de mídia audiovisual na região: a memória audiovisual e sua reprodução carecem de registros e só subsiste nas condições culturais e hereditárias da oralidade. O texto oral não é apenas fonte histórica única, mas patrimônio cultural imaterial e deve ser preservado à medida que conserva em suas especificidades a narrativa do desenvolvimento e da formação cultural, identitária e de território das cidades por meio de sua população. Os relatos das pessoas Dona Gregória, foi uma das voluntárias na pesquisa e muito contribuiu na compreensão do funcionamento do cinema na cidade. Ao contar uma situação engraçada, expõe nas suas lembranças a morosidade com que as películas dos cinejornais chegavam até Jardim. Ainda assim, fica evidente a importância da mídia-espaço para a identificação do jardinense como brasileiro, recebendo noticias dos acontecimentos no território nacional. Deixa eu te contar, esse de Medeiros que era apaixonado pela atriz, era tenente do Exército e morava no Rio. Estava terminando a escola no Rio, e era noivo em Natal, ela em Natal e ele no Rio. Ai quando chegou a minha mãe e telefonou para ela que não podia ir porque ele tava terminando umas provas. Depois do carnaval, se encontraram, se casaram e vieram para Bela Vista. Ai nisso, dois meses depois do casamento, assistindo lá o cinejornal, mas também como estou te falando, dois, três meses depois... Carnaval no Rio de Janeiro, a primeira coisa que ela viu, foi ele. O noivo. Disse que estava fazendo prova a primeira briga do casal. Dois, três meses depois do casamento, entendeu? Era assim os jornais. Então a gente sempre tinha as noticias mas sempre atrasadas. Maria Rosa, também contou sobre sua vivência no espaço-mídia. Em seu relato fica exposto o CineJardim como ponto de referência para compreensão de memórias sobre comportamentos, outros pontos de encontro, atividades de grupos sociais, etc. A gente assistia os filmes que eram importantes, assistia documentários que vinham, mas praticamente era filme de faroeste, que eu lembro, alguns romances, filmes de Tarzan, esse eu acho que assisti todos com meu irmão. Porque, o que acontecia, meu irmão como era menor eu acompanhava ele na sessão das seis, e depois eu ia na sessão das oito, e as vezes era o mesmo filme. Entendeu? Mas ai a gente fazia aquilo como um momento de lazer, de ter companheiros, as amizades. Em frente ao cinema tinha uma pracinha, que normalmente quando a gente saia dali, a gente ficava um pouquinho ali na pracinha, que era um ponto mais elevado do que o cinema. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

205 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 204 Outro relato interessante na compreensão da cultura é a de Seu Elias Cristaldo, ou Seu Lobão, como é conhecido. Morador na cidade desde antes da fundação, pode acompanhar a vida do Cinema desde sua inauguração até a demolição. Destacamos em seu relato as memórias dos conflitos de grupos e territoriais presentes da fronteira dos municípios Guia Lopes da Laguna-Jardim. Tinha trilheiro pra chegar na porta [do cinema], caminho que a turma fala. Então quando eu comecei a vir aqui, que eu estudei em Guia Lopes, em escola particular, eu morava na casa de um professor, mas nós não vínhamos para assistir filme. Nós vínhamos para sacanagem (risos). Porque a gurizada de Guia Lopes e a gurizada daqui brigavam. No tapa mesmo, soco, laço, feio mesmo. Então, nós juntávamos o grupo lá do nosso colégio e outros da cidade, e vínhamos, ai quando chegava ali na ponte, era um caminhão da (...) que chegava ali, o motorista parava o caminhão e ia cobrar as passagens. Nós pulávamos para baixo do caminhão, ele cobrava de todos que estavam lá em cima, dos bobões que estavam lá em cima.quando o caminhão funcionava para ir embora, nós pulávamos pra dentro. A esperteza, as atividades, os grupos sociais, os fluxos migratórios, os conflitos sociais, todos recontados por quem vivenciou a partir de um eixo comum (ou lugar comum). O cinema passa a ser entendido como um espaço-mídia que centraliza as memórias da população e forma uma identidade cultural, que descreve ao mesmo tempo a história das pessoas e do território ocupado. A etnografia desse movimento possibilita o mapeamento da cultura na cidade no espaço-tempo de modo complexo e com centro no personagem-narrador. Foram utilizados aqui fragmentos de apenas três relatos dentre 45. A dimensão de pesquisa alcançada no cruzamento das informações como um todo são a cartografia de uma cidade que tem sua memória social centrada num cinema extinto no espaço, presente nas histórias contadas. CONCLUSÕES Como registrar essa memória sem perder a subjetividade e aspectos de contextualização da narrativa? Apenas o registro histórico feito através da narrativa pode expressar a realidade vivida pela sociedade em outro período. Nesse caso, o registro oral por áudio ou vídeo, torna a narrativa mais fidedigna a vivência dos personagens fontes. Através de tal registro, é possível enriquecer e manter todas as emoções, experiências e opinião sem a interferência de um segundo narrador, que pode sem intenção subtrair todos os sentimentos vividos pelas fontes. Tais sentimentos permitem a valorização da regionalidade, identidade e fontes, que comumente são esquecidas na narrativa histórica que não repassa a vivência da sociedade na época. A multiplicidade de vozes unidas para resgatar a história de um elemento cultural a partir das memórias orais, permitiu que, cruzados, os relatos de vida passados de alguma forma próximo ao cinema, formassem uma narrativa não-linear, esférica e interligada a cada um dos personagens, expondo consciente e inconscientemente, os comportamentos, ideologias, medos, preconceitos, instrumentos de poder, crenças e suas mudanças em função do tempo, da vinda de novas pessoas, de novos media, e de novas tecnologias. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

206 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 205 A memória oral e a narrativa que trata da experiência dos personagens que construíram as cidades e vivenciaram de forma direta a ação dos produtos culturais, é fundamental para o entendimento do desenvolvimento de sua região. A identidade cultural é marca de seus relatos tanto quanto a cidade é testemunha por si do crescimento de suas atividades e população. A perda da oralidade pode representar num cenário pessimista não apenas a perda definitiva da história audiovisual não registrada, mas a perda de marcas de um patrimônio cultural imaterial. Independentemente do meio de comunicação estudado ou analisado, o objeto de pesquisa nesses casos protagoniza no âmbito da oralidade e da memória coletiva que é dinâmica, exclusiva e perecível à medida que com o fim da vida dos personagens, encerra-se a narração dos acontecimentos. O trabalho se mostrou demasiado complexo para a iniciação científica e está tendo continuidade como trabalho de conclusão de curso da graduação, na qual busca-se produzir uma radionovela, que conte a história desse cinema perdido, na voz dos personagens que viveram a história da cidade (que também é a história de suas vidas) na sala de exibição. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

207 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 206 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, S. Geografias e economia política da comunicação: diálogos de fronteira. In: Revista Eletrónica Internacional de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. V. 13, n Disponível em: < Acesso em 12 jul 12. BENJAMIN, W. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In:. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, BOSI, E. Memória e sociedade. São Paulo: EDUSP, CANCLINI, N. G. Cidades e cidadãos imaginados pelos meios de comunicação. Revista Opinião Pública, Campinas, Vol. VIII, nº1, ELHAJJI, M. Migrações, TICs e comunidades transnacionais: o devir diaspórico na era global. In: Anais do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Recife, PE 2 a 6 de setembro de Intercom: Recife, Disponível em: < Acesso em: 3 mai 12. GEERTZ, C. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, HOBSBAWM, E.; RANGER, T. A Invenção das Tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, KESSEL, Z. Memória e memória Coletiva. Disponível em:.< zilda_kessel_memoria_e_memoria_coletiva.pdf>. Acesso em 04 de fevereiro de LE GOFF, J. Memória. In: História e Memória. São Paulo: Editora da Unicamp, LOWENTHAL, D. The past is a foreign country. Cambridge: University Press, OTA, D.; RODRIGUES FILHO, L.C.; NEGRUNY, A. Oralidade e Memória na Serra da Bodoquena: A narrativa oral como forma de registro da cultura audiovisual de uma região. In: Anais do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Fortaleza, CE 3 a 7 de setembro de Intercom: Fortaleza, Disponível em: < Acesso em: 7 set 12. PICHON-RIVIÈRE, E. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes, PICOLLI, B. Memória, história e oralidade. Revista Mnemosine.V.1.nº 1. Jan. a Jun/2010. Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal de Campina Grannde. Campina Grande: UFCG, Disponível em : < mnemosinerevista/volume1/dossie_brasil-colonia/artigos/mnemosi- NE-REVISTA_ BRASIL-COLONIA-VOL1-N1-JAN-JUN-2010-MemoriaHistoriaEOralidade.pdf>. Acesso em 12 mar 12. RODRIGUES FILHO, L.C.; VIANNA, R. O cinejornal e o registro da memória e do patrimônio cultural na Serra da Bodoquena. In: Anais do XIV Congresso de Ciências da Comunicação da Região Centro-Oeste. Campo Grande: Intercom, TEDESCO, J. Nas Cercanias da Memória: temporalidade, experiência e narração. Passo Fundo, RS: UPF; Caxias do Sul, RS: EDUCS, TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. 2ª ed. V. 1. São Paulo: Insular, WOLF, M. Teorias da Comunicação. 5ª ed. Lisboa: Ed. Presença, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

