Opacificação de Lentes Intraoculares A Propósito de 44 Casos
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- Herman Wagner Bayer
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1 Oftalmologia - Vol. 36: pp Artigo Original Opacificação de Lentes Intraoculares A Propósito de 44 Casos Ana Travassos 1, Dídia Proença 2, Isaura Regadas 1,2, Joaquim Mira 1, Joaquim Murta 1,2, Rui Proença 1,2, António Travassos 2 1 Centro de Responsabilidade de Oftalmologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra 2 Centro Cirúrgico de Coimbra RESUMO Objectivos: Analisar as opacificações de diferentes modelos de LIO e algumas das repercussões que as mesmas podem desencadear. Materiais e Métodos: Foram estudados 44 olhos com opacificações de LIO, distribuídos por 4 grupos, de acordo com as características da lente: Grupo I lente hidrofílica com revestimento hidrofóbico; II lente hidrofóbica; III lente hidrofílica, e IV não identificada. Foi analisada a idade média dos doentes, a existência de cirurgia vítreo-retiniana associada e o tempo médio entre as cirurgias e a opacificação da lente. 6 lentes explantadas foram analisadas por microscopia óptica, electrónica de varrimento e espectroscópica. Resultados: A idade média dos doentes foi de 59,9±13,8 anos. Dos 44 olhos estudados, o número de olhos submetidos a cirurgia de catarata e vitrectomia foi de 17, 11, 2 e 2, respectivamente nos grupos I, II, III, IV. Doze olhos foram tamponados com silicone no grupo I e um nos grupos II e III. No grupo I, observaram-se múltiplos depósitos (de fosfato de cálcio e magnésio em 6 lentes explantadas) na superfície da lente. No grupo II, as opacificações foram discretas e sugestivas de alteração do polímero da lente. O padrão de opacificação foi heterogéneo no grupo III e IV, com depósitos superficiais ou com redução da transparência. O tempo médio decorrido entre a implantação e a opacificação da LIO foi de 18,4±6,3 meses, 6,0±2,7 anos, 2,5±1,5 anos e desconhecido, nos grupos I, II, III e IV, respectivamente. Conclusões: A opacificação das LIO pode apresentar padrões morfológicos diferentes e uma importância clínica variável, devendo haver alguma precaução na utilização de lentes hidrofílicas de revestimento hidrofóbico. INTRODUção O uso de lentes intraoculares (LIO) revolucionou o mundo da cirurgia de catarata ao permitir melhorar significativamente a qualidade da visão dos doentes operados. O relato por Ridley 21, da primeira lente implantada, de polimetilmetacrilato (PMMA), data de A escolha deste biomaterial, inerte e bem tolerado, deveu-se à situação observada na II Grande Guerra em alguns pilotos de aviões militares. Estes apresentavam fragmentos intraoculares de plástico, resultantes da fragmentação do cockpit do avião, sem desenvolverem nenhuma reacção inflamatória. Avanços posteriores na área dos biomateriais permitiram o aparecimento de lentes dobráveis, como as de silicone ou as acrílicas hidrofílicas / hidrofóbicas. A opacificação de lentes intraoculares é uma Vol Nº 2 - Abril-Junho
2 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Joaquim Mira, Joaquim Murta, Rui Proença, António Travassos complicação rara, mas tem sido descrita por vários autores e com diferentes tipos de lentes. Algumas das alterações encontradas foram descolorações em lentes de silicone 22, opacificações em floco de neve nas lentes de PMMA 20, ou granulações em lentes acrílicas 4,14,6. No entanto, na maioria dos casos, a opacificação pós-operatória foi associada a calcificações nas lentes acrílicas hidrofílicas, com depósitos na superfície da zona óptica da lente, hápticos ou ambos, ou com infiltrados no polímero da lente 28,10,18. O espectro variado de apresentação destes fenómenos sugere que as causas podem ser múltiplas. Factores como a embalagem e manufactura da lente, as soluções intraoculares usadas durante a cirurgia, os produtos visco-elásticos, a técnica cirúrgica e as patologias sistémicas ou oculares