TECNOLOGIAS APROPRIADAS À REVITALIZAÇÃO DA CAPACIDADE DE PRODUÇÃO DE ÁGUA DE MANANCIAIS AUTORES: Marcos Antonio Gomes - Engenheiro Florestal; Coordenador Técnico do Programa de Gestão de Recursos Hídricos (PROBACIAS) do Centro Mineiro para Conservação da Natureza (CMCN), de Viçosa-MG; Especialista em Conservação de Nascentes e Mestrando da Universidade Federal de Viçosa - MG, no Departamento de Solos. Sânzio José Borges - Engenheiro Civil e Sanitarista; Diretor do SAAE de Viçosa; Membro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais; Membro Titular do Comitê Federal da Bacia do Rio Doce. Irineu Cassani Franco - Diretor Adjunto e Assessor Administrativo do SAAE de Viçosa, Técnico em Contabilidade. José Luiz Pereira Corrêa - Engenheiro Civil, Chefe do Setor Técnico do SAAE de Viçosa. AGRADECIMENTOS: Os autores agradecem o Professor Titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa, Osvaldo Ferreira Valente, Especialista em Hidrologia e Manejo de Bacias Hidrográficas, pela consultoria científica na formulação, implantação e desenvolvimento dos trabalhos relatados neste Artigo. OBSERVAÇÃO: Trabalho apresentado na 33.ª Assembléia da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE), em Santo André SP (Julho de 2003)
INTRODUÇÃO Os mananciais de abastecimento, entendidos em seu sentido mais amplo, devem englobar não só as fontes de captação de concessionárias ou de departamentos municipais de abastecimento de núcleos urbanos, mas todas aquelas responsáveis pelo fornecimento de água para quaisquer outras atividades, incluindo consumos domiciliares rurais, usos agrícolas e industriais, geração de energia elétrica etc. Os mananciais podem ser superficiais e subterrâneos. Os superficiais são inteiramente dependentes, mesmo a curto prazo, do comportamento das bacias hidrográficas. Já os subterrâneos também o são, mas com variações de tempo, onde os aqüíferos freáticos podem ser influenciados a curto prazo e os artesianos em prazos às vezes muito longos e com áreas de recarga em regiões bem específicas. Como os mananciais brasileiros, em sua grande maioria, estão concentrados em águas superficiais ou em poços de pequena profundidade, eles dependem essencialmente de manejo das bacias hidrográficas coletoras e processadoras da água de chuva que chega até elas. À importância da bacia hidrográfica no contexto brasileiro dos recursos hídricos é tal que a Lei 9.433, a chamada Lei das Águas, de 1997, deu a ela a primazia de unidade básica de planejamento. E mesmo que a referida lei não trate especificamente das águas subterrâneas, os conhecimentos hidrológicos reafirmam a importância da bacia também neste aspecto. Os mananciais, para serem fontes permanentes de água precisam ser gerenciados adequadamente, respeitando as condições naturais, econômicas e sociais das bacias que os suportam. O fluxograma da Figura 1 mostra que a gestão dos recursos hídricos pode ser divida em dois blocos bem distintos. O de Manejo de Bacias trata das inter-relações da água de chuva com os vários componentes da superfície, produzindo enxurradas ou abastecendo aqüíferos subterrâneos. O segundo caminho é o mais interessante, já que transforma a bacia em um imenso reservatório de água, que vai sendo cedida aos cursos d água de maneira regular ao longo do ano. O primeiro caminho é mais perverso, já que além de deslocar a água rapidamente para outras regiões, acaba, muitas vezes, provocando cheias e inundações, com todas as conseqüências sentidas anualmente por várias comunidades brasileiras. FIGURA 1 - Fluxograma de gestão de recursos hídricos.
O bloco de Manejo de Águas trata dos aspectos de captação, tratamento e distribuição da água, visando disponibiliza-la para diferentes usos. Ai, é claro, estão envolvidos, além dos aspectos tecnológicos, todas as implicações administrativas e econômicas. O ideal, portanto, é manejar a bacia hidrográfica para que a água de chuva seja levada aos lençóis e possa ser retirada posteriormente por poços tubulares, poços escavados ou por nascentes, conforme afirmação de REBOUÇAS (2002). DESCRIÇÃO DOS OBEJTIVOS DO TRABALHO O trabalho tem como objetivo principal mostrar as atividades desenvolvidas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Viçosa - MG, visando a Revitalização de Bacias de Cabeceiras, usadas como mananciais de abastecimento, para que elas possam produzir maior quantidade de água nos períodos de seca e melhor qualidade ao longo de todo o ano. Como objetivos específicos, as atividades visam: 1) aumentar a rugosidade das superfícies das bacias, principalmente as das encostas de maior declividade, para dilatar o tempo de retenção superficial, diminuir as enxurradas, facilitar a infiltração de água no solo e criar, assim, condições para maior percolação e recarga de lençóis; 2) cuidar para que o uso de técnicas vegetativas (reflorestamento, por exemplo) não venham provocar aumento de evapotranspiração; 3) construir fossas sépticas nas habitações existentes e sistemas de tratamento de resíduos das atividades agrícolas; e 4) instalar estações de monitoramento hidrológico, constituídos de pluviógrafos, vertedores e linígrafos, para avaliação das técnicas de manejo adotadas.
