O!SONHO!DE!UM!FINGIDOR*! A/FAKER'S/DREAM/

Documentos relacionados
Goiânia, de de Nome: Professor(a): Elaine Costa. O amor é paciente. (I Coríntios 13:4) Atividade Extraclasse. O melhor amigo

Semeadores de Esperança

MÓDULO 5 O SENSO COMUM

TIPOS DE RELACIONAMENTOS

Os encontros de Jesus O cego de nascença AS TRÊS DIMENSÕES DA CEGUEIRA ESPIRITUAL

GRADUADO EM EDUCAÇÃO SECUNDÁRIA PROVA LIVRE. Exercício 3 ÂMBITO DE COMUNICAÇÃO: PORTUGUÊS

A origem dos filósofos e suas filosofias

9 Como o aluno (pré)adolescente vê o livro didático de inglês

ESTADO DE GOIÁS PREFEITURA MUNICIPAL DE SANTA BÁRBARA DE GOIÁS SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO SANTA BÁRBARA DE GOIÁS. O Mascote da Turma

COMO ESCREVER UM LIVRO INFANTIL. Emanuel Carvalho

Os encontros de Jesus. sede de Deus

ACOLHIMENTO Incentivamos nossas crianças, jovens e adultos à descoberta de novas amizades e ao desenvolvimento de relacionamentos sadios, duradouros

Manoel de Barros Menino do mato

Hoje estou elétrico!

MISSÕES - A ESTRATÉGIA DE CRISTO PARA A SUA IGREJA

Sugestão de avaliação

Sistema de signos socializado. Remete à função de comunicação da linguagem. Sistema de signos: conjunto de elementos que se determinam em suas inter-

FUNÇÕES DA LINGUAGEM. Professor Jailton

Conta-me Histórias. Lê atentamente o texto que se segue.

Histórias Tradicionais Portuguesas. Alice Vieira AS MOEDAS DE OURO. Autora: Lina. Publicado em:

Projeto ESCOLA SEM DROGAS. Interpretando o texto Por trás das letras. Nome: Escola: Série: Título: Autor:

Era uma vez um príncipe que morava num castelo bem bonito e adorava

À Procura de Mozart Resumo Canal 123 da Embratel Canal 112 da SKY,

Situação Financeira Saúde Física

APRESENTAÇÃO. Sobre Fernando Pessoa

As crianças adotadas e os atos anti-sociais: uma possibilidade de voltar a confiar na vida em família 1

A importância da Senha. Mas por que as senhas existem?

O NOVO NASCIMENTO. Texto base: Jo 3: 1 a 21

Produção de vídeos e educação musical: uma proposta interdisciplinar

ROTEIRO DE RECUPERAÇÃO II ETAPA LETIVA HISTÓRIA 3.º ANO/EF 2015

Desvios de redações efetuadas por alunos do Ensino Médio

Ser humano e saúde / vida e ambiente. Voltadas para procedimentos e atitudes. Voltadas para os conteúdos

Série 6 o ANO ROTEIRO DE ESTUDOS DE RECUPERAÇÃO E REVISÃO 3º BIMESTRE / 2011

Tyll, o mestre das artes

Diferentes padrões para uma mesma medida.

O fascínio por histórias

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

Questão 1 <<T _1254_140481>> 1.ª TF e 1.ª DCS de ARTES PLÁSTICAS BACHARELADO/LICENCIATURA

Duração: Aproximadamente um mês. O tempo é flexível diante do perfil de cada turma.

O povo da graça: um estudo em Efésios # 34 Perseverando com graça - Efésios

UMA ESPOSA PARA ISAQUE Lição 12

f r a n c i s c o d e Viver com atenção c a m i n h o Herança espiritual da Congregação das Irmãs Franciscanas de Oirschot

Quem Foi Pablo Picasso?

Operador de Computador. Informática Básica

POR QUE O MEU É DIFERENTE DO DELE?

PREFÁCIO DA SÉRIE. estar centrado na Bíblia; glorificar a Cristo; ter aplicação relevante; ser lido com facilidade.