associadas, têm sido estudados na tentativa de esclarecer a etiologia destas opacificações 27, 28, 3, 29. O objectivo do nosso trabalho foi analisar as opacificações de diferentes modelos de LIO, estudar aspectos comuns entre os doentes que possam ter contribuído para este problema e, ainda, realçar alguns aspectos médico-cirúrgicos e médico-legais decorrentes da manutenção ou explante destas lentes. de opacificação da lente e, sempre que possível, foi feito o registo das terapêuticas usadas pelos doentes (locais ou gerais). Os doentes foram submetidos a um exame oftalmológico completo. Todas as lentes opacificadas foram fotografadas e, nos casos mais recentes, foram feitas retinografias com Optomap (Optos PLC, Dundermline, Fife, Scotland, UK) porque, nalguns casos, se constatou que a imagem da opacificação da LIO aparece projectada sobre a retina, não deixando qualquer dúvida do prejuízo que a mesma induz na visão. Dos casos estudados, 6 lentes do grupo I foram já explantadas (devido a interferência significativa na visão dos doentes) e submetidas a análise por microscopia óptica, electrónica de varrimento e espectroscópica num laboratório de biomateriais com sede na Alemanha (BAM, Bundesanstalt für Materialforschung und prüfung, Berlin). Procedeu-se, ainda, ao levantamento do número de doentes submetidos a cirurgia de catarata ou a catarata com vitrectomia e tamponamento com silicone, realizados no Centro Cirúrgico, nos quais foi implantada uma das lentes analisadas, numa tentativa de quantificar o risco de opacificação. MATERIAIS e MéTODOS O estudo retrospectivo, realizado entre Janeiro e Agosto de 2011, no Centro Cirúrgico de Coimbra e Serviço de Oftalmologia dos HUC, envolveu 44 olhos de 43 doentes com opacificações da LIO após cirurgia de catarata. Todos os doentes foram informados da alteração da transparência da LIO e esclarecidos quanto às implicações médico-cirúrgicas da manutenção ou necessidade de explante da LIO. Aos doentes a serem submetidos a nova cirurgia foi explicada detalhadamente a sua situação clínica, as vantagens e desvantagens (riscos) de uma nova intervenção e, após compreenderem a situação, assinaram o respectivo consentimento informado. Os doentes foram distribuídos por 4 grupos, de acordo com as características físico-químicas da LIO implantada: Grupo I - lente hidrofílica com revestimento hidrofóbico; Grupo II - lente hidrofóbica; Grupo III lente hidrofílica; e Grupo IV lentes de características não identificáveis. As alterações encontradas nas LIO foram reportadas, por carta registada, aos representantes das marcas comerciais envolvidas no estudo. Foi estudada a idade média dos doentes, as patologias associadas, a medicação ocular, a existência de cirurgia vítreo-retiniana associada (com ou sem tamponamento com silicone), o tempo médio entre as cirurgias, o tempo médio ResuLTAdos Foram observados 43 doentes (44 olhos) com opacificação da LIO, dos quais 29 doentes (67,4%) eram do sexo masculino e 14 (32,6%) do sexo feminino. A idade média dos doentes foi de 59,9±13,8 anos (entre 23 e 84 anos). No Grupo I, constituído por 19 doentes, fora implantada uma lente hidrofílica com revestimento hidrofóbico. Destes, 14 eram do sexo masculino e 5 do sexo feminino e a idade média dos doentes era de 56,2±12,1 anos (26-73). Cinco doentes eram diabéticos e 2 doentes tinham hipertensão arterial, medicados com bloqueadores do canais de cálcio. Dos 19 olhos, 17 (89,5%) foram submetidos a cirurgia combinada de catarata e vitrectomia (para tratamento de descolamento da retina e/ou vitreo-retinopatia proliferativa) e, destes, 12 (70,6%) foram tamponados com silicone de 1300cs. Um doente foi submetido a cirurgia de catarata e vitrectomia em tempos operatórios diferentes, e o outro doente fez sómente cirurgia de catarata. O tempo médio decorrido entre o implante da LIO e o reconhecimento da opacificação foi de 18,4±6,31 meses. Todas as LIO apresentaram um padrão de opacificação significativo, com múltiplos depósitos corados na superfície da zona óptica (Fig.1 e 2). As LIO explantadas, num total de 6, pertenciam a este grupo de doentes e a sua análise relevou que as opacificações correspondiam a múltiplos depósitos de fosfato de 148 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