METODOLOGIA E DESENVOLVIMENTO Como a bacia hidrográfica é uma área drenada por um determinado curso d água, funcionando como unidade de captação e processamento de água de chuva, ela pode, dependendo de sua composição e estado, levar essa água rapidamente para o curso d água (enxurradas), armazená-la em forma de umidade do solo, armazená-la em lençóis subterrâneos (formando aqüíferos) ou, então, devolvê-la à atmosfera por evapotranspiração. A Figura 2 apresenta um fluxograma onde estão os principais caminhos da água em um ciclo hidrológico aplicado a bacias hidrográficas. FIGURA 2 - Os principais caminhos da água de chuva em bacias hidrográficas. Os trabalhos de revitalização estão sendo conduzidos em duas sub-bacias do Ribeirão São Bartolomeu, um dos mananciais de captação de água para a cidade de Viçosa - MG. A microbacia do Ribeirão São Bartolomeu tem 3000 ha, acima do ponto de captação, e as subbacias trabalhadas têm áreas de 14,4 ha (Sub-Bacia Experimental 1) e 50 ha (Sub-Bacia Experimental 2). A Sub-Bacia Experimental 1 é composta de 80% de pastagens e 20% de matas nativas e a Sub-Bacia Experimental 2 está ocupada por cinco pequenas propriedades, cinco habitações, um pequeno estábulo para exploração leiteira, 56% de pastagens, 21% de mata nativa, 5% de plantio de eucalipto, 7% de culturas diversas, 6% de estradas e construções e 5% de áreas não utilizadas. A Sub-Bacia Experimental 1 foi instalada em 1999 (CASTRO et al, 2000), para avaliação da influência da vegetação freatófita na produção de água. Para isso, no período de seca, setembro de 1999, a vegetação freatófita foi controlada e os leitos dos cursos d água foram drenados, com as vazões posteriores comparadas às anteriores aos tratamentos, depois de medidas na estação de monitoramento hidrológico (Foto 1). FOTO 1 - Estação de monitoramento hidrológico, mostrando pluviógrafo, à esquerda, e conjunto de medição de vazão, à direita. No período chuvoso de 2001/2002, foram instaladas práticas mecânicas de conservação de solos, constituídas de terraços de base estreita, em nível e em 30% das encostas com pastagens, chamados cordões em contorno (FOTO 2 e 3) e de caixas de capacitação de enxurradas em canais de escoamento de uma região torrencial (FOTOS 4 e 5). Para avaliação
do comportamento hidrológico das práticas mecânicas, foram escolhidas chuvas comuns, anteriores e posteriores aos tratamentos, com intensidades praticamente iguais (médias de 8,65 mm/h). Não foram escolhidas chuvas intensas, porque elas representam pouco nos totais anuais que atingem as sub-bacias, predominando as chuvas de intensidades mais baixas. Escolhidas as chuvas, foram traçadas as respectivas hidrógrafas para avaliação do comportamento das vazões resultantes e para cálculo das proporções escoadas. FOTO 2 - Vista geral de terraços em encosta. FOTO 3 - Detalhe dos terraços. FOTO 4 - Seqüência de caixas de captação em área torrencial. FOTO 5 - Detalhe de caixa de captação. A Sub-Bacia Experimental 2 foi instalada no período chuvoso de 2002/2003, com implantação de: 1) estação de monitoramento hidrológico semelhante ao da Foto 1 (pluviógrafo, vertedor e linígrafo); 2) reflorestamento de 5ha com eucalipto e 2ha com essências nativas; 3) cordões em contorno em 12ha de encostas com pastagens (FOTOS 6 e 7); 4) sete caixas de captação em regiões torrenciais e ao longo de estradas (FOTO 8) e paliçadas (FOTO 9); 5) cinco fossas sépticas; 6) dois sistemas de coleta de resíduos no pequeno estábulo; 7) 2000 metros de
cercas para isolar reflorestamentos, nascentes e cursos d água; 8) quatro bebedouros para animais (FOTO 10); e 9) coleta de amostras de água para avaliação de qualidade. FOTO 6 - Vista geral de cordões em contorno em encostas. FOTO 7 - Construção dos cordões em contorno com arado de tração animal. FOTO 8 - Exemplo de abertura de caixas de captação. FOTO 9 - Detalhe construtivo das paliçadas. FOTO 10 - Bebedouro para animais evitando acesso direto ao curso d água. RESULTADOS JÁ ENCONTRADOS Resultados definitivos de variação de comportamentos hidrológicos de bacias hidrográficas, por efeito de técnicas de manejo, só podem ser obtidos depois de cinco a seis anos de avaliação. Entretanto, algumas indicações podem ser conseguidas para as sub-bacias trabalhadas, mesmo com tempo ainda curto de avaliação, tais como:
1) Aumento médio de 40% da vazão da Sub-Bacia Experimental 1, após manejo da vegetação e drenagem do curso d água, com diminuição da evapotranspiração (CASTRO et al, 2000). Nova avaliação está prevista para ser feita no período seco (setembro/outubro de 2003), para comprovação dos primeiros resultados; 2) Redução de 59% no volume das enxurradas e de 58% nas vazões de pico na Sub-Bacia Experimental 1, após implantação das práticas mecânicas de conservação de solos (hidrógrafas de antes e depois da implantação estão na Figura 3). Tal resultado mostra que é possível aumentar em muito a infiltração e, se a evapotranspiração for controlada (Figura 2), pode-se ter uma boa recarga de lençóis subterrâneos. As medições continuarão a ser feitas nos próximos anos, mas no período seco de 2002 já foi constatado um aumento de 10% de vazão, em relação ao mesmo período de 2001; FIGURA 3 - Curvas de vazão (hidrógrafas), mostrando comportamentos hidrológicos antes e após tratamento, com redução de 59% do volume de enxurradas. 3) Redução de 67% do volume de enxurradas e de 90% nas vazões de pico em uma pequena grota torrencial dentro da Sub-Bacia Experimental 2 (1,5 ha), responsável pelo abastecimento de um lençol freático empoleirado. Tal redução foi obtida depois da construção de cordões em contorno em 60% da área. As reduções de enxurradas, nos próximos anos, serão avaliadas em toda a sub-bacia. 4) As reduções do volume de enxurradas podem ser explicadas pelo esquema da Figura 4. As enxurradas, ao serem formadas ao longo da encosta ou das áreas torrenciais, são retidas nos terraços, nas caixas de captação ou nas paliçadas, acabando por infiltrar no solo, descendo pelo perfil do mesmo e indo abastecer os lençóis de água subterrâneos. Os aqüíferos formados, principalmente os freáticos, serão capazes de manterem nascentes com quantidade adequadas de água ao longo d ano, mesmo nas épocas e estiagem. Poderão, também, serem explorados por poços cavados ou tubulares (VALENTE e GOMES, 2002). As Fotos 11, 12 e 13 mostram terraços (cordões em contorno) e caixas de capturação cheios d água após uma chuva, provocando a sua influência positiva na retenção de água na bacia, transformando os lençóis respectivos em fantásticos reservatórios subterrâneos de água e, portanto, em ótimos mananciais de abastecimento.
FIGURA 4 - Efeito das estruturas de retenção e enxurradas. FOTO 11 - Vista geral de cordões em contorno cheios d água, após chuva. FOTO 12 - Detalhe de cordão em contorno cheio d água, após chuva. FOTO 13 - Caixas de captação armazenando água para infiltração em canal de escoamento de região torrencial. CONCLUSÕES PRELIMINARES Os resultados já encontrados mostram o potencial de tecnologias apropriadas à revitalização de mananciais, com as sub-bacias hidrográficas trabalhadas já produzindo novos comportamentos hidrológicos e sinalizando futuros equilíbrios positivos para a produção de água. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERTONI, J; LOMBARDI NETO, F. Conservação de solos. São Paulo, Ícone Editora, 1990, 355p.
CASTRO, P.S; BORGES, S.J; CORRÊA, J.L.P. Aumento da Produção de Água das nascentes para Fins de Abastecimento e áreas ocupadas por Vegetação Freatófita, In: EXPOSIÇÃO DE EXPERIÊNCIAS MUNICIPAIS EM SANEAMENTO, 5 a ASSEMBLÉIA NACIONAL DA ASSEMAE, 30, 2000, Belém. Anais.Belém, 2000. p.18-30. CASTRO, P.S; GOMES, M.A. Técnicas de conservação de nascentes. Viçosa. Revista Ação Ambiental, Viçosa, v.4, n.20, p.24-26, 2001. PROGRAMA DE GESTÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS - Centro Mineiro para Conservação da Natureza. Recuperação e conservação de nascentes da bacia hidrográfica do ribeirão São Bartolomeu, principal manancial de abastecimento de água de Viçosa - MG. Viçosa, 2002. 6p (Boletim Água em Notícias N 3). REBOUÇAS, A.C. Inovações tecnológicas e água subterrânea. In: ENCONTRO DE RESERVAÇÃO DE MANANCIAIS DA ZONA DA MATA MINEIRA, II, 2002, Viçosa. Anais palestras-encontro. Viçosa, 2002. p. 45-48. VALENTE, O.F; DIAS, H.C.T. A bacia hidrográfica como unidade de produção de água. Viçosa, Revista Ação Ambiental, Viçosa, v.4, n.20, p.8-9, 2001 VALENTE, O.F; GOMES, M.A. Revitalização da capacidade de produção de água das nascentes de cabeceiras. In: ENCONTRO DE PRESERVAÇÃO DE MANANCIAIS DA ZONA DA MATA MINEIRA, II, 2002, Viçosa. Anais Cursos Pré-Encontro. Viçosa, 2002. p. 195-224.