208 ETNOGRAFIA DO CINEMA E CINEJORNAL NA SERRA DA BODOQUENA 207 ZILBERMAN, R. Memória entre oralidade e escrita. Revista Letras de Hoje. V. 41. nº 3. p.117 a 132. Porto Alegre: PUC-RS, Disponível em: < pucrs.br/ojs/index.php/fale/article/viewfile/621/452>. Acesso em 13 maio Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

209 ISSN: SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA ¹. Jéssica Alves Tropaldi² Resumo Propõe-se uma análise acerca do tropicalismo e de sua propagação, enfatizando o papel de Caetano Veloso enquanto um dos principais líderes da tropicália. Para tanto, faremos uma caracterização do movimento e do contexto histórico no qual se inseri a Tropicália. Neste contexto, pretende-se perceber as propostas de inovação que o movimento Tropicália buscou instaurar na música popular brasileira e sua vinculação através dos meios de comunicação. Palavras-chave: Tropicália ; Caetano Veloso; Música; meios de comunicação; ¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS.. ²Estudante de Graduação 7º semestre do Curso de História da UFGD, bolsista PIBID, jessicatropaldi@hotmail.com Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

210 TROPALDI, Jéssica Alves 209 O MOVIMENTO TROPICÁLIA As manifestações artísticas constantemente estão à procura de novas perspectivas, buscando romper com conceitos ultrapassados na tentativa de formular uma expressividade coerente com seu tempo. Todavia, a maior parcela dos indivíduos não estão preparados para linguagens transformadoras, por isso rejeitam o que lhes espantam, o novo e dessemelhante. Foi o que ocorreu com o movimento Tropicália. Conforme TOFFANO (2009), a tropicália foi um movimento artístico-cultural ocorrido no Brasil e tem seus episódios instituidores centrados em 1967, ainda que o movimento tenha tomado proporções somente em 1968, a partir de um manifesto despretensioso de Nelson Motta no jornal Última Hora do Rio de Janeiro, intitulado Cruzada Tropicalista. O movimento brotou sob influência de diversas correntes artísticas, dentre elas, se destacam, a vanguarda, a cultura pop nacional e a estrangeira. A tropicália atinge diferentes áreas artísticas, podendo ser considerada uma síntese do radicalismo cultural que tomou conta da sociedade, sobretudo de sua juventude. Segundo Correa (2009), o movimento executou uma espécie de análise crítica da cultura brasileira na esfera lingüística, do conhecimento e do consumo, provocando, como se aguardava, reações de aversão. Por meio desta revisão, esse grupo autenticou sua ação, pois instituiu incompatibilidade com outro movimento ou ideologia avaliada como influente, fazendo releituras de suas problemáticas e apontando suas incoerências. Devido, as características contidas no diagnóstico a cima, a singularidade do tropicalismo se revela na situação em que apareceu, quando comparada com a ideologia de protesto (FAVARETTO,1996, p.127) A Tropicália trás consigo uma nova perspectiva que contrapõe as inclinações da música brasileira do período, Conforme enfatiza ZEMANOVÁ: A música brasileira pós-bossa Nova e a definição da qualidade musical no país estavam cada vez mais dominadas pelas posições tradicionais ou nacionalistas de movimentos cujas idéias foram orientadas à esquerda. Contra essas tendências, os tropicalistas procuraram universalizar à linguagem da música popular brasileira incluindo elementos da cultura jovem mundial, como o rock, a psicodélica, a guitarra elétrica. As idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas também da própria cultura nacional. (ZEMANOVÁ, 2009, p.10) O movimento embasava-se na estética e almejava que as manifestações artísticas mudassem. No âmbito da musical, restauraram as letras das músicas e incorporaram novas alusões do seu tempo. Os Tropicalistas 4 quebraram paradigmas no país, quando misturaram rock mais bossa nova, samba e bolero, logo, que na visão tradicionalista da temporalidade tais combinações eram impensáveis. Além da música o movimento abarcou uma diversidade de manifestações artísticas, entre elas, estão: o teatro, a literatura, as artes plásticas, a poesia e o cinema. No seio destas manifestações tropicalistas são perceptíveis fins políticos e sociais, principalmente comportamentais, que encontraram eco em boa parte da população que vivia sob o regime militar. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

211 TROPALDI, Jéssica Alves 210 Conforme Napolitano (2001), a tropicália pode ser vista como contestação a uma conjuntura das propostas de engajamento cultural, abalizada na cultura nacional-popular e que cada vez mais era submergida pela indústria cultural e isolada do contato direto com as massas, após o golpe militar de 1964, os gêneros artísticos tinham como ponto de referência apenas a elite e as produções artísticas buscavam atender, sobretudo, este público alvo. Sendo assim, as massas estavam vivendo a margem no que se alude à representação cultural, o movimento tropicalista vem buscar contestar estes padrões. Os tropicalistas inversamente aos artistas nacionalistas de esquerda acreditavam que entender a cultura de massa tinha tanta importância quanto entender as massas revolucionárias (ZELANOVÁ, 2009, 12). Contrariamente a proposta da esquerda nacionalista, que atuava no sentido da superação histórica do nosso obsoletismo, os males de origem, sendo o subdesenvolvimento e o conservadorismo, conforme Napolitano (2001) o tropicalismo surgiu assumindo as características do país, suas relíquias. Essa nova postura dos artistas por um lado se afastava da crença da superação histórica do arcaísmo (não só estéticos, mas, sobretudo, socioeconômicos) base da cultura de esquerda [...] o artista, neste princípio, seria um antropófago e ao deglutir elementos estéticos, diferentes entre si aumentaria sua força criativa (NAPOLITANO, 2001, p.65). Ainda de acordo com o mesmo autor, o estilo adotado pelos tropicalistas causou estranheza por parte do público, pois o tropicalismo justapõe elementos múltiplos e fragmentados da cultura brasileira, o movimento retoma o princípio de antropofagia do poeta Osvaldo de Andrade. O conceito devorar de Osvaldo de Andrade esteve presente no movimento tropicália e foi essencial para rediscutir a produção cultural e se torna um procedimento seguido pelos próprios tropicalistas para a conquista da finalidade de ser mais que apenas um movimento musical, como afirma Veloso (1997). A idéia do canibalismo cultural servia-nos aos tropicalistas como uma luva. Estávamos comendo os Beatles e Jimmy Hendrix. Nossas argumentações contra a atitude defensiva dos nacionalistas encontravam aqui uma formulação sucinta e exaustiva. Claro que passamos a aplicá-la com largueza e intensidade, mas não sem cuidado, e eu procurei, a cada passo, repensar os termos em que a adotamos. Procurei também e procuro agora relê-la nos termos originais tendo em mente as obras em que ela foi concebida para defender, no contexto em que tal poesia e tal poética surgiram. Nunca perdemos de vista, nem eu nem Gil, as diferenças entre as experiências modernistas dos anos 20 e nossos embates televisivos e foto mecânicos dos anos 60. (VELOSO, 1997, p.248) De acordo com Caetano Veloso (1997), os tropicalistas retomaram as considerações de Osvaldo tendo em vista promover uma reivindicação do cenário cultural brasileiro, buscando a introdução de elementos distintos de outras matrizes culturais, das raízes mais antigas as mais atuais. O movimento foi reprimido pelo governo militar com o decreto do Ato Institucional nº 5 (AI-5), em dezembro de Quando Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos e, depois, exilam-se na Inglaterra. Porém, a cultura brasileira estava marcada por esta nova proposta que persiste até os dias atuais. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

212 TROPALDI, Jéssica Alves 211 A TROPICÁLIA NA ESFERA MUSICAL Conforme vimos anteriormente o tropicalismo se expressou nas diversas áreas artísticas, contudo, vamos nos ater, apenas ao gênero musical e foi neste campo que o tropicalismo ganhou maior evidencia e notoriedade, sobretudo após a apresentação da canção Alegria, alegria de Caetano Veloso e Domingo no Parque do cantor Gilberto Gil essas duas músicas são consideradas o marco do movimento, e foram apresentadas no festival de A música tropicalista tinha como especificidade a inovação estética 5 e a experimentação. Os artistas utilizavam algumas das obras literárias de Oswald de Andrade, o que proporcionou canções com status de poesia. Entre os cantores que participaram do movimento estão, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Guilherme Araujo, Torquato Neto, Tom Zé, entre outros. Um dos mais importantes nomes do movimento tropicalista, Caetano Veloso nasceu no dia 07 de agosto de 1942 na cidade de Santo Amaro da Purificação no estado da Bahia. Em 1965 o músico, cantor, compositor e escritor inseriu-se profissionalmente no meio músical, com o trabalho Cavaleiro/Samba em Paz, neste período, Caetano conheceu Gil, Gal e Tom Zé. No ano de 1967, Caetano Veloso lançou a música Alegria, Alegria e passou a ser visto como um dos lideres do movimento Tropicalismo, conforme ZEMANOVÁ (2009). Nos anos 60, o Brasil passava por uma grande ebulição cultural. A música era a manifestação artistíca mais aceita, por isso os primeiros ídolos da televisão foram músicos e cantores. Nesse perído a TV Record criou os Festivais de Música Popular Brasileira, um marco na história da música brasileira, devido a correlação que estabeleceram, pelas argumentação que explodira, pelo espaço que ocuparam em meio à ditadura militar. Foi nesse espaço que exclodiu o movimento tropicália, no festival de 1967 onde Caetano apresentou uma canção que pretendia ser uma espécie de manifesto, uma resumo subjetivo das conversas e discussões sobre os novos rumos estéticos da música popular brasileira. Conforme Veloso (1997), ao compor a música Alegria, Alegria pretendia que a canção fosse fácil, mas que tivesse como característica uma nova atitude na qual se esperava inaugurar. A música foi cantada no terceiro Festival de MPB da TV Record, e para o espanto de todos, juntamente com Caetano estava um grupo argentino de rock tocando guitarras, é importante salientar que os instrumentos elétricos não eram bem aceitos nos festivais, sendo vistos como uma manifestação de alienação ou de sentimento antinacionalista. Mesmo diante dos impasses enfrentados, devido às inovações que Alegria, alegria trazia, a música acabou conquistando popularidade. A letra da canção era totalmente inovadora para a Música Popular Brasileira. Podemos realçar dois aspectos que estão contidos na letra de Caetano, que são fundamentais para compreendermos as tendências do tropicalismo. O primeiro aspecto destacado pela letra é a critica aos intelectuais de esquerda: por entre fotos e nomes sem livros e sem fuzil Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