3 Opacificação de Lentes Intraoculares - A Propósito de 44 Casos cálcio e magnésio. Como intercorrências/complicações durante a substituição da lente, num doente foi necessário deixar os hápticos no saco capsular e, em dois doentes, devido à ruptura da zónula, foram implantadas lentes de PMMA de câmara anterior de suporte iridiano. Nos restantes doentes, foram colocadas lentes acrílicas hidrofóbicas no saco capsular. No Grupo II, envolvendo 17 doentes (18 olhos) tinha sido implantada uma lente hidrofóbica. Deste grupo, 9 eram do sexo masculino e 8 do sexo feminino e a idade média dos doentes era de 61,9±17,1 anos (23-84). 5 doentes eram diabéticos e nenhum doente era hipertenso. Dos 18 olhos, 11 (61,1%) foram submetidos a cirurgia de catarata e vitrectomia (para tratamento de descolamento da retina e/ou vitreo-retinopatia proliferativa) combinada em 6 casos, e sendo em 5 em tempos operatórios diferentes (2 dos quais a vitrectomia foi prévia à cirurgia de catarata), e com tamponamento com silicone num caso. O tempo médio decorrido até à opacificação da lente foi de 6,0±2,7 anos. As lentes apresentaram um padrão de opacificação discreto, tipo manchado na zona óptica da lente (Fig.2), de dimensões variáveis, alternada com pequenas áreas de lente poupada e com aspecto sugestivo de alteração do polímero da lente. O Grupo III e IV envolveu 3 e 4 doentes respectivamente. Tinha sido implantada uma lente hidrofílica no Grupo III (noutros centros) e não foi possível identificar as características das lentes no Grupo IV (pelo facto da cirurgia de catarata também ter sido realizada noutro centro e o doente não dispor de informação). No Grupo III, todos os doentes eram do sexo masculino e a sua idade média era de 61±6,1 anos. Nenhum doente era diabético e 1 doente era hipertenso. Dois olhos foram submetidos a cirurgia de catarata e vitrectomia em tempos diferentes e, num deles, procedeu-se a tamponamento com silicone. Neste grupo, o tempo médio decorrido até à opacificação da lente foi de 2,5±1,5 anos. No Grupo IV, 3 doentes eram do sexo masculino e 1 do sexo feminino com uma média de idades de 70,8±5,6 anos. Um doente era diabético e nenhum doente era hipertenso. Dois olhos foram submetidos a cirurgia de catarata e vitrectomia (1 simultaneamente e o outro em tempos diferentes). O tempo médio decorrido até à opacificação da LIO foi desconhecido no Grupo IV. As lentes apresentaram um padrão de opacificação mais heterogéneo nos dois grupos, algumas com depósitos superficiais, enquanto outras apresentavam aspecto sugestivo de alteração do polímero da lente, ou ambos (Fig. 3, 4 e 5). Fig. 1 Fotografia de lente opacificada de material hidrofílico com revestimento hidrofóbico, mostrando múltiplos depósitos superficiais. Fig. 2 Fotografias de lente opacificada de material hidrofílico com revestimento hidrofóbico, mostrando múltiplos depósitos superficiais mais marcados que no caso anterior. Vol Nº 2 - Abril-Junho
4 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Joaquim Mira, Joaquim Murta, Rui Proença, António Travassos Procedeu-se, ainda, ao levantamento do número de doentes submetidos a cirurgia de catarata ou a catarata e vitrectomia e tamponamento com silicone, realizados no Centro Cirúrgico, nos quais foram implantadas um dos tipos de lentes analisadas. De 538 lentes hidrofílicas com revestimento hidrofóbico implantadas, foram encontradas 3,5% de lentes opacificadas. Neste grupo, 202 olhos foram vitrectomizados (8,9% com opacificações) e destes, 10 foram tamponados com silicone (1,9% com opacificações detectadas). Relativamente ao Grupo II, doentes nos quais tinha sido implantada