A ESCOLARIZAÇÃO DA MULHER: O PARADOXO ENTRE A LUTA PELA EMANCIPAÇÃO E AS PRÁTICAS FAMILIARES



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Transcrição:

A ESCOLARIZAÇÃO DA MULHER: O PARADOXO ENTRE A LUTA PELA EMANCIPAÇÃO E AS PRÁTICAS FAMILIARES Resumo: Este estudo discute parte do processo da escolarização das mulheres nas décadas de 50 a 70, como também a interrupção e negação deste direito, abrangendo suas causas e consequências advindas dos fatores culturais, sociais, políticos e familiares de sua época. A partir disso relatamos também a relação desse pressuposto com a formação dos sujeitos da EJA atualmente, acentuando a parte do gênero feminino e o paradoxo que há entre a luta pela emancipação e as antigas práticas familiares. Palavras-chave: mulheres; escolarização; emancipação. INTRODUÇÃO O direito à educação é reconhecido no artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 como um direito humano. No entanto, percebemos que este direito tem sido, ao longo da história, negado a uma maioria impossibilitada de frequentar a escola por diversos motivos. Os jovens e adultos que foram privados da escolarização em idade própria que voltam às escolas são surpreendidos por uma dura realidade, uma vez que esta não está apta para atender as suas individualidades e segue um currículo preparado para crianças e adolescentes, não valorizando as experiências sociais e culturais vivenciadas ao longo da vida desses sujeitos. Entre os sujeitos da Educação de Jovens e Adultos estão aqueles que vivem ou viveram na zona rural; que estão excluídos da sociedade, geralmente, analfabetos, pobres e trabalhadores não qualificados. Assim, oferecer uma educação adequada que prepare esses sujeitos para uma leitura de mundo e que desenvolva a leitura da palavra (FREIRE, 1993) a fim de tornarem-se seres conscientes e capazes de transformar a realidade da sociedade em que vivem é um grande desafio para as políticas públicas para educação brasileira, afinal, não basta apenas possibilitar o acesso à escola, é necessário que haja formas adequadas para que os adultos ali permaneçam e desenvolvam suas potencialidades, alcançando outros níveis de escolarização.

Os sujeitos da EJA não devem ser considerados como coitados ou que nada sabem, mas precisam ser compreendidos como seres pensantes que contribuem com a construção da história através de seu trabalho, da sua história de vida, de suas experiências e que acima de tudo são sujeitos que produzem cultura. Portanto, é necessário entender que eles possuem habilidades e capacidades que devem ser levadas em consideração no processo de aprendizagem, visto que o maior interesse destas pessoas é deixar a condição de excluídos e analfabetos em direção ao exercício pleno de sua cidadania. Vale ainda ressaltar que no campo da EJA, encontramos a história das mulheres privadas da escolarização uma vez que a representação cultural de algumas famílias não permitia que as mesmas ingressassem na escola sob alegação de que aprender a ler e a escrever faria com que elas pensassem apenas em se comunicar com namorados. Percebemos aqui a dificuldade de rompimento dos antigos paradigmas para a construção do novo olhar, o que provavelmente fortaleceu a formação do público da EJA na atualidade. Diante desse cenário, considerando os diferentes sujeitos culturais, decidimos investigar qual a relação entre as representações culturais da escolarização das mulheres no período de 1950 a 1970 e a formação dos sujeitos da EJA na atualidade. Este trabalho tem como objetivo compreender o processo histórico de escolarização das mulheres no período de 1950 a 1970, discutindo as implicações culturais refletidas na influência familiar dessas mulheres partindo de uma correlação com a formação do público da EJA na atualidade. Este estudo, de abordagem qualitativa, tem como referencial teóricometodológico em narrativas de histórias de vida de adultos acima de 50 anos, mulheres, que tiveram o direito à educação negado, não só em idade própria, como também quando adultos. Os dados obtidos serão analisados à luz de um corpo teórico consistente, permitindo à reinterpretação da realidade. Trata-se de um estudo em sua fase inicial, cabendo, portanto, muitos diálogos e discussões sobre a temática em tela, de modo que possamos avançar na construção de uma sociedade mais justa, efetivamente igualitária e ética. A ESCOLARIZAÇÃO DA MULHER: UM GRANDE PASSO NA HISTÓRIA

