No caso do Chile, a Aliança do Pacífico não altera significativamente suas relações entrevista com Tullo Vigevani Por Lys Ribeiro No primeiro pleito presidencial com voto facultativo e duas candidatas ascendendo ao segundo turno no Chile, a candidata de centro-esquerda Bachelet saiu vitoriosa com 62,2% dos votos no domingo, dia 15, e garantiu seu retorno à presidência do país. No entanto, o mandato, que inicia oficialmente a partir de março de 2014, reserva muitos desafios à líder socialista. Entre os principais, estão o andamento das reformas continuamente reiteradas durante a campanha presidencial, especialmente as tributária, educacional e constitucional e, também, o combate à desigualdade social e o consequente alto índice de Gini, por meio do fortalecimento do Estado, implementação de políticas públicas e capitalização das demandas sociais. Ademais, o aprofundamento da integração regional parece caminhar para um modelo transversal enquanto há, ainda, disputas fronteiriças na América Latina, inclusive envolvendo o país andino. Para tratar destas e outras questões relacionadas à eleição de Bachelet, o Blog Brasil no Mundo conversou com Tullo Vigevani. Professor na Universidade Estadual Paulista UNESP, Vigevani possui vasta produção científica em temas que abarcam o Mercosul, Política Exterior do Brasil, Integração Regional e Estados Unidos. O acadêmico atua na área de Ciência Política, com ênfase em Relações Internacionais, é pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (CEDEC) e também membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI). Ressaltando a possibilidade ou não de convocar uma Assembleia Constituinte e da importância da concertação no interior da Nueva Mayoría para o futuro das reformas, Vigevani observa a tendência ao crescimento da arrecadação estatal no Chile e o ambiente propício para as ( ) lutas contra a pobreza, as desigualdades e a concentração da renda. O pesquisador também aborda os bons rumos das relações fronteiriças e diplomáticas na América do Sul e analisa a situação e perspectivas da integração regional sob a ótica da eleição de Bachelet. ( ) no Chile, todas as suas elites preocupam-se centralmente com a área Ásia-Pacífico. Se o Brasil e o Mercosul
tiverem crescimento econômico significativo essa tendência poderá em parte ser contrabalançada, afirma o pesquisador. Confira na íntegra. Blog Brasil no Mundo - O retorno de Bachelet à presidência do Chile está alicerçado numa candidatura cuja plataforma conta com um pacote de reformas estruturais no país e incluiu no debate questionamentos dos movimentos estudantis e sociais que se fizeram ouvidos ao longo de 2013. No entanto, a base centro-direita tem presença expressiva no Congresso. Nesse sentido, qual a tendência para os próximos quatro anos no Chile? T. Vigevani - É evidente que nem tudo está definido no Chile para os próximos quatro anos. A primeira questão será a definição do ministério. A aliança Nueva Mayoría é um pouco diferente da anterior Concertación que governou de 1990 a 2010. Uma das diferenças é a volta do Partido Comunista à coligação de governo, ainda que com pequena representação parlamentar, seis deputados. Outro problema que deverá ter peso é o da possibilidade ou não de convocar uma Assembleia Constituinte. O tema foi debatido na campanha eleitoral, mas a candidata Bachelet não tomou posição definitiva. Esse ponto é relevante: se as necessárias mudanças constitucionais, da Constituição aprovada em plebiscito durante a ditadura Pinochet em 1980, tiverem que ser aprovadas pelo Congresso, exigirão acordo com a oposição de direita, Unión Democrata Independiente (UDI) e Renovación Nacional. O novo governo tem maioria, mas não os dois terços necessários para mudanças constitucionais: 21 senadores de 38 e 68 deputados de 120. A questão da constituinte tem sido insistentemente colocada pela esquerda da Nueva Mayoría. Os temas quentes do debate tendem a concentrar-se, ao menos inicialmente, em duas grandes questões: educação e previdência. Nos dois casos serão necessárias mudanças constitucionais. Não é certo o rumo futuro. Os dois grandes partidos de governo são o socialista e o democrata-cristão. Quem prevalecerá na administração será o indicador de quais políticas serão efetivamente levadas adiante. A vitória de Bachelet estava prevista há muito. Isso levou parte das forças sociais conservadoras, particularmente empresários, a sustentarem, inclusive financeiramente, a sua campanha. Esse apoio incluiu diferentes
