SEMINÁRIO 2010 CONSELHO PORTUGUÊS DE CARREGADORES Exmo. Senhor Presidente do Conselho Português de Carregadores, Ilustres Oradores, Minhas Senhoras e Meus Senhores, No âmbito deste painel, compete-me fazer um breve enquadramento jurídico sobre o regime jurídico do trabalho portuário. Permitam-me que inicie esta breve apresentação recuando no tempo até à década de 70. Em 1978, foram aprovadas as Bases Gerais do Trabalho Portuário, através do Decreto-Lei n.º 145-A/78, de 17 de Junho, que estabeleceu o regime de organização e gestão do trabalho portuário e que definiu os princípios fundamentais do estatuto laboral dos trabalhadores portuários bem como as regras de acesso dos empresários à actividade operacional dos portos.
Este diploma determinou a exclusividade do direito de execução da operação portuária por parte dos trabalhadores afectos ao respectivo porto, ficando apenas excluídas algumas cargas e operações de movimentação tradicionalmente realizadas por mão-de-obra não portuária. Desde 1978 que a operação portuária e o trabalho portuário são conceitos indissociáveis. Retomaremos estes dois conceitos mais adiante. Para termos uma melhor percepção do quadro legal nacional do trabalho portuário, convém referir a existência da Convenção n.º 137, denominada «Convenção sobre o Trabalho nos Portos, de 1973», da Organização Internacional de Trabalho, ainda hoje em vigor, que constitui um instrumento fundamental destinado a assegurar aos trabalhadores portuários um emprego permanente ou regular e um mínimo de rendimento, a ajustar em função da situação económica do País e do porto em causa. A Convenção n.º 137 determinou que as entidades responsáveis pela superintendência e pela tutela da actividade portuária devem estabelecer e manter actualizados registos para os trabalhadores portuários, fixar e rever periodicamente esses registos em função do nível correspondente às necessidades de cada porto e garantir o direito de prioridade dos trabalhadores portuários registados em matéria de obtenção de trabalho nos portos. Daqui resultou a enunciação de um quadro normativo conducente a restrições ao acesso à profissão de trabalhador portuário, à necessidade de contingentação e de reajustamento periódico dos efectivos afecto a cada porto e à adopção de medidas destinadas a garantir o pagamento de uma retribuição regular aos trabalhadores portuários.
A referida Convenção encorajava cada um dos Países a incentivar os empregadores e as organizações sindicais a cooperarem no sentido de se obter uma melhoria da eficiência e da produtividade do trabalho portuário. A Convenção foi aprovada pelo Estado Português, para ratificação, pelo Decreto n.º 56/80, de 1 de Agosto. A década de 80 foi muito importante em matéria de legislação laboral portuária, tendo sido aprovados uma série de diplomas legais e regulamentares, designadamente: O Decreto-Lei n.º 282-A/84, de 20 de Agosto, que redefiniu o regime de organização administrativa do trabalho portuário e o estatuto do trabalho portuário; O Decreto-Lei n.º 282-B/84, da mesma data, que reformulou o Estatuto do Operador Portuário, aprovado no ano anterior pelo Decreto-Lei n.º 46/83, de 27 de Janeiro; O Decreto Regulamentar n.º 63-A/84, que estabeleceu alterações ao regime de acesso à actividade de operador portuário e ao regime de exercício dessa actividade, fixado também no ano anterior pelo Decreto Regulamentar n.º 23/83, de 16 de Março; O Decreto-Lei n.º 282-C/84 que redefiniu o orgânica do Instituto do Trabalho Portuário; O Decreto Regulamentar n.º 63-B/84 que reformulou o regime de organização, de competência e de funcionamento dos Centros Coordenadores do Trabalho Portuário; A Portaria n.º 614-A/84 que estabeleceu um novo regime de garantia salarial; A Portaria n.º 614-B/84 que definiu as condições em que os trabalhadores portuários passavam à situação de reforma antecipada, que também já tinha sido contemplada numa Portaria de 1983 (a Portaria n.º 740/83, de 29 de Junho).
