FUTEBOL FATO SOCIAL SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE GERALDO JOSÉ PIANCÓ JUNIOR UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Capítulo 1.



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Transcrição:

FUTEBOL FATO SOCIAL SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE GERALDO JOSÉ PIANCÓ JUNIOR UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Capítulo 1. Introdução Como discutir futebol com sabedoria e competência? Campeonatos passam, gerações crescem e o tapete verde continua a ser palco de grandes artistas que levam ao delírio as multidões, provocando risos, lágrimas e paixões. A cidade pára. Um estádio repleto e muitos rádios ligados acompanham com nervosismo suado o rolar da bola, que gira e passa e com ela carrega olhares e emoções. A rede estufa, a arquibancada treme e se ouve o espocar dos foguetes em diversas ruas, avenidas, casas, das mais ricas às mais simples, sem qualquer desigualdade social, sem a interferência de pensamentos racistas ou elitistas. Fogo! Mengo! Flu! Vasco! Brasil! O povo brasileiro, mais do que nunca, um povo sofrido, supera barreiras e adversidades para mostrar e gritar a todo o mundo que, em pelo menos um aspecto, somos os melhores. Com a bandeira em punho, com um brilho nos olhos, todo o sofrimento é esquecido. Crises passam, sobram desilusões. Acreditar ou não no país? O amor do brasileiro pela sua terra atinge seu ponto máximo de quatro em quatro anos. É neste momento que vemos rivalidades e antipatias desprezadas em pró de um só pensamento. E quem diria que um dia seria possível presenciar botafoguenses e flamenguistas comemorando abraçados a realização de um gol? Seria normal o fato de três homens estarem ajoelhados no meio da Avenida Venceslau Brás, no bairro de Botafogo, sem se importarem com as próprias vidas pela simples vontade de chorar e comemorar a conquista de um campeonato? O futebol é algo incrível!

Como ficar alheio ao jornalismo desportivo num país onde o futebol é mais importante para muitos cidadãos do que a política, a economia, a educação? Como ignorar que, apesar de todas as dificuldades, somos os melhores no esporte considerado o mais popular de todo o mundo? Sem querer tirar das quatro linhas para um debate de auditório, esse trabalho é mais uma tentativa de analisar as características de uma grande paixão e sua relação com os meios de comunicação. Se possível, ele acrescentará perspectivas e indicações que possam trazer ao futebol, em seus diversos aspectos, sejam sociais, econômicos, ou outros, possibilidades de esclarecimento e evolução em favor de uma grande sociedade chamada FUTEBOL. Capítulo 2. O Futebol como Fato Social Quem é brasileiro nasce diante de um fenômeno que se impõe desde cedo. Semelhante ao modo de como herdamos a língua que falamos, o futebol passa de geração para geração. A presença desse esporte é tão impositiva que, muitas vezes, aquele que não aprecia o esporte é considerado um elemento não integrado. Faz parte do currículo de qualquer político o seu clube de coração. Porém, o torcedor mais fanático do Brasil não teria a mesma paixão caso tivesse nascido e sido criado nos Estados Unidos. Seria bem provável que Pelé, Garrincha e Zico não teriam a mesma habilidade com a bola caso tivessem nascido na China, no Canadá ou na Austrália. Nem mesmo teriam tais nomes. O gosto pelo futebol no Brasil existe fora das consciências individuais dos brasileiros. Esse gosto não existe naturalmente no nosso sangue. Ele existe na coletividade, em nosso meio social que nos transmite esse sentimento da mesma maneira que a escola nos ensina a ler e escrever. Esse gosto independe de raça e condição social. Nos desportos, características físicas ou psicossociais podem interferir na performance do atleta, mas o gostar por um determinado esporte é absolvido através do meio social, independente da habilidade de quem gosta para praticar tal esporte. É fato que nenhuma nação pode unificar racialmente um respectivo povo, mas no sentido ideológico, o futebol é capaz de unificar mais de 150milhões de brasileiros em todas as partes do mundo. São onze representantes de um país em campo, onde, em várias posições,