Ernest Hemingway Colinas como elefantes brancos

Movimento da Lua. Atividade de Aprendizagem 22. Eixo(s) temático(s) Terra e Universo. Tema. Sistema Solar

VALIDAÇÃO DE HIPÓTESES

Institucional. Realização. Patrocínio. Parceria

CADERNO DE ATIVIDADES DE RECUPERAÇÃO

7 E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade. 8 Porque três são os que dão testemunho: o Espírito, e a água, e o sangue; e

SÉRIE 7: Trabalho. para olhar. pensar, imaginar... e fazer. Jean-François Millet As respigadeiras 1857 Óleo sobre tela.

Casa Templária, 9 de novembro de 2011.

Atividade: Leitura e interpretação de texto. Português- 8º ano professora: Silvia Zanutto

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

SUMÁRIO 1. AULA 6 ENDEREÇAMENTO IP:... 2

Exame de Seleção 2009

O Surrealismo foi um movimento artístico e literário surgido primeiramente em Paris (1924) com a publicação do Manifesto Surrealista, feito pelo

DANIEL EM BABILÔNIA Lição Objetivos: Ensinar que devemos cuidar de nossos corpos e recusar coisas que podem prejudicar nossos corpos

Chantilly, 17 de outubro de 2020.

1. A Google usa cabras para cortar a grama

O Menino dos Pães. João 6:9. Natanael Pedro Castoldi

A VIDA DO REI SALOMÃO

OLIMPIADAS DE MATEMÁTICA E O DESPERTAR PELO PRAZER DE ESTUDAR MATEMÁTICA

O DIA EM QUE O KLETO ACHOU DINHEIRO

Sumário. Revisão 7. Quadro de revisão 267 Apêndices 269 Provas das lições 279

AS VIAGENS ESPETACULARES DE PAULO

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Áustria Viena. Foi uma grande surpresa o facto de todos os alunos andarem descalços ou de pantufas.

QUESTÕES FILOSÓFICAS CONTEMPORÂNEAS: HEIDEGGER E O HUMANISMO

Uma menina chamada Celeste saiu das labaredas e voou pelos céus além.

Relatório de Atividades Maio e Junho

Mestre e discípulos conversam sobre o conceito de realidade.

Subsídios para O CULTO COM CRIANÇAS

E-book. Como organizar todos os seus objetivos em quarenta minutos

Juliana Cerqueira de Paiva. Modelos Atômicos Aula 2

O PAPEL DOS ENUNCIADORES EM SITUAÇÕES DIALÓGICAS

RIMAS PERFEITAS, IMPERFEITAS E MAIS-QUE-PERFEITAS JOGOS E ACTIVIDADES

ulher não fala muito Mulher pensa alto

Escrito por Administrator Qua, 21 de Outubro de :29 - Última atualização Qua, 05 de Maio de :17

Escola Bilíngüe. O texto que se segue pretende descrever a escola bilíngüe com base nas

VAMOS ESTUDAR OS VERBOS

PROJETO O AR EXISTE? PICININ, Maria Érica ericapicinin@ig.com.br. Resumo. Introdução. Objetivos

GRUPOS. são como indivíduos, cada um deles, tem sua maneira específica de funcionar.

MISSIoNários acorrentados

SOBERANIA DE DEUS E A RESPONSABILIDADE HUMANA NA EVANGELIZAÇÃO

Jefté era de Mizpá, em Gileade, terra de Jó e Elias. Seu nome (hebraico/aramaico - יפתח Yiftach / Yipthaχ). Foi um dos Juízes de

A CRIAÇÃO DO MUNDO-PARTE II Versículos para decorar:

Dia 4. Criado para ser eterno

Histórico O surrealismo surgiu na França na década de Este movimento foi significativamente influenciado pelas teses psicanalíticas de Sigmund

Jesus declarou: Digo-lhe a verdade: Ninguém pode ver o Reino de Deus, se não nascer de novo. (João 3:3).