213 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 212 sem fome, sem telefone no coração do Brasil De acordo com ZEMANOVÁ (2009), Caetano crítica às grandes palavras dos intelectuais, que não se tornaram reias. O segundo aspecto é a presença dos meios de comunicação de massa: ela nem sabe, até pensei em cantar na televisão Caetano busca enfatizar a efervescência cultural que estava incidindo no Brasil a partir dos meios de comunicação de massa. Apesar do nome da música ser Alegria, Alegria, muito de seus ouvinte denominou a de Sem lenço, sem documento, logo abaixo, Caetano faz menção as possíveis causas deste fato ter ocorrido e explica qual o significado de alguns do versos da música. Não creio que isso se deva simplesmente ao fato de a expressão alegria, alegria! não constar da letra da música. É mais provável que a fenda de ironia que separa a canção de seu título tenha dissociado drasticamente uma do outro na mente do ouvinte comum. De todo modo, sem lenço, sem documento corresponde à idéia do jovem desgarrado que, mais do que a canção queria criticar, homenagear ou simplesmente apresentar, a platéia estava disposta a encontrar na canção. O verso que se segue à segunda aparição desse quase-título - Nada no bolso ou nas mãos - foi tirado diretamente da última página de As palavras de Sartre: numa brincadeira comigo mesmo, eu tinha enfiado uma linha do que para mim era o mais profundo dos livros numa canção de circunstância. A ambição que tinha me levado a compor tal canção, no entanto, era grandiosa e profunda. (VELOSO, 1997, p.114) Sendo produzida em um período histórico em que o governo ditatorial adotava mecanismos para reforçar o poder em suas mãos, onde as pessoas não tinham liberdade de escolha e de expressão, Caetano vem quebrar paradigmas com a música Alegria, alegria, sugerindo a liberdade, o destemido nas entrelinhas da canção. Alegria, alegria é carregada de ideologias e idéias que são contrarias as normas estabelecidas, pois Caetano vem propor um caminho oposto, esta recomendação de aversão, não pauta-se apenas na conduta das pessoas, mas também na forma de produção cultura. Já que, enquanto muitos artistas combatiam a influencia da música estrangeira na Música Popular Brasileira, o tropicalismo apóia a evolução musical, adotando instrumentos elétricos. Enfim, o movimento tropicalista foi um marco inovador na história da cultura popular brasileira, causador de muito polêmica, para os defensores do purismo, para os intelectuais de esquerda, e para os militares que viam o movimento como subversivo. Além disso, é necessário enfatiza a importância dos meios de comunicação, sobretudo da TV. A televisão foi Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

214 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 213 um dos principais meios de atuação do movimento tropicalista, neste sentido se destacam os festivais de música popular da época, com as aparatosas apresentações, em arranjos eletrificados. Portanto, os meios de comunicação teve o papel de veículo propagador destas novas manifestações artísticas que rompeu paradigmas e modificou a configuração cultural no Brasil. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

215 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 214 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS CORREA, Priscila Gomes. Crítica e a Tropicália. São Paulo: Contemporâneos, 2009 FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial,1996.VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, NAPOLITANO, Marcos. Cultura brasileira: utopia e massificação. São Paulo: Contexto, TOFFANO, Maria Jacira. Caetano Veloso e a tropicália: a releitura da antropofagia. Textos do Brasil: São Paulo, ZEMANOVÁ, Lenka. A vida e a obra de Caetano Veloso na época do tropicalismo. São Paulo: Contemporâneos, GUEDES, Andrioli Wallace. Brasil Canibal: Antropofagia no Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade f. Dissertação (Mestrado em História) Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói Disponível em: CONTIER, Arnaldo Daraya, et al. O movimento tropicalista e a revolução estética. Cad. de Pós-Graduação em Educ:São Paulo, Disponível em: HTTP// Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

216 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 215 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

217 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 216 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

218 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 217 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

219 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 218 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

220 SOM QUE ECOA: O MOVIMENTO TROPICÁLIA E A MÚSICA ALEGRIA, ALEGRIA 219 Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

221 ISSN: REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRA- VÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ ¹ Cláudia Gisele Masiero² Janice Roberta Schröder³ Cristina Ennes da Silva 4 Resumo Este estudo pretende refletir sobre as questões e os conceitos básicos relativos à Memória, suscitando-os através da obra Como se fosse a primeira vez (2004). Busca-se assim, uma interdiscursividade entre os estudos dos principais autores ligados ao tema como: Catroga (2001), Halbwachs (1990), Le Goff (1996) e Pollak (1992) e algumas situações vividas pelas personagens do filme. Nota-se a importância da Memória para a formação da identidade dos sujeitos e para a sua inserção na sociedade, reforçando os sentimentos de pertença. Palavras-chave: Memória; Cinema; Identidade. ¹Trabalho apresentado no 1º Encontro Centro-Oeste de História da Mídia Alcar CO 2012, 31/10 e 01/ , Unigram/ Dourados/ MS.. ²Bolsista PROSUP/CAPES, Mestranda em Processos e Manifestações Culturais, Universidade FEEVALE/RS/BR, claudiamasiero@ feevale.br. ³Mestranda em Processos e Manifestações Culturais Universidade FEEVALE/RS/BR, janicerobertas@hotmail.com. 4 Orientadora do trabalho. Doutora em História PUCRS. Professora no Programa de Pós-Graduação em Processos e Manifestações Culturais da Universidade FEEVALE/RS/BR, crisennes@feevale.br. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

222 MASIERO, Cláudia Gisele 221 Introdução A memória faz parte do individuo e está mais presente no seu cotidiano do que normalmente percebemos, porém, nos últimos anos, vários estudos acadêmicos tem procurado discorrer sobre esse tema e dar-lhe a devida importância. Este estudo procura fazer uma reflexão sobre os conceitos e questões relativas à memória, segundo alguns autores, tais como Catroga (2001), Halbwachs (1990), Le Goff (1996) e Pollak (1992). Assim, para tornar essas ideias mais inteligíveis e ao mesmo tempo refletir sobre elas, procuramos exemplificá-las através de situações concretas. Para tanto optamos por utilizar algumas situações vividas pelas personagens do filme Como se fosse a primeira vez (2004), que através de sua narrativa, trabalha com memória e esquecimento, principalmente com a perda da capacidade de transformar acontecimentos recentes em memória permanente. O filme em questão não se trata de um clássico do cinema mundial, mas podemos dizer que tem uma interessante história e ao final, no acender das luzes, teremos a amostra de que uma comédia romântica pode dialogar com questões teóricas e proporcionar melhor entendimento do assunto abordado. Buscamos, assim, fazer o que Nova (1996) chama de dissecar os significados ocultos, mas presentes na narrativa, ou seja, elementos que levem ao debate acerca da memória. Também fazemos uso de outra ideia da referida autora que diz que um filme diz tanto quanto for questionado. São infinitas as possibilidades de leitura de cada filme (NOVA, 1996, p. 3). É preciso dizer ainda que não buscamos elementos da realidade na ficção, mas sim elementos na própria obra ficcional que ajudem a entender como se processam as questões da memória. Pretendemos utilizar o modelo de análise proposto por Nova (1996), que segundo ela, não é um esquema fechado, podendo se enquadrar em qualquer tipo de estudo. Assim, seguindo os passos de análise propostos, primeiramente faremos uma leitura da crítica externa do filme, ou seja, resgate de aspectos externos: cronologia, levantamento da equipe técnica e público alvo, entre outros aspectos. A segunda parte consiste em uma crítica interna, ou seja, análise de todos os elementos que são colocados de forma explícita: diálogos e enredo, por exemplo. É, segundo Nova, extrair dele o que é dito de forma direta (1996, p5). Ainda nessa etapa, se faz uma análise do conteúdo implícito do filme, o conteúdo existente nas entrelinhas, de tudo aquilo que os produtores queriam que chegasse ao espectador, mas não o fizeram, por algum motivo particular, direta e claramente (NOVA, 1996, p.5). É necessário dizer que essas duas etapas estão intimamente ligadas às intenções (objetivos conscientes) dos produtores com a película. E a terceira e última etapa busca dar conta dos elementos inconscientes existentes no filme, tudo aquilo que não está entre as intenções de quem produziu o filme. Nessa última etapa, especificamente nesse estudo, buscamos uma interdiscursividade entre os conceitos de memória e algumas situações vividas pelas personagens do filme. 1. O filme O filme Como se Fosse a Primeira Vez ( 50 First Dates, título original em Inglês), é um longa metragem, classificado como comédia romântica, lançado em 2004 e distribuído pela Columbia Pictures 5. 5 Informações retiradas dos sites IMdb e AdoroCinema. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