vemos seres humanos de diferentes origens. Para a compreensão sociológica desse esporte no mundo moderno é preciso encará-lo como um fato social que existe fora das consciências individuais de cada um, mas que se impõe como uma força imperativa capaz de penetrar intensamente no cotidiano de nossas vidas, influenciando hábitos e costumes. Esse fato social é capaz de superar preconceitos raciais e sociais, pois presenciamos entre os que disputam uma partida de futebol acentuadas diferenças culturais e econômicas, e o mesmo acontece nas arquibancadas, onde seres humanos de diferentes etnias avivam a comunhão dos brasileiros, que se estimam independente da cor de uns e outros. O futebol é a prova disto. Capítulo 3. O Futebol como Esporte Moderno As atividades dos atletas dos tempos modernos comparadas aos daqueles que disputavam os jogos da Grécia Antiga não se diferenciam muito no aspecto da organização. O que realmente caracteriza o esporte moderno são a secularização e a racionalização, que são aspectos referentes à vida social moderna de um modo geral. Ambos os aspectos influenciam diretamente no comportamento dos que estão envolvidos num evento esportivo moderno. Para aqueles que pensam que o Futebol jamais atravessou um período em que, nos sentimentos dos profissionais do esporte, o mágico e o sagrado eram consideravelmente referenciados. O Football, traduzido ao pé da letra para o português como Ludopédio, em seus primeiros passes era uma atividade elitista e sua prática restrita às escolas de elite da Inglaterra até o início da década de 1880, quando as classes trabalhadoras começaram a praticá-lo. Foi a fase da transição dos antigos esportes sagrados, onde a competição era uma forma de servir aos deuses. A Igreja era contra atividades esportivas pois o esporte desviava o homem das questões espirituais. Em meio a esse contexto, nasce o Futebol, que na década de 1890 já era um esporte profissional, um esporte de massa predominante na Inglaterra e nos países que mantinham relações comerciais com ela. O Futebol é o exemplo de uma atividade popular, profissional, altamente organizada e financiada. Na sociedade brasileira, o futebol foi inicialmente um esporte aristocrata, ligado aos hábitos de lazer da cultura européia. O futebol brasileiro era desvinculado de qualquer sentido

sagrado. Mas o futebol começa adquirir características sagradas quando torcedores passaram a demonstrar admiração e faziam manifestações de louvor a certos jogadores. Com o advento do futebol profissional em 1933, esses aspectos se afirmaram ainda mais. O fanatismo dos torcedores, frases como: futebol é que nem religião ; o templo sagrado do futebol, em referência ao Estádio do Maracanã; os deuses do futebol ; fazer o sinal da cruz quando entrar no estádio ou no gramado; são apenas alguns exemplos da sacralização do futebol. Apesar de nunca ter sido um fenômeno religioso, o futebol, como outros esportes modernos, passou a ter uma relação bem próxima a dos cultos sagrados. Entretanto, o futebol aos poucos teve seus aspectos sagrados minimizados. Numa final de campeonato, com o estádio completamente lotado, vemos várias placas de publicidade em volta do campo, patrocínio nas camisas dos clubes, horário do jogo modificado em função da transmissão pela TV. Os jogadores recebem altos salários e trocam de clube em razão de quem paga mais, superando o amor pela camisa. A profissionalização e a comercialização destroem os elementos sagrados do futebol. Apesar de tudo, os grandes clássicos e as finais de campeonato continuam sendo exemplos ritualistas que conseguem reafirmar os aspectos sagrados desenvolvidos pelo futebol. Outro aspecto característico do esporte moderno é o processo da racionalização. Este processo verifica-se na ênfase cada vez maior na quantificação dos feitos atléticos, na especialização dos papéis a serem executados pelos atletas e desenvolvem-se estratégias e táticas de jogos cada vez mais rígidas e calculistas, que, necessariamente, visam uma maior competitividade da equipe numa competição. A atividade atlética moderna pode ser medida e quantificada. Soma-se, mede-se e quantifica-se tudo o que for possível. O registro estatístico não apenas passou a fazer parte da maioria dos espetáculos, mas também faz parte da análise tática e técnica das equipes. Um exemplo aconteceu na Copa do Mundo do México, ano de 1986, quando o goleiro Bats, da França, na disputa de pênaltis contra a seleção brasileira, voou diretamente para o ângulo superior a sua direita quando Sócrates bateu o pênalti, exatamente no mesma posição em que Sócrates bateu um outro pênalti contra a Polônia e converteu. Para Bats, a probabilidade dele defender o pênalti de Sócrates aumentou pois ele já havia observado o jeito com que Sócrates batia seus pênaltis. Neste caso, Bats não adivinhou onde a bola seria chutada. Esse foi apenas um

