Lugar de memória: Uma construção por meio de imagens

Transcrição

1 Lugar de memória: Uma construção por meio de imagens Serra verde no idioma da língua yanomami, onde roro significa verde e imã quer dizer serra, monte, formando serra (IBGE, 2009). Esse é o estado de Roraima localizado ao norte do Brasil. Tem em seu território o ponto extremo ao norte do país, o Monte Caburaí, que faz fronteira com a República Cooperativista da Guiana. O Estado possui uma população estimada em hab, segundo o censo de 2010, miscigenada por pardos, brancos, negros e índios, com habitantes imigrantes de várias cidades do Brasil. Muitas áreas cobertas por vegetação natural ainda não degradada preenchem as áreas de savanas conhecidas por campos e cerrados. Roraima está inserida na Amazônia Legal, suas belezas naturais são notáveis a todos que tem a oportunidade de conhecer o Estado e essas belezas são evidentes desde tempos remotos em que pessoas relevantes para o desenvolvimento do Estado e região norte, por aqui passaram. E é dentro deste cenário que discorreremos a respeito do programa Valle do Rio Branco, tema central de relevância singular pelas experiências vivida durante a execução do mesmo, realizado por discentes e docentes engajados em instigar na população a construção de um lugar público possibilitando acesso democrático a todos os interessados no patrimônio histórico de Roraima, a princípio um lugar de memória digital. O programa aborda o reconhecimento dos componentes caracterizadores da diversidade do patrimônio cultural do estado de Roraima de modo a garantir a valorização social destes componentes potencialmente fragilizados em função das atuais dinâmicas organizadoras. A capital do Estado, Boa Vista, é o único dos 15 municípios a possuir um museu e o mesmo é fechado para o público. E é na busca do conhecimento dos cidadãos que procuramos a fonte de conhecimento de cada comunidade. Tanto a defesa quanto a preservação do patrimônio histórico, material e imaterial, são trabalhos de profunda importância para Roraima. A ação fundamental do programa consistiu na troca de experiências entre a população e pesquisadores, que juntos possuem a capacidade em desenvolver projetos que estimulam jovens e adultos a realizarem ações que

2 implementem melhorias necessárias para preservação do patrimônio e posteriormente para a criação do museu local. Pensando no lugar político, na preservação de bens culturais e da memória, referencia da pessoa, na pesquisa e na educação, no testemunho todos os conceitos se encontram e dialogam em um só lugar... O museu. Quando se cria um lugar de memória dentro de uma unidade com a ajuda da população, o projeto se torna bem mais gratificante para o indivíduo que está participando, pois aquele acervo faz parte de algo que ele ajudou a construir. Além de poder se enxergar, de colaborar com a criação e a manutenção da memória de sua comunidade, a digitalização e a construção desses espaços virtuais ampliam horizontes. A sua história deixa de ser local e se amplia para outras fronteiras, fronteiras do Estado, do país, do mundo... (Pontes, Vinícus, entrevista) Com a pretensão de produzir um mapeamento dos documentos sonoros, visuais e verbais textuais nos quinze municípios do estado de Roraima (Boa Vista, Rorainópolis, Caracaraí, Alto Alegre, Mucajaí, Cantá, Bonfim, Pacaraima, Amajarí, Iracema, Normandia, Uiramutã, Caroebe, São João da Baliza e São Luiz), fazer o registro e savaguarda do patrimônio material e imaterial roraimense por meio da troca de saberes entre acadêmicos e a população local, foi criado em 2013 o Programa de Extensão Valle do Rio Branco pelo Núcleo de Pesquisa Semiótica da Amazônia (NUPS), núcleo adendo a Universidade Federal de Roraima (UFRR). A ideia surgiu da necessidade de proporcionar ao público roraimense, a oportunidade de ter um lugar de memória com fácil acesso e que contenha a história do desenvolvimento da cidade, e a história de quem eram as pessoas significativas que passaram por Roraima, muitas vezes incógnitas pelos moradores, justamente por não ter onde encontrar tais informações. O dr. Antonio Constantino Nery, Governador do Estado do Amazonas, desejando promover o povoamento e progresso do Alto Rio Branco, mandou fazer esta obra pelo engenheiro Alfredo Ernesto Jacques Ourique, com o fim de tornar conhecido essa uberrima região, e deu-a a imprimir aos Sñrs. G. Huebner & Amaral, que a illustrarão com vistas dos pontos mais interessantes, e um mappa de Ermanno Stradelli. Manáos (OURIQUE, 1906, pág.06)

