Departamento de Microbiologia Instituto de Ciências Biológicas Universidade Federal de Minas Gerais http://www.icb.ufmg.br/mic Agentes Etiológicos das Micoses Oportunistas Introdução Os fungos em sua maioria são microrganismos saprofíticos, vivendo no meio ambiente a partir da degradação de restos orgânicos, sobretudo, no solo. Algumas espécies podem viver ainda como seres comensais. O habitat dos fungos é diverso, eles podem existir livres no meio ambiente ou como parte da microbiota indígena de seres humanos e animais. Em determinadas situações, onde há quebra da tolerância entre patógeno e hospedeiro, algumas espécies podem tornar-se patogênicas. Nessas ocasiões, podem provocar quadros clínicos variáveis, desde processos benignos a septicemias de origem fúngica, que se não forem diagnosticados e tratados em tempo, podem ser fatais. Todas as vezes que o organismo humano encontra-se com alguma alteração na resposta imunológica frente a patógenos existe a oportunidade do fungo passar do estado não patogênico para o patogênico. Essas causas incluem fatores intrínsecos, ligados ao hospedeiro, e fatores extrínsecos, conforme o quadro 1. Quadro 1 - Fatores intrínsecos e extrínsecos que influenciam na patogenicidade fúngica Fatores Intrínsecos Fisiológicos Velhice, gravidez, prematuridade Patológicos Fatores extrínsecos Medicamentos Intervenções Agentes físicos Neoplasias, leucemia, lupus eritrematoso disseminado, hemopatias diversas, diabetes e outras endocrinopatias, tuberculose, sarcoidose, AIDS, linfoma, leucemia Antibioticoterapia prolongada, imunossupressores, quimioterapia, radioterapia, uso de pílulas anticoncepcionais, uso de corticosteróides, drogas antiblásticas, drogas citotóxicas Cirurgia cardíaca, transplantes, uso de sondas, cateteres, aparelhos de respiração artificial, alimentação parenteral, hemodiálise Traumatismos, queimaduras, irradiações Fatores intrínsecos: Fisiológicos: extremos de idade (velhos, recém-nascidos e prematuros), gravidez e desnutrição. Patológicos: neoplasias, leucemia, lupus eritematoso disseminado, hemopatias diversas, diabetes e outras endocrinopatias, tuberculose, sarcoidose, infecção pelo vírus HIV. 1
Fatores extrínsecos: Medicamentos: antibioticoteria prolongada, imunossupresores, quimioterapia, radioterapia, anticoncepcionais, corticosteroídes, drogas antiblásticas e drogas citotóxicas. Intervenções: cirúrgias (como cardíacas), transplantes, uso de sondas e cateteres, aparelhos de respiração artificial, alimentação parenteral, hemodiálise. Agentes físicos: traumatismos, queimaduras e irradiações. Os agentes fúngicos mais comuns em infecções oportunistas de origem fúngica são Candida albicans, Cryptococcus neoformans, Aspergillus (predominando o Aspergillus fumigatus), Fusarium sp., Cephalosporium sp., Zigomicetos (Mucor, Absidia, Rhizopus), Basidiomicetos (Coprinus delicatus), Geotrichum candidum; Rhodotorula rubra, Cladophialophora bantiana, Exophiala sp. Nos últimos anos têm-se vistos aumento da incidência de infecções causadas por fungos principalmente devido ao aumento do número de casos de infecção pelo vírus HIV. Na clínica, sinais como febre persistente de etiologia indeterminada em imunocomprometido é indicação de hemocultura para fungos. Candidíase Etiologia É uma micose oportunista cuja etiologia é atribuída a fungos pertencentes ao gênero Candida. É a micose mais comum em pacientes imunocomprometidos e as espécies mais freqüentes são: Candida albicans (70%), C. tropicalis (6,9%), C. glabrata (6,6%), C. parapsilosis (1,9%), C. krusei (1,7%). É importante ressaltar que Candida albicans é uma levedura componente da microbiota indígena de seres humanos e para que esta seja considerada patogênica é necessário seu isolamento de modo constante, em grande quantidade das lesões e, de modo geral, é necessário sua visualização em exame