Falamos da vida eremítica, que vem conhecendo novo incremento, como se tornou patente num encontro de dezenas de eremitas, representantes de seis

Transcrição

1 Prefácio Uma das notas distintivas da vida actual da Igreja é o florescimento de novos movimentos e comunidades laicais. Um fenómeno que exprime bem a presença do Espírito Santo, que Jesus prometeu enviar após a Ressurreição, para ser o santificador do seu povo, o princípio da comunhão, a fonte do dinamismo evangelizador. Esta acção especial do Espírito nos nossos dias vem corresponder aos graves desafios lançados à Igreja por uma sociedade, ela própria, a braços com profundas e, por vezes, dramáticas situações, em período de grandes mutações históricas. Ao lado desta promissora realidade eclesial, que envolve milhões de católicos em todo o mundo, é necessário salientar, neste campo, outros aspectos da vida cristã que, não possuindo particular relevância em números e em volume, revestem, no entanto, um alto significado e representam uma poderosa força transformadora. Neste caso, não se trata de algo novo, mas de uma experiência espiritual que tem já muitos séculos de existência e que continua, felizmente, com plena vitalidade. 5

2 Falamos da vida eremítica, que vem conhecendo novo incremento, como se tornou patente num encontro de dezenas de eremitas, representantes de seis países europeus, realizado em Setembro de 2010 em Freiburg, na Alemanha. São cristãos e cristãs que se sentem chamados a viver mais radicalmente o Evangelho no silêncio e na solidão, para louvor de Deus, crescimento e santidade da Igreja e salvação do mundo. Uma forma de vida cristã quase tão antiga como a própria Igreja. Situa-se no contexto daquela corrente espiritual o Eremitério Maria Serena, fundado na Madeira, em 1989, nas encostas de Gaula, na periferia da cidade de Santa Cruz. Durante mais de duas décadas, Maria Serena vem confirmando as palavras de Jesus: «Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim dos tempos» (Mt 28, 20). Tive o privilégio de conhecer e poder acompanhar aquela iniciativa, que representa um acontecimento assinalável na história da diocese do Funchal. Julguei, por isso, oportuno deixar, por escrito, nas páginas seguintes, o meu testemunho pessoal. Que elas possam contribuir para o crescimento do Reino e para a glória de Deus. 6

3 1. Na encosta de Gaula, olhando o mar Na encosta da freguesia de Gaula, sobranceiro ao mar, ergue-se o Eremitério Maria Serena. Simples e harmonioso na sua arquitectura, alegre nos seus tons claros, o edifício ostenta, à entrada, o título que o define e que não é usual: eremitério. Lugar de oração, de recolhimento e de silêncio. Da natureza e da missão religiosa daquela construção recente fala, com eloquência, a capela, levantada na extremidade oriental, como entidade tutelar do local. O panorama que se desfruta do Eremitério Maria Serena é vasto e maravilhoso. Vê-se, em primeiro plano, o verde da encosta que se mistura com os tons vivos das casas. Ao fundo, a vastidão do oceano, ora azul e sereno, ora agitado e escuro. Mais longe, quase na linha do horizonte, a silhueta das ilhas Desertas oferece a este mar um especial enquadramento, como que a apresentá-lo como propriedade da ilha da Madeira, a Pérola do Atlântico. O Eremitério Maria Serena é recente. A sua fundação tem a data de A iniciativa ficou a dever-se ao sacerdote Michael 7

4 Encosta de Gaula. Em primeiro plano, o aeroporto da Madeira e a cidade de Santa Cruz Eremitério Maria Serena: a Luz brilhou na encosta. 8

5 Prader, da diocese de Bressanone, da região dos Alpes, no Norte da Itália, à irmã Maria Theresia Stengel, da Baviera, Alemanha, e à irmã Sieglinde Helena Walch, uma jovem consagrada austríaca. Os três fundadores tinham feito uma experiência espiritual relacionada, primeiramente, com a Obra dos Santos Anjos e, depois, com a Ordem de Santa Cruz, na Áustria e na Itália. Por motivos de saúde do padre Michael (problemas de coração), vieram para a Madeira, com a intenção de permanecerem na chamada Quinta do Lorde, uma casa pertencente à ordem e situada à beira-mar na extremidade da ilha, numa zona conhecida como Ponta de São Lourenço. Por diversas circunstâncias, optaram por deixar aquela casa destinada à formação e às actividades apostólicas e espirituais, e lançaram-se num projecto autónomo, comunitário: o Eremitério de Gaula. D. Teodoro de Faria, então bispo do Funchal, acompanhou com simpatia e solicitude a iniciativa, dando-lhes a sua aprovação. Quando o padre Michael Prader faleceu, D. Teodoro publicou palavras de grande apreço e veneração por aquele sacerdote, apresentando-o como exemplo de vida contemplativa, na tradição multissecular da espiritualidade eremítica. Tive o privilégio de conhecer pessoalmente o padre Michael, durante algumas deslocações à Madeira, minha terra de origem. Foram poucos os contactos, mas os suficientes para me aperceber do valor da obra que estava a ser lançada e que assentava, em grande medida, na personalidade contemplativa do venerando sacerdote. Dei-me conta de que estávamos perante uma experiência de grande significado eclesial e espiritual, ou seja, perante um carisma que não estava porventura destinado a crescer numericamente, como está a acontecer com alguns novos movimentos e comunidades laicais, mas cujas força e eficácia estão na inten- 9