A figura feminina, ao longo da história, foi considerada como um ser frágil e dependente que deveria ser educada para as atividades do lar, ou seja, desde cedo as meninas eram preparadas para serem boas esposas e mães, deveriam aprender a bordar, costurar e cozinhar. Estudar era privilégio dos homens e por isso as mulheres eram privadas da escolarização. Além da aprendizagem doméstica as meninas não recebiam, por assim dizer, nenhuma educação. Nas famílias em que os meninos iam ao colégio, elas não aprendiam nada. (ARIES, 1981, p. 190 apud RODRIGUES e MARQUES). Regidas pela rigorosidade familiar onde o respeito, a honestidade e a obediência eram tidas como princípios primordiais, a possibilidade de quebra das regras e a vivência da liberdade para as mulheres era extremamente restrita, podendo acarretar punições severas. Sendo assim, esse controle era conduzido principalmente pela pressão psicológica, onde a moça era privada da escolarização, uma vez que o estudo poderia causar a ruptura dos paradigmas tradicionais, trazendo, portanto, o abandono da sua vocação como mãe e esposa, e até mesmo interferindo na sua saúde e capacidade de reprodução. As mudanças ocorridas na sociedade, o crescimento da urbanização e a necessidade financeira foram fatores que impulsionaram algumas mulheres a lutar pela liberdade e pelo direito à escolarização no inicio do século XX, uma vez que as escolas criadas para mulheres, no século XIX não atendia às necessidades educacionais das mesmas, pois estavam voltadas ainda para um modelo de educação religioso, como explica Rodrigues e Marques: [...] como resposta a esta situação, surgiu por iniciativa particular, pequenas escolas leigas e os primeiros colégios religiosos para meninas. Permitindo que, o acesso da mulher à educação passasse a se constituir uma das principais bandeiras veiculadas pelo movimento feminista, no sentido de despertar a consciência da mulher, visando libertá-la da escravidão e da ignorância. Porém, ainda assim, as escolas da época seguiam uma filosofia educacional que tinha como objetivo preparar as mulheres para a vida no lar, ensinando, principalmente, o bordado, a culinária, a música etc. as moças eram educadas para serem boas esposas e mães e servirem a Deus sendo obedientes e submissas aos seus maridos e pais. Como afirma Jane Soares de Almeida: [...] a natureza feminina, sua doçura e submissão não eram questionadas, mas aceitas; das mulheres se esperava que em vez de inteligência, tivessem alma, em vez de ideais, professassem a fé, nisso a igreja católica desempenhava um papel determinante, através do apelo à aproximação com o arquétipo da Virgem. Nessa perspectiva, a educação era vista como disciplinadora das mulheres e não mais como sua perdição, conforme se acreditava em décadas anteriores. (ALMEIDA, 2000).

Pensando assim, educar a mulher seria educar o próprio homem, pois a mãe completaria seu filho, logo que da mulher não se esperava intelectualidade, mas, sim, o bom exercício da maternidade. (ALVES, 1982, p. 55 apud RODRIGUES E MARQUES). Por isso, a sociedade continuaria sustentando essa idéia na busca de valorizar o papel da mulher como formadora de futuros cidadãos, e como esposas dos dirigentes da nação. Pois, agora, a educação que outrora era negada às mulheres, era vista como uma necessidade, sendo que o novo estado se preocupava em ter cidadãos capazes de contribuir para o crescimento e o desenvolvimento do país. Neste caso a educação permitiria que os homens encarregados de fazer o serviço pela nação, estivessem sendo muito bem cuidados. As esposas a partir da instrução, não seriam mais vistas como meras procriadoras, e sim, como mulheres formadas, conhecedoras das necessidades de seus maridos e filhos. Além das mudanças ocorridas na sociedade, citadas anteriormente, a ampliação dos meios de comunicação, a industrialização, a publicidade também foram aspectos que causaram grandes mudanças nos costumes e trouxeram novas condutas femininas. Prontamente informadas sobre como agradar os homens, foi comprovado que ensinar as mulheres somente para as habilidades domésticas não era o suficiente, pois apenas aquelas que tinham boas condições financeiras poderiam se garantir através da herança ou do marido. As que não tinham nenhum dos dois precisariam trabalhar para se manter, porém este trabalho jamais poderia se sobrepor aos dos homens ou fazer as mulheres se desviarem do seu principal objetivo: o bem estar de sua família. A partir daí foi possível às mulheres, depois da escola e do magistério, exercer a profissão de professora de crianças. Mais tarde reivindicaram também o conhecimento público, o direito ao voto, e a igualdade. A MULHER E A LUTA PELA EMANCIPAÇÃO Nas décadas de 50 a 70, as mulheres não aceitavam mais o mesmo controle masculino, porém algumas regras e valores referentes à família continuavam imutáveis. Segundo, Nascimento e Oliveira (2005): Discursos diversos tentavam conformar a mulher como importante agente civilizatório, tendo no seio familiar seu principal espaço de intervenção social, na condição de esposa e mãe, porém, as mulheres não estavam satisfeitas com essa realidade, surge então o movimento feminista que defendia o desenvolvimento das potencialidades da mulher, dentro e fora