direto na forma filamentosa. Manifestações clínicas As infecções por Candida podem apresentar diferentes manifestações clínicas como candidíase oral (sapinho), esofágica, gastrointestinal, vúlvova Figura 1: Esquema de um fungo do gênero Candida ginal e onicomicoses (infecções das unhas). Pode ainda ocorrer candidíase sistêmica, mais freqüente nos pacientes pós-transplantados, portadores de lesão ou prótese de valvas cardíacas, portadores de leucemia e nos submetidos à nutrição parenteral prolongada. Diagnóstico laboratorial Exame direto As leveduras, nos esfregaços corados, apresentam-se sob a forma de células filamentosas ou gemulantes, Gram-positivas. 2
Cultura e identificação As várias espécies apresentam colônias cremosas brancas. Isoladas as colônias suspeitas, faz-se o exame microscópico para confirmar o diagnóstico, onde são observadas células ovaladas com divisão em brotamento e presença de peseudo-hifas. Posteriormente, após dados micro morfológicos e bioquímicos, identifica-se a amostra isolada. Criptococose Infecção oportunista cuja etiologia é atribuída à fungos do complexo Cryptococcus principalmente: - C. neoformans variedade neoformans (sorotipo D) - C. neoformans gattii (sorotipos B e C) Geralmente a criptococose ocorre em indivíduos imunossuprimidos, quase sempre sob a forma de lesões pulmonares (principal porta de entrada desde micro-organismo) ou lesões no sistema nervoso central (criptococomas). É comum relatos de ocorrência de criptococose em indivíduos com infecção pelo vírus HIV. Etiopatogênese O fungo Cryptococcus pode infectar o hospedeiro por via inalatória ou transdérmica. Quando inalado, forma mais comum da infecção, o primeiro órgão atingido é o pulmão. A principal defesa do hospedeiro é a fagocitose por macrófagos, processo dependente do sistema complemento. A imunidade celular apresenta um papel importante na defesa contra a criptococose, por isso a alta incidência da doença em pacientes imunossuprimidos, como transplantados, HIV-positivos, pacientes com linfomas ou em uso prolongado de corticoterapia. Em indivíduos imunocompetentes, a infecção restringe-se aos pulmões e é assintomática. Entretanto como o hospedei ro tenha alguma alteração em seu sistema imunológico o fungo pode se reativar e disseminar-se para outros locais. A cápsula do Cryptococcus, que inibe a opsonização e fagocitose por neutrófilos e macrófagos, e a produção de melanina, que confere resistência à morte intracelular, são fatores de virulência. Diagnóstico Exame direto com tinta nanquim Estruturas blastoconidiadas de 4-8 μm de diâmetro, capsuladas, redondas ou ovaladas, um ou vários brotamentos com cápsula polissacarídica (aspecto de céu estrelado ). Cultura Amostras de líquor, sangue, escarro, material de lesões da pele. O fungo cresce num período de 48-72 horas à 37 ºC. Podem ser utilizados Agar Sabouraund e Agar Sabourund com cloranfenicol. Sorologia Exame de aglutinação com látex para o antígeno polissacarídico criptocócico (CRAG) é um teste altamente sensível e específico. Tratamento Geralmente emprega-se no tratamento drogas azólicas, principalmente o fluconazol associado à flucitosina. Pode ainda ser utilizado a anfotericina B, entretanto essa deve ser somente adiministrada em ambiente hospitalar sob supervisão médica. 3
