OS LIVROS PROFÉTICOS A MISSÃO DOS PROFETAS: SUA VOCAÇÃO E CONFIRMAÇÃO

Transcrição

1 OS LIVROS PROFÉTICOS A MISSÃO DOS PROFETAS: SUA VOCAÇÃO E CONFIRMAÇÃO

2 O movimento profético é o fenômeno mais surpreendente de toda a história de Israel. Tem seu ponto culminante naquelas figuras cujas palavras estão reunidas nos livros chamados profetas posteriores : Isaías, Jeremias, Ezequiel e o Livro dos Doze.

3 A pré-história do movimento é encontrada nas histórias sobre profetas nos Livros dos Juízes, Samuel e Reis, os quais, juntamente com Josué, estão reunidos no cânon hebreu e são chamados profetas anteriores. A história posterior do movimento se encontra na literatura apocalíptica que se inicia

4 com os suplementos aos escritos proféticos e é particularmente apresentada no cânon através do Livro de Daniel. Devemos observar três características ímpares destas figuras chamadas profetas.

5 A pessoa do profeta Os profetas são habitualmente introduzidos pelo nome no começo de seus escritos, e identificados pela data e lugar de atividade. A pessoa histórica do profeta assume a importância fundamental na transmissão de sua mensagem.

6 Os autores das obras de confissão de fé e das obras históricas permanecem anônimos; sua personalidade histórica é totalmente subordinada a seus escritos. Com indicadores de uma nova e única tradição, os profetas, entretanto, adquirem uma dignidade individual.

7 A palavra de Amós, a visão de Isaías, a palavra do Senhor que veio a Oséias, eis a maneira pela qual são anunciados os seus escritos. Por que o nome é essencial? Os próprios profetas enfatizam que Iahweh os chamou pelo nome. Eles têm uma visão e ouvem a voz de Iahweh: Amós, que vês? (Am 7,8; 8,2). Algo lhes toca os lábios e a voz fala:

8 Eis que eu coloco em tua boca as minhas palavras (Jr 1,9). A palavra de Iahweh se torna idêntica às paginas dos homens. Habitualmente o lugar de origem e de trabalho dos profetas é mencionado. Iahweh me tomou (Amós de Tecoa) de trás do rebanho e foi Iahweh quem

9 me disse. Vai profetiza a Israel meu povo (Am 7,15; cf. 1,1). A data dos escritos era ainda mais importante para os que recolhiam os referidos escritos. Amós apareceu dois anos antes do terremoto (Am 1,1). no ano em que morreu o rei Ozias (Is 6,1), Isaías ouviu o Senhor.

10 Em Jeremias e Ezequiel as datas são frequentemente apresentadas. Nos dias de Josias, o filho de Amon, rei de Judá, no 13º ano do seu reinado (Jr 1,2), a Palavra de Deus veio até Jeremias, assim como até Ezequiel, no 5º ano do exílio do rei Ioachim (Ez 1,2).

11 No Livro de Ageu, todo e qualquer oráculo traz o mês do ano: No 2º ano do rei Dario, no 1º dia do 6º mês, a Palavra do Senhor veio por Ageu, o profeta, a Zorobabel, governador de Judá (Ag 1,1). A informação sobre a data dos eventos é essencial, já que, para entender a Palavra é necessário verificar sua

12 relação com o movimento histórico ao qual é dirigida. Ela introduz Israel no mundo das crises históricas, advindas através dos impérios assírio, neobabilônico e persa. Em relação a este conceito de data, será apropriado colocarmos os profetas em

13 uma ordem cronológica concreta, como aliás, o próprio cânon pretende faze-lo. Na era das ameaças feitas pelo império neoassírio, no séc. VII, Amós e Oséias surgiram no reino do Norte, Isaías em Jerusalém e Miquéias na zona rural de Judá. Na crise advinda da passagem do império

14 neo-assírio para o neobabilônico, ocorria na segunda metade do século VII, encontramos Naum, Habacuc, Sofonias e Jeremias; este último prosseguiu sua obra após a queda de Jerusalém, em 587 a.c. Depois desta catástrofe surge Abadias em Jerusalém; nas primeiras décadas do exílio, aparece Ezequiel na Babilônia

15 e por volta da metade do século VI, antes da transição do império neobabilônico para o persa, aparece o Segundo Isaías ou Deutero-Isaías (Is 40,55). Zacarias acompanha a volta do exílio e o novo começo em Jerusalém. Juntamente com Ageu encorajou a reconstrução do Templo em a.c. Havia também

16 profetas ativos em Jerusalém, cujas mensagens foram reunidas em Isaías (Terceiro Isaías). Durante a crise no império persa e a transição para o período grego, nos séculos V e IV, Malaquias, Joel, Segundo Zacarias (9-11), Terceiro Zacarias (12-14) e o autor do Apocalipse de Isaías (24-27).

17 O autoconhecimento do profeta Como explicar a função desses mensageiros? Os próprios profetas esclarecem que suas personalidades são absorvidas pela atividade de Iahweh em Israel, e explicam o início e a duração desta atividade.

18 Sua confissão de fé e o relato de sua vocação documentam a dura luta sustentada com Iahweh; foram também publicadas de modo a documentar a legitimidade de sua missão e mensagem, nos momentos em que eram particularmente atribulados e rejeitados.

