1 ANÁLISE DA MÚSICA PALAVRAS REPETIDAS Mariana Moura da Silva 1 Palavras Repetidas integra o disco Cavaleiro andante, lançado no ano de 2005 do cantor de rap Gabriel O pensador. O rap não tem uma visão muito positiva no cenário nacional. Essa aceitação diminui ainda mais perante nas classes média e alta. Uma das características marcantes desse estilo são as letras que geralmente falam sobre desigualdade social, preconceito, violência, entre outros assuntos polêmicos. Esse preconceito com o rap nacional surge porque nem sempre conseguimos interpretar os significados e valores disponíveis nas letras, pois nos faltam referências ou visão. Visão, pois às vezes, preferimos ter os olhos fechados pelo nosso desinteresse e indiferença com assuntos que não nos atingem diretamente e não estão presentes no mundinho a que pertencemos. Porém, essa música a ser analisada não aborda assuntos que integram apenas histórias de pessoas marginalizadas pela sociedade e sim, um assunto que incomoda, ou deveria incomodar a todos independente de classe social. Nos primeiros dez segundos de música, quando utiliza apenas o código sonoro, já nos causa um certo desconforto, pois ao identificar os sons de grilos, indicando que é noite, os latidos dos cães, punhos fortes batendo na porta, sons de helicópteros e tiros, já podemos ter uma idéia do assunto que ela irá tratar. Após essa introdução, é possível ouvir a voz de uma criança gritando pai e junto com ela começa o pulsar de um coração, como se estivesse em um hospital. Fica fácil associar esse coração a nossa sociedade, pois estamos há muito tempo em um hospital, em um estado crítico e poderemos permanecer nele por muito tempo. Em meio a toda essa confusão e mistura de sons, inicia-se o riff da música pais e filhos do Legião Urbana, trazendo toda uma leveza e tranquilidade 1 Aluna do 2º período de Comunicação Social da Faculdade Pitágoras, Unidade Metropolitana de Londrina-PR. Trabalho apresentado à disciplina de Educação, Mídia e Conhecimento, ministrada pelo Prof. Ms. Celso Mattos.
2 contrapondo-se ao rítimo marcante das batidas do rap. E agora sim o código sonoro junta-se de vez ao verbal. A Terra está soterrada de violência, de guerra, de sofrimento, de desespero. A maior parte do que ouvimos e presenciamos, ultimamente, em um ultimamente não tão recente assim, tem sido miséria, barbáries, lágrimas, questionamentos. Pouco se escuta nos noticiários que estamos no caminho certo, pouco se vê nas ruas a nossa compaixão. A gente tá vendo tudo, tá vendo a gente, tá vendo, no nosso espelho, na nossa frente. E enquanto assistimos a tudo isso acontecer, ficamos a procura do mal, da causa para tudo isso e não percebemos que a vemos todos os dias no nosso espelho, na nossa frente. A culpa não é do ser individualmente, é de um coletivo, de um todo, é de cada um que não faz nada para mudar, de cada olhar que ignora a realidade, de cada dia que passa com a sensação que foi igual ao anterior. E a música prossegue dizendo Tá vendo na nossa frente à aberração? Tá vendo? Tá sendo visto querendo ou não podemos não fazer nada, mas não há como evitar, não há como não ver. Está na mídia, nas ruas, está ao alcance dos olhos para onde quer que olhem. Tá vendo, no fim do túnel, escuridão? nessa frase ele usa uma intertextualidade, do ditado: há sempre uma luz no fim do túnel. Porém, contradizendo-o, pois não estamos mais vendo essa luz no fim do túnel, apesar de querer ver. Acredito que essa geração, da qual faço parte, não traz consigo uma esperança de futuro. Somos uma geração apática, acomodada, desmotivada. Que dá uma importância maior ao individualismo, as tecnologias, deixando de lado os interesses comuns. Talvez por isso não vejamos essa luz no fim do túnel, por estar procurando, ou melhor, esperando no túnel errado. Tá vendo a nossa morte anunciada, tá vendo a nossa vida valendo nada? To vendo chovendo bomba no meu jardim, tá lindo o sol caindo que nem granada nesta frase está muito explícita a questão do medo que sentimos todos os dias, o medo que nos leva a morar em casas cada vez mais protegidas e vigidas, que nos deixa receosos ao sair tarde da noite na rua, que nos leva a temer cada vez mais o mundo. E considero muito forte e auto-