uma lente hidrofóbica, de 1725 lentes implantadas, foram detectadas 1% de lentes com opacificações. Deste grupo, 528 doentes foram vitrectomizados (2,1% com opacificações) e destes, 32 foram tamponados com silicone (0% opacificações detectadas). Quanto às lentes hidrofílicas implantadas no grupo III, não foi possível fazer essa análise porque estas lentes não têm sido implantadas por nós. Quando foram constatadas as primeiras opacificações na superfície posterior da lentes, foram realizados, fora Fig. 3 Lente hidrofóbica opacificada, com alterações sugestivas do polímero da lente. Fig. 4 Lente de material desconhecido, demonstrando opacificações centrais na superfície e interior da lente. Fig. 5 A) Lente hidrofílica opacificada, com redução central da transparência e B) retinografia obtida por Optomap demonstrando projecção da sombra das opacificações na retina. 150 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
5 Opacificação de Lentes Intraoculares - A Propósito de 44 Casos Quadro 1 Número de doentes distribuídos por grupos consoante o material da lente implantada e cirurgias realizadas. Grupos Cirurgia catarata Cirurgia cat + CVR simult Cirurgia cat + CVR tempos diferentes Tamponamento com silicone Tempo até opacificação da LIO I (n=19) ,4±6,3 meses II (n=18) ,0±2,7 anos III (n=3) ,5±1,5 anos IV (n=4) Desconhecido do eixo visual, alguns disparos com laser YAG sobre os depósitos, na tentativa de os remover, mas sem qualquer sucesso. Quanto à medicação ocular após a cirurgia os fármacos mais usados foram as quinolonas, os corticóides e os antihipertensores oculares, nas primeiras duas semanas. DISCUSSão Os biomateriais usados na produção de lentes intraoculares, apesar de estudada a sua biocompatibilidade intraocular, podem, com o decorrer do tempo, sofrer alterações da transparência ou da estrutura por razões mal conhecidas e imprevisíveis. A ocorrência de tais opacificações, fundamentalmente nas lentes acrílicas hidrofílicas, tem sido relatada por diferentes autores e com diferentes marcas comerciais 3, 20, 10, 9, 26. As alterações das lentes podem ser descritas com base no aspecto biomicroscópico ou, se possível e justificável, com base no estudo histopatológico 11,17, na análise por microscopia electrónica de varrimento ou por espectroscopia com energia dispersiva 13, 9 da lente após o seu explante, de modo a caracterizar melhor a natureza dos depósitos. Segundo vários relatos, a maioria das opacificações deve-se a processos de calcificação das lentes 13,17, 9. Neuhann 16 propôs uma nova classificação para a calcificação das lentes intraoculares, após um estudo retrospectivo de 400 lentes explantadas. Este autor considerou a existência de 3 tipos de calcificação: a primária, relacionada unicamente com a lente (como alterações no polímero da lente, no processo de fabrico ou na embalagem); a calcificação secundária, associada a circunstâncias ambientais (como modificações do ambiente envolvente da lente ou doenças em que haja alterações da barreira hemato-aquosa); e a pseudocalcificação, relacionada com artefactos e uso incorrecto de corantes na identificação dos depósitos. Como exemplos do grupo de calcificações primárias estão os casos das lentes hidrofílicas Hydroview 1,0 IOL (Bausch&Lomb Surgical), Memory Lens (Ciba Vision), SC60B-OUV (Medical Developmental Research, agora EyeKon Medical),e Aqua-Sense (Ophthalmic Innovations International Inc) 22. No primeiro caso, a adição de silicone na embalagem da lente terá estado na base da opacificação. O mecanismo proposto foi a migração de silicone da embalagem para a superfície da lente que, ao ligar-se a ácidos gordos, poderá ter acelerado processos de calcificação 10,8. Relativamente à marca Memory Lens, os grânulos detectados na superfície das lentes, em alguns lotes (modelos U940A e U940S), foram atribuídos a alterações durante a fase de polimento da lente, com aumento da ligação proteica 15. Noutros modelos