Muito prazer Curso de português do Brasil para estrangeiros

O Alcorão sobre o Universo em Expansão e a Teoria do Bing Bang

Família. Escola. Trabalho e vida econômica. Vida Comunitária e Religião

É possível que cada pacote tenha: ( ) 2 ( ) 3 ( ) 4 ( ) 5 ( ) 6 ( ) 7 ( ) 9 ( ) Circule as frações equivalentes: 03- Escreva:

2015 O ANO DE COLHER ABRIL - 1 A RUA E O CAMINHO

COMPANHEIRO DE TODOS OS DIAS

O PIPE I LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

Transcrição:

OSONHODEUMFINGIDOR* A/FAKER'S/DREAM/ JulianaMedianeiravonMühlen 1 RESUMO: Movido pela vontade de conhecer os sonhos dos artistas que amou, Antonio Tabucchi escreve seu livro Sogni di/ sogni, descrevendo como poderiam ter sido os sonhos de vinte personalidades. Dentre esses artistas está Fernando Pessoa, poeta deveras admirado pelo escritor italiano.nopresentetrabalho,apresentacse,atravésdeumatraduçãocomentada,osonhodepessoa imaginadoportabucchi. Palavrascchave:Tabucchi;Pessoa;sonho. ABSTRACT:'Motivatedbythewilltoknowhisadoringartists'dreams,AntonioTabucchiwroteSogni/ di/sogni,abookinwhichhedescribeshowthedreamsoftwentydifferentpersonalitiescouldhave been. Among these artists is Fernando Pessoa, a poet deeply admired by the Italian writer. This articlepresents,throughacommentedtranslation,pessoa'sdreamthattabucchihasconceivedof. Keywords:Tabucchi;Pessoa;dream. 1.INTRODUÇÃO Mihaspessoassalitoildesideriodi conoscereisognidegliartistichehoamato. (AntonioTabucchi,1992) Fernando Pessoa, poeta português, é um dos grandes nomes da literatura do século XX. Sua obra é um dos maiores objetos de pesquisa ao redor do mundo e o autor é conhecido mundialmente por seu legado literário, fortemente marcado pelo *DedicoestatraduçãoàStefaniaGavazzi,professoraquemeapresentouàobradeAntonioTabucchi eagradeçoaoprofessorluizernanifritolipelasvaliosascontribuiçõesaestetrabalho. 1 GraduandaemLetrasPortuguêscItaliano,BachareladoemTradução,UFPR. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 314

emprego dos heterônimos. Diversos intelectuais mapeiam a produção de Pessoa em buscaderespostasaquestõespuramenteliterárias,assimcomoprocuramenigmas, mensagens e dados autobiográficos inseridos em seus escritos. No entanto, ainda existe muito a ser descoberto sobre Pessoa, e é esse muito que nos incita a mergulharemsuaspalavras,natentativadedecifráclo. Um dos intelectuais que dedicou grande parte de seu trabalho ao poeta português,tendopublicadováriostextoscríticoselivrosacercadoescritorlusitano, foi Antonio Tabucchi, escritor italiano. Tabucchi é conhecido e reconhecido por sua obraliteráriaetambémporserumdosestudiososmaisfervorososeomaiortradutor depessoanaitália,sendoaindaumgrandedisseminadordaliteraturaportuguesano país.tomandocomobaseapesquisadetabucchisobrepessoa,opresentetrabalho visaapresentarumatraduçãodeumsonhodopoetalusitano,imaginadoeescritopelo romancista italiano. A tradução desse texto serve como ponto de partida para um projeto cujo intuito é aprofundar os estudos nas obras do escritor italiano que se vinculamaotemafernandopessoa. Duranteoprocessotradutório,umacaracterísticaemespecialsemostroudigna de uma reflexão acurada: o fato de que em certos pontos da obra aparecem semelhanças entre as estruturas sintáticas das línguas portuguesa e italiana. Essa característicanosfezponderaralgumashipótesesacercadessaproblematização,além disso,elaseráexpostaediscutidaaolongodessetexto,partindodofatodequetalvez Tabucchi tenha absorvido um pouco do estilo de Pessoa, preferindo às vezes uma sintaxemenosusualdalínguaitalianaemaispróximadaportuguesa,comoveremos adiante. No ano de 1992, impulsionado pelo seu desejo de conhecer os sonhos dos artistas que admirou, Tabucchi escreve um livro chamado Sogni/ di/ sogni 2, no qual 2 Jáexisteumatraduçãodestelivroparaoportuguês:Sonhosdesonhos.Trad.RachelGutiérrez.Rio dejaneiro:rocco,1996. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 315