de casa, além de buscar garantir direitos que lhes possibilitariam o domínio de conhecimentos, maior participação nas questões sociais, garantindo assim os direitos políticos. Os movimentos feministas surgiram no ano de 1848 em Nova York, durante a Convenção dos Direitos das Mulheres. Trata-se de um movimento filosófico e político que visa em primeira instância a igualdade de gênero e a garantia dos direitos civis. Através de muitas lutas e mobilizações, conseguiram conquistar um espaço maior na sociedade. Os direitos ao voto, ao estudo, a ocupar cargos políticos, militares e atuar em diversas áreas profissionais. Foi na década de 60 e 70, que os movimentos feministas ganharam força maior e as lutas pela garantia dos direitos se intensificaram. Conquistas significativas fizeram com que a realidade feminina se transformasse. A dona de casa, mãe e esposa tinha agora outras ocupações. Assim, as conquistas obtidas na luta pela emancipação feminina passaram a ser vistas como conquistas da civilização, que os homens deviam ampliar em próprio interesse, por ser uma condição do progresso humano. (ALVES apud RODRIGUES E MARQUES, 1982). A mulher, através de sua luta pela emancipação, se torna livre e dá o primeiro passo na construção da história da humanidade. O PARADOXO ENTRE A EMANCIPAÇÃO E AS PRÁTICAS FAMILIARES É possível afirmar que diante desse contexto de lutas e consideráveis conquistas, a emancipação não alcançou de forma igual a todas as mulheres. Enquanto temos de um lado as mulheres lutando por seus direitos e conquistando seus ideais, por outro, temos aquelas, que devido à sua cultura ou condição financeira não conseguem alcançar tal desenvolvimento, isso comprova que tais evoluções históricas são incapazes de alcançar a todos num mesmo momento, uma vez que o contexto social não permite este acontecimento. Levando em consideração os diversos contextos sociais e as diferentes classes e culturas podemos perceber que o modelo de educação da mulher prevaleceu em

algumas famílias pela dificuldade de rompimento de antigos paradigmas, de um modelo patriarcal, onde o desenvolvimento não conseguiu alcançar e as meninas dessas famílias continuaram vivendo um modelo de educação que não acompanhava os avanços históricos. Na década de 60 a 70 algumas famílias viviam ainda sob o modelo patriarcal e tais avanços não eram suficientes para mudar a realidade. As meninas dessas famílias não foram alcançadas pela emancipação e viviam ainda sem a escolarização. Proibidas pelos pais de freqüentarem uma escola, elas cresciam realizando atividades domésticas e esperando pelo casamento, para servir de boas mães e esposas, perpetuando assim a condição de inferioridade diante dos homens. Segundo Praça apud Castro (2000), é no domínio da família que tem de operar mudanças fundamentais no que diz respeito à educação, porém quando partimos para realidade percebemos que para algumas famílias foi muito difícil avançar nessa questão da educação da mulher, visto que o modelo patriarcal ainda imperava e que mulher tinha que cuidar de coisas de mulher e não se envolver com questões de homens. Abandonar preconceitos e pressupostos que prejudicavam grandemente a situação e o futuro das mulheres era algo quase que impossível para as famílias que vinham de uma educação marcada pela exclusão feminina. Analisando as narrativas de mulheres que viveram nessa época de contrastes, podemos perceber as marcas deixadas pela dificuldade que seus pais apresentavam em romper com os velhos conceitos dando espaços aos novos. Sob alegação de que a escolarização iria fazer com que as meninas se tornassem muito espertas e passassem a escrever cartas para namorados, os pais não permitiam que as meninas frequentassem a escola, como podemos comprovar na fala de uma das entrevistadas quando questionada porque não frequentava a escola: Ele (o pai) dizia que ler não era coisa boa, ainda mais pra menina e que se aprendesse a escrever ia começar a fazer cartinhas de amor pra arrumar namorado. (Mulher de 62 anos). Esta afirmação deixa claro a dificuldade que os pais apresentavam de aceitar a evolução da mulher nas décadas de 60 e 70, uma vez que eles vinham de um processo histórico onde as mulheres deveriam apenas se comportar como boas moças, onde os homens é que davam as ordens e permitir que suas filhas acompanhassem esse avanço

