A atuação da Anistia Internacional durante o regime militar brasileiro



Documentos relacionados
Ferramentas para Campanhas Globais

A SAÚDE NÃO É NEGOCIÁVEL

CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO *

país. Ele quer educação, saúde e lazer. Surge então o sindicato cidadão que pensa o trabalhador como um ser integrado à sociedade.

A MULHER E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS

Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

RELATÓRIO DA PESQUISA DE SATISFAÇÃO DO CLIENTE EXTERNO EMBRAPA MEIO AMBIENTE ANO BASE Sistema de Gestão da Qualidade

SEGURANÇA ALTERNATIVAS PARA TRATAR O TEMA DA (IN) SEGURANÇA

PERÍODO MILITAR (1964/1985) PROF. SORMANY ALVES

INDICADORES ETHOS PARA NEGÓCIOS SUSTENTÁVEIS E RESPONSÁVEIS. Conteúdo

Manual de Utilização ZENDESK. Instruções Básicas

NOVA ATITUDE SOCIAL PARA A SUSTENTAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 416, DE 2008

PLANO PARA A IGUALDADE DE GÉNERO DO EXÉRCITO

ANEXO I ROTEIRO PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS FIA Cada projeto deve conter no máximo 20 páginas

Relatório das Ações de Sensibilização do Projeto De Igual para Igual Numa Intervenção em Rede do Concelho de Cuba

SEGURANÇA ALTERNATIVAS PARA TRATAR O TEMA DA (IN) SEGURANÇA

VOLUNTARIADO NO BRASIL E NO MUNDO

Projeto Impacto. Edital

Arquivo Público do Estado de São Paulo

ANEXO II CONDIÇÕES E CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO PARA APOIO E/ OU IMPLANTAÇÃO DE ÓRGÃOS COLEGIADOS E APOIO A FÓRUNS E REDES

Princípios da ONU sobre Empresas e DH. junho/2013 Juana Kweitel

GRITO PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO ESTADO DE SÃO PAULO

AVALIAÇÃO DO GOVERNO DESEMPENHO PESSOAL DA PRESIDENTE

O sistema de garantia dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes: responsabilidades compartilhadas.

Getúlio Vargas e a Era Vargas

Plano Municipal de Educação

GUIA DE ARGUMENTOS DE VENDAS

Política Nacional de Participação Social

Mídias sociais como apoio aos negócios B2C

VENDA MAIS USANDO AS REDES SOCIAIS

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

REGULAMENTO DO CONCURSO TEMPOS DE ESCOLA 2015 (7ª EDIÇÃO)

Portal Ethos de RSE

PROBLEMA, MUDANÇA E VISÃO

Regulamento para Inscrições no X Prêmio Innovare. Nota de Esclarecimento do Instituto Innovare

Nome do Responsável: Cargo do Responsável: Contatos do Responsável: Estado ou Município ou Distrito Federal: Referente ao período: Nome do órgão:

COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL. MENSAGEM N o 479, DE 2008

A VERDADE SOBRE AS FUNERÁRIAS NO MUNICÍPIO DO RJ:

GUIA DO PRÊMIO ODM BRASIL

Conselho Nacional de Controle Interno

Na ditadura não a respeito à divisão dos poderes (executivo, legislativo e judiciário). O ditador costuma exercer os três poderes.

Processos Técnicos - Aulas 4 e 5

Como as empresas podem minimizar os efeitos da crise e manterem-se competitivas?

Envelhecimento Ativo VEREADOR NATALINI

O Brasil. na era da ditadura. Memória em foco

Sucinta retrospectiva histórica do Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos de Goiás (CEEDH-GO)

ELEIÇÕES REGIONAIS ELEIÇÃO DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA

Projeto Setorial de Exportação. ABF Associação Brasileira de Franchising

PEDAGOGIA HOSPITALAR: as politícas públicas que norteiam à implementação das classes hospitalares.

JORNADA DAS MARGARIDAS 2013

PERFIL DA VAGA: GERENTE DE CONTEÚDOS E METODOLOGIAS

Programa Amigo de Valor FORMULÁRIO PARA APRESENTAÇÃO DE PROPOSTA DE APOIO PARA O DIAGNÓSTICO MUNICIPAL DA SITUAÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Mídias sociais como apoio aos negócios B2B

8 JEITOS DE MUDAR O MUNDO!

CADEIAS INDÍGENAS: OFICIAIS E CLANDESTINAS

15 de junho: Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa

Violência contra crianças e adolescentes: uma análise descritiva do fenômeno

PROTOCOLO DE 1967 RELATIVO AO ESTATUTO DOS REFUGIADOS 1

UNIVERSIDADE LIVRE DO MEIO AMBIENTE

DIREÇÃO NACIONAL DA CUT APROVA ENCAMINHAMENTO PARA DEFESA DA PROPOSTA DE NEGOCIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO, DAS APOSENTADORIAS E DO FATOR PREVIDENCIÁRIO

Empresa como Sistema e seus Subsistemas. Professora Cintia Caetano

MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL SECRETARIA NACIONAL DE PROTEÇÃO E DEFESA CIVIL TERMO DE REFERÊNCIA

Roteiro para apresentação do Plano de Negócio. Preparamos este roteiro para ajudá-lo(a) a preparar seu Plano de Negócio.