em muitos exemplos. Táticas e jogadas ensaiadas são resultados de estudos onde as estatísticas dos jogos e dos jogadores são consideradas. Se um jogador não tem habilidade nas cobranças de falta, baterá a falta quem, pela estatística, comprovou que é mais eficiente em tal momento do jogo. A razão da quantificação é o desejo de medir e melhorar. Mas para o futebol, o aspecto qualitativo jamais poderá ser desprezado. A criatividade do jogador não nos possibilita prever sua ação em qualquer circunstância do jogo. Quando Romário domina uma bola e parte para o gol, qualquer estatística sobre o lugar do gol em que ele coloca a bola, por exemplo, não vai interferir na atitude do zagueiro ou do goleiro. Esse momento é instantâneo e a habilidade e a disposição física de cada jogador são quem podem definir o final desse momento. No que diz respeito à especialização, o futebol apresenta um aspecto interessante. A sociologia do esporte estuda as conseqüências da existência de uma concentração do atleta moderno sobre a uma especialização da função ao invés de uma ênfase na harmonia para várias habilidades. Investiga-se o quanto se limita a ação humana a apenas uma ou algumas de suas potencialidades. Porém, o que vemos no futebol é uma universalização do jogador. Excluindo a posição de goleiro, posição especializada que requer talento, agilidade e altura e um treinamento especial, diferente dos atletas das demais posições, o jogador de futebol na atualidade apresenta uma capacidade de desenvolver seu futebol em várias posições em que é escalado. A partir da Copa de 74, vimos uma valorização do futebol em relação ao preparo físico, onde era mais importante o jogador correr os 90 minutos do que desenvolver sua técnica e habilidade. Um jogador mal fisicamente dificilmente rende o melhor do seu futebol, mas a questão apresentou um outro efeito. Um jogador de excelente preparo físico ao lado de um jogador de grande habilidade, se a bola for lançada para ser disputada entre ambos, o jogador de melhor preparo físico correrá e dominará a bola primeiro mesmo que, ao dominar, ele não saiba o que fará com a bola, mas a bola é dele. O jogador de futebol da atualidade precisa especificamente desenvolver-se para jogar em várias posições. A especialização fique restrita às faixas de campo, dividido em defensores, meio-campistas e atacantes. Os zagueiros podem não ter velocidade e habilidade para jogar nas laterais mas eles são capazes de jogar no meio campo e reforçar a marcação. O atacante que não se movimenta é facilmente marcado pelo adversário.

Ele, portanto, deve ser hábil para jogar em todos os espaços do ataque e ser capaz de dar bons passes e concluir bem para o gol. Os laterais são capazes de atuar como atacantes e meiocampistas e os meio-campistas podem atuar como atacantes. O jogador, na atualidade, deve correr o campo todo. Alguns exemplos: Jorginho, lateral direito da seleção brasileira na Copa de 94 atua com eficiência no meio-campo sempre que escalado para esta função. Túlio, centroavante campeão brasileiro pelo Botafogo em 1995, voltava para ajudar na marcação contra o adversário e não se limitava a esperar a bola no ataque. A polivalência de um jogador se tornou um requisito importante para o futebol moderno. Correr noventa minutos e saber jogar em todas as partes do campo são qualidades que muitos jogadores conseguem demonstrar. Mas a velocidade e a força do preparo físico resultou em outras dificuldades antes não reveladas. O campo de jogo ficou pequeno. Em estádios onde o campo apresenta dimensões mínimas para a prática do futebol, o jogo se torna mais truncado, onde os jogadores sentem dificuldades de desenvolver um bom toque de bola e a marcação é mais facilitada, com maior facilidade de anular os atacantes e os lançamentos para eles. A disputa pela bola se tornou mais acirrada e as médias de gols reflete bem a dificuldade de marcar um gol no futebol moderno. Antigamente, os técnicos objetivavam o gol e jogavam com quatro a cinco atacantes na equipe. Hoje, o primeiro objetivo é não tomar gols. O fato do Palmeiras conseguir uma marca superior a cem gols no campeonato paulista de 1996 foi considerado uma circunstância atípica, digna de admiração, mas os números alcançados pelo Santos de Pelé na década de 60, que tinha uma média superior a três gols e meio por partida, são praticamente impossíveis de serem igualados, estabelecendo como padrão o futebol moderno jogado nos campos do Brasil. O futebol moderno, em virtude de sua preferência pela velocidade e força, fez surgir jogadores que atualmente são valorizados mas que, com a habilidade que possuem, jamais jogariam nos grandes clubes do Brasil em décadas anteriores assim como os jogadores dessas mesmas décadas não conseguiriam o mesmo sucesso nas atuais equipes. Pelé seria caçado em campo assim como acontece com Sávio na atualidade, mas com certeza o mesmo Sávio marcaria mais gols e não receberia tantas faltas se jogasse nos tempos de Pelé. O futebol brasileiro poderia ser considerado mais violento em relação ao passado. Mais faltas, mais jogadas de raça e menos toque de bola. Mas os jogadores de hoje não