223 MASIERO, Cláudia Gisele 222 Foi dirigido por Peter Segal, que dirigiu entre outros filmes Tratamento de Choque (2003) e Meus Queridos Presidentes (1996). Escrito por George Wing, que não tinha nenhum grande trabalho antes desse e produzido por Jay Roach, conhecido por dirigir e produzir Entrando numa fria (2000). Em seu elenco conhecidos atores do cinema americano como Adam Sandler (Henry Roth), de O Paizão (1999) e Click (2006) e Drew Barrymore (Lucy Whitmore), de Para Sempre Cinderela (1999) e As Panteras (2000), no papel das personagens principais. Também atuaram nesse filme Rob Schneider (Ula), do filme Gigolô por Acidente (1999) e Dan Aykroyd que atuou em Meu Primeiro Amor (1991). O filme não figura entre as maiores bilheterias nem nos EUA, nem no Brasil, mas obteve um alcance considerável, possivelmente devido aos conhecidos atores que o estrelaram. Ao que percebemos foi aceito pelo público, mas não foi tão bem aceito pela crítica. A história se passa no Havaí. Henry é um veterinário de animais marinhos que costuma conquistar as turistas que passam pela ilha. Certo dia seu barco estraga, precisa atracar e, então, numa parada forçada, conhece Lucy ao ir a uma lanchonete. Ela, uma moça que vive no lugar, sofre da síndrome de Goldfield. (síndrome fictícia, criada para a trama), sequela de um acidente de automóvel. Em decorrência disso ela se recorda somente do que se passou em sua vida até o dia em que sofrera o acidente, deste episódio nem mesmo lembra, pois perdeu a capacidade de reter informações novas. Assim durante o sono, esquece tudo o que se passou durante o seu dia e, ao acordar, pensa sempre ser o mesmo dia, um domingo, aniversário de seu pai, quando aconteceu a tragédia. Seu pai e seu irmão deixam o jornal daquele dia para ela ler e agem para que ela continue convencida de que realmente está naquele tempo que pensa estar, pois nos dias em que algo dá errado e Lucy percebe que o tempo passou e que de nada se recorda, tudo lhe parece estranho e ela sofre muito. No primeiro encontro Henry e Lucy iniciam com uma boa relação, mas no dia seguinte quando ele volta para vê-la, ela não o reconhece e se assusta com a abordagem do rapaz. A dona da lanchonete, amiga de Lucy, explica a ele o problema que ela tem. Assim, todos os dias o jovem tenta reconquistá-la, usando as mais diversas artimanhas. Ao final eles se casam e partem para uma viagem de barco ao Alasca (antigo sonho de Henry) e a perda de memória é contornada com a ideia de passar um vídeo para Lucy de sua vida pós-acidente, todos os dias, quando ela acorda. Podemos dizer que se trata de uma tradicional comédia romântica produzida aos moldes do cinema americano. Traz estrelas consagradas no seu elenco, trilha sonora marcante e termina com o tradicional final feliz. Além de ter o objetivo de entreter, há também o romantismo, a conquista e a valorização das relações duradouras. Provavelmente, o filme queira mostrar a suposta importância do amor na vida das pessoas, uma vez que Henry muda totalmente sua postura ao se apaixonar por Lucy e ela, por sua vez, passa a viver plenamente após encontrá-lo, pois ele lhe ajuda a enfrentar o seu problema de memória, que antes disso lhe era escondido. Ao analisar essas questões e realizar interpretações acerca do filme sabemos que estamos fazendo uma interpretação subjetiva e ainda que possivelmente não se compreenda na totalidade a ideia do seu autor, pois Toda produção cinematográfica é um produto coletivo, não apenas por conter elementos comuns a uma coletividade, mas por ter sido, de fato realizada por uma equipe (diretor, produtores, financiadores e tantos outros). No entanto, nem isso, nem os seus condicionamentos Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

224 MASIERO, Cláudia Gisele 223 sociais eliminam a presença do caráter individual e artístico de cada obra, cuja análise é, por vezes, dificultada pelo fato da arte nem sempre seguir modelos lógicos e coerentes e possuir um grau elevado de subjetividade (NOVA, 1996, p. 3). Assim, deixando claro que o que dizemos sobre ele se trata de uma interpretação, ainda podemos acrescentar que o filme, quando se propõe ser romântico, traz cenas bem feitas e trabalhadas, mas quando se propõe a ser comédia se torna um tanto tolo, trazendo cenas como o vômito de uma morsa ou Lucy espancando um homem com um bastão de maneira demasiada. O filme comove pela sua mensagem de amor e persistência, mas não convence nas cenas cômicas. 2. O filme e as questões de memória O problema de Lucy de não reter acontecimentos recentes na memória, é um elemento que perpassa toda a narrativa, desencadeando-a. Porém, o tema não vai além disso, uma vez que até mesmo a síndrome da qual ela sofre não é real. Então, as questões de memória, sobre as quais queremos refletir, estão implícitas na narrativa. Buscamos suscitá-las através de algumas situações vividas pelas personagens, relacionando-as com o que importantes autores discorrem sobre elas. Primeiramente podemos dizer que a memória é um fenômeno construído social e individualmente (POLLAK, 1992, p. 5), então, passamos a debater sobre esse processo através da narrativa fílmica em questão. Le Goff escreve que: A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas (LE GOFF, 1990, 366). Percebemos que no filme, Lucy não tem essa capacidade de atualizar as informações sobre a sua própria história, pois se esquece durante o sono do que viveu ao longo do dia. Por esse motivo, quando a encenação de sua família, para que não perceba o seu problema, falha e assim ela percebe que o tempo passou, sente-se deslocada e perdida. Diferentemente do que ocorre com uma pessoa na qual a memória opera normalmente e que entende o contexto no qual está inserida porque este é atualizado por sua memória. Dessa forma, vemos que a memória nos ajuda a entender o presente porque organiza os acontecimentos passados e assim o torna inteligível. Presente esse que, no filme, Lucy não é capaz de ler, e por isso é estranho para ela. Podemos complementar essas primeiras informações dizendo que os fenômenos da memória, tanto nos seus aspectos biológicos como nos psicológicos, mais não são do que os resultados de sistemas dinâmicos de organização e apenas existem na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui (LE GOFF, 1990, p.367). Além de conservar e atualizar informações, também é a memória um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia (LE GOFF, 1996, p.476). Nesse sentido, ao conseguirmos, através da memória, ter consciência das experiências pelas quais passamos e das escolhas que fizemos, enfim do que aprendemos, somos capazes de formar nossa identidade. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

225 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 224 Vemos isso no filme quando, ao acordar, certo dia, junto de seu namorado Henry, Lucy começa a gritar e depois a agredir o rapaz, em uma das cenas cômicas do filme. A moça já havia aceitado o pedido de namoro dele no dia anterior, mas como de nada se lembrava no dia seguinte, nem mesmo de quem ele era, ficou bastante espantada com a situação. Podemos dizer que ela não se reconheceu como namorada de Henry, não conseguiu assumir essa identidade, isso porque sua memória não a completou e nem a atualizou. Acerca dessa relação ainda podemos dizer que a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, na medida em que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si (POLLAK, 1992, p.5). A memória não é somente individual, ela também precisa do coletivo 6, como explica Catroga (2001), ninguém se recorda exclusivamente de si mesmo, e a exigência de fidelidade, que é inerente a recordação, incita ao testemunho do outro; e muitas vezes a anamnesis pessoal é recepção de recordações relatadas por outros e só a sua inserção em narrações coletivas, reavivadas por liturgias de recordação, é que lhes dá sentido. Halbwachs, por sua vez, explica que nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos e com objetos que só nós vimos. É porque em realidade nunca estamos sós. Não é necessário que os outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem (1990, p. 26). Assim, as lembranças que Lucy possui anteriores ao acidente, são as vividas em família, que é o dia do aniversário de seu pai, que é domingo, dia de ir à sua lanchonete preferida tomar café da manhã, enfim, são lembranças de sua vida em sociedade, lembranças compartilhadas. E, quando percebe que não se recorda do acidente que sofreu, precisa do testemunho do outro para que sua existência faça sentido. Porém é preciso dizer que ela não consegue interagir com essas informações porque em sua memória ela nada guardou desses acontecimentos que lhe são relatados, é como se não os tivesse vivido. Ou seja, ela não reconstrói as suas lembranças a partir dessas informações porque não dialoga com elas. Diferentemente de um sujeito comum que combina as suas lembranças com as que lhe são relatadas. Como explica Halbwachs, para que nossa memória se auxilie com a dos outros, não basta que eles nos tragam seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recordam possa ser construída sobre um fundamento comum (1990, p.34). 6 Não estamos aqui falando de memória coletiva, que é um outro conceito, que pode ser melhor compreendido através da leitura de Le Goff (1990) e Halbwachs (1990), mas que não cabe nesse estudo. O que poderíamos acrescentar para ilustrar essa questão é que o próprio acidente sofrido por ela e seu pai faz parte da memória da comunidade na qual vivem, fato que fica claro porque todos sabem desse fato e ajudam Lucy com seu problema. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