3 O Valle do Rio Branco, nome dado ao programa, é uma homenagem aos primeiros registros históricos e patrimônios iconográficos de Roraima. É também um nome usado nas descrições dadas pelo engenheiro Alfredo Ernesto Jacques Ourique que veio às terras do extremo norte do Brasil, a mando do dr. Antonio Constantino Nery, governador do estado do Amazonas, quando teve a oportunidade de no ano de 1906 conhecer as pitorescas paisagens, os rios, posições geográficas, acidentes naturais e navegação que são narradas em um dos seus textos ao qual fazem parte do álbum, ao lugar localizado no extremo norte do Brasil. Hoje conhecida pela cidade de Roraima. Com a defesa do título foi iniciado a proposta de ampliar a discussão sobre as referências culturais e os conhecimentos tradicionais de grupos formadores da diversidade cultural roraimense, e junto com a população fazer a identificação de documentos iconográficos além de cenários naturais que pudessem subsidiar a instalação de um museu local, contribuindo para que a sociedade tenha acesso a bens coletivos, seja por meio de visitações ou de site na internet, com isso ajudando a contar o desenvolvimento do processo cultural dos grupos humanos em Roraima. As ações desenvolvidas dentro do Programa decorreram de visitas e reuniões, nos meses de fevereiro a junho, para diálogos iniciais e exposições dos objetivos a fim de elaborar um mapeamento dos cronogramas a serem seguidos durante o projeto. Concretizando as atividades que incluíram micro-oficinas, palestras relacionadas a patrimônio histórico, museologia e semiótica nos municípios pólos, (Boa Vista congregando os municípios do Cantá e Alto Alegre, Normandia congregando o município de Bonfim, Pacaraima congregando o município de Amajarí, São Luiz congregando os municípios de São João do Baliza, Caroebe e Rorainópolis. Caracaraí agregando o município de Mucajaí e Iracema, e Uiramutã o único município a não ter outros a serem agregados a ele), para o mapeamento das necessidades locais onde foram congregados os municípios vizinhos cada um com direito a 30 vagas. No mês de julho foram escolhidos dois municípios para a segunda etapa do Programa que consistia em dez oficinas para cada um destes selecionados. Nos meses de

4 agosto a novembro foram ministradas oficinas específicas para os munícipes participantes, por instituição estadual e federal habilitados na temática. São eles: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Roraima (IPHAN), Conselho Estadual de Cultura Câmara do Patrimônio (CPCM CEC), Núcleo Histórico e Sócio Ambiental (NUHSA), Núcleo de Documentação Histórica (NDH) esses dois núcleos anexos a UFRR e o NUPS. A CPCM CEC e IPHAN atuaram como parceiros na primeira etapa do Programa com palestras nos municípios visitados e na segunda etapa realizaram oficinas para cada um dos dois municípios selecionados. O NUPS, NUHSA e NDH procederam com a organização da primeira etapa que consistia em: primeiro, ser responsável pelas inscrições dos municípios; segundo, organizar palestras com duas horas de duração sobre patrimônio imaterial, material e micro-oficinas. O Programa teve uma carga de 480 horas, com periodicidade anual de abrangência estadual, desenvolvendo produtos como artigos publicados em eventos locais e nacionais, publicações de livros e capítulos de livros, produção audiovisual e um website como suporte do lugar de memória virtual. O programa visou instrumentalizar a comunidade dos municípios roraimenses para participarem de editais (como é o caso do Instituto Brasileiro de Museus IBRAM) ou propostas locais financiadas pelos poderes municipais, estaduais, ou empresariais, com a possibilidade dos projetos serem inscritos nos editais de incentivo a cultura. A memória faz cultivar através das imagens, inscrições, desenhos, documentos, a lembrança de fatos consideráveis sobre a constituição da história (LE GOFF, 1994). Em Roraima pretende-se que a constituição das memórias estabeleça importante função social, na medida em que reproduz informações ou mesmo em relação à ausência de dados, baseando-se no estudo de cenários e artefatos que marcaram acontecimentos locais. Para realização de pesquisas o quadro de acervos históricos no Estado é escasso e difícil para quem não tem acesso aos arquivos privados, o que torna complicado a lide dos pesquisadores interessados em elaborar análises sobre a história local... Roraima, apesar de seus vinte anos de existência como estado da Federação e dos outros quarenta e cinco anos em que foi Território Federal, não possui um