concordam com essa interpretação. A respeito da violência no jogo por parte dos jogadores, o goleiro Zé Carlos esclareceu o seu voto contrário ao afirmar que o futebol se tornou mais agressivo em virtude da marcação feita pelos jogadores na atualidade e não necessariamente aumentou a violência. Com uma marcação mais cerrada, o contato entre os jogadores nas disputas de bola se tornou mais agressivo. O mesmo responderam os jogadores como Djair e Amoroso. Segundo eles, existe entre os profissionais do futebol um sentido de lealdade, e para Djair, as jogadas são disputadas de forma dura, mas sem a intenção de lesionar o adversário. ( 1 ) O importante é observar que, com o processo inverso de uma especialização das funções que o futebol adquiriu, não podemos comparar a forma como este esporte era disputado em décadas anteriores com o modo de como ele é disputado na atualidade. Porém, precisamos constatar a habilidade que detém o jogador brasileiro e a sua criatividade para conseguir o seu êxito em situações adversas. Apesar de colocados em segundo plano, os dribles e as jogadas individuais ainda fazem do jogador brasileiro ser considerado o melhor do mundo entre muitos especialistas e profissionais deste esporte. Capítulo 4. A Desorganização do Futebol Brasileiro Vários campeonatos, muitos jogos para uma mesma equipe disputar. Regulamentos complicados, horários absurdos, falta de organização e perda de credibilidade. Brasileiro, Estadual, Copa do Brasil, Supercopa, Taça Libertadores e Copa Conmebol. A desordem do futebol afasta o torcedor dos estádios, proporciona prejuízo aos clubes, impossibilita os jogadores de aprimorar suas condições físicas e o excesso de jogos dificulta a performance dos jogadores em virtude do desgaste. Sobre o excesso de jogos e o fato de vários campeonatos disputados simultaneamente afastar o público dos estádios, o doutor Giuseppe Taranto, médico do C.R. Flamengo, afirmou: _ Afasta o público. Primeiro porque qualquer atividade em excesso satura e desmotiva qualquer pessoa. Segundo, por questões financeiras. Nosso povo é pobre e não pode investir tanto dinheiro numa atividade esportiva. Terceiro, devido ao grande número de competições, a qualidade de cada uma delas piora porque no Brasil não existe um clube 1 Os jogadores Zé Carlos, Djair e Amoroso foram entrevistados no dia 12.06.96, durante um treino na sede

que possa manter um elenco para cada competição. O mesmo grupo terá que disputar duas ou três competições, como acontece com o Flamengo. Por isso, muito jogadores se machucam, outros estão mal preparados e o espetáculo em cada uma dessas competições perde consideravelmente em qualidade. Em 1978, a então Confederação Brasileira de Desportos, órgão responsável pela organização do futebol brasileiro, conseguiu reunir no campeonato nacional daquele ano um total de 74 clubes em todo o Brasil. A média de público caiu dramaticamente comparada com a média de anos anteriores.( 2 ) Se o calendário brasileiro provou ser pequeno para tantas competições, os dirigentes complicam ainda mais a situação. A final do campeonato de 1990 entre Vasco e Botafogo é um exemplo. Um regulamento mal escrito gerou uma briga entre os dirigentes do Vasco, apoiados pelo presidente da Federação, Eduardo Viana, contra os dirigentes do Botafogo. Menos de 45mil pessoas foram ao Maracanã assistir a vitória do Botafogo por 1X0. Ao término da partida, os jogadores do Botafogo deram a volta olímpica com uma taça extraoficial e 30 minutos depois os Vasco deram a volta olímpica com uma caravela. O campeonato foi decidido no Supremo Tribunal de Justiça Desportiva em favor do Botafogo. Os problemas de organização refletem diretamente no público dos jogos:.quarta-feira, 17 de abril de 1996. Fluminense e Volta Redonda disputam partida válida pelo campeonato estadual do Rio de Janeiro. O jogo foi em Moça Bonita no Estádio Proletário. Público pagante: 22 torcedores. (Fonte: Jornal O Globo - 18.04.96).Sábado, 4 de maio de 1996. Os ingressos para o jogo entre Vasco e Flamengo, decisão do primeiro turno do campeonato estadual, estão esgotados. Milhares de ingressos são vendidos por cambistas que cobram pelo menos o triplo do preço normal dos ingressos. (Fonte: Jornal O Globo - 04.05.96; Jornal RJTV, Rede Globo de Televisão - 04.05.96).Sábado, 25 de maio de 1996. A Federação de Futebol do Rio de Janeiro ainda não tem local definido para o clássico Vasco X Botafogo, jogo válido pelo segundo turno do campeonato estadual. (Fonte: Jornal O Globo - 25.05.96) do C.R.Flamengo. 2 Helal, Ronaldo - The Brazilian Soccer Crisis As a Sociological Problem (tese de doutoramento) - New York University, 1994, página 44.

