ENTRE O MORAR E O TRABALHAR NA COMUNIDADE: A REALIDADE DE SER ACS



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Transcrição:

ENTRE O MORAR E O TRABALHAR NA COMUNIDADE: A REALIDADE DE SER ACS Autores: Eliane Chaves Vianna ENSP /FIOCRUZ Daniel de Oliveira Costa IESC/UFRJ Regina Helena Simões Barbosa IESC/UFRJ Helena Maria S. Leal David FEN/UERJ Introdução: Este estudo faz parte do Projeto de Pesquisa Abordagem Interdisciplinar das Novas Relações de Trabalho: O caso dos ACS, financiado pela FAPERJ. Propõe a análise das relações entre trabalho e saúde, tendo como foco o trabalho do ACS inserido na Estratégia Saúde da Família (ESF), em suas dimensões objetivas e subjetivas relacionadas ao morar e ao trabalhar no mesmo espaço geográfico, ou seja, comunidades populares (favelas) do Município do Rio de Janeiro. Como abordagem conceitual foi utilizada a Psicodinâmica do Trabalho (Dejour, 2004) no intuito de compreender o processo de trabalho deste profissional de saúde. A Psicodinâmica do Trabalho procura compreender o processo de adoecimento psicológico e ou a produção da saúde mental do trabalhador em seu processo de trabalho, não se restringindo a perspectiva da dualidade monocausal trabalho/adoecimento psíquico ou a dicotomia corpo /meio social. (Sznelwar et. al., 2006) A diferença que marca a evolução da Psicopatologia do Trabalho para a Psicodinâmica, está na centralidade que a primeira detinha na patologia, ou seja, no adoecimento do trabalhador pelo ambiente de trabalho. A Psicodinâmica vai além, dando margem ao estudo do sofrimento criativo e do prazer no trabalho e não apenas do sofrimento patogênico. Elege como objeto a normalidade e não a doença. Através de sua subjetividade o trabalhador desenvolveria uma série de estratégias para lidar com as adversidades e imprevisibilidades das organizações, que determinarão o seu adoecimento ou não, ou seja, a relação sofrimento/prazer no trabalho (DEJOURS, 2008).

Foi através das investigações do vivido no trabalho e das experiências do trabalhar que a psicodinâmica formulou novos conceitos (estratégias de defesa individual e coletiva no trabalho, valorização, sofrimento psíquico, mobilização subjetiva, mobilização da inteligência, dentre outros) e aperfeiçoou seus métodos de pesquisa. Tais conceitos foram imprescindíveis para a compreensão da subjetividade humana no mundo do trabalho. Desta forma, assume-se a centralidade que o trabalho exerce nos sujeitos, influenciando, portanto, outros lugares e tempos fora do mundo do trabalho e das organizações, como a vida doméstica e privada e o tempo do não-trabalho. Sendo assim, a Psicodinâmica do Trabalho auxilia na análise do processo de trabalho do ACS, dividido em sua dupla inserção morador/ trabalhador de saúde. Ajudando a identificar e compreender os mecanismos e estratégias utilizados por este profissional ao desempenhar o trabalho real de cada dia na Estratégia Saúde da Família. Grande tem sido o interesse de pesquisadores sobre o universo dos ACS, no entanto, a maior parte dos estudos centra-se nas atividades desenvolvidas dentro da equipe de saúde (Holanda et. AL, 2009), seja no Programa de Agentes Comunitário de Saúde (PACS), seja na ESF. Um ponto marcadamente citado pelos estudos tem sido sua função mediadora (Bonstein & Stotz, 2006), mediação esta entre a equipe de saúde e a comunidade, visto que, para ser ACS é necessário morar na comunidade (favela) em que irá atuar, garantindo assim, tal mediação. Por este fato o ACS é considerado um profissional Sui Generis (Nogueira, Silva e Ramos, 2000) por possuir um perfil social de trabalhador, que se identifica e é identificado com a comunidade em que atua, além da inclinação para a ajuda solidária Contudo, há carência de estudos que investiguem as conseqüências das atribuições profissionais na saúde deste trabalhador (Kluthcovsky e Takayanagui, 2006). Assim, torna-se urgente a realização de estudos que abordem os processos e as condições de trabalho em que estes profissionais são submetidos, identificando as possíveis correlações entre o adoecimento dos ACS e as características especificas de suas atividades, como o não afastamento de seu ambiente de trabalho mesmo nas horas dedicadas a seu descanso ou a sua família (Jardim e Lancman, 2006).