grupos, inclusive financeiros e empresas estrangeiras. Uma necessidade coloca-se com urgência. Tanto educação quanto previdência não poderão sofrer intervenções efetivas de parte do Estado sem maiores recursos, o que implica crescimento dos impostos. Essa questão, como verificamos em todos os países onde se torna tema central (inclusive nos Estados Unidos), encontra resistências fortes. Portanto, a política chilena deve ser acompanhada de perto, com muito interesse. Fazer previsões é difícil. O que podemos considerar certo é que algumas das tensões vividas ao longo do governo Piñera, e mesmo nos governos anteriores da Concertación, terão continuidade, num contexto mais favorável às lutas contra a pobreza, as desigualdades, a concentração da renda. Blog Brasil no Mundo - Após a prevista vitória de Bachelet, Maduro a felicitou trazendo à tona o assunto do fortalecimento da Unasul e da Celac, Dilma também falou em integração regional e, segundo Emir Sader, a própria Bachelet durante a campanha declarou que tratará o Mercosul com mais ênfase em comparação à gestão Piñera. A tendência é um certo abandono da Aliança do Pacífico nas relações exteriores chilenas? Quais as perspectivas de integração regional na América Latina com a volta de Bachelet? T. Vigevani - Como acabamos de sinalizar, muito dependerá dos equilíbrios a serem estabelecidos na própria Nueva Mayoría. Não se pode prever o futuro, mas tudo indica que, apesar da experiência internacional recente da Presidenta em órgão das Nações Unidas, os temas que terão forte atenção serão os internos. Não parece previsível uma reorientação significativa da política internacional do Chile. Haverá maior simpatia pelos órgãos sul e latino-americanos. Respeito e cooperação ativa. O Chile é membro associado do Mercosul, tem sido membro ativo e apoiado efetivamente a Unasul e a Celac. Outra coisa seria mudar seu posicionamento internacional, inclusive a Aliança do Pacífico. O Chile assinou em 2002 um Acordo de Livre Comércio com a União Europeia, em 2003 com os Estados Unidos, nos governos da Concertación. A Aliança do Pacífico tem vida muito recente, iniciou-se em abril de 2011 com participação de Peru, Colômbia, Chile e México. Em junho de 2012 assinou-se um tratado. O grande peso econômico do Bloco é o México, cujo PIB e comércio internacional (em grande
parte dirigido aos Estados Unidos) se destacam. O México já é fortemente ligado aos Estados Unidos por meio de um Tratado de Livre Comércio, o NAFTA. No caso do Chile, a Aliança do Pacífico não altera significativamente suas relações. Com o Mercosul, particularmente com a Argentina e o Brasil, as relações são sólidas e o intercâmbio com esses países tem sido crescente. Depois da China e dos Estados Unidos, o Brasil e a Argentina representam os parceiros importantes do Chile. Os acordos regionais, inclusive o Mercosul, mostram que ajudam a consolidar relações, mas encontram dificuldades para redirecioná-las de forma radical. As mudanças se dão ao longo do tempo. O interesse do Estado chileno e de seus grupos dirigentes é posicionar-se na futura área de Livre Comércio do Pacífico, que compreende China, Japão e Estados Unidos. A Aliança para o Pacífico representa isso. As relações do Chile com Peru, Colômbia e México são importantes e tem tido evolução alterna. No que se refere à Unasul e à Celac, a presença de Bachelet servirá para fortalecer