OS CONHECIMENTOS DE ACADÊMICOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA E SUA IMPLICAÇÃO PARA A PRÁTICA DOCENTE

RESPONSÁVEIS RELAÇÕES

Comunicar Sustentabilidade Inputs Genéricos F5C

Relatório Anual de Atividades. Modelo Sorriso do Bem Coordenadores

REQUERIMENTO (Do Sr. Vittorio Medioli)

PROJETO DE PESQUISA - ÉTICA E CIDADANIA UM ESTUDO DOS PROCESSOS CONTRA DEPUTADOS DA CLDF. Aluna: ANA MARIA DE SOUZA RANGEL

Universidade Livre para a Eficiência Humana. Desenvolver e valorizar o ser humano nas empresas e sociedade

Círculos de Diálogos no Município. Municipalização dos ODM

Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc

ONU: 50 mil pessoas foram assassinadas no Brasil em Isto equivale a 10% dos homicídios no mundo

Minuto de Contrainteligência

Política de Afiliados

contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas, e a PEC 63, que resgata o ATS.

Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos Abril Julho/2006

CIEM2011 CASCAIS 27 E 28 DE OUTUBRO 1ª CONFERÊNCIA IBÉRICA DE EMPREENDEDORISMO

A ditadura civil-militar brasileira através das artes: uma experiência com alunos do ensino médio no Colégio de Aplicação

Destinação de recursos para os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente

Os Tribunais de Contas e a Lei de Acesso à Informação. Conselheiro Antonio Joaquim Presidente da ATRICON

4 Metodologia da Pesquisa

Tutorial do módulo Carteira Nacional de Militante

UNICEF BRASIL Edital de Licitação de Consultoria RH/2012/061

10 anos no papel de mãe

No Brasil, a Shell contratou a ONG Dialog para desenvolver e operar o Programa, que possui três objetivos principais:

O desafio da educação nas prisões

Desenvolvimento do Conceito

2. Princípios fundamentais. 3. Objetivos

e construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania como objetivo principal.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

SCN Qd. 02 Bl. D Torre B Conjunto 1302 Centro Empresarial Liberty Mall CEP: Brasília/DF Para a magistratura

1) Breve apresentação do AEV 2011

Prêmio Vivaleitura. Dicas para se inscrever no. e outros projetos...

CARTA DO COMITÊ BRASILEIRO DE DEFENSORAS/ES DOS DIREITOS HUMANOS À MINISTRA DA SECRETARIA DOS DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

Transcrição:

A atuação da Anistia Internacional durante o regime militar brasileiro Durante o regime militar brasileiro, a organização Anistia Internacional (AI), trabalhou na defesa de presos políticos e na divulgação de denúncias de tortura entre a comunidade internacional. A Anistia Internacional foi fundada em 1961, em Londres, e começou a dedicar maior atenção ao Brasil em fins dos anos 1960, quando a passou a receber um crescente volume de denúncias tortura. A prática da tortura foi institucionalizada no aparato de repressão do regime militar brasileiro sobretudo durante o governo de Emílio Garrastazu Médici, como forma de investigação de crimes políticos, de perseguição a grupos armados e intimidação dos movimentos de oposição ao regime militar brasileiro. Em 1969, governo de São Paulo, em conjunto com empresários, lançou a Operação Bandeirantes (OBAN) para combater grupos armados e movimentos de oposição. A iniciativa foi bem-sucedida e foi expandida para outras partes do Brasil com a instalação dos DOI-CODIs. Com este novo sistema integrado, cada região militar possuía um Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), responsável pelas operações de planejamento e integração de informações de inteligência e um Destacamento de Operação Interna (DOI), que foi responsável por detenções, interrogatórios - a maioria deles sob tortura brutal - de prisioneiros políticos. Em 1972, A Anistia Internacional lançou uma campanha abrangente de alcance mundial contra a tortura que ficou conhecida como Campanha Contra a Tortura (Campaign Against Torture). Por meio de eventos, palestras e conferências a organização buscou sensibilizar setores da sociedade civil, a Organização das Nações Unidas (ONU) e governantes sobre o problema da tortura no mundo. Como parte do mobilização da Anistia Internacional contra a tortura, a organização se dedicou à produção de relatórios específicos sobre tortura em países como para caso brasileiro e gerais sobre denúncias de tortura no mundo. Com a publicação desses relatórios, os integrantes da Anistia buscavam divulgar seu conteúdo para a imprensa como forma de pressionar governos violadores de direitos humanos. Ao mesmo tempo, a estratégia de divulgação dos relatórios junto à imprensa era interessante porque coloca-