poderia estar colocando sua autoridade de pai em risco ou permitindo que elas ficassem mau faladas. Vale considerar que a ignorância das famílias se caracteriza pela falta de informação, visto que, seus pais nasceram numa época onde o respeito e a obediência era algo primordial na educação de uma menina. Além da dificuldade dos antigos pais não compreenderem a importância da educação tanto para homens como para mulheres, podemos observar também outro extremo que embargou a formação escolar das mulheres nas décadas citadas que foi a necessidade financeira e por conseqüência disso muitas mulheres tinham que deixar as escolas para trabalhar. Envolvidas nas atividades domésticas e no trabalho, o tempo para o estudo era praticamente escasso, o que acoplava, mais uma vez, à visão de que o estudo poderia ficar para um terceiro plano, sendo mais importante a família e o trabalho, isso mais estridente ainda com o crescimento da urbanização também já mencionado. Na cidade era mais difícil. Agente não tinha dinheiro e precisava trabalhar. Fui cuidar da casa de uma mulher e ela não deixava ir pra escola. (Mulher 62 anos). A abdicação escolar e o empecilho de não poder administrar suas próprias atitudes por completo, marcaram e marcam muitas mulheres que apontam suas insatisfações conseqüentes da extrema submissão que vivia no passado e da necessidade de deixar a escola para trabalhar. Muitas falam sobre o arrependimento que sofrem e as conseqüências que trouxeram do abandono com muita amargura: trabalhei minha vida toda na casa de família que muitas vezes me humilhava, acho que se tivesse estudado minha vida tinha sido mais fácil. (Mulher 62 anos). E ainda se conformam com a situação em que vivem, não conseguindo enxergar uma forma de saída, entendendo que não há mais jeito, num pensamento de acomodação e submissão às vezes imperceptível por elas, mas trazida do passado. Nasci pobre e vou morrer pobre, mas se eu tivesse estudado, na hora certa, porque hoje também não adianta mais, teria uma vida mais rica (Mulher 62 anos). As narrativas de vida, das mulheres entrevistadas, deixa claro como as práticas familiares e o contexto cultural é capaz de interferir na formação pessoal dessas mulheres. Tais práticas deixam marcas que o tempo não consegue apagar tão facilmente, porém, é válido ressaltar que em meio a esta realidade existem mulheres que

apesar das lutas e empecilhos, ao conseguir sua liberdade tardia tiveram como ideal conquistar seu direito à escolarização. Esta busca pela escolarização é que garante a formação do público da Educação de Jovens e Adultos, na sua maioria mulheres, na atualidade. DIALOGANDO COM A REALIDADE É a partir dessas informações que situamos a concepção dos sujeitos da EJA, em que, entre eles, muitas mulheres conseguiram romper com o passado e continuaram a lutar por seus ideais e por uma vida melhor, acreditando no poder transformador da educação, voltando a frequentar a escola e até mesmo ingressando na universidade. Esta afirmação se comprova através das narrativas: Outra entrevistada afirma: Fiz até segundo grau completo, tentei vestibular, mas perdi. Mas ainda chego lá (mulher de 63 anos). Concluir o ensino de segundo grau e penso em cursar uma faculdade mais tarde (mulher de 65 anos). De outro lado, porém, encontramos aquelas que tentaram reconquistar o tempo e as oportunidades perdidas, mas, novamente deixaram para trás por pensarem que não há mais como resgatar conhecimentos perdidos e terem novas oportunidades por causa da idade, dos tempos atuais, do cansaço físico e mental, como afirma uma entrevistada de 50 anos, hoje eu não teria mais aquele ânimo, como tinha antigamente, eu até queria ter, mas quando olho a minha idade imagino pra que estudar mais se nem emprego dão pra pessoas de idade avançada, essa idéia ainda continua na fala de outra mulher com 62 anos, quando questionada sobre a sua volta à escola: Ah minha filha, até tentei, mas a escola é muito estranha, os alunos não respeitam as professoras e pra gente que é mais velho não dá pra ficar junto com eles não (risos). Em 99 me matriculei na escola, tinha 50 anos, quando resolvi estudar, mas não deu certo não, escola tem que ser na época certa, depois agente fica atrasado e não consegue mais, pelo menos aprendi escrever meu nome todo e depois fui mais não. Diante disso, percebemos ai a presença de um grande paradoxo, pois, de um lado as mulheres sempre questionaram e reivindicaram, de alguma forma, sua emancipação; por outro lado, garantir esta emancipação não foi igualmente possível para todas as mulheres. Além de considerar as práticas familiares e a dificuldade da ruptura de