5 arquivo público. Por causa disso o trabalho de pesquisa histórica sobre Roraima costuma ser bastante difícil para quem não tem acesso a acervos privados, (...) situação que se manteve mesmo depois do aparecimento da Universidade Federal (...) (...) Mesmo assim há um grupo de pesquisadores ligados à Universidade Federal que vem burlando essas dificuldades e produzindo trabalhos relevantes sobre o passado roraimense. (MARTINS, 2010, pág.19, 20) Quando analisamos o conceito de história pública como um modo de difundir conhecimento histórico de maneira democrática, é obscuro notar esse conceito em Estados como Roraima onde arquivos públicos são inexistentes, inviabilizando subsídios para estudos a respeito da história do Estado. Como bolsista, durante as viagens, pude perceber no semblante dos munícipes que participavam das reuniões e oficinas, a vontade de edificar um lugar de memória construído por eles mesmos. É a comunidade empenhada em colaborar nas reflexões do desenvolvimento da sua própria história, tornando o passado útil no presente. Através do programa Valle do Rio Branco foi possível a população dos municípios particiantes e academia, juntas trabalharem para tornar concreto a construção de um lugar de memória virtual, uma plataforma viável as pessoas que tiverem acesso a esse meio de pesquisa, podendo contribuir de forma sistematizada preservando a memória local e transmitindo de forma fácil o conteúdo às pessoas. (...) Essa matriz é totalmente penetrável e disponível, podendo ser retrabalhada, do que decorre que a imagem numérica é uma imagem em perpétua metamorfose, oscilando entre a imagem que se atualiza no vídeo e a imagem virtual ou conjunto infinito de imagens potenciais calculáveis pelo computador (COUCHOT, 1987, apud, SANTAELLA, 2012, pág. 171) Os lugares de memória virtual são importantes porque através da imagem digital é possível (re)arrumar o acervo de diversas formas, o receptor interage montando e criando correlações, consegue contar histórias com mais facilidade. Lugares de memória construídos virtualmente, permite guiar o usuário através de um caminho com história tendo começo, meio e fim, olhando de outra perspectiva esse acervo, diferentes das pesquisas feitas em bibliotecas, sendo distinta a maneira de interação do pesquisador com o

6 material aproximando o usuário do acervo. Com o trabalho desempenhado durante o programa foi possível reunir um acervo de fotografias e textos que contam parte da história de Roraima, esses documentos históricos após passar pelo processo de digitalização estarão disponíveis ao público a partir de setembro de 2014 no website que é um dos produtos criados pelo projeto. Essas fotografias que fazem parte do registro do passado reúnem um inventário de informações acerca do espaço e tempo retratado, constituindo uma fonte histórica sendo importantes para estudos históricos em diversas áreas. Não é tarefa agrupar todas as fotografias de determinado local, por conta disso existe uma lacuna nos documentos a respeito de Roraima, muitos desses registros em posse privado. O fragmento da realidade gravado na fotografia representa o congelamento do gesto e da paisagem, e portanto a perpetuação de um momento, em outras palavras, da memória: memória do indivíduo, da comunidade, dos costumes, do fato social, da paisagem urbana, da natureza. (...) Fotografia é memória e com ela se confunde. Fonte inesgotável de informação e emoção. Memória visual do mundo físico e natural, da vida individual e social. (...) (KOSSOY, 2001, pág. 161, 162) Diante das imagens (fotografias e textos) reunidas durante o programa Valle do Rio Branco, será possível contribuir com a construção da história pública de Roraima. História contada por meio dos arquivos digitalizados, podendo ter acesso aos documentos todas as pessoas que se interessarem em conhecer as narrativas da evolução do Estado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Juniele Rabelo de; ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. História pública: entre as políticas públicas e os públicos da história. In: XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, Natal-RN, 2013, disponível em: < HNATAL_HistoriaPublica_2013.pdf >. Acesso em 25 de janeiro de INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Uso da Terra e a Gestão do Território no Estado de Roraima. Rio de Janeiro, 2009

7 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo de 2010, disponível em: < >. Acesso em 30 de abril de KOSSOY, Boris. Fotografia & história. 2. ed. São Paulo: Ateliê Editorial, LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: UNICAMP, MARTINS, Elisangela. Memória do Regime Militar em Roraima f. (Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, OURIQUE, Alfredo Ernesto Jacques. Álbum Valle do Rio Branco: Governo do Amazonas, PONTES, Vinícius. Coordenador da Rede da Memória Virtual Brasileira, 2014 SANTAELLA, Lúcia; NÖTH, Winfried. Imagem: cognição, semiótica, mídia. 1. ed. São Paulo, Iluminuras, 2012 ZOUEIN, Maurício Elias. Programa Valle do Rio Branco. Ministério da Educação, SIGPROJ Nº: , 2013.