ASSEMBLEIA DO RENOVAMENTO CARISMÁTICO DA DIOCESE DO PORTO 21 de Abril de 2012

Transcrição

1 ASSEMBLEIA DO RENOVAMENTO CARISMÁTICO DA DIOCESE DO PORTO 21 de Abril de 2012 Mantendo-vos, portanto, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestindo a couraça da justiça e calçando os pés com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz (Ef 6,14-16) vestindo a couraça da justiça 1. Vestindo a couraça. O que é e o que significa a palavra couraça em contexto bíblico? O termo couraça em hebraico significa aquilo que brilha. A couraça inicialmente constituía um privilégio dos chefes guerreiros. O rei Saul revestiu David com a sua armadura, pôs-lhe na cabeça um capacete de bronze e armou-o com uma couraça antes de partir para a batalha com o gigante filisteu, Golias. (1 Sm 17,38). Mais tarde a couraça era também parte da armadura de todos os guerreiros. Era de metal ou de malhas de metal (1 Sm 17,5). Fazia parte da armadura dos romanos. O profeta Isaías diz que O Senhor ( ) revestiu-se de justiça como de uma couraça, e de vitória como um capacete (59,17). No livro do Apocalipse lemos: O seu tórax era parecido a uma couraça de ferro (9,9), referindo-se aos gafanhotos enviados pelo Anjo. E noutra passagem: na visão, vi também os cavalos e os respetivos cavaleiros que vestiam couraças de fogo, de jacinto e de enxofre (9,17). E S. Paulo ao falar do «Dia do Senhor», na carta aos Tessalonicenses, diz: nós que somos do dia sejamos sóbrios, revestidos com a couraça da fé e da caridade e com o elmo da esperança da salvação (1 Tes 5,8). 1

2 A couraça nesta passagem designa as virtudes ativas e a armadura espiritual para a luta final, quando do Dia do Senhor. Na passagem da carta aos Efésios, que estamos a refletir vestir a couraça da justiça é proteger-se contra as flechas, os ataques do Maligno; é ser forte e firme na fé, através de uma vida virtuosa, justa, santa, capaz de resistir aos ataques espirituais. A justiça é uma virtude que protege o cristão nas lutas que ele tem de travar. 2. A justiça é uma das quatro virtudes cardiais, que são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança. A justiça é a virtude moral que consiste na constante e firme vontade de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. Para com Deus, a justiça chama-se «virtude da religião». Para com os homens, a justiça leva a respeitar os direitos de cada qual e a estabelecer, nas relações humanas, a harmonia que promove a equidade em relação às pessoas e ao bem comum. O homem justo, tantas vezes evocado nos livros santos, distingue-se pela retidão habitual dos seus pensamentos e da sua conduta para com o próximo (CIC 1807). 3. A justiça é um atributo de Deus, designa também as suas ações salvíficas. No AT dizer Deus é justo, significa que ele age como Deus. A justiça de Deus manifesta-se nas suas ações salvíficas agindo segundo a Aliança. Deus é justo porque corresponde àquilo que é: justiça, bondade, compaixão, misericórdia, fidelidade, salvação. A justiça de Deus deve inspirar a justiça do seu povo, a começar pelos reis e juízes, chamados por Deus a conduzir o povo pelos caminhos da Aliança, que são caminhos de justiça. Os profetas denunciam repetida e vigorosamente a injustiça dos juízes, a cobiça dos reis, a opressão dos pobres, e por causa dessas 2

3 desordens, dessas injustiças, anunciam a desgraça como consequência. Às suas censuras os profetas acrescentaram muitas vezes a exortação positiva: praticai o direito e a justiça (Os 10,2; Jr 22,3) e anunciaram a vinda do Messias que exercerá a justiça sem desfalecer (Is 9,6; 11,4ss; Jr 23,5). 4. As invetivas dos profetas em relação à injustiça, em Jesus são dirigidas à hipocrisia. Jesus denuncia na observância hipócrita uma religião humana e orgulhosa (Mt 23). A justiça dos discípulos deve superar a dos fariseus, para poderem ter acesso ao Reino de Deus: Se a vossa justiça não superar a dos doutores da Lei e dos fariseus, não entrareis no Reino do Céu (Mt 5, 20). A verdadeira justiça, segundo Jesus, consiste na prática das bemaventuranças, na observância dos mandamentos, na prática do amor a Deus e ao próximo inclusivamente aos inimigos (Mt 5). Jesus proclama felizes os que têm fome e sede de justiça, na terceira bem-aventurança e na oitava bem-aventurados os perseguidos por amor da justiça (Mt 5,10). O valor da justiça pertence à perceção correta das relações entre os homens. Quem procura só os seus próprios direitos, descurando os próprios deveres não seria justo. Como tão pouco o seria quem pensasse só nos deveres alheios descurando e ignorando os direitos das outras pessoas. Quando Jesus proclama bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça Jesus está a falar da justiça como algo imprescindível e absolutamente necessário para a vida cristã, tal como a fome e a sede, reações orgânicas, que nos dizem que temos necessidade de alimentos e de água e, se não o tomamos, morremos. Ter fome e sede de justiça é, antes de mais, desejar ser justo, por graça de Deus. Ou seja, uma pessoa capaz de reconhecer a íntima 3