os blocos. Blog Brasil no Mundo - O resultado da Corte Internacional de Justiça sobre o litígio da fronteira marítima entre Chile e Peru, previsto para 2014, também pode afetar as relações bilaterais entre os vizinhos e os rumos da integração latino-americana? De que maneira? T. Vigevani - Poderá afetar as relações externas do Chile, mas não de forma intensa. É necessário ter em conta que as relações fronteiriças, políticas, diplomáticas e de segurança têm sido crescentemente melhores na América do Sul nos anos 2000. A Unasul contribuiu, também a política externa brasileira ajudou. O conflito é secular, tem sua origem na Guerra do Pacífico que opôs o Chile a Peru e Bolívia entre 1879 e 1883. As consequências desse conflito nunca foram inteiramente sanadas. A Bolívia perdeu parte do território e sua saída para o mar. O Peru perdeu área de seu território. O julgamento da Corte Internacional de Justiça será sobre o mar territorial. As constituições chilenas e peruanas superpõem áreas marítimas. A Corte foi chamada a se manifestar em 2008, pois o Chile não reconhece a área que o Peru reivindica. Segundo o Chile, teria sido definida em acordos e tratados de 1950 e 1954. As relações entre os dois países têm sido claramente cooperativas em todo o último período, inclusive crescentemente cooperativas. Supondo que a decisão da Corte não seja totalmente desequilibrada para um dos lados, deve-se prever acomodação. Restituindo parte da área
ao Peru, poderá haver sinais de descontentamento fortes no Chile, particularmente de sua Marinha. Nesse caso, o papel da Presidenta será importante. De mais difícil solução é o conflito do Chile com a Bolívia, mesmo com sinais distensivos no período Evo Morales e mesmo de parte de Sebastián Piñera. O Presidente Morales declarou que buscará retomar as negociações visando a superação de parte das perdas bolivianas, mas não demonstra confiança na nova Presidenta. Blog Brasil no Mundo - Quanto às relações Brasil/Chile, a expectativa é de continuidade na expansão da interconexão Atlântico-Pacífico, do incremento do intercâmbio comercial e dos acordos de cooperação nos campos da educação, cultura e pesquisa na Antártica que têm se desenvolvido nos últimos anos? T. Vigevani - As relações dos governos Rousseff e Bachelet deverão ser positivas e devem ser fortalecidas. Do ponto de vista político as condições para o entendimento são excelentes. Como dissemos, as relações comerciais se fortaleceram de forma contínua desde o início dos anos 1990. O Brasil, ainda que com distância de China e Estados Unidos, é o terceiro parceiro comercial do Chile, em média. Com alternâncias, já que as exportações chilenas são maiores para o Japão e a Coréia do Sul que para o Brasil. O comércio com o Brasil decresceu em 2012 e também em 2013. A corrente de comércio foi de aproximadamente 9 bilhões de dólares em 2012. O Chile tem sido, com alternâncias, a partir de 2005 o sexto parceiro comercial do Brasil. Há também cruzamento de investimentos significativos. A interconexão Pacífico-Atlântico é importante para todos os países da região, mas depende de fortes investimentos. A conexão em si não pode alterar tendências econômicas estruturais. Como vimos no Chile, todas as suas elites preocupam-se centralmente com a área Ásia-Pacífico. Se o Brasil e o Mercosul tiverem crescimento econômico significativo essa tendência poderá em parte ser contrabalançada. Observemos que a qualidade do comércio bilateral é benéfica ao Brasil, pois exportamos produtos manufaturados, particularmente os automotivos. A forte orientação chilena para as exportações à área Ásia-Pacífico está ligada com sua capacidade de produção de cobre e minérios.
A cooperação continuará dando-se em inúmeros campos, inclusive nos de educação, onde o interesse chileno pelas experiências brasileiras será redobrado. O mesmo vale para a pesquisa na área Antártica, onde a cooperação é intensa, com fortes benefícios para o Brasil.