comerciais, a opacificação parece dever-se à acumulação de depósitos no interior da lente, como foram exemplos as lentes SC60B-OUV e Aqua-Sense. No primeiro caso foi sugerido a existência de alterações no polímero da lente e, no segundo, a presença de compostos residuais hidrossolúveis durante o fabrico da lente, os quais poderão ter induzido a calcificação 28,10. Mas as marcas comerciais envolvidas nos múltiplos relatos de opacificação têm modificado os processos de manufactura e embalagem das suas lentes 28, 10, 22. Relativamente ao grupo de calcificações de causa secundária, não tem sido fácil a associação a factores sistémicos ou oculares que sirvam de catalisadores / substratos à calcificação. Condições como a diabetes mellitus 12, o glaucoma, a hialosis asteróide 26, as uveítes ou complicações durante cirurgia de catarata 16 foram apontadas como situações possíveis de contribuir para a opacificação, apesar de não ser conhecido o mecanismo exacto subjacente. A calcificação dita distrófica, isto é, que ocorre com níveis normais de cálcio e fosfato, pode ocorrer em meios alterados, nomeadamente em situações de alcalinização, como em situações inflamatórias 2,24,7. Relativamente aos doentes agora estudados, tentou-se analisar quais os factores comuns, dentro e entre os diferentes grupos, que pudessem contribuir para a opacificação das lentes. Quanto às doenças sistémicas, como a diabetes mellitus e a hipertensão arterial, não parece terem tido Vol Nº 2 - Abril-Junho
6 Ana Travassos, Dídia Proença, Isaura Regadas, Joaquim Mira, Joaquim Murta, Rui Proença, António Travassos relevância nos resultados já que o número de doentes com estas patologias não foi significativo. Relativamente aos factores oculares, parece importante separar os doentes submetidos unicamente a cirurgia de catarata dos que foram submetidos a cirurgia de catarata e vitrectomia. Nestes últimos, o conteúdo da cavidade vítrea é modificado, nomeadamente com o tamponamento com silicone, podendo introduzir diferentes variantes (ph, electrólitos,...) no meio envolvente da lente e capazes de favorecer a calcificação. Após levantamento dos registos dos doentes submetidos a cirurgia de catarata ou a catarata e vitrectomia e tamponamento com silicone, realizados no Centro Cirúrgico (onde foram detectadas 43 lentes opacificadas), nos 3 tipos de lentes analisados foi encontrado um valor de opacificações superior no Grupo I relativamente ao Grupo II (3,5% vs 1%), o mesmo se verificando nos doentes vitrectomizados (8,9% no Grupo I e 2,1% no Grupo II). Dos doentes vitrectomizados do Grupo I, e tamponados com silicone, 1,9% apresentaram lentes opacificadas. Não foram encontradas alterações nos doentes do Grupo II tamponados com silicone. Quanto às lentes hidrofílicas implantadas no grupo III, não foi possível fazer essa análise porque estas lentes não têm sido implantadas por nós. Face a uma percentagem pequena de lentes opacificadas no total de lentes implantadas, este estudo suscita mais dúvidas do que hipóteses relativamente aos diferentes grupos, uma vez que devem ser considerados vários parâmetros. Comparativamente aos outros grupos, a vitrectomia foi realizada num maior número de doentes do primeiro grupo (18/19), bem como o tamponamento com silicone. Não podemos afirmar qual o peso de cada um dos procedimentos na contribuição para a calcificação e porque é que ocorreu nestes doentes e não noutros com as mesmas características de lente implantada e mesmas técnicas cirúrgicas. Poderá ser uma questão de tempo de seguimento ainda insuficiente? Alguns autores referem que o tamponamento com silicone induz respostas inflamatórias retinianas, com aumento de produção de macrófagos e até reacções de corpo estranho25,19. Também já foi relatado noutros trabalhos que as células inflamatórias, ao se depositarem em biomateriais, poderão funcionar como nichos para a calcificação5. O curto intervalo de tempo entre o implante da lente e a detecção