descreve,apartirdasuaimaginaçãoeamparadopordadoshistóricosebiográficos,os sonhos de escritores, pintores e músicos, tais como Cecco Angiolieri, Caravaggio, AchillecClaude Debussy, Arthur Rimbaud, Sigmund Freud e Fernando Pessoa, totalizando vinte sonhos de diferentes artistas. O tema do sonho está intimamente ligado à produção de Tabucchi, da mesma forma que está presente na obra de Fernando Pessoa, que apresenta o desenvolvimento do tema como característica marcanteaolongodesuaproduçãopoética.comodiziafernandopessoa,navozde BernardoSoares,acercadesuarelaçãocomossonhos: sonhos. Ah,quantasvezesosmeusprópriossonhossemeerguememcoisas,nãoparame substituíremarealidade,masparasemeconfessaremseusparesemeuosnão querer,emmesurgiremdefora,comooelétricoquedáavoltanacurvaextrema darua(pessoa,2011,p.50). Essa é apenas uma das tantas frases de Pessoa em que ele faz menção aos Como ponto de partida para o desenrolar do sonho, podemos perceber que TabucchiutilizadopoemaVIIIdeO/guardador/de/rebanhosdeAlbertoCaeiro,umdos heterônimos de Pessoa, iniciando seu texto, denominado Uma/ criança/ atravessa/ a/ paisagem,/ com a seguinte reflexão: Que secretos atalhos percorreu este Cristo, tornado outra vez menino, até chegar às encostas duma colina do Ribatejo, para se mostrar,nasuaessência,aomestrecaeiro (TABUCCHI,1984,p.35c37).Nosonhode Tabucchi,oCristosetransformanafiguradePessoacriança,quetambémchegaatéas paisagens do Ribatejo, em sua essência, para encontrar o seu mestre, e é nesse encontro entre o Pessoa criança e Alberto Caeiro que o poeta lusitano percebe que aquelediaseriaodiatriunfaldesuavida. Tabucchi usa como referencial o que conhece sobre a vida de Pessoa, entrelaçando esses fatos com a composição do sonho imaginado. Assim que Pessoa percebeestarnaáfricadosul,énosonhoqueelesubitamentesetransformaemuma MÜHLEN, J. M. O sonho de... 316

criança, revivendo, desse modo, sua infância, pois morou e estudou no país nesse período. A figura do Headmaster Nicholas, diretor do liceu, professor de Latim e profundo conhecedor da literatura inglesa, presente no sonho, fez também parte importantedavidadopoetanaépocadoliceu,oquefoiumaprovávelinfluênciaem suaformação. Odiatriunfaldopoetalusitanocitadonosonhorealmenteexistiu,o8demarço de1914,quandoseumestreapareceu, comoafirmacategoricamentepessoa,caeiro foioseumestre('desculpecmeoabsurdodafrase:apareceraemmimomeumestre : deumacartaacasaismonteiro,de13dejaneirode1935) (TABUCCHI,1984,p.40). Nosonho,CaeiroconvocaPessoaparadizerclheaverdade,istoé,contarqueele é seu mestre e explicar o porquê disso. Pessoa, naquele momento, demonstra certa confusãoaorecebertalafirmação,mascaeiroinsiste,aconselhandocoatercoragem deouvirsuavozeseguiclasempre. Nesse momento, Pessoa percebe a grandiosidade da situação, pedindo apenas paraserlevadoatéofinaldeseusonho.elejásabiaoquedeveriafazer,nãoeramais necessário continuar sonhando, pois havia compreendido que a partir daquele momentoteriaapenasqueouviravozdeseumestre.ecomobemsabemos,pessoa teveacoragemparaouvicla.apartirdeseudiatriunfal,opoetalusitano explodeem três poetas diferentes: um mestre bucólico (Alberto Caeiro), um neoclássico estoico (RicardoReis),umpoetafuturista(ÁlvarodeCampos). (PERRONEcMOISÉS,1990,p. 19)./Oqueseguedessa explosão éoquenósconhecemossobreaobradopoeta,uma produção intensa que faz uso desses heterônimos, cada um deles marcado e reconhecidoporsuascaracterísticasdistintas. DizcsequePessoasofriadeumainsuportávelausênciadesimesmoedomundo, eacuraparaoquenãotemcura,segundoeduardolourenço,apareceraclheemseu diatriunfal: MÜHLEN, J. M. O sonho de... 317