va em evidência a existência de presos políticos que os regimes ditatoriais faziam desaparecer. O Relatório sobre as Acusações de Tortura no Brasil (Reports on Allegations of Torture in Brazil) foi publicado em 23 de Agosto de 1972. Este documento foi baseado nas denúncias de tortura recebidas pela organização desde o ano de 1968. Com noventa páginas, o documento contém informações sobre a história e legislação brasileiras; descrição das práticas de tortura realizadas pelo aparato de repressão do regime militar; lista nominal das vítimas de tortura e depoimentos de algumas delas. Nele, a Anistia internacional afirmou que a tortura era amplamente difundida no Brasil. Link para relatório da Anistia Internacional sobre denúncias tortura no Brasil: http://issuu.com/anistiabrasil/docs/relat rio_da_tortura_1972 Cartas da Anistia Internacional: Além da mencionada estratégia de produção e publicação de relatórios sobre países, a Anistia Internacional atuava em uma outra importante frente de trabalho: o processo de adoção e escrita de cartas em nome de presos políticos. Um preso, ao ser adotado pela Anistia Internacional, era objeto de atenção de um de seus grupos de voluntários. O grupo seria então responsável pelo preso em questão, isto é, por obter inoformações a seu respeito e por escrever cartas em seu nome para conseguir sua libertação ou um melhor tratamento na prisão. Apenas poderiam ser adotados presos que não houvessem recorrido à violência como forma de luta ou oposição e que, na linguagem da Anistia Internacional, ficaram conhecidos como prisioneiros de consciência (prisoner of conscience). A escrita de cartas se tornou um traço diferencial da Anistia em relação a outros movimentos e campanhas a favor da libertação de presos políticos. Apesar do número relativamente baixo de prisioneiros adotados em relação ao total de presos políticos brasileiros existentes, a escrita de cartas se tornou um meio eficiente de proteção dos presos políticos contemplados. Com as cartas, a organização buscava transmitir a mensagem de que aqueles indivíduos não haviam sido esquecidos; de que alguém, em alguma parte do mundo, manifestava preocupação com sua integridade.

Acima: Frente e Verso de Cartão desenhado a mão por integrantes da Seção Holandesa da Anistia Internacional. APESP.

Link para o video: ARTE E POLÍTICA NAS IMAGENS DA ANISTIA INTERNACI- ONAL : https://www.youtube.com/watch?v=ts3ffwgj1gw No entanto, parte considerável dos presos políticos brasileiros do regime militar dificilmente poderia se enquadrar na categoria de prisioneiros de consciência, já que vários deles pertenciam a organizações de esquerda que defendiam abertamente a luta armada. Essa restrição da organização pode explicar, ao menos em parte, o relativo baixo número de presos políticos brasileiros adotados. De acordo com documento interno da Anistia Internacional de 1970, o Brasil possuía em torno de 12.000 presos políticos, dos quais apenas 119 eram adotados e outros 59 se encontravam sob investigação. O relativo número baixo de prisioneiros adotados explica-se também pela própria dinâmica interna da organização que dependia do t r a b a l h o v o l u n t á r i o d e s e u s m e m b r o s p a r a a e s c r i t a d e c a r t a s.

Carta de Lucio Vieira, diretor do DOPS/SP a integrantes da da Seção Holandesa da Anistia Internacional. APESP. São Paulo, 29 de Agosto de 1972. Na carta, o diretor do DOPS/SP afirma ser muito humano e ter um nobre coração. A atuação da Anistia Internacional em relação ao regime militar brasileiro se estendeu para além dos presos adotados. A organização pressionou o governo brasileiro a se pronunciar sobre a questão da tortura e sobre indivíduos encarcerados ao enviar cartas a diversas instâncias autoridades federais, estaduais, municipais, Justiça Militar. Nesse sentido, há o registro de que o governo brasileiro recebeu 2800 cartas de integrantes da Anistia Internacional entre junho de 1972 a abril de 1973. O trabalho da Anistia Internacional de divulgação das denúncias de tortura contribuiu de maneira decisiva para afetar a imagem do governo Médici no exterior e para que a opinião pública e parte da imprensa de alguns países europeus e dos Estados Unidos condenassem a política de repressão conduzida pelo regime militar brasileiros. Arquivos Consultados: Arquivo Nacional/RJ Arquivo Público do Estado de São Paulo Library of Congress WS/DC International Institute of Social History Amsterdam