.Domingo, 11 de junho de 1996. Botafogo e Volta Redonda disputam mais uma partida pelo segundo turno do campeonato estadual. Público: 149 pagantes. (Fonte: Jornal O Globo - 12.06.96) Ao contrário do futebol europeu, o futebol brasileiro tem dificuldades de organizar um calendário adequado. No Brasil existem os campeonatos regionais e o brasileirão. A tradição do campeonato estadual inviabiliza sua extinção. No Rio de Janeiro, o campeonato estadual existe desde 1906, enquanto que o brasileiro teve sua primeira versão oficial no ano de 1971. Com extensão maior a de muitos países da Europa, os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo apresentam em seus campeonatos estaduais uma rivalidade e competitividade superior a de alguns países europeus. Para o jogador brasileiro, o resultado é o aumento do número de jogos durante o ano e, consequentemente, um desgaste maior. São dois campeonato em vez de um. Na Itália, por exemplo, existe apenas o campeonato nacional com 18 esquadras. Na Europa, os campeonatos, na maioria dos países, são disputados em turno e returno e a equipe que somar o maior número de pontos é declarada campeã. No Brasil, no que diz respeito ao campeonato nacional, não existe um padrão definido de regulamento, mas todos os campeonatos, desde 1971, foram organizados a fim de que houvesse uma partida final para determinar o campeão. Na maioria dos casos, a equipe de melhor campanha não era, necessariamente, a campeã. Para as equipes finalistas, as finais representam estádios lotados, altas arrecadações, venda dos direitos de transmissão para as redes de TV. A diferença entre o brasil e a Europa está no fato do campeonato, no Brasil, ser rentável apenas para as equipes finalistas ao invés de ser rentável para todos os clubes que o disputam. Desorganização, muitos campeonatos, muitos jogos deficitários. Péssimos gramados, violência dentro e fora dos estádios. Apesar de tudo, o futebol brasileiro sobrevive em virtude das suas gerações de craques e da paixão do brasileiro pela bola. Com toda a desorganização somos os únicos a conquistar quatro Copas do Mundo, além de três campeonatos mundiais de juniores, considerando que estivemos nas três últimas finais dessa categoria. Para uma interpretação da sociedade brasileira, nascemos para jogar futebol e não para organizá-lo.

Capítulo 5. Os Meios de Comunicação É olho na telinha e ouvido na caixinha. Jornais, emissoras de rádio e televisão levam para todo o país as informações sobre o futebol brasileiro e mundial. A audiência dos eventos esportivos é fantástica. Segundo a revista Imprensa Mídia (publicação de outubro de 1995), são mais de 514mil assinaturas do canal SportTV da Globosat, o que representa quase cinco vezes mais que a capacidade do Maracanã. Uma final de Copa do Mundo alcança números de audiência em todo o mundo que jamais outro evento conseguirá igualar. Nos jornais, o esporte, em especial o futebol, tem seu espaço reservado. No jornal O Globo, por exemplo, diariamente são reservadas de quatro a seis páginas completas para os eventos esportivos, com a publicação de um caderno de esportes nas segundas-feiras. O Jornal dos Sports é outro veículo da imprensa especializada em esportes. Sua publicação é diária. Em relação às emissoras de rádio, a Rádio Globo, canal 1220 AM, no Rio de Janeiro, representa a maioria absoluta da audiência no estado. Segundo o seu principal locutor, José Carlos Araújo, o sucesso da rádio se deve ao talento e à eficiência de sua equipe. Para José Carlos, o rádio esportivo tem um compromisso com o público na defesa dos direitos do torcedor e dos jogadores. Para as emissoras de TV, futebol representa audiência garantida. As cotas de publicidade e propaganda nas transmissões assumem caráter milionário. Outro resultado da importância deste departamento jornalístico é a evolução dos equipamentos de transmissão, os diversos posicionamentos de câmeras nos eventos, o preparo dos profissionais especializados e outros fatores que proporcionam um aperfeiçoamento diário das coberturas esportivas. O esporte, em relação às comunicações, criou a sua própria linguagem. Dar um chocolate, dar entre as canetas, dar olé, são algumas expressões que passaram para o cotidiano das transmissões. São diversos os jargões e as frases famosas que empolgam o torcedor. A narração esportiva tem por objetivo relatar o jogo e suas informações extra-campo dentro de um contexto de emoção. O estilo narrativo de cada narrador ou locutor cria uma interatividade do público com o espetáculo. A medida que Galvão Bueno, narrador esportivo da Rede Globo de televisão, ou José Carlos Araújo aumentam o ritmo da narração, a expectativa do torcedor aumenta proporcionalmente. E os jargões são sempre lembrados pelos torcedores, nos debates dos bares, nas conversas com os amigos, que desperta não apenas a identificação do