A cura fulgurante para o que não tem cura manifestarcsecá justamente sob a forma de Caeiro, pastor sem metafísica nenhuma como por ironia se clama, ceifeira perfeita, mas emsonho.narealidade,éopessoamaisdistantedesimesmoquefoipossívelconceberc se, e nessa distância o mais próximo é o que nos sonhamos e não o que somos (LOURENÇO,1981,p.37). Então,umavez curado,pessoaestavaaptoacomeçaressanovafaseemsua produção literária, pois o sonho revelador o instigara a ser muitos, e ele de fato foi muitos.tabucchi,emseulivro,criaumretratocompostoporbelasimagensapartirda suavontadedeconhecerossonhosdograndepoeta.podemosperceberqueofezda forma como desejava que eles tivessem sido. De fato, a realidade e a ficção se confundemnessesonhoescrito,nosfazendoponderarsobresuaverossimilhança,em todaasuacompletude. Tendo em vista esses apontamentos, podemos fazer algumas considerações finaisacercadatradução.noquedizrespeitoàsdificuldadesenfrentadas,salvoalguns termosqueprecisaramdeummaiorcuidadoedemaistempodepesquisaereflexão,a tradução não apresentou grandes obstáculos. Tomando isso em consideração, questionamocnosporquerazãoessetextonosétãoacessívelnoquedizrespeitoao processo de sua tradução. Podemos considerar a possibilidade de que Antonio Tabucchi usava a língua italiana de modo a aproximácla da estrutura da língua portuguesa, isso por ele ter sido um profundo conhecedor da língua portuguesa. Assim, quando escrevia em sua língua materna sobre um tema que remetia à lusofonia,tornavaotextoacessívelparaumfalantenativodeportuguêsquelesseem italiano. ÉfatoqueTabucchitinhaumdomíniodalínguaportuguesaquaseequivalente aodeumfalantenativo,issopelotempodeestudo,deprática,devivência.podemos suporcomboachancedeacertoqueenquantoescreviasobrepessoaemitaliano,lia Pessoaemportuguêse,assim,aestruturadalíngualidapermaneciamuitopresente nomomentodaescritaemsualínguamaterna.suporquetabucchifaziaessetipode MÜHLEN, J. M. O sonho de... 318

escolhanãosignificadizerqueseutextonãopossuiumaestruturaitaliana,massim queemalgunsmomentoseleutilizaestruturassemelhantesàsdalínguaportuguesa. Talvez Antonio Tabucchi fizesse esse tipo de escolha sintática inconscientemente, acabandoporaproximarasduaslínguas. Exemplificando o tipo de passagem textual que nos levou a levantar essa hipótese,tomamosofragmento prese/il/caffè,umadasfrasesquetabucchiusapara descrever os movimentos de Pessoa, naquela manhã do dia 7 de março de 1914. Aquiloquenoschamaaatençãoéaescolhafeitapeloescritorparadescreveroatode tomarocafédamanhã,utilizandoumafrasepoucousualemitalianoparasereferirao desjejum,poisafrasenormalmenteusadaemitalianoseria fece/colazione.tabucchi usanessetrechootipodeestruturadoitalianoqueéutilizadaquandotomamosum cafénodecorrerdodia,apósoalmoço,porexemplo,masquenãoéusadaparareferir aocafédamanhã.aestrutura prese/il/caffè aproximacse,portanto,daestruturaque usamosnalínguaportuguesa. Outroexemploéaestruturautilizadaparaprecisarotempo,nomomentoem que Pessoa sai de casa para se dirigir até a estação. Tabucchi utiliza a estrutura mancavano/venti/minuti/alle/otto,muitopróximadaestruturadoportuguêsquando dizemos faltamvinteminutosparaasoito,éumaescolhainteressantedeverbo,já quenalínguaitalianaseusariamestruturascomo: erano/le/otto/meno/venti ou erano/ le/sette/e/quaranta.existemaindaalgunsoutrosexemplosreferentesaessahipótese dentrodotexto,masdecidimosnosaterespecificamenteaosdoiscitados. Outro ponto que julgamos interessante citar é a escolha feita para a presente traduçãonafrase la/signora/dall apparente/età/di/cinquant anni,naqualutilizamos umverbonolugardoadjetivoparaaproximácladaestruturadalínguaportuguesa.se tivéssemos optado pelo adjetivo, a frase seria a senhora com idade aparente de cinquenta anos, mas usando o verbo no pretérito imperfeito temos a senhora que aparentavatercinquentaanos,umaestruturamaispróximadoportuguês. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 319