Através desta nova regulamentação do sector subordinou-se o estatuto laboral dos trabalhadores portuários ao regime jurídico geral do contrato individual de trabalho em tudo o que não constituísse regulamentação especial. Na década de 90, realizou-se uma nova revisão da legislação aplicável à operação e ao trabalho portuários, face à necessidade de obter uma melhoria da eficiência e da competitividade dos portos portugueses. No entanto, o Decreto-Lei n.º 151/90, de 15 de Maio, não teve a virtualidade de resolver os principais problemas com que o sector se vinha debatendo. O referido diploma veio mesmo acentuar o regime de exclusividade da intervenção dos trabalhadores portuários na execução da operação portuária, com excepção das que já se encontravam excluídas pela legislação anterior. E, nessa medida, o objectivo era bondoso, mas o resultado final ficou aquém das expectativas. Em 1993, através da Lei n.º 1/93, de 6 de Janeiro, foi concedida autorização ao Governo para: Eliminar as limitações ao exercício da operação portuária; Reservar às Empresas Operadoras Portuárias (actuais Empresas de Estiva) o exclusivo da movimentação de cargas apenas nos cais públicos e nas áreas não concessionadas; Permitir a execução de serviços de carga ou descarga de meios de transporte terrestre ou fluvial pelo pessoal, não portuário, adstrito a esses meios de transporte ou mediante equipamentos de movimentação de cargas neles instalados; Permitir a exploração pela iniciativa privada de instalações, de equipamentos e de espaços portuários; Extinguir o regime de inscrição e de exclusivo do trabalho portuário;
Sujeitar os trabalhadores portuários ao regime jurídico do contrato individual de trabalho comum à generalidade dos trabalhadores; e Instituir a criação de mecanismos tendentes a assegurar uma gradual e harmoniosa transição do regime de trabalho nos portos para o mercado normal de trabalho, em condições idênticas às que vigoram para os restantes trabalhadores. No uso da referida autorização legislativa, o Governo aprovou novamente um conjunto de diplomas legais. A saber: O Decreto-Lei n.º 280/93, de 13 de Agosto que redefiniu o regime jurídico do trabalho nos portos; O Decreto-Lei n.º 298/93, de 28 de Agosto que reformulou o regime jurídico da operação portuária; O Decreto-Lei n.º 356/93, de 9 de Outubro que reestruturou a orgânica e as atribuições e competências do Instituto do Trabalho Portuário. O Decreto Regulamentar n.º 2/94, de 28 de Janeiro que definiu o quadro legal de licenciamento, de organização e de funcionamento das entidades a constituir com o fim exclusivo de garantir a cedência temporária de mão-de-obra portuária requisitada pelas empresas responsáveis pelas operações portuárias, entidades que passaram a designar-se por ETP (Empresas de Trabalho Portuário); e O Decreto-Lei n.º 324/94, de 30 de Dezembro que estabeleceu as bases gerais das concessões do serviço público de movimentação de cargas nos cais e terminais portuários. Não obstante o Governo ter aprovado, no ano passado, em Conselho de Ministros a Lei de Portos, esta não chegou a ser aprovada pela Assembleia da República, o que significa que a operação e o trabalho portuários continuam a reger-se pelos diplomas que enunciei anteriormente, pelo que cumpre analisálos muito resumidamente no pouco tempo que ainda me resta.
O Decreto-Lei n.º 280/93 define o trabalho portuário como o trabalho prestado nas diversas tarefas de movimentação de cargas nas áreas públicas ou privadas, dentro da zona portuária. Assim, é fundamental descortinar o sentido de dois conceitos que estão implícitos na definição de trabalho portuário: o conceito de movimentação de cargas e o conceito de zona portuária. Ora, a actividade de movimentação de cargas, ao abrigo da alínea b) do artigo 2.º, compreende a actividade de estiva, desestiva, conferência, carga, descarga, transbordo, movimentação e arrumação de mercadorias em cais, terminais, armazéns e parques, bem como de formação e decomposição de unidades de carga e ainda de recepção, armazenagem e expedição de mercadorias. Nos termos da alínea d) do mesmo artigo, zona portuária é o espaço situado dentro dos limites da área de jurisdição das autoridades portuárias, constituído, designadamente, por planos de água, canais de acesso, molhes e obras de protecção, cais, terminais, terraplenos e quaisquer terrenos ou outras instalações. Portanto, são considerados trabalhadores portuários as pessoas que desempenham a actividade de movimentação de cargas nas zonas acima enunciadas. Daí a estreita conexão entre trabalho portuário e zona portuária. À partida, toda a actividade de movimentação de cargas exercida nas zonas portuárias é considerada trabalho portuário.