da opacificação (18,4 ±4,9 meses) até poderia sugerir uma certa incompatibilidade entre a lente (de material hidrofílico com revestimento hidrofóbico) e o silicone, mas só 12 doentes foram tamponados com este material, pelo que outros factores tiveram de contribuir para a presença de depósitos na lente. As opacificações causadas pelos múltiplos depósitos justificaram uma indicação criteriosa para o explante de 6 lentes, em 6 doentes, até à data. A análise das LIO confirmaram tratar-se de depósitos superficiais de fosfato de cálcio e magnésio. Relativamente ao segundo grupo, com lentes hidrofóbicas, 7 doentes foram submetidos sómente a cirurgia de catarata e 11 a cirurgia de catarata e vitrectomia (com número de doentes quase idêntico entre cirurgia simultânea e em tempos operatórios diferentes). Não foi possível encontrar diferenças no tempo de opacificação entre estes dois subgrupos de doentes vitrectomizados, já que em 2 dos 5 doentes submetidos a cirurgia do segmento anterior e vitreo-retiniana em tempos operatórios diferentes, a vitrectomia foi prévia à cirurgia de catarata. O tipo de opacificação encontrado em todos os doentes deste grupo foi semelhante, menos significativo, comparativamente ao Grupo I, com aspecto enevoado ou manchado da lente, e com um tempo médio de aparecimento de 6,0±2,7 anos. O aspecto biomicroscópico é mais sugestivo de se tratarem de alterações do polímero da lente/ acumulação de depósitos no interior da lente. Até à data, ainda não foi realizado nenhum explante de lente neste grupo, por não parecer ter significado na qualidade visual destes doentes. Quanto ao Grupo III e IV, face ao reduzido número de doentes incluídos, não foram realizadas tentativas de interpretação de mecanismos subjacentes, mas o seu estudo serviu para realçar que a opacificação pode ter aspectos biomicroscópicos sobreponíveis em materiais diferentes. A medicação ocular usada, idêntica em todos os grupos, não nos parece ter grande papel no aparecimento dos depósitos, já que o uso de corticóides, antibióticos e anti- -hipertensores, após a cirurgia, é limitado a períodos muito curtos (geralmente até 2 semanas), com pouca correspondência temporal com o tempo de opacificação. Algumas considerações devem ainda ser feitas. Enquanto noutros relatos a variação da acuidade visual, atribuída unicamente à opacificação da lente, foi o principal factor na decisão do seu explante 23,1, neste estudo as acuidades visuais foram muito heterogéneas e, em muitos doentes, significativamente dependentes da patologia retiniana de base e/ou influenciadas pelo tamponamento com silicone. Deste modo, ponderou-se criteriosamente as vantagens e riscos cirúrgicos inerentes ao explante das lentes opacificadas nestes doentes (especialmente o risco de edema macular, descolamento e/ou redescolamento de retina, a síndroma UGH-Uveíte-Glaucoma-Hifema e a descompensação endotelial). Até à data foram substituídas 6 lentes, todas com número significativo de depósitos, e em que pareceu haver uma correlação relevante com queixas de deslumbramento e visão enevoada. Como intercorrências/complicações 152 Revista da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia
7 Opacificação de Lentes Intraoculares - A Propósito de 44 Casos durante a substituição da lente, só houve a salientar a necessidade de colocação de uma lente de câmara anterior de suporte iridiano em 2 doentes, por ruptura/fragilidade extensa das zónulas. Durante os 3 meses de seguimento dos doentes com lente explantada, não se verificou nenhum redescolamento de retina. Não foi encontrada qualquer referência a aspectos médico-legais em nenhum dos artigos revistos sobre opacificação de lentes, mas parece fundamental a sua discussão pela importância que têm na prática clínica. Na literatura oftalmológica, o procedimento proposto após detecção de uma lente opacificada é a sua substituição. E quem deve pagar o procedimento cirúrgico? Temos conhecimento que