3 explicativa a frase que diz Tá vendo a nossa vida valendo nada? porque estamos sempre nos perguntando isso quando assistimos aos noticiários que alguém foi morto por um real, ou simplesmente sem motivo algum. Uma sensação de que a vida não tem mais valor, que simplesmente nos acostumamos a perdê-la. Tá vindo um carro-bomba na contramão, tá rindo o suicida na direção levando em consideração que no ano 2005 os atentados terroristas ainda continuavam a causar pânico não só nos Estados Unidos, mas no mundo inteiro, essa frase possui um conteúdo muito forte e importante, que continua a ter hoje, sete anos depois. Tá vindo um carro-bomba na contramão ele canta com certo tom de indignação, como se estivesse dizendo: olha espere aí, você está indo na direção errada, o alvo está errado. É preciso mudar a direção, atacar as ideologias que nos fazem desviar do caminho, não atacar os que sofrem como você, não ir contra os que são de outra cor, cultura, religião... Tá rindo um suicida na direção rindo da nossa cara, do nosso pânico sem perceber que também deveria rir de si mesmo. E a música vai repetindo essas duas últimas frases que foram citadas, aumentando o tom da voz gradativamente até chegar a um ponto que parece que algo vai explodir ou que ele vai gritar e quando isso acontece começa o refrão da música Pais e Filhos do Legião Urbana: é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã porque se você parar pra pensar a verdade não há é uma parte muito interessante, pois essa frase é como se fosse a solução, a resposta para as perguntas que a música vinha fazendo até agora. O simples fato de amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Essa intertextualidade no rap também é conhecida como simples ( que são pequenos pedaços de outras músicas inseridos digitalmente em uma nova música ). E que, nesse estilo, geralmente são muito usados. A bomba tá explodindo na nossa mão o medo tá estampado na nossa cara o que já havia dito antes, que o problema está todo na nossa mão e não sabemos o que fazer e, por não saber preferimos nos esconder, nos proteger e achar outros culpados para nossos próprios erros. O erro tá confirmado, tá tudo errado o jogo dos sete erros, que nunca pára sete, oito, nove, dez, cem.
4 Erros meus, erros seus e de Deus também fazendo referência ao jogo dos sete erros, (ganha quem encontrar os sete erros primeiro), porém, os erros que procuramos são erros dentro de nós mesmos que refletem o mundo como está. E esses nunca acabam. Outra citação interessante nesta frase é o fato de que ele cita Erros meus, erros seus e de Deus também, pode soar estranho, mas ainda hoje há quem tenha medo de questionar Deus, preferem aceitar o que lhes é dito e acreditar fielmente ao invés de questionar. Existe um temor em descobrir que talvez tudo o que sabíamos até agora não era totalmente verdade, que talvez seja preciso rever alguns conceitos, questioná-los. Mas é lógico, isso dá muito trabalho, é muito mais conveniente engolir idéias prontas do que construir suas próprias. E essa se torna uma frase muito forte, pois ele não coloca a culpa para todos os males em nós, coloca em Deus também, algo raro de se ouvir quando se refere à situação do mundo e dos seres que o habitam. Estupidez, um erro simplório, a bola da vez, enterro, velório. Perda total, por todos os lados, do banco do ônibus ao carro importado. Teu filho morreu? Meu filho também. Morreu assaltando, morreu assaltado. Tristeza, saudade, por todos os lados. Esse trecho deixa bem claro o porquê disse no primeiro parágrafo que esse assunto deve incomodar a todos independente de classe social. Quando perdemos alguém não importa se assaltando ou assaltado, vítima de alguma violência ou não, a dor é a mesma tristeza, saudade, por todos os lados do mais rico ao mais pobre, do culpado ao inocente. São vidas, são um de nós. Mais um de nós. Eu vejo um Bin Laden em cada favela, herói da miséria, vilão exemplar. Alguém que causa o terror, porém pode ser visto como um herói dentro da favela, ou em qualquer outro lugar, por proteger de alguma forma. Um exemplo bem recente de um vilão exemplar é o capitão nascimento do filme Tropa de Elite, que foi recebido como herói pelo povo brasileiro. Por utilizar de violência para exercer seu trabalho. Nós não percebemos que heróis somos nós. Pessoas comuns que sem superpoderes somos obrigados a sobreviver nessa guerra interminável. Nessa luta constante do ser humano contra ele mesmo.