Tendoemvistaanossaexperiênciapráticaereflexivaduranteeapósoprocesso datraduçãoaquitratada,podemospensarquealgumasquestõesquenossuscitaramo interesse por um maior aprofundamento parecem apontar para um processo talvez ainda pouco estudado no âmbito da teoria da tradução: como e até que ponto o profundoconhecimento,apráticaeaconvivênciaíntimacomaliteraturaeacultura estrangeira podem influenciar nas escolhas linguísticas (principalmente lexicais e sintáticas) de um tradutor/autor ao escrever em sua própria língua? Essa é, essencialmente,aquestãoquepretendemosaprofundaremestudosfuturos. 2.SONHODEFERNANDOPESSOA,POETAEFINGIDOR Nanoitedesetedemarçode1914,FernandoPessoa,poetaefingidor,sonhou que se acordava. Tomou o café no seu pequeno quarto de aluguel, fez a barba e se vestiu de forma elegante. Vestiu o seu impermeável, porque chovia lá fora. Quando saiu,faltavamvinteminutosparaasoito,eàsoitoempontoestavanaestaçãocentral, naplataformaqueiadiretoasantarém.otrempartiucomamáximapontualidade,às 08h05.FernandoPessoaachouumlugaremumcompartimentoondeestavasentada umasenhora,queestavalendoeaparentavatercinquentaanos.elaerasuamãe,mas nãoerasuamãe,eestavaimersanaleitura.tambémfernandopessoacomeçoualer. NaquelediadevialerduascartasquehaviamchegadodaÁfricadoSulequefalavam deumainfânciadistante. Fuicomogramaenãomearrancaram,disseemumcertomomentoasenhora queaparentavatercinquentaanos.afraseagradouafernandopessoa,queaanotou emumbloco.enquantoisso,nafrentedeles,passavaaplanapaisagemdoribatejo, comarrozaisepradarias. QuandochegaramaSantarém,FernandoPessoapegouumcoche.Osenhorsabe onde fica uma casa pintada de cal?, perguntou ao cocheiro. O cocheiro era um MÜHLEN, J. M. O sonho de... 320

homenzinhogorducho,comonarizvermelhoporcausadoálcool.sim,disse,éacasa dosenhorcaeiro,euaconheçobem.echicoteouocavalo.ocavalocomeçouatrotear naestradaprincipalcercadadetamareiras.noscamposseviamcabanasdepalhae negrosemsuasportas. Masondeestamos?,perguntouPessoaaococheiro,paraondemeleva? Estamos na África do Sul, respondeu o cocheiro, e o estou levando à casa do senhorcaeiro. Pessoa se tranquilizou e se apoiou no recosto do banco. Ah, então estava na ÁfricadoSul,erajustamenteaquiloquequeria.Cruzouaspernascomsatisfaçãoeviu osseustornozelosnus,emumacalçaàmarinheiro.percebeuqueeraumacriançae issooalegroumuito.erabomserumacriançaqueviajavapelaáfricadosul.tiroudo bolso um maço de cigarros e acendeu um com volúpia. Ofereceu um também ao cocheiro,queaceitouavidamente. Ocrepúsculoavançavaquandochegaramdiantedeumacasabranca,queestava sobreumacolinapontilhadadeciprestes.eraumatípicacasaribatejana,longaebaixa, com as telhas vermelhas caídas. O coche entrou na avenida de ciprestes, o cascalho estalousobasrodas,umcãolatiunocampo. Naportadacasaestavaumavelhinhadeóculosecomumatoucabranca.Pessoa entendeu imediatamente que se tratava da tiacavó de Alberto Caeiro e, ficando na pontadospés,beijoucanasbochechas. NãofaçaomeuAlbertosecansardemais,disseavelhinha,eleestácomasaúde muitodebilitada. AfastoucsedaportaparaPessoaentrarnacasa.Eraumasalaampla,mobiliada comsimplicidade.haviaumalareira,umapequenabiblioteca,umadispensacheiade pratos, um sofá e duas poltronas. Alberto Caeiro estava sentado em uma poltrona e tinhaacabeçareclinadaparatrás.eraoheadmasternicholas,oseuprofessornahigh School. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 321