Aspergilose Etiopatogênese São infecções cujos agentes etiológicos são as espécies do gênero Aspergillus como: A. fumigatus, A. flavus, A. niger e A. terreus, que são as principais espécies relacionadas a infecções em hospedeiro humano. Os fungos do gênero Aspergillus são cosmopolitas e a infecção é geralmente adquirida após inalação de esporos fúngicos provenientes do ar. Não é uma doença contagiosa. O principal sítio da doença é o pulmão e, em hospedeiros imunocomprometidos, pode causar infecção oportunista (forma invasiva pulmonar). Diagnóstico Exame direto com KOH Hifas hialinas, regulares, 4 μm de diâmetro, septadas e, freqüentemente, mostrando dicotomia em ângulo agudo. Cultura Amostras do material infectado devem ser utilizadas para cultura em ágar Sabouraud com cloranfenicol ou cloranfenicol+cicloheximida (Myconazol), incubadas à temperatura de 25-30 C, por 2-4 dias. Às vezes, é necessário usar um meio específico Czapek. Visualização de colônias maduras com cabeças aspergilares bem montadas. Tomografia computadorizada do tórax Pode demonstrar, inicialmente, lesão com hiperdensidade periférica (sinal do halo) ou, posteriormente, uma lesão com um crescente de ar. Tratamento As drogas de escolha para a maioria dos pacientes são Anfotericina B, Itraconazol e Voriconazol. Mucormicoses ou zigomicoses Etiopatogênese Infecção aguda e de rápido desenvolvimento, causada por várias espécies de fungos da classe Zigomiceto (ordem Mucorales), como Rhizopus, Mucor spp., Absidia. A fonte primária de infecção é a inalação de esporos. O curso clínico da doença e a evolução costumam ser fulminantes, devido ao crescimento rápido do fungo e a destruição paralela dos tecidos, o que demanda diagnóstico precoce e pronto tratamento clínico e cirúrgico. 4
O fungo pode atingir a face (rinofacial), os pulmões, tecido cutâneo, o trato gastrointestinal e o sistema nervoso central. Invasão, tombose e necrose são os achados característicos da doença. Em hospedeiros imunocomprometidos, podem causar infecção oportunista pulmonar ou rinocerebral fulminante. As manifestações clínicas e radiológicas são na maioria dos casos indistinguíveis daquelas associadas com aspergilose invasiva. Diagnóstico Exame direto com KOH para demonstração das hifas em fragmentos frescos de tecido. São observadas hifas largas, esparsamente septadas e ramificadas em ângulo de 90. Histopatológico Diferentes colorações podem ser utilizadas para a observação de hifas de zigomicetos nos cortes de tecido, como PAS, Hematoxilina-Eosina e Grocott-Gomori. Cultura Ocasionalmente, são positivas. Porém, resultado negativo não exclui o diagnóstico. Os agentes de zigomicose têm crescimento rápido e são identificados pelo aspecto de esporangióforos, rizoides, apresentando termotolerância. Tratamento A droga de escolha é a anfotericina B. Em terapias alternativas, pode ser combinada com rifampicina, azóis, flucitosina. Debridamento cirúrgico e tratamento da doença de base, também, fazem parte. 5
Literatura sugerida CECIL, Russell L. Cecil tratado de medicina interna. 22.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. 2v. Gow NA, van de Veerdonk FL, Brown AJ, Netea MG. Candida albicans morphogenesis and host defence: discriminating invasion from colonization. Nat Rev Microbiol. 2011 Dec 12;10(2):112-22. doi: 10.1038/nrmicro2711. Review. Kronstad J, Saikia S, Nielson ED, Kretschmer M, Jung W, Hu G, Geddes JM, Griffiths EJ, Choi J, Cadieux B, Caza M, Attarian R. Adaptation of Cryptococcus neoformans to mammalian hosts: integrated regulation of metabolism and virulence. Eukaryot Cell. 2012 Feb;11(2):109-18. Epub 2011 Dec 2. Review. LACAZ, Carlos da Silva. Tratado de micologia médica Lacaz. 9.ed. São Paulo: Sarvier, 2002. 1104p. RESENDE, M. A. Agentes etiológicos das micoses oportunistas. In: AULA PARA A DISCIPLINA MICROBIOLOGIA MÉDICA DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA, 2006, UFMG, Belo Horizonte. RIPPON, J.W. Medical Mycology. 3.ed. Philadelphia: W. B. Saunders, 1988. SIDRIM, J.J.C. & Moreira Bezerra, J. L. Fundamentos clínicos e laboratoriais da micologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1999 Rabie NB, Althaqafi AO. Rhizopus-associated soft tissue infection in an immunocompetent air-conditioning technician after a road traffic accident: a case report and review of the literature. J Infect Public Health. 2012 Mar;5(1):109-11. Epub 2011 Dec 4. Review.