Acrescenta a alínea a) do artigo 2.º o que se entende por «efectivo dos portos», definindo-o como o conjunto dos trabalhadores detentores de carteira profissional adequada que desenvolvem a sua actividade profissional na movimentação de cargas, ao abrigo de contrato sem termo. Retrocedendo então ao conceito de efectivo dos portos são considerados trabalhadores efectivos dos portos aqueles que exercem a sua actividade com contrato de trabalho sem termo. Assim, ficam fora do conceito de efectivo dos portos os trabalhadores temporários, que apenas podem ser recrutados para suprir necessidades acrescidas e pontuais de mão-de-obra ou a falta de trabalhadores do efectivo dos portos. Ora, não nos podemos esquecer que a actividade portuária tem particularidades muito específicas, exigindo a existência, por um lado, de um corpo de trabalhadores permanentes para acorrer à prestação de trabalho normal desse porto que os trabalhadores portuários que integram o quadro de efectivos do porto e, por outro lado, a existência de uma pool de trabalhadores temporários para fazer face aos picos de trabalho nos portos, ou seja, para fazer face ao trabalho que excede o nível de actividade normal do porto. É de referir ainda que o artigo 5.º determina que apenas os indivíduos habilitados com carteira profissional possam prestar trabalho portuário. Apesar de estar prescrita na lei a obrigação de detenção de carteira profissional a emitir pelo Instituto do Trabalho Portuário (que após as sucessivas reestruturações foi convolado no actual Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos), a verdade é que esta não tem correspondência com a realidade. Até à data não foi emitida uma única carteira profissional.
Quanto ao licenciamento das empresas de estiva, o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 298/93 estabelece como requisitos para o licenciamento das empresas de estiva para efeitos de acesso e de exercício da actividade que as mesmas possuam capacidade técnica e que se encontrem dotadas de recursos humanos qualificados, que se afere pela existência de um quadro permanente e privativo adequado à realização das operações. Assim, as empresas de estiva estão obrigadas a constituir um quadro privativo de trabalhadores do efectivo portuário dimensionado à medida da necessidade das operações que se propõem realizar. Porém, pela natureza própria da actividade portuária e pelos tais picos de trabalho a que fiz alusão anteriormente, as empresas de estiva criam quadros mínimos de trabalhadores e recorrem com frequências às Empresas de Trabalho Portuário, vulgarmente designadas ETP s, que cedem temporariamente trabalhadores portuários às empresas que carecem de pessoal apto e experiente para a realização das operações de movimentação de cargas na zona portuária. Para além deste quadro muito genérico, há ainda que referir o relevante papel que desempenha a regulamentação colectiva de trabalho neste sector. Através dos respectivos Contratos Colectivos foram atribuídos aos trabalhadores portuários diversos direitos, regalias e benefícios que não constam da legislação aplicável ao sector, designadamente: Subsídio de desconforto (subsídio de refeição de montante majorado); Subsídios de função (subsídio por actividades não comuns à função base de trabalhador portuário, tal como guincheiro, grueiro, etc.); Subsídio de turno (pela prestação de trabalho em períodos horários diferentes);
Regime de diuturnidades (a antiguidade nos trabalhadores no porto deu origem a um regime de diuturnidades); Subsídio de deslocação/transporte (a diversidade dos locais de trabalho dentro do próprio porto dá origem ao pagamento deste subsídio, calculado por referência a uma ou mais horas de remuneração adicional); Subsídio de trabalho ao largo (mas dentro do mesmo porto, também dava origem à atribuição de um subsídio); De sublinhar o regime de isenção de horário que pouco tem a ver com o regime legal em vigor. O trabalho prestado nesta modalidade corresponde à possibilidade de prestação de dois ou mais turnos consecutivos de trabalho por dia; Existem ainda garantias contratuais que se traduzem na atribuição de uma retribuição complementar certa mensal aos trabalhadores. Apesar de o trabalho portuário ter muitas especificidades, a verdade é que, na sequência dos trabalhos realizados na anterior legislatura, em que participaram Sindicatos e Operadores Portuários, pôde concluir-se que a sua grande maioria poderia ter acolhimento no seio do actual Código do Trabalho, mesmo que com algumas adaptações. Nessa medida, faço aqui um apelo a Operadores e a Sindicatos no sentido de convergirem para que seja possível alcançar uma solução que agrade a todos os actores. Muito obrigada pela vossa atenção! Ana Sofia Silveira MOPTC