NãosabiaqueCaeirofosseosenhor,disseFernandoPessoa,efezumapequena reverência. Alberto Caeiro lhe endereçou um aceno cansado, para seguir em frente. Venhaatéaqui,caroPessoa,disse,oconvoqueiatéaquiporquequeriaqueosenhor soubesseaverdade. Enquantoisso,atiacavóchegoucomumatravessaquecontinhacháebolinhos. CaeiroePessoaseserviramepegaramasxícaras.Pessoaselembroudenãolevantaro mindinho,porquenãoeraelegante.ajustouagoladoseutrajeàmarinheiroeacendeu umcigarro.osenhorémeumestre,disse. Caeirosuspirou,edepoissorriu.Éumalongahistória,disse,maséinútilqueeu lheexpliquetimtimportimtim,osenhoréinteligenteeentenderá,mesmoqueeu puleumaspassagens.saibasomenteisto:queeusouosenhor. Expliquecsemelhor,dissePessoa. Souapartemaisprofundadosenhor,disseCaeiro,asuaparteobscura.Porisso souoseumestre. Umcampanário,naaldeiavizinha,tocouashoras. Eoqueeudevofazer?,perguntouPessoa. Osenhordeveseguiraminhavoz,disseCaeiro,meouviránavigíliaenosono,às vezes o perturbarei, certas vezes não vai querer me ouvir. Mas deverá me ouvir, deveráteracoragemdeescutarestavoz,sequiserserumgrandepoeta. Euofarei,dissePessoa,prometo. Levantoucse e se despediu. O coche o esperava na porta. Agora tinha se transformadodenovoemumadultoeseubigodehaviacrescido.ondedevoleváclo?, perguntouococheiro.levecmeparaofimdosonho,dissepessoa,hojeéodiatriunfal daminhavida. Eraoitodemarço,epelajaneladePessoafiltravacseumtímidosol. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 322

3.SOGNODIFERNANDOPESSOA,POETAEFINGITORE Lanottedelsettemarzodel1914,FernandoPessoa,poetaefingitore,sognòdi svegliarsi.preseilcaffènellasuapiccolastanzad affito,sifecelabarbaesivestìin modo elegante. Indossò il suo impermeabile, perché fuori pioveva. Quando uscì mancavano venti minuti alle otto, e alle otto in punto era alla stazione centrale, sul marciapiededeltrenodirettoasantarém.iltrenopartìconlamassimapuntualità,alle 8.05. Fernando Pessoa prese posto in un compartimento nel quale era seduta una signoradall apparenteetàdicinquant anni,chestavaleggendo.essaerasuamadrema non era sua madre, ed era immersa nella lettura. Anche Fernando Pessoa si mise a leggere.quelgiornodovevaleggeredueletterecheglieranoarrivatedalsudafricae chegliparlavanodiun infanzalontana. Fui come erba e non mi strapparono, disse a un certo punto la signora dall apparenteetàdicinquant anni.lafrasepiacqueafernandopessoa,chel appuntò su un taccuino. Intanto, davanti a loro, passava il piatto paesaggio del Ribatejo, con risaieepraterie. Quando arrivarono a Santarém, Fernando Pessoa prese una carrozza. Lei sa doveèunacasasolaimbiancataacalce?,chiesealvetturino.ilvetturinoeraunometto grassoccio,colnasoresorubicondodall alcol.certo,disse,èlacasadelsignorcaeiro, iolaconoscobene.efrustòilcavallo.ilcavallocominciòatrotterellaresullastrada maestra fiancheggiata da palmizi. Nei campi si vedevano capanne di paglia con qualchenegrosullaporta. Madovesiamo?,chiesePessoaalvetturino,dovemiporta? Siamo in Sud Africa, rispose il vetturino, e la sto portando a casa del signor Caeiro. Pessoasisentìrassicuratoesiappoggiòalloschienaledelsedile.Ah,dunqueera insudafrica,eraproprioquellochevoleva.incrociòlegambeconsoddisfazioneevide MÜHLEN, J. M. O sonho de... 323