226 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 225 Como a moça não tem essas lembranças, não há pontos para que possa relacionar com as que lhe são apresentadas, ou seja, apenas as assimila, entendendo que também são suas, mas, voltamos a dizer, não é capaz de construir uma memória, apenas a recebe. A memória não registra a totalidade de nossas vivencias e experiências, ela é seletiva. Como diz Pollak, nem tudo fica gravado e nem tudo fica registrado (1992, p.4). O vídeo que Henry faz, com alguns episódios da vida de Lucy, para que ela sabia do que aconteceu e possa começar seu dia sem estranhamentos, de certa forma, exemplifica o trabalho da memória e também como ela age. Henry, já então marido de Lucy, faz uma montagem de algumas partes de suas vidas, iniciando pelas fotos do acidente, depois do namoro, casamento, ou seja, faz recortes, seleciona alguns momentos. Assim também age a memória, nem tudo é arquivado, ou reavivado por ela, mas sim faz uma seleção do que faz sentido ao próprio sujeito. Outro exemplo disso é que Lucy, devido ao agravamento de seu problema, foi internada em uma clínica e lá fez muito desenhos do rosto de Henry, sem ter consciência de quem se tratava. De alguma forma, a memória dela guardou o rosto dele, certamente pelo que o rapaz representava para ela. Com isso, na narrativa, possivelmente se quis mostrar o quanto ele era importante em sua vida, por ser significativo foi armazenado em sua memória. Foi a única imagem nova que consegui reter depois do acidente. Desse modo podemos verificar que a memória nunca é um mero registro, pois é uma representação afetiva (CATROGA, 2001, p. 46). Ainda segundo Pollak, a memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento (1989, p.7). Assim, esse vídeo, feito por Henry, é o que lhe confere referências sobre o passado e a situa na narrativa de sua própria vida, ou seja, lhe ajuda a reforçar o sentimento de pertencimento àquele grupo, só então se reconhece como esposa e posteriormente como mãe, quando sua filha surge na narrativa. Segundo Pollak, a memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do momento consistem um elemento de estruturação da memória (1992, p.04). No filme vemos essa questão quando a personagem principal lê o jornal do dia e se dá conta de que não é a data em que pensa estar. Desse momento em diante ela busca reestruturar sua memória, buscando entender-se, movida pelas preocupações que estava vivenciando. Para o autor acima citado, além da memória ser flutuante, ou seja, mutável, ela também ao mesmo tempo, guarda pontos ou marcos relativamente invariantes, imutáveis e quando isso ocorre, ele explica que foi um trabalho tão importante de solidificação da memória que impossibilitou a ocorrência de mudanças. Na narrativa fílmica, a cena do acidente, ao qual já nos referimos, é mostrada sempre da mesma forma, focando os mesmos elementos, é como que uma lembrança imutável. Outro importante aspecto acerca da memória tratado por Pollak (1992) é sobre os seus elementos constituintes. São assim, o que chama de acontecimentos, vividos pessoalmente ou vividos pelo grupo ou pela Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

227 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 226 coletividade à qual a pessoa se sente pertencer, constituídos por pessoas, personagens e por fim por lugares. Os lugares de memória, por exemplo, são frequentemente invocados em Como se fosse a primeira vez. O início da narrativa se passa em uma lanchonete, um lugar que permeia as lembranças da personagem principal, para onde vai todos os dias tomar café da manhã e onde então, conhece o amor de sua vida. A casa de Lucy permanece como estava no dia do acidente para que ela não perceba sua falta de memória com tudo o que se passou desde então. Como é artista, todos os dias ela pinta a parede da garagem, como se nunca houvesse feito isso antes, seu pai, então, deixa a parede novamente branca (cobrindo a sua pintura) para que no dia seguinte ela a possa repintar. A casa dela parece ser o lugar de memória mais marcante no filme, pois aquele espaço lhe ajuda a manter as lembranças em ordem. Sabemos que, segundo Bachelard (1998) que as lembranças do mundo exterior, nunca hão de ter a mesma tonalidade das lembranças da casa. Talvez por isso tanto zêlo seja demonstrado em manter a casa como Lucy dela se recorda, o que não vemos com os outros ambientes, como a lanchonete, por exemplo. Ao cheirar as mãos de Henry e sentir cheiro de peixe, Lucy lembra de seu pai e de seu irmão, que são pescadores e segundo ela, têm aquele mesmo odor. Isso a fez recordar também dos dias em que eles passavam no mar e que ela sentia muita falta deles. Sabemos, então, que nas lembranças mais próximas, aquelas de que guardamos recordações pessoais, os pontos de referência geralmente apresentados nas discussões são, como mostrou Dominique Veillon, de ordem sensorial: o barulho, os cheiros, as cores (POLLAK, 1989, p. 9). A importância desses elementos que reativam a memória nos é, então, descrita por Catroga (2001), que lembra que A memória só poderá desempenhar a sua função social através de liturgias próprias, centradas em reavivamentos que só os traços-vestígios do pretérito são capazes de provocar, portanto o seu conteúdo é inseparável dos seus campos de objetivação e de transmissão linguagem, imagens, relíquias, lugares, escrita, monumentos e dos ritos que o reproduzem (CATROGA, 2001, p.28). Se a memória perpassa toda a narrativa fílmica, como já dissemos, também o esquecimento é um dos pontos fundamentais do seu desenvolvimento, uma vez que é justamente porque Lucy não retêm as informações sobre o que vive durante o seu dia, ou seja as esquece, é que temos a problemática que move as personagens no filme. É uma outra maneira pela qual podemos analisar as questões de memória, porque sabemos que Por conseguinte, existem nas lembranças de uns e de outros zonas de sombra, silêncios, não-ditos. As fronteiras desses silêncios e não-ditos com o esquecimento definitivo e o reprimido inconsciente não são evidentemente estanques e estão em perpétuo deslocamento. Essa tipologia de discursos, de silêncios, e também de alusões e metáforas (POLLAK, 1989, p.6). O esquecimento do qual se refere o autor acima citado, vai além do causado por um dano físico, como no caso de Lucy, mas mais próximo dos silenciamentos feitos pela família e amigos diante do seu problema, no início da história, quando nada lhe diziam e procuravam esconder tal fato. Ainda conforme o autor, essas memórias, que conceitua como marginalizadas, podem emergir em algum momento conforme circunstâncias do presente, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

228 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 227 fazendo assim uma reinterpretação do passado. Isso se aplica a toda forma de memória seja ela individual, coletiva, familiar ou de um pequeno grupo. Tais memória permanecem soterradas até que possam aproveitar uma ocasião para invadir o espaço público e passar do não-dito à contestação e à reivindicação (POLLAK, 1989, p. 7). Esse silêncio, ao exemplo do filme, pode ser provocado por situações dolorosas, traumatizantes, mas também pode estar ligado a situações de dominação, de culpa ou mesmo vergonha. Podemos ainda fazer mais algumas outras considerações acerca do filme, por exemplo, refletindo sobre o nome das personagens principais. Cassier (2006) explica que o nome não é nunca um mero símbolo, sendo parte da personalidade de seu portador, para ele é o nome que faz do homem um indivíduo. Assim não podemos deixar de pensar na escolha do nome Lucy, que significa você é maravilhosa no idioma etíope (amhárico), que sendo assim, ajuda a transmitir a mensagem do filme, pois é justamente dessa forma que Henry a vê, sem se importar com o seu grave problema de memória, ela é a mulher da sua vida. Por sua vez, Henry, nome inglês, quer dizer senhor da casa, ou o senhor a fortaleza, mais uma vez condizete com a narrativa, na qual o personagem é uma fortaleza para Lucy, passa a ser seu porto seguro, quem lhe ajuda com as dificuldades que enfrenta diariamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Fundamentalmente, nesse filme, temos implícita a importância da memória na vida do sujeito, vista através de todas as complicações que vive a personagem principal por não tê-la em prefeito funcionamento. Vemos a tentativa de fazer com que Lucy não se dê conta de que não é capaz de armazenar informações novas em sua memória permanente, uma vez que sem isso ela se sente deslocada, perdida, não se reconhece, não organiza sentimentos de pertencimento e não constrói sua identidade, como vimos anteriormente. Ou as pessoas ao seu redor trabalham para que ela consiga viver normalmente com as lembranças anteriores ao acidente que sofreu, sem a necessidade de incluir informações novas, permitindo que ela faça tudo igual, todos os dias, ou oferecem a ela todos os dias, as suas memórias. Do contrário, sua vida passa a ser uma constante agonia. A memória não tem, então, somente uma função psíquica, mas tem uma função social. Debates como esse acerca da memória são pertinentes, assim cremos que o são, porque esclarecem o processo de formação das identidades e de pertencimento que constituem o sujeito. Possibilitando assim, que possamos refletir sobre a nossa própria construção enquanto sujeitos, entendendo nossas lembranças, o que elas significam, porque determinado fato, lugar ou fala nos são significativos, como são arquivados e viram nossas lembranças. Não para controlarmos nossa memória, porque isso nem mesmo possível é, mas para que tenhamos consciência desse processo, muitas vezes inconsciente e que acaba por nos formar. Sendo a memória seletiva e considerando que nem tudo é arquivado por ela, devemos estar atentos as lembranças que nossa própria memória reaviva e ao que nos é contado como sendo verdades de um passado. No filme apenas chegam a Lucy lembranças coerentes e verdadeiras, embora sejam interpretações das pessoas Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