público com o narrador assim como a narração pessoal faz parte da história do rádio e da televisão. Nomes como Geraldo José de Almeida, Jorge Cury e Valdir Amaral, são lembrados com carinho e saudosismo por aqueles que tiveram a oportunidade de acompanhar grandes jogos através de suas transmissões. São os próprios meios de comunicação que divulgam o evento esportivo e favorecem o seu sucesso de público. Informações diárias e a polêmica entre os jogadores, com suas declarações que visam promover os espetáculos. É tão importante para a imprensa quanto para os clubes o sucesso do futebol, pois a resposta vem diretamente na venda dos exemplares e nas audiências. Dificilmente alguém consegue comprar o Jornal dos Sports, por exemplo, depois da 11horas da manhã, um dia após a decisão de um campeonato onde um time carioca tenha conquistado o título. O esporte, especialmente o futebol, é um produto rentável para os meios de comunicação. A audiência é garantida quando o evento esportivo interessa ao público. Grande circulação de capital e emoção estão lado a lado nos noventa minutos de cada partida, de cada decisão. A TV tira o público dos estádios? A transmissão ao vivo pelas redes de televisão incluindo para as cidades onde os jogos eram disputados era proibida até 1987( 3 ). A ausência de público nos estádios pode ser explicada em função de diversos fatores como a violência, o preço dos ingressos, muitos campeonatos e muitos jogos sem importância, a comodidade e a baixa qualidade dos espetáculos, influenciam diretamente no comportamento do público em relação à sua presença ao espetáculo. A possibilidade de um futebol mais organizando e a exclusão dos fatores que influenciam diretamente sobre a presença do público nos estádios poderia proporcionar uma conclusão diferente, pois o torcedor apaixonado não deixa de ir ao estádio em uma decisão e consegue lotar os mais de cem mil lugares do Maracanã. Mas uma conclusão não pode ser feita por hipóteses, e sim, por fatos. O exemplo do campeonato nacional de 1987, primeiro ano em que tivemos transmissões ao vivo para as praças de jogos, observamos uma das 3 Helal, Ronaldo - The Brazilian Soccer Crisis As a Sociological Problem (tese de doutoramento) - New York University, 1994, página 5

maiores médias de público da história dos campeonatos nacionais (20.877) 4. Esse número atribuiu-se ao fato da boa organização do campeonato. Na atual conjuntura do futebol brasileiro, o espetáculo de futebol é esvaziado ao ter que competir com as suas dificuldades contra a sofisticação. Para os assinantes do canal SportTV da Globosat, o que representa quase cinco vezes mais que a capacidade do Maracanã, vemos um fenômeno que, momentaneamente, traz benefícios aos clubes em função das cotas pagas pelas emissoras para as transmissões, mas futuramente, o fato do torcedor brasileiro habituar-se a ser um torcedor de telinha, pode representar a perda do valor do produto futebol em relação ao seu público de arquibancada e ao seu valor em função das próprias cotas de transmissões, que podem diminuir com o passar dos anos. A transmissão ao vivo afasta o público e entristece o espetáculo pois o futebol não se resume aos profissionais da bola e da imprensa, ele é fundamentalmente um esporte da massa, que representa a beleza do espetáculo com a sua presença nas arquibancadas. Sem arquibancada, o futebol perde sua magia, sua emoção, seu profissionalismo. Capítulo 6. Conclusão - Reflexões sobre o Sucesso e a Crise do Futebol Brasileiro O futebol é parte integrante da modernidade. Mas o futebol, como esporte moderno mantém em sua estrutura as características de esportes de outras épocas, antes mesmo da modernidade. São essas características, invariantes do esporte através dos anos( 5 ), que ajudam o futebol a atrair a atenção dos cidadãos do mundo moderno. A primeira invariante do esporte é a o fato do futebol ser um momento social da sociedade, que se destaca na vida diária da comunidade, especialmente da sociedade brasileira. A final da Copa do Mundo de 1994 foi a maior prova de que o futebol para o brasileiro nunca será admitido como um evento trivial e corriqueiro. Um país parou em função de uma partida de futebol. Não há como destituir do evento futebol o seu significado especial em relação ao seu público, em relação aos seus profissionais. Outra característica invariante do futebol é a sua natureza competitiva. das regras do jogo às regras dos campeonatos, a emoção está na disputa e na distinção final de um vencedor, 4 Helal, Ronaldo - The Brazilian Soccer Crisis As a Sociological Problem (tese de doutoramento) - New York University, 1994, página 64 5 Hela, Ronaldo - O que é Sociologia do Esporte - São Paulo: Brasiliense, 1990