19 Tal fato pode ser observado claramente nos relatos autobiográficos de Isaías, que começam em 6,1 e vão até 8,18. Desses e de outros textos semelhantes podemos retirar quatro elementos-chave de autoconhecimento profético.

20 Primeiramente, os grandes profetas cuidam para que sua mensagem não seja desviada de seus próprios desejos e intenções. Jamais tiveram eles a iniciativa de um contato com Iahweh; foi ele quem os surpreendeu, sem a interferência da vontade dos profetas. Amós descreve-o dizendo:

21 O leão ruge: quem não temerá? O Senhor Iahweh fala: quem não profetizará? Diante da visão de bandos de gafanhotos devastadores e de fogo consumidor, solidário com o povo ameaçado, ele apelou para Deus:

22 Por piedade, para, Senhor Iahweh! Como poderia Jacó sobreviver? Ele é tão pequeno! (7,2.5). Jeremias informa sobre sua resistência: Eu não sei levar a palavra; sou uma criança! (1,6). Isaías fala da mão que o segurou e o impediu de acompanhar seu povo (8,11).

23 Todos eles, enfim, se viram envolvidos por uma força irresistível. Em segundo lugar, eles se tornaram instrumento de Iahweh não em um momento de embriaguez ou de êxtase, mas em plena consciência; ouviram, observaram e responderam.

24 Assim, em contraste com todos os extáticos, cujas experiências são reportadas sempre em plano secundário, os profetas descrevem suas próprias experiências. Isaías ouviu uma voz que perguntava: A quem enviarei? Quem será meu mensageiro? E numa livre decisão ele respondeu:

25 Eis-me aqui; envia-me! (6,8-9). Quando lhe toca a missão de endurecer o povo, ele não a aceita de maneira automática, mas expressa sua relutância com a pergunta: Até quando, Senhor? (6,11). Analogamente a Amós, Jeremias é convidado, em sua visão, a observar e ouve esta pergunta:

26 Jeremias, que vês? (Am 7,8; 8,1; Jr 1,11-13). Os próprios profetas devem colocar em palavras aquilo que experimentaram. Esta é uma primeira indicação de que cada um deve colocoar, na sua missão, seus dons individuais de ver, experimentar, julgar e formular.

27 Os profetas não são despersonalizados; cada um aceita conscientemente suas responsabilidades. Em terceiro lugar, o fato de abrir uma brecha para o futuro é o núcleo de sua missão e o elemento essencial de seu ofício profético.

28 Certamente eles estão preocupados com as tradições de Israel, com sua história ainda mais com seu presente; mas os relatos de sua vocação e de sua missão identificam o elemento verdadeiramente decisivo na mensagem e na preparação de algo realmente novo.

29 Assim, as visões de Amós culminam com a visão do próximo fim de Israel, do qual não tem escapatória (AM 8,1s;9,1-4). O objetivo da missão de Iahweh é a destruição da cidade e a devastação da terra (6,11). Jeremias está convencido de que a palavra de Iahweh determina o futuro (Jr 1,11) e

30 que a ruína do norte não pode ser evitada (1,13s). Os profetas mais antigos, em suas saudações, apresentam o julgamento vindouro com uma realidade inevitável, não podendo contar com nenhum atenuante. Também Ezequiel, no início de sua obra, concorda com este fato (Ez 2,16).

31 Somente após a queda de Jerusalém pode ele constatar que estava envolvido em uma obra de vigilância e admoestação (33,1-9; cf. 3,17-21), trabalho que incluía o chamado ao arrependimento (c. 18; cf. Zc 1,4). Vem então a promessa incondicional de salvação, em termos de ressurreição da morte do

32 exílio (Ez 37), e a promessa igualmente incondicional de volta à terra prometida (cf. Isa 40,1-9). Até os dias de Malaquias, Joel e o Terceiro Isaías, com algumas variações, a constante mensagem da profecia é a vinda de Deus. Em quarto lugar, a compreensão da figura do

33 profeta jamais poderia ser completa se ele não fosse visto como um homem de contrastes. À semelhança de alguém que Deus surpreende, ele reluta (Jr 1,6-7), se apavora (Am 3,8) e deve vencer a própria resistência (Ez 2,8). É enviado a rebeldes obstinados (Ez 2,3ss; 3,7ss; Is 30,9).

34 Sua mensagem leva-o à solidão (Jr 15, 17) e à perseguição (Am 7, 10ss; Jr 20, 10; 36, 1-32). Suas mais espantosas experiências, entretanto, vem de Deus. Ele deve esperar no Senhor, que esconde a sua face da casa de Jacó (Is 8,17), porque é ridicularizado pelas palavras de acusação que profere:

35 que se aproximem e se executem o projetos do Santo de Israel, a fim de que nós os conheçamos (Is 5,19). O lamento de Jeremias é o mais comovente: Por que meu sofrimento é contínuo, minha ferida incurável e rebelde aos cuidados? Ah! Serias tu pra mim como um riacho ameaçador de águas mortais?

36 (15,18). Tu me conquistaste e foste o mais forte; eu me tornei pretexto de chacota de todos (20,7). Certamente os profetas não tinham uma confiança estável em seu ofício e em sua missão. Cada um dependia da palavra de Iahweh, que os chamava continuamente à ação (Jr 15, 19-21)

37 e a força de Iahweh, que os impelia sem cessar (Mq 3,8).