229 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 228 que as cercam, mas nem sempre as lembranças são contadas com tal preocupação. For fim podemos dizer que o próprio filme nos ajuda a contar como se fez cinema na última década, por exemplo, é ele um elemento dessa memória. REFERÊNCIAS ADOROCINEMA. Disponível em: < Acesso em: 05 jun BACHELARD, G. A Poética do Espaço. São Paulo: Martins Fontes, CATROGA, Fernando. Memoria e História. In. Fronteiras do Milênio. PESAVENTO, Sandra Jatahy (org.). Porto Alegre: Ed. Universidade/ UFRGS, CASSIRER, E. A Palavra Mágica. In: Linguagem e Mito. São Paulo: Perspectiva, COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ. Direção: Peter Segal. Columbia Pictures. DVD (1h e 39 min.) IMDB, The Internet Movie Database. Disponível em: < Acesso em: 05 jun HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, SP: Editora Vertice, Tradução: Laurent Léon Schaffter. LE GOFF. Jacques. História e Memória. Campinas, SP: UNICAMP, NOVA, Cristiane. O cinema e o Conhecimento da História. In: O Olho da História: revista de contemporânea. Salvador, v.2, n POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento e Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.3, 1989, p POLLAK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n.10, 1992, p SILVA, Karina V. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

230 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ O mundo digital e em mobilidade Os dispositivos móveis em sua maioria possibilitam ao indivíduo estar on ou offline e em movimento o que muda toda uma forma de comportamento, como também não é difícil ver pela televisão ou pela internet uma reportagem que foi feita por um cidadão comum, pois eles estão equipados com câmaras conectadas que podem relatam fatos antes mesmo dos profissionais, tudo isso em mobilidade. A Mobilidade Segundo Santaella (2010, p. 109) mobilidade pode ser definida de várias formas dependendo da área que a esteja conceituando. A palavra mobilidade contém o sema de movimento, o que compreende a ideia de um ato de deslocamento que permite que objetos, pessoas, ideia, coisas, possam trafegar através de localidades. Na perspectiva da geografia, mobilidade pode ser entendida como a habilidade de mover-se entre diferentes lugares de atividades. Nesta área as definições têm um significado mais físico, enquanto que os sociólogos apresentam mais o caráter social da mobilidade e as condições de possibilidade que se apresentam, ou seja, propensão a ser móvel varia de intensidade de indivíduo para indivíduo. Para a autora há também a questão da mobilidade de curto e de longo alcance. De longo alcance aparecem os aviões e os carros, de longa distância no espaço e de longa duração no tempo. No turismo, ou em caso de mudanças de residência, migrações ou imigrações também aparecem o conceito de mobilidade. Só que neste caso o conceito está associado à transgressão de fronteira, pelo menos do ponto de vista convencional. Entretanto, o conceito de mobilidade passa a ter outras conotações no mundo pós-moderno, pois o indivíduo é constantemente desafiado à permanente em mobilidade. Segundo Kellerman (apud Santaella 2010, p. 110) a dimensão mais notável da mobilidade encontra-se na expansão espacial do eu pela transmissão e recepção de informação que tem produzido mobilidades virtuais. Apesar de que, segundo Kellerman tudo isso começou com o telefone, se acentua mais expressivamente com os meios de comunicação de massa: jornal, cinema, rádio e especial com a televisão que promovem o transporte da mente. Porém, com o advento da internet e com os dispositivos móveis a mobilidade virtual não só se potencializa ou se diversifica como também obtêm novos significados: a informação, o saber, o conhecimento, a habilidade humana em criar identidades abstratas, pois tudo isso passa eletronicamente Considerações finais A tecnologia móvel está crescendo e tornando-se uma ferramenta de muita importância para o desenvolvimento pessoal e profissional para os indivíduos e para as organizações. Dispositivos com acesso a internet e comunicação em tempo real estão se convertendo em acessórios vitais em nossas vidas, como pudemos constatar por meio neste pequeno ensaio. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

231 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 230 A comunicação via dispositivos móveis está se convertendo em recurso intensivo em todos os níveis da população mundial, segundo os dados da CETIC.br 76% das pessoas no Brasil possuem celular, mais de 50% da população mundial possui um aparelho celular, empresas de telecomunicação, universidades e outras entidades estão empenhadas em pesquisar e analisar os efeitos que esses dispositivos podem proporcionar para a sociedade como um todo. E para finalizar, essa tecnologia está transformando conceitos tais como espaço e tempo, como também elimina fronteiras, encurta distâncias, mistura espaços virtuais e físicos, sem contar que ela convida o indivíduo a conexão constante, a ubiquidade e a onipresença. Entretanto, continua sendo somente tecnologia, se não houver um direcionamento pedagógico nas escolas de nada adianta, os alunos de forma geral continuarão se distraindo. Assim como se os professores não se especializarem e se atualizarem não irá acompanhar o desenvolvimento tecnológico e permanecerão a imposições por parte das entidades públicas como por exemplo, as proibições de utilização dos celulares em sala de aula. Bibliografia CASTELLS, M. A Era da Informação. Economia, Sociedade e Cultura. Vol.1. A sociedade em rede. SP, Paz e Terra, CENTRO DE ESTUDOS SOBRE TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E DA COMUNICAÇÃO. Disponível em : Acesso em: Agost COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL (CGI) Disponível em: Acesso em Agost INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Disponível em: Acesso em: Agost GIFFONI, Carlos. Do celular ao computador, tecnologias convergem no ensino interdisciplinar de artes. São Paulo: Disponível em: >Acesso em: Out LEMOS, André. Cibercultura e mobilidade a era da conexão. In Derivas: cartografia do ciberespeço. Lucia Leão (Org). São Paulo: Senac, LICHTY, Patrick. Pensando a cultura nomádica: artes móveis e sociedade. < - edição.04» Acesso em: maio Valise in an ipod < Acesso em: maio O homem e os (mais recentes e desafiadores da cultura vigente) mecanismos. < Acesso em: Jun RHEINGOLD, Howard Disponível em: < Acesso em: Jul Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

232 REFLETINDO SOBRE AS QUESTÕES DE MEMÓRIA ATRAVÉS DO FILME COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ 231 The New York Times. África rural é mercado fértil para celulares Disponível em: SA, Simone. Telefones móveis e formas de escuta na contemporaneidade Disponível em: < Acesso em: Jul SANTAELLA, Lucia. A ecologia pluralista da comunicação. São Paulo, Paulus, Linguagens Líquidas na era da mobilidade. São Paulo, Paulus, Matrizes da linguagem e pensamento: sonora visual verbal. São Paulo, Iluminuras, SILVA, Adriana de Souza. Do ciber ao híbrido: tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In: Imagem (Ir)realidade: comunicação e cibermídia. Araujo, Denize Correa. (Org). Porto Alegre: Sulinas, p.24. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

233 ISSN: DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL Givaldo Ferreira, CORCINIO JR. Resumo A construção de um acervo acessível e sua divulgação possibilita que se obtenha um olhar sobre a memória televisiva. A proposta do artigo ora apresentado é a descrição o processo de pesquisa de material videográfico e a divulgação, via meio eletrônico, dos materiais pertencentes a memória da Televisão Brasil Central, uma empresa de teledifusão vinculada ao governo do estado de Goiás. Palavras-chave: Televisão, divulgação, história Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

234 CORCINIO JR, Givaldo Ferreira UMA APROXIMAÇÃO A proposta do artigo ora apresentado é a descrição o processo de pesquisa de material videográfico e a divulgação, via meio eletrônico, dos materiais pertencentes a memória da Televisão Brasil Central, uma empresa de teledifusão vinculada ao governo do estado de Goiás. Utilizam-se predominantemente a pesquisa de materiais em acervos externos à empresa, por motivos a serem apresentados no decorrer do texto, além de relatos de profissionais que trabalhavam na empresa ou participaram as produções que foram objeto dessa pesquisa de acervo. O locus da pesquisa aqui descrita é a Televisão Brasil Central. Conhecida como Brasil Central ou simplesmente como TBC, ela faz parte de uma empresa de comunicação gerida pelo governo do estado de Goiás chamada Agência Goiana de Comunicação (Agecom). Historicamente, a TBC insere-se em um cenário de popularização da televisão, expansão das redes de telecomunicações e de teledifusão de imagens, além da busca por meios mais abrangentes de divulgação de ações governamentais. 2 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DO LOCUS DE PESQUISA A história da TBC remonta ao ano de Regionalmente, o momento político era conturbado, com a chegada ao poder em 1961 de um militar com forte vinculação com movimentos reformadores da política goiana. Mauro Borges Teixeira, major do exercito, foi alçado ao governo estadual por meio de eleições diretas nas quais recebeu significativo apoio, visto ser filho de Pedro Ludovico Teixeira, interventor e governador do estado entre 1930 e 1945 e entre 1951 e Nesse período, o governo passou a ser conduzido segundo o paradigma do planejamento como solução para problemas estruturais do estado. Essa perspectiva permitiu o fortalecimento do uso dos meios de comunicação como vetor para mudanças atitudinais e também como forma de aproximar a população da administração pública, levando informações sobre ações governamentais juntamente com entretenimento para as mais diversas regiões do estado. Um exemplo dessa visão fica patente com a atuação do governador diante da polêmica referente a possibilidade de impedimento da posse de João Goulart quando da renuncia à presidência por Jânio Quadros. Alinhado aos grupos legalistas, que viam na movimentação dos ministros militares e de integrantes do congresso um prenuncio de golpe contra o vice-presidente eleito no ano anterior, Mauro Borges utiliza-se da Rádio Jornal Brasil Central, à época uma emissora de rádio em ondas moduladas, curtas, médias e tropicais particular, para criar a rede da Legalidade com rádios de todo o território nacional e liderada pelo governador do estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, articulando movimentos de resistência popular contra o impedimento da posse de João Goulart. No ano seguinte, dentro de uma política de reorganização e racionalização administrativa, o governo estadual adquire a rádio, passando a ser uma das empresas do CERNE Consórcio de Empresas de Radiodifusão e Notícias do Estado de Goiás criado naquele ano que também possuía a Imprensa Oficial de Goias. Nesse ano a rádio muda de nome, passando a ser somente Rádio Brasil Central. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

235 CORCINIO JR, Givaldo Ferreira 234 O governo Mauro Borges mantem planos para expandir sua comunicação junto a população goiana criando em 1964 um jornal O Diário de Goiás e projetando a instalação de uma emissora de televisão. O projeto foi abortado no mesmo ano, devido à saída do governador de seu posto, devido à instalação de um processo federal contra ele em decorrência do golpe militar de abril de O projeto de uma emissora de televisão estatal em Goiás é retomado em 1975, sendo que no dia 1º de maio as imagens da emissora começaram a ser geradas comercialmente. Houve muita oposição em relação a instalação da Brasil Central, pois os dirigentes dos canais existentes na cidade de Goiânia viam o risco de uma concorrência desleal da emissora do estado com eles, pois temiam que ela recebesse preferencia em relação as verbas publicitárias do estado. Mesmo alguns setores do governo achavam que a implantação de uma TV pelo CERNE seria um custo financeiro demasiado alto para um estado que, segundo interpretações da época, ainda não atendia as necessidades minimas da população e se encontrava com o caixa bastante esvaziado. Apesar de ter uma concessão comercial, os primeiros responsáveis pela televisão dentro do CERNE viam na programação educacional a vocação da emissora. Além disso, com uma equipe pequena, apesar de contar com experiência em outros canais goianienses e equipamentos que não eram adequados a produção de grandes programas, recorreu-se a canais educativos, embaixadas e produtoras em busca de filmes, séries e programas pré-gravados. Esse arranjo fica claro nas memórias de Luíz Espíndola de Carvalho, quando elenca os programas apresentados na primeira semana de exibição da TV Brasil Central. Haviam ali programas de ensino de idiomas, filmes clássicos e pequenos noticiários. A emissora foi independente de redes nacionais, mantendo-se no ar com programação local e adquirindo outros materiais em distribuidoras até 1978, quando fechou um acordo de retransmissão com a TV Bandeirantes de São Paulo. Segundo GODINHO (2008) a entrada da TBC como afiliada da emissora paulista introduziu em Goiás o conceito de grade de programação, diminuindo o espaço da produção local e modificando a forma de produção televisiva dos outros canais existentes. Durante 18 anos, de 1978 até 1996, a associação entre TV Bandeirantes e TV Brasil Central possibilitou ao canal goiano a transmissão de programas jornalísticos e esportivos que eram referencia para o público, abrindo espaço também para a produção local desse conteúdo. Sendo uma emissora vinculada ao governo estadual, sua expansão foi favorecida pelo desejo governamental de alcançar públicos em cidades mais afastadas dos principais centros urbanos goianos, muitas vezes sendo a única emissora que alcançava o município. Essa característica chamou atenção de empresários como Jorge Kajuru e Galvão Bueno, que durante um ano foram os responsáveis pela produção local de noticiários esportivos. A partir de 1996, a TBC passou a retransmitir o sinal da TV Cultura de São Paulo, retornando assim ao foco inicial de sua criação, onde a programação cultural tem espaço importante, junto com o já tradicional jornalismo e o noticiário esportivo, ambos produzidos localmente. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

236 CORCINIO JR, Givaldo Ferreira O CAMINHO METODOLÓGICO PROPOSTO Sendo uma empresa que trabalha com imagens, a memória de uma emissora de televisão passa pelas imagens que existem em seu acerto e aquilo que elas representam coletivamente. Cabe recorrer a BUSETTO (2010) para compreender que a dinâmica do uso da televisão como objeto historiográfico. Deve ser apontado inicialmente, como o autor ressalta, que a televisão quanto fenômeno tecnológico e industrial possuir mais de 60 anos e ser um grande gerador de transformador de signos e significantes, ela é relegada ao esquecimento por historiadores. Ele ainda aponta que as imagens produzidas pela televisão ganharam status de escrita e ganham espessura histórica, particularmente na França com a abertura do acervo da Inatéque de France. Além disso, ele indica também que existem especialistas que apontam a TV como um fenômeno plural, e que suas diversas possibilidades existem sincrônica e diacronicamente. Ele aponta, ainda, que a historiografia da história da TV no Brasil apresenta-se muito mais vinculada aos preceitos antigos sobre a relação história e TV, sendo estudada com foco nas relações de poder, político e econômico. Assim, Busetto oferece uma aproximação teórica inicial para a compreensão da televisão como um objeto de pesquisa que ultrapassa os modelos tradicionais que costumam comparecer nos trabalhos sobre televisão. Sendo uma escrita, as imagens televisivas podem ser lidas dentro de uma gramática e permite que elas recebam pelos pesquisadores um olhar mais detido, o que traz novos elementos para discutir a televisão quanto índices de uma época. Configurando-se então como uma escrita composta por imagens icônicas, podemos compreender a afirmação apresentada por RAMOS, PATRIOTA e PESAVENTO (2008) que o mundo está repleto de imagens e que elas são relações humanas de registro que presentifica uma ausência. Até recentemente, a imagem servia para os historiadores como simples suporte para aquilo que o relato histórico traz. Sabemos hoje que esse panorama mudou e que as imagens se tornam um meio pelo qual estuda-se as construções culturais de uma sociedade. A busca por demarcar a importância histórica de uma instituição perante a sociedade na qual ela se encontra inserida tem aumentado a busca pela por projetos de centros de documentação e memória. Quando essa busca contempla um órgão estatal, ela comparece envolta de muitos outros relevantes, como a construção de uma identidade local (ou regional), o que, se considerarmos os dois panoramas apresentados aqui como convergentes, permite ter nos produtos televisivos dados para compreender o meio no qual a emissora se instala, posto ser ela influenciada pela comunidade na qual está inserida mas também influenciadora dessa mesma comunidade. Em relação ao aumento do interesse das mais diversas entidades em criar seus centros de documentação e de memória, o desafio que se impõe ao pesquisador e compreender o alcance da documentação já existente e conseguir obter relatos significantes para a elaboração dessa historicidade da entidade estudada. MOTTA (1995) apresenta um estudo de caso significante nessa construção, tanto pela importância social da entidade que está tendo a sua memória recuperada (O Banco Central) quanto pela a forma de lidar com os dados oriundos das entrevistas com personalidades envolvidas no evento objetivamente estudado. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

237 DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL 236 Historicamente, o uso de fontes orais transmutou-se de uma prática temerária para um campo pulsante e singularmente atrativo, trazendo o historiador para próximo do seu objeto de estudo de um modo singular. Desde da enunciação de LE GOFF (1990), trazendo para o mesmo patamar de importância o documento¹ e o monumento², o relato oral ganhou força como meio de obter informações de uma dada época, mesmo que devasse lembrar dos riscos da inocência e o historiador necessitar buscar outros referenciais para cruzar com aquilo que se obtêm nas entrevistas. Utilizar a entrevista como fonte demanda compreender e lidar com a dinâmica especifica desse material apresentada por FREITAS (2002) e por BOSI (1994). Os silêncios e as reelaborações das lembranças, todos os dados apresentados mostram-se como significantes para a uma pesquisa que utiliza memorialistas. Como aponta Freitas, a História Oral pode ser o vetor para descobrir fatos desconhecidos ou aspectos desconhecidos de fatos conhecidos, além de permitir a integração de fontes e a multidisciplinaridade. Sendo o objeto de estudo aqui relatado uma emissora de televisão, lidar apenas com os aspectos teóricos da compreensão da história do meio ou a reflexão sobre o uso da História Oral, através da entrevista de pioneiros e pessoas envolvidas com o trabalho cotidiano da empresa, geraria lacunas não desconsideráveis na elaboração de qualquer reflexão. Pensar as imagens, armazenadas em meio físico ou transmitida ao pesquisador por meio das reminiscencias daqueles que são entrevistados, se demonstra como uma ação de grande significância, pois é através delas que a memória da presença do meio comparece ou se materializa. Lidar com imagens atualmente é ter que tratar uma fonte ao mesmo tempo abundante e difícil, posto que a leitura de imagens demanda a compreensão de diversos elementos de época, sociais, políticos e econômicos. Mesmo sendo áreas que possuem especifidades distintas, as afirmações de KOSSOY (2007) sobre a fotografia e a criação de uma segunda realidade ao se produzir uma imagem deve ser levada em consideração ao se refletir sobre a produção televisiva. Diante dos desafios e com as propostas teóricas apresentadas por essa miríade de estudiosos, organizar um centro de memória demostra-se menos uma atividade braçal de busca, armazenamento e sistematização de um acervo, físico ou não, e mais uma proposta que compreende um conjunto de percepções de pertencimento, influência, alcance e identificação da instituição junto a sociedade na qual ela está inserida. 4 A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA Ao trabalhar com o objeto Televisão Brasil Central, não é possível negligenciar suas interações com outras empresas existentes na própria Agência de Comunicação de Goiás (Agecom) nem mesmo com outras instâncias da administração pública. ¹Durante muitos anos, essa classificação foi aplicada com quase exclusividade para o material escrito sobre o suporte papel, couro ou assemelhados ²Na concepção LeGoffiana, monumento suplanta aquilo que vulgarmente se compreende pelo termo. Nesse caso, ele também é a arquitetura em geral, a produção industrial ou qualquer elemento celebrarório que procura demarcar um espaço no mundo físico ou virtual Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