lesuecaviglienude,dentroduepantaloniallamarinara.capìcheeraunbambinoe questolorallegròmolto.erabelloessereunbambinocheviaggiavaperilsudafrica. Tiròfuoriunpacchettodisigaretteeseneacceseunaconvolutà.Neoffrìunaancheal vetturinocheaccettòavidamente. Stava calando il crepuscolo quando arrivarono in vista di una casa bianca che stavasuuncollepunteggiatodicipressi.eraunatipicacasaribatejana,lungaebassa, con le tegole rosse spioventi. La carrozza imboccò il viale di cipressi, il ghiaino scricchiolòsottoleruote,uncaneabbaiònellacampagna. Sulla porta di casa c era una vecchietta con gli occhiali e una cuffia candida. PessoacapìsubitochesitrattavadellaproziadiAlbertoCaeiro,ealzandosisullapunta deipiedilabaciòsulleguance. NonmifacciatroppostancareilmioAlberto,disselavecchietta,èdisalutecosì cagionevole. Si fece di lato e Pessoa entrò in casa. Era una stanza ampia, arredata con semplicità. C era un caminetto, una piccola libreria, una credenza piena di piatti, un sofà e due poltrone. Alberto Caeiro stava seduto su una poltrona e teneva il capo reclinatoall indietro.eral HeadmasterNicholas,ilsuoprofessoredellaHighSchool. Non sapevo che Caeiro fosse lei, disse Fernando Pessoa, e fece un piccolo inchino. Alberto Caeiro gli indirizzò un cenno stanco di venire avanti. Venga avanti caropessoa,disse,l hoconvocataquiperchévolevocheleisapesselaverità. Intantolaproziaarrivòconunvassoiosulqualec eranotèepasticcini.caeiroe Pessoa si servirono e presero le tazze. Pessoa si ricordò di non alzare il mignolo, perchénoneraelegante.siaccomodòilbaverodelsuovestitoallamarinaraesiaccese unasigaretta.leièilmiomaestro,disse. Caeiro sospirò, e poi sorrise. È una storia lunga, disse, ma è inutile che gliela spieghi per filo e per segno, lei è intelligente e capirà anche se salterò dei passaggi. Sappiasoloquesto,cheiosonolei. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 324

Sispieghimeglio,dissePessoa. Sonolapartepiùprofondadilei,disseCaeiro,lasuaparteoscura.Perquesto sonoilsuomaestro. Uncapanile,nelvillaggiovicino,suonòleore. Eiocosadevofare?,chiesePessoa. Leideveseguirelamiavoce,disseCaeiro,miascolterànellavegliaenelsonno,a volteladisturberò,certealtrenonvorràudirmi.madovràascoltarmi,dovràavereil coraggiodiascoltarequestavoce,sevuoleessereungrandepoeta. Lofarò,dissePessoa,loprometto. Sialzòesiaccomiatò.Lacarrozzaloaspettavaallaporta.Oraeradiventatodi nuovoadultoeglieranocresciutiibaffi.doveladevoportare?,chieseilvetturino.mi portiversolafinedelsogno,dissepessoa,oggièilgiornotrionfaledellamiavita. Eral ottomarzo,edallafinestradipessoafiltravauntimidosole. REFERÊNCIAS LOURENÇO,Eduardo.Fernando/Pessoa/Revisitado.Lisboa:MoraesEditores,1981. PERRONEcMOISÉS,Leyla.Aquém/do/eu,/além/do/outro.SãoPaulo:MartinsFontes,1990. PESSOA, Fernando. Livro/ do/ desassossego:/ composto/ por/ Bernardo/ Soares,/ ajudante/ de/ guardaqlivros/ na/cidade/de/lisboa/fernando/pessoa.organizaçãorichardzenith.3ªed.sãopaulo:companhiadas Letras,2011. TABUCCHI,Antonio.Pessoana/Mínima.Lousã:ImprensaNacionalcCasadaMoeda,1984. MÜHLEN, J. M. O sonho de... 325