GênesiS O QUE O LIVRO DE PRINCÍPIOS DE CRESCIMENTO PODE NOS ENSINAR SOBRE OS PLANOS DE DEUS? Uma Reflexão Sobre a História Dos Patriarcas

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1 PRINCÍPIOS DE CRESCIMENTO O QUE O LIVRO DE GênesiS PODE NOS ENSINAR SOBRE OS PLANOS DE DEUS? Uma Reflexão Sobre a História Dos Patriarcas Adriani Milli Fotolia

2 Por Adriani Milli Aninhado em um penhasco de cem metros de altura encontrava-se um velho mosteiro. Conta- -se que, para chegar ao topo dessa impressionante estrutura, era preciso ser amarrado dentro de um grande cesto. Vários monges içavam a pessoa por meio de uma roldana e uma corda presa ao cesto. Certa vez, acomodando-se neste cesto para o precário passeio, um turista perguntou a um dos monges com que frequência a corda era substituída. O monge respondeu: Toda vez que ela se rompe. Imagino que essa resposta provocou no turista um agudo sentimento de insegurança. Ele estava literalmente vivendo por um fio. De forma geral, nossa vida também é caracterizada pela insegurança. Em muitos momentos, nos sentimos inseguros mesmo em nossa vida cristã, visto que a fé exige confiança em algo que não se pode ver (Hebreus 11:1, 2). Em nossa fraqueza humana somos tentados a duvidar do poder de Deus e do cumprimento de Seus planos, especialmente quando não vemos evidências concretas da Sua atuação. Essa parece ter sido a experiência até dos heróis da fé mencionados em Hebreus 11:8-22, a saber, os patriarcas do livro de Gênesis. Mas, apesar de suas dúvidas e fraquezas, eles aprenderam a crer no poder de Deus e a ter certeza da concretização das Suas promessas. Certamente eles poderiam fazer de Jó 42:2 as suas próprias palavras, bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. Vamos, então, observar a história dos patriarcas no livro de Gênesis a fim de aprendermos a confiar no poder e nos planos de Deus, a despeito de nossas inseguranças e fraquezas. A História dos Patriarcas no Contexto Geral de Gênesis De maneira ampla, o livro de Gênesis pode ser divido em duas grandes histórias, mais especificamente, a história das origens (capítulos 1 a 11) e a história dos patriarcas (capítulos 12 a 50). De certo modo, a história das origens fornece o contexto geral do chamado dos patriarcas por meio de duas ênfases especiais. Em primeiro lugar, os capítulos 3 a 11 revelam o fracasso dos esforços da humanidade quando destituídos da intervenção da graça de Deus: a queda do ser humano (capítulo 3), o homicídio de Caim (capítulo 4), a corrupção antediluviana (capítulo 6), a confusão em Babel (capítulo 11). Em segundo lugar, esses capítulos clarificam a necessidade de restauração dos planos originais de Deus para a humanidade (descritos nos capítulos 1 e 2), livrando o ser humano da condição desesperadora em que ele se encontra. Esses planos de restauração são particularmente iniciados pelas promessas de Deus feitas aos patriarcas (capítulos 12 a 50). Embora os patriarcas tivessem aparentemente pouca influência no mundo de seus dias, eles eram os instrumentos pelos quais se iniciaria o projeto divino de redenção do mundo pós-diluviano. Quanto à discussão da história dos patriarcas nos capítulos 12 a 50, nos deteremos em três ciclos de narrativa que descrevem as histórias de Abraão (11:27 25:11), Jacó (25:19 35:29), e José (37:1 50:26). 1 Na realidade, a ênfase do livro de Gênesis nesses três personagens parece ser confirmada pelo fato de que o livro salienta notáveis similaridades entre eles ao longo da narrativa. Tanto Abraão, Jacó e José: (1) deixaram sua terra natal (veja 12:1; 28:2; 37:28); (2) tiveram contendas com seus parentes (veja 13:7; 27:41: 37:4); (3) desceram ao Egito (veja 12:10; 37:28; 46:6), e (4) seus filhos mais novos foram divinamente escolhidos (veja 17:18-19; 25:23; 48:14; 49:8 12, 22 26). foco na pessoa 29

3 A História de Abraão (Gênesis 11:27-25:11) A nota tônica da história de Abraão é de que ele, sem terras e sem filhos, aprendeu que a grande promessa seria cumprida unicamente pelo poder de Deus. Esta promessa, descrita em Gênesis 12:1-3 (ARA), tem as ideias de descendência e terra como seus dois elementos essenciais: Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. Com efeito, tal promessa parece ser o fio condutor da história patriarcal narrada em Gênesis. Nos capítulos seguintes essa promessa é reafirmada várias vezes com seus dois elementos essenciais: (1) descendência numerosa - grande nação (veja 13:16; 15:5; 17:6; 22:17-18; 26:4; 28:14); (2) terra que te mostrarei - posse da terra que Abraão, Isaque e Jacó viviam como estrangeiros (veja 13:14-15; 15:18-21; 26:3; 28:15; 50:24). Outro aspecto importante a ser ressaltado é a noção de que a promessa dada a Abraão (o qual no capítulo 12 ainda é Abrão, seu nome será mudado para Abraão no capítulo 17) deve ser entendida em termos de bênção divina. De fato, as palavras-chave dessa promessa divina, abençoar, bênção e benditas aparecem cinco vezes em dois versos (12:2-3). A bênção prometida a Abraão, e por meio dele ao povo de Israel e para a humanidade como um todo, tem como objetivo destruir a maldição que o pecado dos seres humanos fez cair sobre a terra (veja 3:17; 4:11; 5:29; 8:21; 9:25). No entanto, os capítulos 15 a 22 revelam que a benção do cumprimento progressivo da promessa não ocorreria de forma simples e direta. Estes capítulos indicam que o cumprimento era impossível do ponto de vista humano e parecia demandar algum tipo de manobra ou improviso por parte de Abraão e sua esposa. No capítulo 15, como Abraão ainda continuava sem filhos, seu primeiro palpite foi de que a grande nação seria iniciada por meio de seu servo damasceno, e então herdeiro, Eliézer (veja 15:2-3). Todavia, Deus enfaticamente lhe promete um filho biológico e novamente ressalta os elementos da promessa, a saber, numerosa descendência e possessão da terra (veja 15:4-5, 7). Assim, no capítulo 16, sua esposa Sara, que era estéril, elabora um plano para o nascimento de um filho biológico de Abraão por meio de sua serva egípcia Agar (veja 16:1). Contudo, os capítulos 17 e 18 enfatizam que Deus não se valeria das propostas de utilizar o servo de Abraão ou a serva de Sara para o cumprimento de Sua promessa. No início do capítulo 17, a mudança do nome de Abrão para Abraão procura enfatizar o fato foco Na PESSOa 30

4 de que ele será pai de numerosas nações (17:5), e a mudança de nome de Sara para Sarai salienta que ela é parte essencial da promessa divina (17:15-16). Ademais, Deus reafirma as promessas de descendência (17:6) e terra (17:8), e institui o rito da circuncisão (17:9-14) (um curioso rito no contexto da promessa de descendência, visto que a circuncisão consiste em cortar algo que se localiza justamente no órgão masculino ligado à reprodução). É como se simbolicamente o rito indicasse que a reprodução da descendência não é resultado do trabalho humano, mas da atuação divina. Aliás, a idade avançada tanto de Abraão (100 anos) como de Sara (90 anos) veja 17:17 ressalta a realidade de que o nascimento de um filho biológico desse casal nunca poderia resultar da simples atividade humana. Não é por acaso que quando Deus explicitamente promete um filho biológico para este idoso casal, Abraão e Sara riem (veja 17:17; 18:12). Ironicamente, Deus afirma que o nome desse filho será Isaque, nome hebraico construído a partir da raiz do verbo rir (mesmo verbo hebraico usado para os risos de Abraão e Sara em 17:17 e 18:12). Nesse sentido, no relato do nascimento de Isaque, Sara comenta: Deus me deu motivo de riso; e todo aquele que ouvir isso vai rir-se juntamente comigo (21:6). Seguindo essa perspectiva, a narrativa da prova da fé de Abraão no capítulo 22 evidencia que Abraão entendeu que o cumprimento da promessa de Deus, em termos de uma numerosa descendência, ocorreria unicamente pelo poder Deus. Mesmo um possível sacrifício de Isaque, seu único filho (veja a repetição dessa ênfase em 22:3, 12 e 16), não seria capaz de frustrar os planos divinos. Assim como o improvável e demorado nascimento de Isaque foi resultado do milagre divino, Deus poderia operar outros milagres para dar continuidade ao cumprimento de Sua promessa. Portanto, Abraão cria que Deus proveria algo naquele terrível contexto de prova (veja 22:8, 14), mesmo que isso significasse a ressurreição de Isaque dentre os mortos (veja Hebreus 11:19). Com efeito, a relação entre essa prova de fé de Abraão e a promessa de numerosa descendência é evidenciada pela ratificação dessa promessa (veja Gênesis 22:17-18) na conclusão dessa narrativa, particularmente devido à fidelidade de Abraão (veja 22:16). Desse modo, a história de Abraão revela que o plano de Deus, especialmente em relação à formação de um povo, estava se cumprindo a despeito das aparentes impossibilidades, equivocadas manobras e improvisações humanas. A História de Jacó (Gênesis 25:19 35:29) À semelhança de Sara, a esposa de Isaque também era estéril (veja 25:21). De fato, Deus estava utilizando uma sequência de mulheres biologicamente incapazes de procriação para cumprir Sua promessa de formar uma grande descendência a partir de Abraão e Isaque. Pelo poder divino, Rebeca concebeu. A revelação de Deus ocorrida antes do nascimento dos gêmeos parece ter sugerido que o filho mais novo Jacó seguiria a linhagem da promessa de descendência (veja 25:23). No entanto, a sequência da narrativa descreve algumas manobras humanas para tentar concretizar tal revelação. Primeiramente, Jacó procura negociar o direito de primogenitura com Esaú (veja 25:29-34), posteriormente, ele e sua mãe Rebeca elaboram um plano para enganar Isaque e usurpar a bênção de Esaú (veja capítulo 27). Passados vários anos, depois de ter fugido de Esaú, Jacó está prestes a reencontrar seu irmão mais velho. Juntamente a Jacó está toda a sua extensiva família (veja uma lista de seus filhos, esposas e concubinas em 29:31-30:25). Com efeito, Jacó parece estar bem ciente do perigo que representava seu encontro com Esaú (veja 32:3-5) e do risco de destruição de sua família, que de fato era a descendência da divina promessa. Seu medo e sua profunda perturbação geraram diversas tentativas de proteção para ele e sua família: ele divide a família em dois bandos (32:7), ora a Deus enfatizando a promessa de inúmera descendência (32:9-12) e, finalmente, procura aplacar ira de Esaú com um presente (32:20). Todavia, a narrativa sugere que nenhum desses esforços funcionou como o esperado, pois o que Jacó realmente necessitava era a certeza da bênção e do perdão divino, que lhe foram conferidos na experiência de sua luta com Deus (veja 32:26, 30). Enquanto ele está com Deus, o poder divino executa algo que ele não conseguiu fazer por meio de seus próprios esforços. No momento em que ele lutava com Deus, um mensageiro celestial foi enviado a Esaú para que nenhum mal fosse feito a Jacó e aos seus descendentes. 2 O plano de Deus de formar um povo especial a partir de Abraão, Isaque e Jacó estava se cumprindo. Mas a tentativa de concretizar a promessa divina por meio de iniciativas humanas caracterizadas por meios indevidos causaram desvios de rota e ameaças de perigo. Contudo, apesar dos problemas criados pelas manobras humanas, os planos de Deus iam sendo cumpridos. foco na pessoa 31

5 História de José (Gênesis 37:1 50:26) A condição biológica da amada esposa de Jacó não era diferente daquela de Sara e Rebeca. Mais uma vez, o nascimento de José demonstrou a atuação miraculosa do poder divino, agora no ventre da estéril Raquel (veja 29:31; 30:22-24). Contudo, não foi apenas o seu nascimento que dependeu do milagre divino, mas também sua sobrevivência e escalada profissional. Seus irmãos invejosos, que queriam matá-lo (veja 37:18, 20), venderam-no para comerciantes que viajavam para o Egito (veja 37:28). Entretanto, em uma reviravolta extraordinária, aquele que era apenas um escravo em um país estranho acabou se tornando posteriormente o governador do Egito e, ironicamente, reencontrou seus irmãos que vieram ao Egito em busca de alimento por conta da fome generalizada. Além de sua incrível misericórdia para com os seus irmãos, a interpretação que José oferece acerca dos eventos de sua vida é notável. Ele relaciona a sua política geral de preparação para o período de seca e fome, enquanto governador do Egito, com a preservação da descendência de Abraão, Isaque e Jacó. Em outros termos, José interpreta sua história como a providência divina para o cumprimento e manutenção da promessa de Deus. Assim, ele conforta os seus irmãos arrependidos: Não vos entristeçais, nem vos irriteis contra vós mesmos por me haverdes vendido para aqui; porque, para conservação da vida, [...] Deus me enviou adiante de vós, para conservar vossa sucessão na terra e para vos preservar a vida por um grande livramento. Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus, que me pôs por pai de Faraó, e senhor de toda a sua casa, e como governador em toda a terra do Egito (45:5-8). De forma muito interessante, esse texto esclarece que por meio da terrível venda pelos seus irmãos, Deus trouxe José ao Egito com o propósito de preservar a vida e a descendência ( vossa sucessão na terra ) deles mesmos. O texto também indica que Deus pode se valer até dos pecados das pessoas, nesse caso a venda de José como escravo, para levar a cabo os Seus desígnios. Contudo, é preciso fazer um importante esclarecimento: José não está aqui justificando o erro de seus irmãos e nem dizendo que Deus intencionalmente cumpre Seus propósitos através de premeditados meios que envolvam maldades e injustiças. Muito pelo contrário, ao invés de minimizar o pecado ou a maldade, José está maximizando o poder e a bondade de Deus, que pode transformar os efeitos do mais terrível pecado em grandiosas bênçãos. Em outras palavras, o poder e a bondade de Deus são tão grandes que Ele pode reverter um contexto de desgraça em uma situação de alegria e bem-estar. Como o próprio José diz a seus irmãos, vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida (50:20). Dessa forma, Deus paulatinamente concretizou Sua promessa de numerosa descendência a despeito dos erros humanos. Mas José não estava ciente apenas do aspecto da promessa relati- foco na pessoa 32

6 vo à descendência. Ele também enfatizou o aspecto da promessa relativo à terra, naquele que parece ser um de seus últimos desejos: Eu morro; porém Deus certamente vos visitará e vos fará subir desta terra para a terra que jurou dar a Abraão, a Isaque e a Jacó. José fez jurar os filhos de Israel, dizendo: Certamente Deus vos visitará, e fareis transportar os meus ossos daqui (50:24-25). 3 De tal modo, da mesma forma que o poder Deus tinha sido capaz de gradativamente cumprir Sua promessa em relação à numerosa descendência, apesar das impossibilidades biológicas (velhice de Abraão e Sara e esterilidade de Sara, Rebeca e Raquel) e dos inúmeros pecados e erros humanos cometidos ao longo dessas histórias, Ele também seria mais que capaz de cumprir a promessa da terra. De fato, a concretização desse segundo aspecto da promessa é um importante tema desenvolvido especialmente no restante do Pentateuco (Êxodo a Deuteronômio) e no livro de Josué. Considerações Finais Assim como no período dos patriarcas, Deus está ainda concretizando Sua promessa de formar um povo e nos dar a terra, uma pátria superior (Hebreus 11:16). É importante notar que no processo de formação de Seu povo, assim como a vida dos patriarcas foi marcada por fraquezas e pecados, a igreja hoje também é repleta de erros e fraquezas humanas. Por isso, de forma semelhante à experiência dos patriarcas, somos dependentes do perdão e da graça divina. Contudo, nunca devemos nos esquecer de que o poder de Deus é maior que a nossa fraqueza, e as Suas promessas serão concretizadas a despeito das dúvidas e manobras humanas. As situações de limitações ou maldades que possam existir no meio de Seu povo podem ser incrivelmente revertidas em bênçãos. Enquanto aguardamos a concretização da promessa da Nova Terra (veja Apocalipse 21:1-4), tenhamos a mesma confissão de fé expressa em Jó 42:2: Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado. 1 Sem minimizar a importância do patriarca Isaque, sua história parece estar conectada com as histórias de Abraão e de Jacó. 2 Veja WHITE, Ellen. Patriarcas e Profetas. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1995, p O desejo de José foi realizado na saída do povo de Israel do Egito, veja Êxodo 13:19. ADRIANI MILLI Adriani Milli é professor de Teologia no UNASP EC. Atualmente esta cursando o PhD em Teologia Sistemática na Andrews University EUA. Ele é casado com a Doutora em Educação, Ellen Nogueira. foco na pessoa 33