o custo da cirurgia foi assegurado por alguns fabricantes de lentes. E no caso de um doente que necessita que a lente seja removida/implantada, e que tenha sido vítima de um traumatismo ocular do qual resulte responsabilidade civil ou criminal? A quem assiste a responsabilidade pela opacificação da lente? Não deverá a mesma ser partilhada na avaliação do dano? E quais deverão ser os critérios major para a substituição da lente? E se o doente tiver uma boa acuidade visual, com perda progressiva atribuível à diminuição da transparência da lente e, após a nova intervenção surgir um edema macular crónico, um descolamento ou um redescolamento da retina ou uma síndroma UGH por traumatismo da ansa no corpo ciliar? Sem querer complicar estas situações médico-legais, entende-se que é fundamental escrutinar todas as opacificações de lentes observadas e comunicá-las aos doentes, aos fabricantes das lentes e a todas a entidades oficiais superintendentes nesta matéria. Foi como procedemos. ConCLusões A opacificação das lentes intraoculares pode apresentar padrões morfológicos diferentes em materiais distintos. Os mecanismos subjacentes a este problema não são conhecidos e diversos factores devem ser consideradas no seu estudo. A importância clínica das opacificações é variável e a maioria pode não justificar a substituição da lente. No entanto, é fundamental que se melhore a biocompatibilidade dos materiais usados no fabrico das lentes intraoculares e se continuem a estudar cuidadosamente todas as possíveis interacções entre estes polímeros/revestimentos e a fisiopatologia ocular. Entretanto, deverá haver alguma precaução na utilização de lentes hidrofílicas de revestimento hidrofóbico. BIBLIOGRAfIA 1. Altaie R, Loane E, O Sullivan K, Beatty S. Surgical and visual outcomes following exchange of opacified Hydroview intraocular lenses. Br J Ophthalmol 2007;91: Anderson HC. Mechanisms of pathologic calcification. Rheum Dis Clin North Am 1988;14: Apple DJ, Werner L, Escobar-Gomes M, Pandley SK. Deposits on the optical surfaces of hidroview intraocular lenses. J Cataract Refract Surg 2000;26: Apple DJ, Werner L. Complications of cataract and refractive surgery: a clinicopathological documentation. Trans Am Ophthalmol Soc. 2001;99: Brockhurst RJ, Ward RC, Lou P, et al. Dystrophic calcification of silicone scleral buckling implant materials. Am J Ophthalmol 1993;115: Buchen SY, CunananCM, Gwon A, Weinschenk JL 3rd, Gruber L, Knight PM. Assessing intraocular lens calcification in an animal model. J Cataract Refract Surg 2001;27(9): Bucher PJ, Buchi ER, Daicker BC. Dystrophic calcification of an implanted hydroxyethylmethacrylate intraocular lens. Arch Ophthalmol 1995;113: Dorey MW, Brownstein S, Hill VE, et al. Proposed pathogenesis for the delayed postoperative opacification of the Hydroview hydrogel intraocular lens. Am J Ophthalmol 2003;135: Gungel H. Scanning electron microscopy and energy dispersive spectroscopy findings in explanted PMMA and hydrophilic acrylic intraocular lenses. Eur J Ophthalmol.2009 Jan-Feb;19(1): Izak AM, Werner L, Pandley SK, Apple DJ. Calcification of modern foldable hydrogel intraoculear lens designs. Eye 2003;17: Jiraskova N, Rozsival P, Kohout A. Opacification of hydrophilic acrylic intraocular lenses. Cesk Slov Oftalmol Nov; 63(6): Lee D, Seo Y, Joo C. Progressive opacification of hydrophilic acrylic intraocular lenses in diabetic patients. J Cataract Refract Surg.2002;28: Mak ST, Wong AC, Tsui Wm, Tse RK. Calcification of a hydrophilic acrylic intraocular lens: clinicopathological report. J Cataract Refract Surg 2008 Dec; 34(12): Mamalis N. Complications of foldable intraocular lenses requiring explantation or secondary intervention-2001 survey update. J Cataract Refract Surg.2002;28(12): Neuhann IM, Werner L, Izak AM et al.late postoperative opacification of a hydrophilic acrylic (hydrogel) Vol Nº 2 - Abril-Junho
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