antigos valores pelas famílias dessas mulheres, precisamos levar em consideração também as dificuldades enfrentadas por elas por pertencerem a uma classe social onde o acesso à escola era muito difícil, muitas viviam no campo e precisavam trabalhar duro para garantir o sustento da família, como fica explicito nas narrativas da maioria das entrevistadas: Eu sempre precisei trabalhar, a minha mãe não tinha estudo, meu pai também não tinha e pra quem não tem estudo tudo é mais difícil ( mulher de 50 anos); Quando eu e meus irmãos completava uma idade maior começa a trabalhar arrancando a mandioca pra ajudar (mulher de 62 anos); Num pude frequentar a escola assim pontualmente por causa que naquele tempo minha fia num era como hoje não. Que... Tinha que ajudar a mãe e agente era de uma família bem simples sabe. Nunca passamos fome não, mas assim de possuir as coisas naquele tempo agente num tinha muita coisa não. Tinha que ajudar a mãe e a mãe também trabalhava nas cozinha do zoto (mulher de 63 anos). Portanto, são diversos os fatores que geraram a formação do público da EJA, porém o de maior destaque é a dificuldade de rompimento de paradigmas e o contexto social em que se encontrava as mulheres daquela época. CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, foi possível concluir, portanto, que apesar dos protestos realizados por algumas mulheres em busca da emancipação social, política e cultural; ainda há muitos paradigmas a serem quebrados ou modificados pela sociedade e principalmente por estas. Pois existem ainda direitos que lhes são negados por acontecimentos do passado ou por consequência da exacerbada dependência a qual eram subordinadas; a desistência dos estudos ainda hoje, é um desses fatores, o que se mostra como algo inaceitável diante do poder que a educação tem de trazer ao indivíduo a verdadeira emancipação e lhes promover a autonomia. O público da EJA, hoje, geralmente, na sua maioria do sexo feminino, é um reflexo dos preconceitos que se destinaram às mulheres ao longo da história. Sendo assim, torna-se possível concluir que existe uma correlação entre as influências familiares refletidas nas implicações culturais e a formação das turmas de EJA, constituídas a partir da negação do direito humano que deveria ser o mais garantido, uma vez que a escolarização seria capaz de dar um novo sentido à vida dessas mulheres tão marcadas pelo passado.

REFERÊNCIAS: ALMEIDA, J. S. de. As lutas femininas por educação, igualdade e cidadania. R. bras. Est. pedag., Brasília, v.81, n.197, p. 5-13, jan./abr. 2000. CASTRO, Helena de Fátima Gonçalves de. A emancipação da mulher e regeneração social no século XIX segundo Lopes Praça. Disponível em: <http: //www.criticanarede.com/teses/lopespraca.pdf> Acesso em: 03 set. 2011. NASCIMENTO, Cecília Vieira do; OLIVEIRA, Bernardo. O Sexo Feminino em campanha pela emancipação da mulher. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/cpa/n29/a17n29.pdf> Acesso em: 06 set. 2011. RODRIGUES, Joice Meire; MARQUES, Eliza Cristiane de Rezende. O civilizar da mulher na história da educação. Disponível em: <http:// www.bibliotecadigital.unec.edu.br/ojs/index. php/unec03/article/view/.../38> Acesso em: 08 set. 2011.