de um campeão. Os anos passam e o prazer da competição permanece. O espírito da competição esportiva, e necessariamente do futebol, determina uma disjunção final, distinguindo os competidores em ganhadores e perdedores. Não se admite, ao final de um campeonato, que um título seja dividido entre duas ou mais equipes. A última variante é a incerteza do resultado. Esse aspecto é mais visível no futebol, comparado a outros esportes. No vôlei ou no basquete, é quase impossível que uma equipe consideravelmente mais técnica e bem treinada perca o jogo para uma outra equipe de qualidade inferior. No futebol, o resultado é mais incerto. Times como Flamengo, Botafogo, Palmeiras, podem ser surpreendidos por equipes de menor nível técnico, podendo empatar e, até mesmo, perder a partida. Momento especial, caráter recreativo do conflito e a incerteza do resultado. Pontos característicos do futebol mundial que conservam o delírio e a paixão dos que admiram o esporte e o colocam como parte integrante do cotidiano. A sociedade brasileira consegue preservar em seus cidadãos esses aspectos que contribuem fundamentalmente para o sucesso do futebol em seu país. Incontestável potência do futebol, único país a conquistar quatro Copas do Mundo e três mundiais de juniores. O futebol brasileiro passa ou não por uma crise? Comercialização e profissionalização são dois processos a que o futebol moderno estará ligado para a sua manutenção. O futebol brasileiro apresenta características vencedoras, mas qual seria a razão da falta de público nos seus espetáculos? O futebol brasileiro é vencedor. O país tem uma população apaixonada pelo esporte, onde o crescimento demográfico acompanha o surgimento de novos jogadores nas equipes profissionais. O jogador brasileiro é um dos mais valorizados em todo o mundo. Segundo dados fornecidos pela CBF, o número de jogadores brasileiros profissionais que se transferiram para jogar no exterior entre 1973 e 1991 foi de 2140 jogadores. Crise financeira do país, violência dentro e fora dos estádios. Clubes sem dinheiro, êxodo de jogadores para o exterior. Transmissões ao vivo pelas redes de televisão, ausência de público nos estádios. Desorganização do calendário, gramados e estádios sem condições de receber profissionais e público. Os dirigentes tentam soluções para reverter o quadro. Para um evento de massa, a presença de torcedores nos estádios é necessária para