4 verdade de Deus e de nós mesmos, e de ser capaz de organizar a vida em consequência. Ter fome e sede de Justiça é sinónimo de zelo de Deus e da sua glória. Ter fome e sede de justiça significa estar possuídos por um são inconformismo em relação a tudo aquilo que não está de acordo com os desígnios de Deus. Ter fome e sede de justiça significa ter espírito apostólico e missionário, estar possuído de um desejo ardente de comunicar aos outros as riquezas que Deus nos oferece: a sua verdade e a sua salvação. Ter fome e sede de justiça significa também o compromisso de cada um para que seja superada a miséria material e o nível infra-humano em que tantos homens vivem. Não é justo, não é conforme a justiça e o desígnio de Deus que existem tantos homens que não têm as condições mínimas para poderem viver com dignidade humana. Ter fome e sede de justiça, para quem está investido de autoridade, significa uma atenção cuidadosa a fim de que cargos, ofícios e recursos sejam distribuídos, tendo em conta todo o bem comum da sociedade e não os interesses particulares. 5. A justiça é um dom divino que deve estar presente na vida dos crentes, como refere S. Paulo: De fato, se pela falta de um só e por meio de um só reinou a morte, com muito mais razão, por meio de um só Jesus Cristo, hão de reinar na vida aqueles que recebem em abundância a graça e o dom da justiça (Rm 5,17). E noutro passo: Tal como o pecado reinou pela morte, assim também a graça reina pela justiça até à vida eterna, por Jesus Cristo Senhor nosso (Rm 5,21). Revestir-se da «couraça da justiça» é revestir-se de Cristo, da sua graça salvadora, que leva à prática da justiça, a buscar a justiça, a ter fome e sede de justiça. 4

5 A justiça é uma nova realidade que deve estar presente e guiar a vida do cristão que está em Cristo: Se Cristo está em vós, o vosso corpo está morto por causa do pecado, mas o Espírito é a vossa vida por causa da justiça (Rm 8,10). A justiça, fundada sobre a palavra e a obra de Deus em Jesus Cristo, alcança os crentes no contexto e através da fé e da ação do Espírito. S. Paulo diz que há a justiça proveniente da Lei e a justiça proveniente da fé, ou seja da obra misericordiosa e regeneradora de Cristo. A justiça é um sinal caraterístico da vida cristã que se manifesta no agir retamente, justamente, moralmente, que dá frutos na generosidade (2 Cor 9,10), na integridade e irrepreensibilidade (Fil 1,11). A justiça, segundo S. Paulo, é colocada no mesmo plano da santidade. É uma das caraterísticas do «homem novo»: revesti-vos do homem novo que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade (Ef 4,24). Em S. Paulo, justiça de Deus e Evangelho, como obra salvífica de Deus em Cristo, são sinónimos. No Evangelho revela-se a justiça de Deus, o seu amor fiel e misericordioso, a sua intervenção redentora através de Cristo, em quem se manifestou a justiça de Deus. Revestir-se da couraça da justiça é, por conseguinte, revestir-se do Evangelho, a palavra de salvação que alcança o homem em todas as situações revelando-lhe o poder de Deus que o torna capaz de enfrentar o mundo adverso a Deus que o tenta e o seduz. Tal como Nosso Senhor Jesus Cristo repudiou as tentações do demónio no deserto com a Palavra divina, proclamando a justiça de Deus, assim também nós os crentes o podemos fazer. 5

6 6. A justiça encontra a sua matriz e o seu culmine «na caridade, no amor «novo» instaurado por Cristo como lei fundamental da nova criatura, do «homem novo» e do novo Reino. Só quem ama pode estar em sintonia com os direitos e as necessidades dos outros e empenhar-se em que lhes seja feita justiça. Inspirado no amor e vista como elemento essencial do plano de salvação, a justiça é caminho para a realização do bem e da paz, segundo Deus, e deve fazer parte da identidade do cristão. Portanto, revistamo-nos da couraça da justiça para ela possa não só brilhar em nós, mas para com ela nos defendermos do mal e contribuir para um mundo mais justo, segundo Deus. 7. Num mundo marcado pela mentira, pela corrupção, pela injustiça, o cristã revestido da força de Deus vive na verdade e na justiça. O cristão é justo, pratica a justiça, luta pela justiça, defende os direitos dos pobres e é solidário com as vítimas da injustiça. O cristão sabe que o mundo sonhado por Deus e desejado pelos homens, não é possível sem a justiça, sem o reconhecimento da senhoria de Deus e da dignidade dos homens, criados à imagem e semelhança de Deus e nos quais Deus se reconhece. Sejamos, pois, aliados do Deus justo e verdadeiro, que ama a justiça e espera de nós, seus filhos, que também a amem, sejam justos e santos, para serem dignos do seu amor. 6