A vitória das grandes urbes

Transcrição

1 No domingo 28 de Outubro realizou-se a segunda volta das eleições gerais no Brasil. Como era de esperar depois da folgada vitória da primeira volta, Jair Messias Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), alcançou a Presidência ao obter 55,13% dos votos válidos, superando em 10 pontos percentuais o seu opositor, Fernando Haddad do Partido dos Trabalhadores (PT), o qual mesmo recuperando mais de 6 pontos e quase duplicando em relação a ele o número de votos novos recolhidos - ficou muito longe da epopeia. O ex-capitão do Exército impôs-se em 16 dos 27 estados, confirmando na quinta votação consecutiva que dirime a Presidência no Brasil a primeira que o PT não ganha que é quase impossível reverter o resultado adverso de uma primeira volta. As empresas de sondagens estiveram muito acertadas nesta ocasião, registando a recuperação de Haddad na semana anterior, recuperação insuficiente para inverter o rumo e sonhar com o milagre de um resultado que tinha muito pouco de mistério e suspense. Todavia, Bolsonaro que não teve dúvidas em evidenciar ao longo de toda a campanha o seu desprezo pelas regras do jogo democrático não terá a vida fácil já que, como se previa, e em resultado da grande fragmentação partidária no mapa político estatal e legislativo, somada à enorme polarização político ideológica que a instalação de Jair Bolsonaro pressupôs, a governabilidade de quem ganhe a Presidência não será simples [i]. Em relação aos governos estaduais, a jornada mostrou a inclinação dos eleitores em votar por opções de novidade, destacando-se as vitórias de partidos que não contavam com nenhum governo regional sobre as más performances dos partidos mais tradicionais, os quais, em todos os casos, viram reduzir-se a sua presença territorial às mãos de partidos com pouca ou nenhuma experiencia na gestão estadual. A sociedade inclinou-se maioritariamente para uma mudança de paradigma e, pela primeira vez desde Collor de Mello, o presidente eleito não será nem do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) partido que nem sequer participou nas eleições, depois de 6 eleições seguidas em que nunca ficou abaixo do segundo lugar nem do PT partido que tinha ganho as últimas 4 eleições. Ao que parece, nesta altura a palavra ordem é a mudança. A vitória das grandes urbes O petismo continua reafirmando que o seu bastião é a região Nordeste do país, onde se impôs nos 9 estados que a compõem, aos quais somou 2 estados da região Norte: Pará e Tocantins. Um resultado que não surpreende, dado que corresponde à zona mais pobre, a que conta com mais famílias que beneficiaram de programas como Bolsa Família. Contudo, ficou à vista que aqueles votos não eram suficientes. Bolsonaro derrotou Haddad nos 16 estados restantes, pertencentes à região Sudeste a mais industrializada, à região Sul e à Centro- Oeste as mais agrícolas na sua totalidade, bem como na maioria dos estados da região

2 Norte. Ao indagar mais detidamente sobre a forma como votou a população segundo os niveis de rendimento, podemos observar que Bolsonaro se impôs folgadamente em 9 das 10 cidades

3 mais ricas do país todas do Sul e Sudeste, com rendimentos por família superiores a 700 reais por mês. Pelo contrário, Haddad ganhou de forma esmagadora nas 10 cidades mais pobres Norte e Nordeste, aquelas con rendimentos por família inferiores a 250 reais por mês. A primeira volta tinha já evidenciado números muito similares, com Bolsonaro a ganhar em 239 dos 283 municípios com mais de habitantes, 84% do total [ii]. Estes dados reflectem que, ainda que o nível socioeconómico e a fractura regional constituam factores determinantes para entender os resultados, devemos-lhes juntar as aspirações populacionais das grandes urbes, com reivindicações actuais e globais como a segurança e o combate ao narcotráfico, aspectos sumamente relevantes na definição do voto. Provavelmente este serão apenas alguns dos múltiplos factores que explicam as preferências eleitorais. Mas do que não resta dúvida é da magnitude com que o peso destas diferenças junto de cada individuo o inclina a votar por uma ou outra opção. Governos Estaduais

4 No que diz respeito às eleições para governadores, podem encontrar-se algumas chaves de grande interesse. Em primeiro lugar, observa-se uma grande diferença com o que ocorreu na primeira volta, em que em 7 dos 13 estados que decidiram governador se tratou da reeleição de quem já se encontrava em funções. Agora, em contrapartida, apenas houve 3 reeleições contra 11 novos governantes. Em segundo lugar, e este é um dado que deveria dizer-nos muito, entre os 17 governos em que não foi reeleito o governador en funciones, apenas em 1

5 caso Paraíba se manteve o partido com um novo candidato, enquanto os outros 16 estados que não tiveram reeleição viram mudar a força política. Numa análise mais detalhada dos principais partidos que alcançaram governos pode observarse o seguinte: O PSL foi o maior ganhador da jornada também na esfera estatal, tendo ganho as 3 eleições que disputava. Para além disso não tinha governos, pelo que tudo o que alcançou é lucro. O PT tinha 5 governos e a partir de agora terá 4, todos eles no Nordeste destaca-se pelo seu peso específico a perda de Minas Gerais às mãos do jovem Partido Novo (NOVO). O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) disputava 3 eleições, das quais ganhou 2 e perdeu a restante. Contudo, o seu saldo é muito negativo, uma vez que tinha 6 governos e ficará apenas com metade, somado a que perdeu 2 dos mais importantes, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O Partido Democrático Trabalhista (PDT) tinha 2 governos e apenas pôde revalidar em Amapá, perdendo as outras 3 eleições que disputava em Amazonas, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Norte. O Partido Socialista Brasileiro (PSB) é outro dos perdedores, uma vez que foi derrotado nas 4 eleições que disputava e em lugar de 4 governos contará com 3, tendo além disso perdido a disputa mais ansiada, São Paulo, com PSDB. O PSDB disputava 6 eleições, das quais ganhou 3 entre elas 2 dos mais importantes, como Rio Grande do Sul e São Paulo, seu principal bastião que conservou graças a uma vitória à tangente e perdeu outros 3 com maior destaque para Minas Gerais por uma diferença esmagadora, obtendo apenas 28,20% dos votos. Verá reduzir os seus governos de 4 para 3. O Partido Social Democrático (PSD) tinha 2, o mesmo número que conseguiu nestas eleições. Democratas (DEM) tinha conseguido 2 governos na primeira volta, não tendo que defender nenhum pelo que o seu saldo também foi positivo. O Partido Social Cristão (PSC) também saiu vitorioso, ja que não tinha governos e se impôs nas 2 eleições a que acedeu, uma delas de grande importância: Rio de Janeiro. Futuro incerto O mapa político do Brasil sofrerá grandes reconfigurações. Os partidos da velha guarda saíram gravemente feridos da crise social, política e económica desencadeada a partir do impeachment e destituição de Dilma Rousseff. Todos tiveram que pagar o preço, sem distinção entre vítimas e vitimadores. E, do mesmo modo, todos deverão reconsiderar as orientações a seguir e as suas estratégias de futuro, pois ficou por demais evidente que a sociedade, com um grande revés geral, assim o pediu. Como costuma ocorrer em épocas de crise, o temor foi capitalizado. E nesta ocasião o beneficiado é um candidato que, a partir de uma total incorrecção política, chegou a um lugar ao qual, depois de 27 anos consecutivos como deputado, provavelmente nunca imaginou chegar. E nós também não.

6 ---- Notas [i] [ii] celag.org Fonte: