AVULSÃO DENTÁRIA DOS INCISIVOS CENTRAIS SUPERIORES:

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UNINGÁ Review Abr. N o 03. p

Transcrição:

Vol.7, No.2, 121-126 (2018) ISSN 2316-7262 RvACBO AVULSÃO DENTÁRIA DOS INCISIVOS CENTRAIS SUPERIORES: relato de caso Valdenyce Priscilla Ramos de Araujo Cardoso¹, José Meira Henriques Neto¹, Igor Peixoto de Mello¹, Maria Eduarda de Albuquerque Cavalcanti¹, Tamara Maria Keicyane Sampaio Araújo², Fernanda Freitas Lins³ 1 Graduação em Odontologia do Centro Universitário CESMAC ² Cirurgiã-Dentista e Aluna da Especialização em Endodontia do CESMAC ³ PhD, Professora do Curso de Odontologia do Centro Universitário CESMAC Endereço correspondência Valdenyce Priscilla Ramos de Araújo Cardoso Av. Paulo Falcão 752, Jatiúca 57036-390, Maceió, Alagoas pryl2007@gmail.com Recebido em 25 de novembro (2017) Aceito em 20 de dezembro (2017) RESUMO Um trauma dentário acompanhado de fratura é um evento desconfortável para o paciente e constitui um problema que requer experiência, discernimento e habilidade, de forma, talvez, não exigida para outro procedimento da prática odontológica. A avulsão dentária é um dos tipos de traumatismos dentários mais graves, caracterizada pelo total deslocamento do dente do seu alvéolo, sendo seu reimplante imediato necessário para evitar as reabsorções radiculares. Infelizmente, na maioria das vezes os dentes avulsionados permanecem no meio extra-alveolar por mais tempo e são acometidos com frequência por reabsorção radicular substitutiva. Esta modalidade de reabsorção geralmente é decorrente de anquilose, secundária à lesão do ligamento periodontal após traumatismo dentário severo. A utilização de uma medicação intracanal com pastas de hidróxido de cálcio, ainda tem sido bastante aceita na literatura endodôntica atual para dentes reimplantados, visando a prevenção ou retardo das reabsorções radiculares. Sendo assim, este presente trabalho descreve um caso de avulsão e reimplante dos dentes 11 e 21, mantidos por noventa minutos em meio extra-alveolar após queda da própria altura de paciente do gênero masculino com 9 anos de idade, tratados com medicação intracanal à base de hidróxido de cálcio através de diversas trocas periódicas. O caso foi acompanhado por cinco anos e os dentes mantidos na cavidade bucal até o presente momento, com paralisação da reabsorção radicular e presença de normalidade do ligamento periodontal. Palavras-chave: Avulsão dentária. Reimplante dentário. Reabsorção da raiz. ABSTRACT Dental trauma with fracture is an uncomfortable event for patient and it is a problem requiring experience, insight, and skill, perhaps not required for any other dental practice. Dental avulsion is the most severe type of tooth trauma characterized by total displacement of tooth from its alveolus, and its immediate reimplantation is necessary to avoid root resorption. Unfortunately, most of the time avulsed teeth remain in extra-alveolar environment for a longer time and are frequently affected by substitutive root resorption. This type of resorption usually results from ankylosis, secondary to periodontal ligament damage after severe tooth trauma. The use of an intracanal medication with calcium hydroxide pastes has still been widely accepted in the current endodontic literature for reimplanted teeth, aiming prevention or delay of root resorption. Thus, this study describes a case of avulsion and reimplantation of teeth 11 and 21, maintained for ninety minutes in extra-alveolar environment after a falling of a 9-year-old male patient, that was treated with calcium hydroxide intracanal medication through several periodic changes. The case was followed for five years and the teeth kept in the oral cavity until the present moment, with paralysis of the root resorption and presence of periodontal ligament normality. Key-words: Tooth Avulsion. Tooth replantation. Root resorption. Copyright 2016 Openly accessible at http://www.rvacbo.com.br/ 121

prognóstico é sempre mais favorável [4]. 1. INTRODUÇÃO Um traumatismo dentário é um evento desconfortável para o paciente, constituindo um problema para o Cirurgião-dentista que requer experiência, discernimento e habilidade, de forma, talvez, não exigida para outros procedimentos da prática odontológica. O profissional deve tratar o traumatizado com todos os meios possíveis e/ou indicá-lo a um especialista [1,2]. O aspecto psicológico na abordagem da família não pode ser negligenciado, nem mesmo ser deixado de lado pelo profissional de saúde. Muitas vezes, o traumatismo dentário afeta mais os familiares e/ou pessoas próximas do que o próprio paciente, na maioria das vezes criança, havendo até uma sensação de culpa pela situação. Assim, a primeira providência deve ser a estabilização psíquica do ambiente familiar, para que a situação não prejudique o andamento do tratamento e do trabalho do Cirurgião-dentista [2,3]. Tendo em mente os fatores associados ao traumatismo dentário, torna-se possível estabelecer um protocolo para sua abordagem, por meio da anamnese e do exame clínico e radiográfico, possibilitando a elaboração do plano de tratamento mais adequado ao caso [4]. A avulsão dentária é o tipo de traumatismo mais grave, caracterizada pelo total deslocamento do dente do alvéolo, sendo mais comuns em crianças do gênero masculino entre sete a onze anos de idade [5]. O reimplante dentário, ato de reposicionar o dente avulsionado no alvéolo, é considerado a conduta mais conservadora nestes casos, pois dá ao paciente sua devida estética de volta e adia possíveis tratamentos protéticos. Neste tipo de trauma, a contenção a ser escolhida é a semirrígida, permitindo a movimentação fisiológica do dente no alvéolo e a regeneração do periodonto lesado, evitando a anquilose ao máximo possível [3]. Quanto mais rápido um dente puder ser reimplantado, melhor será o prognóstico, pois o dente poderá permanecer na cavidade bucal sem reabsorção radicular. Andreasen et al. [4] relataram um estudo de acompanhamento de 110 dentes reimplantados, onde, dos dentes reimplantados dentro de trinta minutos, 90% não mostraram qualquer evidência de reabsorção, dois ou mais anos depois. Entretanto, 95% dos dentes reimplantados dentro de mais de duas horas após o trauma mostraram reabsorção radicular, comprovando que se o dente estiver fora da boca por menos de trinta minutos, o Infelizmente, na maioria das vezes os dentes avulsionados ficam no meio extra-alveolar por mais de trinta minutos, sendo acometidos com frequência por reabsorção radicular substitutiva. Essa modalidade de reabsorção geralmente é decorrente de anquilose, secundária à lesão do ligamento periodontal após traumatismo dentário severo. Sendo assim, a anquilose dentária é uma fusão do osso alveolar com o dente, tendo como consequência a substituição da raiz por tecido ósseo [3,4,6-8]. A reabsorção inflamatória também poderá se instalar envolvendo tanto o tecido cementário quanto a dentina, associadas a uma inflamação do tecido periodontal adjacente. Em geral, a necrose pulpar faz-se presente com contaminação bacteriana do canal radicular, agindo como fator interveniente na manutenção da atividade reabsortiva. Essa reabsorção instala-se em torno de duas semanas após o trauma e atua de forma rápida [9]. A utilização de uma medicação intracanal com pastas de hidróxido de cálcio, realizando trocas periódicas, ainda é bastante aceito na literatura endodôntica atual para casos de dentes avulsionados e reimplantados, visando a prevenção, paralisação ou retardo da reabsorção radicular inflamatória. Além disso, a proservação de dentes reimplantados é de fundamental importância, antes e após o tratamento endodôntico, devendo ser feito a partir da primeira consulta, com acompanhamento clínico-radiográfico durante um período mínimo de cinco anos [6,10]. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo descrever um caso de avulsão dentária e reimplante nos elementos 11 e 21, mantidos por 90 minutos em meio extra-alveolar, tratados com medicação intracanal com pasta de hidróxido de cálcio e proservados por 5 anos. 2. Relato de Caso Paciente, leucoderma, gênero feminino, 09 anos de idade, foi encaminhada à Extensão de Traumatismo Dentário da Clínica Odontológica do Centro Universitário CESMAC acompanhada da mãe, com a seguinte queixa principal: minha filha levou uma queda e os dois dentes caíram, e me encaminharam aqui para fazer o canal desses dentes. Na história da doença atual foi relatado pela acom- 122

panhante da paciente que a mesma levou uma queda da própria altura quando estava brincando em casa há um ano atrás, batendo com a boca em um banco, nesse momento os elementos 11 e 21 avulsionaram e caíram em local asfaltado. A mesma levou a filha para o hospital de emergência na cidade onde residiam, com os dentes avulsionados em um pano seco, permanecendo dessa forma por meia hora, ao chegarem nesse primeiro atendimento, os dentes foram colocados em um recipiente estéril com soro fisiológico por uma hora até a paciente ser atendida para o Hospital Geral do Estado (HGE). No HGE a paciente teve os elementos reimplantados e uma contenção foi colocada, porém a paciente não soube informar o tipo dessa contenção. Quando questionada sobre a história médica, não foi relatado nada digno de nota, da mesma forma no exame físico extrabucal. No exame físico intrabucal observou-se uma fístula no elemento 11, e a paciente apresentava-se na fase de dentição mista. Durante os exames clínicos foram realizados os testes de vitalidade pulpar, percussão vertical, percussão horizontal e palpação, tendo todos os resultados negativo para os dentes avulsionados. No exame radiográfico observou-se lesão periapical nos dois elementos e presença de reabsorção radicular inflamatória, sendo os dois dentes diagnosticados com periodontite apical crônica (Figura 1). Como plano de tratamento indicou-se necropulpectomia, troca de medicação intracanal com trocas periódicas para paralisação ou retardo da reabsorção radicular externa, obturação dos canais e restauração com resina composta. Realizou-se anestesia infiltrativa, isolamento absoluto dos dois dentes e as cavidades de acesso, seguindo-se com uma irrigação com hipoclorito de sódio a 2,5%. Foram realizadas as odontometrias e preparações biomecânicas. Após a necropulpectomia, a medicação intracanal (MIC) de escolha foi pasta de hidróxido de cálcio com paramonoclorofenol canforado (Calen + PMCC, SS White). Foi passado para a responsável que a paciente deveria ficar vindo regularmente no serviço de odontologia da faculdade para a troca periódica da MIC. Realizaram-se um total de 06 sessões de proservação com trocas de MIC, sempre realizando exames radiográficos para a verificação da reabsorção, até que na consulta do dia 03 de abril de 2017 verificou-se que a reabsorção inflamatória havia paralisado. Então realizou-se a obturação dos canais com cones de guta-percha calibre #110 (Dentsply, Maillefer) e cimento endofill (Dentsply, Maillefer), pela técnica de condensação lateral, restauração provisória com cimento de coltosol (Coltene) e, posteriormente, o exame radiográfico (Figura 2). Figura 1: Radiografia periapical dos elementos 11 e 12 mostrando lesão periapical dos dois elementos e presença de reabsorção radicular inflamatória. Figuras 2: Radiografia pós obturação dos canais com guta-percha e cimento a base de óxido de zinco e eugenol. Na sessão seguinte foi feito a restauração de ambos os elementos dentais com resina composta (Z 250, 3M). 123

Rodrigues et al. relatam que os traumatismos dentários são prevalentes em jovens com idade escolar, tendo como etiologia quedas da própria altura, quedas de bicicletas, atropelamentos, acidentes automobilísticos, agressões, acidentes motociclísticos e práticas esportivas. Com relação ao gênero, existe uma proporção de 3:1 para o sexo masculino comparado com o feminino, isso se dá em parte pelos estímulos que são dados as crianças, onde o sexo masculino é estimulado a procurar brincadeiras físicas e as meninas são estimuladas a procurarem brincadeiras mais técnicas[2,3]. A paciente do estudo sofreu o traumatismo devido à queda da própria altura enquanto brincava. No universo das lesões por traumatismo dentário, temos a avulsão dentária com uma prevalência entre 0.5 a 16%. Os incisivos centrais superiores, em crianças de 7 a 12 anos de idade, são os dentes mais afetados, muito em razão das brincadeiras da infância e da adolescência, brincadeiras essas que favorecem exposição aos traumas dentais [4]. No caso em estudo, a paciente se encontrava com a idade de 9 anos no momento do acidente e com a dentição mista, os elementos dentais que avulsionaram foram os incisivos centrais superiores, corroborando com o encontrado em literatura. Figura 3: Aspecto radiográfico da última proservação. A paciente realizou a última proservação radiográfica seis meses após a obturação (Figura 3), as figura 4 mostram o aspecto clínico da paciente no dia desta sessão. Figura 4: Aspecto clínico após a restauração, vista vestibular. 3. Discussão O prognóstico dos dentes envolvidos em uma avulsão é multifatorial, para Vitorino et al. [11], onde os aspectos que mais se destacam no tratamento dos dentes traumatizados é o atendimento emergencial, pois quando executado no tempo apropriado e de forma correta, pode levar a uma real diminuição dos danos sofridos, bem como limitar surgimento de sequelas. No caso apresentado, a paciente foi levada imediatamente ao hospital da sua cidade e, após, encaminhada ao hospital de pronto socorro, onde os dentes foram reimplantados após 90 minutos. Finucane, Kinirons [12], relatam que nos casos de luxações severas ou avulsão ocorrem danos ao ligamento periodontal, cemento e restos epiteliais de Malassez expondo a superfície radicular, podendo essa exposição levar a reabsorção. Majorana et al. [13] estudaram a prevalência de reabsorção dental após luxação e avulsão em 45 casos. Foi observado reabsorção radicular em 17,2% dos dentes, desses, 20% tinham sofrido luxação, enquanto 80% tinham sido avulsionados. A anquilose foi observada em 33% dos dentes que apresentavam reabsorção dental e reabsorção radicular inflamatória foi observado em 67% dos dentes [12,13]. No presente estudo, a paciente demorou um ano para tratar os dentes, sendo visualizada lesão apical e reabsorção radicular inflamatória. A reabsorção radicular externa pode ocorrer como reação tardia a um traumatismo dentário, como consequência do movimento ortodôntico, cirurgia ortognática, tratamento periodontal, clareamento de dentes sem vitalidade pulpar, podendo está associada também a problemas sistêmicos, tais como: infecções debilitantes, deficiências vitamínicas, distúrbios endócrinos, doença de Paget e radioterapia [14]. O dente envolvido pode apresentar-se clinicamente assintomático, podendo apresentar ligeira mobilidade e 124

sensibilidade à percussão. O diagnóstico geralmente é dado por achado radiográfico ocasional, verificando-se uma área radiolúcida de bordas irregulares, e em diferentes alturas da raiz [4,7,15]. Após a avulsão dentária e posterior reimplante, existe uma grande ocorrência de necrose pulpar, que aumenta de acordo com o tempo que o dente permaneceu fora do meio extra bucal e com o estágio de rizogênese [6,10]. A escolha da medicação intracanal é muito importante para que se obtenha um bom controle microbiano, para a dissolução dos restos orgânicos, para que sirva como antiinflamatório para os tecidos periapicais e para a inibição da reabsorção [14]. Atualmente, o hidróxido de cálcio associado ao PMCC é considerado a medicação intracanal que melhor se encaixa nesse perfil, sendo a medicação utilizada neste caso, como curativo de demora. Essa