238 DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL 237 Estruturalmente, a Agecom é composta por outras empresas de comunicação. Além da TBC, existem também a rádio Brasil Central AM, a rádio RBC FM, a gráfica do estado de Goiás e o site de notícias GoiásAgora. Enquanto as rádios e a emissora de televisão construíram-se como veículos de entretenimento e divulgação noticiosa, o site de notícias constitui-se como um espaço diferenciado. Herdeiro, por assim dizer, dos antigos departamentos de assessoria parlamentar que foram implantados desde o governo Mauro Borges, hoje o site de notícias GoiásAgora ( dedica-se a divulgar exclusivamente ações que, em algum aspecto, envolvem agentes públicos estaduais. Assim, todas as iniciativas do governo, de suas secretarias, autarquias ou empresas administradas pelo ente público estadual, além de informes de utilidade pública vinculados a esses órgãos são divulgadas através desse veículo. Uma inquietação que comparece quando se conversa com muitos dos servidores da agência é a aparente inexistência de uma memória dos veículos vinculados a ela. Parte dessa percepção advém de um grande incêndio que ocorreu em outubro de 1997, que destruiu grande parte da televisão e completamente as rádios. Junto a isso, a própria dinâmica da empresa, não tinha a cultura e a estrutura para recolher, ordenar e armazenar os materiais produzidos. Aqueles acervos que se conservaram e escaparam do incêndio de 1997 foram transferidos para o Museu da Imagem e do Som de Goiás (MIS-GO), que através de parceria com empresas como a Petrobrás iniciou um processo de digitalização desses acervos. Esse material está disponível fisicamente no MIS-GO, contudo esse acesso é limitado, posto que a instituição tem um espaço físico limitado e conta com poucos funcionários para fazer o acompanhamento da visitação. Com o advento das diversas tecnologias que possibilitam uma descentralização do acesso ao acervo, a capacidade de atender um público maior efetiva-se. Contudo tal iniciativa demandou uma reorganização do material já digitalizado, posto que o trabalho anteriormente feito consistiu na transposição do material que se encontrava em fitas magnéticas para meio digital, muitas vezes as produções ali armazenadas só podendo ser acessadas usando-se a mesma lógica de avançar ou retroceder a gravação que existia quando dos equipamentos analógicos de reprodução. O site GoiásAgora tem a totalidade de suas operações voltadas para a internet, sendo pensado como um veículo completamente web. Sendo parte da Agecom, as atividades institucionais das rádios e da televisão são divulgadas por ele. Quando das comemorações dos 30 anos da TBC, houve a produção de matérias especiais sobre a história da emissora. Nesse momento, os memorialistas dos primeiros tempos da emissora foram as principais fontes de informação, juntamente com materiais escritos produzidos na época dos acontecimentos. Durante o exercício da pesquisa, a existência deste acervo mostrou-se uma mina não explorada, por conter um volume de reportagens de campos e com personagens diversos do cenário cultural, social, econômico e político que compareciam, corroboravam ou lançavam novas luzes nos relatos coletados junto aos memorialistas. Além disso, por ser uma empresa estatal, ela acompanhou uma série de eventos que constituíram momentos importantes na história recente de Goiás. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

239 DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL 238 A partir da produção dessas matérias especiais, começou-se um trabalho que foi denominado de TBC Memória. Junto com a equipe de jornalistas do site GoiásAgora, historiadores buscaram no acervo existente no MIS-GO vídeos de reportagens que passaram a ser divulgados dentro do site O eixo de divulgação desse acervo inicialmente vinculou-se a exposição de antigas reportagens feitas pela equipe da TBC, programas que tivessem uma significância para os memorialistas, aqueles que compareciam em registros documentais diversos, como reportagens em informativos internos e jornais de circulação regional ou ainda ganhadores de premiações jornalisticas. A medida que o acervo ia sendo investigado, passou-se a apresentar vídeos ligados à datas de eventos já consagrados socialmente, acontecimentos marcantes na história recente ou personalidades retratadas em programas. As abordagens aqui apresentadas foram decorrentes do acesso que nos foi possibilitado junto ao acervo do MIS-GO. Trabalhando no sistema de empréstimos de curto período, com materiais cujo o acesso ao conteúdo se processa de forma sequencial e sem possibilidade de seleção, a solução encontrada foi a cópia autorizada com o posterior seccionamento dos vídeos, fazendo também uma indexação dos assuntos por eles tratados. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

240 DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL 239 Os mais de 50 DVD aos quais pode-se acessar aproximadamente 10% do acervo total custodiado pelo museu contem discursos, reportagens cotidianas e especiais sobre eventos esportivos e políticos, materiais sobre arte e entretenimento que estão sendo Goiás Agora divulgando matéria sobre o movimento das diretas já apresentados paulatinamente em um canal do site youtube ( e vinculados a notas jornalisticas organizadas sob a retranca TBC Memória no próprio site de noticias GoiásAgora ( Tais notas compuseram um panorama daquilo que até o momento tem sido obtido pelos pesquisadores, representado algo em torno de 20% do material obtido nos DVDs já trabalhados. Em algumas situações, devido o momento apresentar uma rememoração especial, como no aniversário de 92 anos do ex-governador Mauro Borges, as postagens procuraram apresentar aspectos singulares das coberturas jornalisticas ou do acompanhamento das atividades públicas do político, buscando associar a personagem com outros aspectos do projeto, como a presença dele em programas específicos e marcantes da emissora. Em outros casos, as postagens de vídeo e texto vinculam-se com aspectos menos vislumbrados da prática jornalistica, como no caso da cobertura de greves no inicio dos anos 1980 e do acidente radiológico com a capsula de césio 137. O trabalho de divulgação desses materiais possibilita um reencontro dos pesquisadores com materiais que, significantes, estavam isolados, dependendo de condições para o acesso físico que, muitas vezes, não é possível. Esse trabalho também tem possibilitado uma confluencia de materiais. Durante as pesquisas para a elaboração do especial sobre o acidente radiológico com césio 137, conseguimos acessar, além do acervo custodiado pelo MIS-GO, também os registros arquivados pelo Centro Regional de Ciências Nucleares-Centro-Oeste (CRCN- CO), um departamento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), localizado em Abadia de Goiás. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

241 DO ARQUIVO À NUVEM: RESGATE E DIVULGAÇÃO DO ACERVO DA TELEVISÃO BRASIL CENTRAL 240 Centralizar e divulgar esses acervos também oferece a sociedade a possibilidade de rememorar momentos particulares de uma micro-história que corrobora com a construção das percepções do indivíduo diante da torrente de dados, signos, significantes e significados que todos estão expostos desde o advento dos meios de comunicação de massa como o cinema, o rádio e a televisão. Com a internet, a comunicação tem se reconfigurado, possibilitando uma dispersão difusa das informações (e tudo que ela carrega à cavaleiro) dentro de uma rede que se retroalimenta e não permite que se identifique um único sentido do fluxo comunicativo. Bibliografia Consultada BOSI, Ecléia. Memória e sociedade: Lembrança de velhos. São Paulo: Cia das Letras, 1994,. BUSETTO, Áureo. Sintonia com o contemporâneo: a TV como objeto e fonte da História. In: BEIRED, José Luis Bendicho; et al.. Política e identidade cultural na América Latina. São Paulo: Cultura Acadêmica, p FREITAS, Sônia Maria de. História Oral. Possibilidades e procedimentos. São Paulo: Humanitas, 2002,. GODINHO, Iúri Rincon. História da TV em Goiás. Goiânia / GO: UCG, 2008, 135. KOSSOY, Boris. Os Tempos da Fotografia. Cotia/SP: Ateliê Editorial, 2007, 174 p. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas / SP: UNICAMP, 1990, 475. Anais do XVIII simpósio Nacional de História. Rio de Janeiro: CPDOC, sp. Comunicação & Mercado/UNIGRAN - Dourados - MS, vol. 01, n. 02 edição especial, p , nov 2012

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