Objetivos: Geral: compreender o processo de trabalho vivo do ACS inserido na Estratégia saúde da Família considerando sua dupla inserção (morador/profissional) em comunidade de baixa renda na cidade do Rio d Janeiro. Específicos: 1) Identificar os significados para o ACS em morar e trabalhar em comunidades (favelas) do Município do Rio de Janeiro. 2) Identificar as estratégias utilizadas pelos ACS do Município do Rio de Janeiro no desempenho do trabalho real na Estratégia Saúde da Família. 3) Identificar e analisar possíveis agravos a saúde do ACS advindos de suas condições de trabalho, diferenciando-as de sua condição de moradia. Métodos: O Projeto de Pesquisa foi formulado com base na proposta de triangulação metodológica, aqui entendida a partir da formulação original de Denzin (1973), aproximando-se da proposta de combinação de métodos de Samaja (1992). Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados oficinas, grupo focal e questionário, em duas Áreas Programáticas (A.P.) do Município do Rio de Janeiro. Os ACS foram convidados a participarem de forma voluntária da pesquisa. Os sujeitos do estudo foram os ACS de duas Áreas Programáticas do Município do Rio de Janeiro, a AP 2.2 (bairros de Maracanã, Tijuca, Vila Isabel, Praça da Bandeira e entornos) e a AP 5.2 (Sepetiba, Ilha de Guaratiba, Pedra de Guaratiba). Entre abril e novembro de 2008, foram realizadas nove oficinas e dois grupos focais (6 participantes em cada grupo, um em cada A.P.), tendo como foco o trabalho cotidiano destes/as trabalhadores/as através de abordagens diversas, cujos resultados possibilitaram comparar e analisar de forma mais ampla as falas e respostas advindas do instrumento de pesquisa. Em todas estas oficinas, participaram cerca de 90 ACS, sendo que 12 participaram dos grupos focais (6 ACS em cada grupo, 1 grupo para cada A.P.)

e 45 (23 da AP 5.2 e 22 da A. P. 2.1) do questionário composto de 14 perguntas fechadas e 08 abertas. Resultados: Embora nos requisitos não seja priorizado o sexo dos contratados, na prática percebemos a maciça presença feminina nesta atividade (86%), que pode ser justificada pelo imaginário coletivo que atribuiu a função do cuidado ao trabalho feminino. Uma fala tirada de uma oficina retratou bem esta diferença entre o trabalho do ACS homem e o trabalho do ACS mulher, ou seja, o imaginário coletivo do cuidado, como coisa de mulher : A mulher é tida como uma amiga, o homem é tido como profissional. (comentário de um ACS) Outro ponto forte relaciona-se ao baixo salário, sendo na maioria das vezes um complemento orçamentário e não a renda principal. Soma-se a isto o sentimento dos ACS de serem profissionais não valorizados, seja pela equipe, pelo governo e às vezes pela própria comunidade quando não têm suas necessidades satisfeitas. Nas oficinas e grupos focais o ponto mais ressaltado por essa categoria foi a falta de reconhecimento de seus saberes e práticas, sempre abafados pelo saber hegemônico da área da saúde. Sendo o papel de ponte entendido apenas unilateralmente (os agentes como decodificadores do saber médico para a comunidade). Acrescentam a este sentimento de desvalorização a intensa jornada de trabalho, que ultrapassa as quarenta horas preconizadas, visto poderem ser acessados pela comunidade e pela equipe a qualquer hora do dia ou da noite, por também serem moradores do lugar. Relataram terem conhecido a realidade mais dura da comunidade através da atividade de ACS, ao descobrirem situações de abandono, maus tratos e miséria intensa. Acrescentaram que sentem dificuldades em separarem os problemas vivenciados em seu dia a dia como profissional, de sua vida privada, sendo cobrados por seus familiares desse não distanciamento. Alguns ACS atribuem o uso de medicamentos para hipertensão e depressão após a contratação pela Saúde da Família. No entanto, a maior parte dos ACS investigados diz gostar de sua profissão, principalmente por considerarem suas atividades importantes e necessárias para a comunidade em que residem. Neste momento reconhecem

o valor de sua profissão ao contribuírem com a melhoria das condições de vida de sua comunidade. Sendo assim, a subversão às normas torna-se a saída para realização da tarefa: deixam de cadastrar novos usuários e atualizar as fichas cadastrais; não realizam visitas como preconizado; agravam algumas situações de saúde para garantirem o atendimento de um usuário; aferem a pressão arterial, mesmo sendo proibidos pelo COREN. E desta forma continuam em suas labutas acreditados por uns desacreditados e desvalorizados por outros. Mas com o firme objetivo de melhorar as condições de vida daquela comunidade. Podemos, então, afirmar que o trabalho do ACS é muito mais do que se vê, se avalia e se conhece, pois é marcado pela subjetividade e imprevisibilidade, que são altamente intensificados pelo não afastamento mesmo em seus momentos de não-trabalho, por serem moradores do local que atuam como trabalhadores de saúde. Assim, a sobrecarga de trabalho é clara nesta atividade, embora não seja considera para fins de prevenção e assistência da saúde deste trabalhador. Conclusões: Este estudo nos mostrou a urgência em separar as reais condições de trabalho dos ACS e seu local de moradia, pela total desconsideração por sua carga elevada de trabalho e sua jornada interminável.