associação propicia uma ação antimicrobiana, antiinflamatória e uma boa biocompatibilidade, atendendo aos requisitos de medicação intracanal acima citados16. Rozato (2010), em revisão de literatura concluiu que a ação biológica do hidróxido de cálcio como medicação intracanal estimula a formação de tecido mineralizado, contribuindo para o reparo tecidual, combatendo a reabsorção [17]. Çalişkan et al. [18] apresentaram dois casos de reimplantes que ocorreram 3 horas após o acidente. Após limpos e hidratados, os dentes foram reimplantados e esplintados. No caso I, o paciente só retornou para o tratamento endodôntico 1 mês depois com extensa reabsorção radicular externa apical. No caso II, a paciente retornou no dia seguinte ao reimplante. A medicação intracanal de escolha foi pastas à base de hidróxido de cálcio. Trocas dos medicamentos foram realizadas 1 vez por semana num período de 15 dias. Os casos foram proservados clínica e radiograficamente por 6 a 24 meses e apresentavam-se assintomáticos, com mobilidade normal e sem presença de evolução da reabsorção radicular ou anquilose [18]. Neste caso, a paciente evoluiu para periodontite apical crônica em ambos os dentes. Após a necropulpectomia, a MIC de escolha foi pasta de hidróxido de cálcio com paramonoclorofenol por 06 sessões, de três em três meses, até a paralisação da reabsorção radicular externa inflamatória. Então realizou-se a obturação dos canais e a posterior restauração com resina composta. Até o presente momento os elementos dentais não apresentam mais sinais de reabsorção externa. 4. Conclusões Com base nos conhecimentos adquiridos pela revisão de literatura e no relato deste caso clínico, pode-se afirmar que o sucesso do tratamento de dentes avulsionados após traumas é dependente de uma gama de fatores que podem vir a contribuir ou prejudicar o seu prognóstico. O hidróxido de cálcio associado ao paramonoclorofenol canforado se mostra, tanto na literatura consultada quanto no caso aqui relatado, grande aliado para se evitar e/ou paralisar reabsorção radicular inflamatória, mostrando-se de grande valia como medicação intracanal no tratamento endodôntico de dentes necrosados avulsionados. A proservação nos casos de dentes avulsionados tem importância para personalização do tratamento, prevenção de agravos e de propiciar ao cirurgião-dentista um maior controle sobre as múltiplas variáveis da evolução da terapia. REFERÊNCIAS [1] Camargo Sea et al. Principais características clínicas e radiográficas das reabsorções radiculares internas e externas. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2008;20(2):195-203. [2] Rodrigues TLC; Rodrigues FG; Rocha JF. Avulsão dentária: proposta de tratamento e revisão da literatura. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2010;22(2):147-53. [3] Panzarini SR et al. Reimplante após avulsão dentária. RGO 2005;53(4):285-8. [4] Andreasen JO et al. Effect of treatment delay upon pulp and periodontal healing of traumatic dental injuries a review article. Dental Traumatology 2002;18(3):116-28. [5] Ruellas RMO et al. Reimplante de dentes permanentes avulsionados relato de caso. Revista da Universidade de Alfenas 1998;(4):179-81. [6] Hidalgo M; Itano EN; Consolaro A. Humoral immune response of patients with dental trauma and consequent replacement resorption. Dental Traumatology 2005;21(4):218-21. [7] Schjott M; Andreasen JO. Emdogain does not prevent progressive root resorption after replantation of avulsed teeth: a clinical study. Dental Traumatology 2005;21(1):46-50. [8] Talic NF; Evans C; Zaki A. Moneim. Inhibition of orthodontically induced root resorption with echistatin, an RGD-containing peptide. American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics 2006:129(2):252-60. [9] Silveira LFM et al. Frequência de reabsorção radicular inflamatória decorrente de trauma em dentes anteriores. 125

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