5 Sou um grão de areia no olho do furacão, em meio a milhões de grãos essa frase faz uma intertextualidade ainda com a música pais e filhos do Legião Urbana Sou uma gota d'água, Sou um grão de areia... quer dizer que somos só mais um em meio a tantos cada um na sua busca, cada bússola num coração, mas cada um com um objetivo diferente, movido por sonhos e verdades diferentes. Cada um lê de uma forma o mesmo ponto de interrogação, lê de acordo com a realidade que o cerca, com as referências e experiências que vivência. Isso que nos torna diferentes. Pelo modo como cada um interpreta os pontos de interrogação que nos são mostrados todos os dias. Nem sempre se pode ter fé quando o chão desaparece embaixo do seu pé quando nos deparamos com algum problema, alguma perda, temos dois caminhos. O primeiro é buscar forças ou explicações em uma religião, ou seja, aproximar-se de Deus. A outra é afastar-se dele completamente. Geralmente isso acontece como segunda opção, quando já o procuramos e não alcançamos o conforto que precisávamos para aquele momento tão difícil, ou não encontramos respostas para aquele acontecimento. Por isso, nem sempre se pode ter fé quando o chão desaparece embaixo do seu pé. Acreditando na chance de ser feliz, todos acreditam, a felicidade é uma busca constante de todo ser humano, a busca por algo mais que não sabemos ao certo o que é. Buscamos a felicidade, pois acreditamos que só ela será capaz de amenizar o vazio que nos sufoca e que não sabemos explicar. Mas talvez ela não esteja escondida, nós simplesmente evitamos enxergá-la. Sem amor, eu nada seria, ainda que eu falasse a língua de todas as etnias, de todas as falanges, e facções, ainda que eu gritasse o grito de todas as Legiões. Nesta frase há uma nova intertextualidade de um trecho de outra música do Legião Urbana, Monte Castelo: Ainda que eu falasse a língua dos homens. E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria. É importante lembrar que Monte Castelo também é feita de intertextualidade de um texto de Camões: O amor é fogo que arde sem se ver...
6 Palavras repetidas, mas quais são as palavras que eu mais quero repetir na vida? Felicidade, Paz, é... Felicidade, Paz, Sorte. A intertextualidade aqui presente refere-se à outra música do Legião Urbana Quase sem querer que diz: Sei que às vezes uso palavras repetidas mas quais são as palavras que nunca são ditas?. Felicidade, paz... Que são as palavras mais citadas, mais pedidas, menos vivenciadas. Nem sempre se pode ter Fé, mas nem sempre a fraqueza que se sente quer dizer que a gente não é forte. Nós passamos e continuaremos a passar por várias provações e obstáculos enquanto estivermos aqui e claro que momentos de fraqueza surgirão. Mas ser forte não significa não tê-los, ser forte significa passar por eles. Crescer com eles. Essa música apesar de ter sido escrita há três anos continua atual e faz todo sentido hoje. Traz muitas intertextualidades, de músicas mais antigas, que não perderam nem um pouco seu significado. Acredito que às vezes percorrer caminhos que não estamos acostumados a percorrer, escutar músicas que pensamos que não façam parte da nossa realidade, pensar no mundo mais coletivo do que individual só nos faz crescer como pessoa, como ser humano. Estar em contato com outras realidades nos faz entender melhor a nossa. Escolhi analisar uma música, pois acredito, apesar de todo preconceito que ainda temos com alguns estilos, que a música é um dos pouquíssimos meios que unem, nem que seja por alguns minutos, nações, crenças, cores como uma única nação, um único Deus, uma única cor. Ela liberta pensamentos para que possam pensar juntos.
7