legitimar o espetáculo e torná-lo completo. A queda de público é fato, assim como a presença do mesmo nos jogos decisivos, independente de transmissão ao vivo. Foram 24 anos sem conquistar uma Copa do Mundo, mas conseguimos vencer em 1994 apesar da crise. Teria sido acaso? Foram realmente 24 anos de fracasso? Quem esteve em São Paulo para assistir à partida Brasil X Equador, válida pelas eliminatórias da Copa de 94 presenciou algo histórico: o público, insatisfeito com a atuação da seleção brasileira, gritava o nome de Telê Santana, técnico do Brasil nas Copas de 82 e 86. Mesmo derrotadas, as seleções de Telê sempre apresentaram um futebol de toque refinado, elegante, que dava brilho ao espetáculo. Foi constatado naquele momento que o brasileiro quer, acima de tudo, ver o futebol bem jogado antes mesmo de assistir à sua eficiência e competitividade. A modernização e a racionalização tornou o espetáculo menos atraente, e isto mostrou uma tendência internacional. Mas a cultura da sociedade brasileira ainda privilegia os dribles e a ginga do jogador. A crise do futebol brasileiro está relacionada com a forma como este esporte é organizado no país. Profissionalismo e amadorismo ainda disputam espaço nos campos legislativos do esporte nacional. O futebol brasileiro se moderniza com a necessidade. Mas alguns aspectos ainda prevalecem na cultura brasileira. Mesmo com a racionalização, com a responsabilidade de milhões em capital financeiro terem sido investidos num evento, o jogador brasileiro leva em si o amor pelas cores de seu clube, a paixão pela bola. Apesar de toda a desordem, somos os melhores do mundo. O toque com classe, a jogada individual, os gols com estilo. É a irreverência e a competência do jogador brasileiro, que esbanja habilidade e leva ao delírio os milhares de torcedores que lotam verdadeiros templos, que são os estádios do Maracanã, do Morumbi, do Mineirão, e muitos outros por todo o país. Com todos os problemas, nascem diariamente novas gerações de craques brasileiros, fato que independe de raça ou condição social. A paixão se renova de pai para filho. O futebol é responsável por uma sociedade de leis e linguagem próprias. O futebol educa simples garotos a serem homens, ídolos, afastando seus praticantes das drogas e da violência das ruas. O futebol é uma linguagem mundial que tem o seu auge de quatro em quatro anos quando todas as nações voltam suas atenções para o evento máxima do esporte moderno: a Copa do Mundo. A FIFA, organismo diretor do futebol mundial, congrega mais países do que a

própria ONU. Como explicar esse fato? Seria possível ver o mundo sem guerras, onde as diferenças seriam decididas em um campo de futebol? O futebol está no sangue do brasileiro e dele nunca deixará de existir. Racional, moderno ou tradicional, esse esporte ainda será sempre profissão e lazer para milhões de brasileiros. E não importam as crises, porque o brasileiro joga e assiste ao futebol por amor e não por uma razão. Precisamos de organização, pois jogar futebol, nós sabemos. Para os profissionais de comunicação, o futebol gera empregos e movimenta grande volume de capital. Repórteres, câmeras, produtores, imprensa especializada, mas nem sempre bem preparada para informar ao público. Alguns profissionais ultrapassam os limites da ética criando polêmicas em situações simples, o que influencia diretamente o ambiente da equipe abordada, embora seja compreensível tal atitude em função da pressão exercida pelos chefes de redação. Um treinador ou um jogador dizer que acredita na vitória não é notícia. Notícia é quando o treinador ou jogador diz que não acredita na vitória. O repórter é capaz de promover polêmicas das declarações dos profissionais desse esporte pois estes nem sempre estão preparados para lidar com a imprensa. No que diz respeito aos jogadores, muitos tiveram uma infância pobre, sem um bom nível cultural, e chegam a cometer erros grosseiros de português durante as entrevistas. Em relação à publicidade e mídia, os profissionais de comunicação já demonstraram sua competência em relação ao assunto. Uniformes com patrocínios, placas de publicidade, comerciais durante as transmissões são alguns exemplos de que o futebol é um excelente espaço de veiculação. O problema é saber que os nossos clubes pouco conquistam sobre essa possibilidade de arrecadação em função da desorganização e do amadorismo de suas administrações. Apesar de ser um fato social, paixão popular e segmento financeiro, o futebol brasileiro fundamentalmente reflete a personalidade de sua sociedade: irreverente, desorganizada, sempre com um jeitinho para as horas de decisão.

Bibliografia. Helal, Ronaldo -1990 - O que é Sociologia do Esporte. São Paulo: Brasiliense.. Helal, Ronaldo - 1994 - The Brazilian Soccer Crisis As a Sociological Problem (tese de doutoramento) - New York University.. 1993 - Futebol Brasileiro em Debate. Rio de Janeiro - Faculdade Pinheiro Guimarães/Pinheiro Assessoria de Comunicação.. Perry, Valed - 1981 - Direito Desportivo Temas. Rio de Janeiro. Lyra Filho, João - 1973 - Introdução à Sociologia dos Desportos. Rio de Janeiro: Bloch Editores.. Coutinho, Edilberto -1989 - Maracanã Adeus. Rio de Janeiro: Corpo da Letra.. Camargo, Luiz O. Lima - 1992 - O que é Lazer. Rio de Janeiro: Brasiliense.. Durkheim, Émile 1978 Sociologia da Religião e Teoria do Conhecimento, in José Albertino Rodrigues & Florestan Fernandes (Eds.). Durkheim. São Paulo: Editora Ática..Kotler, Philip - Armstrong, Gary -1993 - Princípios de Marketing. University of North Carolina: Prentice/Hall do Brasil.