CENTRO HISTÓRICO EMBRAER Entrevista: Paulo Marton São José dos Campos SP Abril de 2012 Apresentação e Formação Acadêmica Bom, eu sou Paulo Marton, eu sou natural de Mogi das Cruzes (SP), filho de imigrantes italianos que deixaram a Itália, justamente Veneza, para imigrar para o Brasil. Eles chegaram aqui em fevereiro de 1955 e eu nasci em março de 1955, ou seja, eu quase nasci no navio, eu tenho, portanto, cinquenta e sete anos de idade. Os meus pais, na verdade, vieram para o Brasil, principalmente porque o meu pai tinha essa vontade de se aventurar a conhecer a América, então ele ouvia muito falar dessa América em que ele conseguia trabalho fácil, de ganhar muito dinheiro, então ele deixou justamente a família dele, foi ele só dos irmãos que saíram da Itália e minha mãe também foi a única que saiu da Itália. Quando minha mãe percebeu que meu pai tinha esse desejo forte de ir para Mogi das Cruzes, para o Brasil, ela entrou em contato com os amigos de infância que moravam em Mogi das Cruzes e conseguiu um trabalho para ele, justamente para trabalhar na fábrica da Elgin que era de máquina de costura. E aí eu segui minha carreira em Mogi, ou seja, eu fiz o primário em Mogi das Cruzes naquela época existia o primário, depois eu fiz o ginásio porque naquela época também existia o ginásio, que hoje é Ensino Fundamental ou coisa parecida, e depois eu fiz o colegial. Como eu era muito ligado à família, eu gostava muito de ficar em casa, então eu não tive esse desejo de sair fora, para estudar fora, então na época eu sabia que eu queria fazer engenharia, engenharia mecânica que era o que eu realmente tinha interesse, por que engenharia mecânica? Era porque meu pai logo depois que ele entrou na Elgin Máquinas de Costura, como eu comentei, ele ficou lá cerca... acho que uns dois anos, depois meu pai resolveu montar uma oficina por conta dele porque ele tinha como profissão...ele era funileiro e pintor de carro, então ele construiu a oficina dele ele trabalhava 1
na oficina que ele tinha e ele me arrastava lá muito contra a minha vontade, mas eu ia, eu ia ajudá-lo também porque ele precisava de ajuda também e aí talvez seja por isso que me interessou a parte de engenharia mecânica. Mas o fato é que eu não gostava de engenharia mecânica ligada à produção porque eu não queria sujar minha roupa, não gostava de trabalhar com meu pai porque sujava a roupa, então eu queria ser engenheiro de cálculo para trabalhar em escritório, isso era realmente o que eu sentia vontade. Então, quando era área da engenharia que tinha que entrar em oficina, produção, sujar a roupa, isso eu não gostava por esse fato, pelo meu pai que tinha um tipo de trabalho em que a gente quando eu ia ajudar ele eu tinha que sujar minha roupa, ficar sujo e meus colegas todos bonitinhos, roupa bacana..., então talvez tenha sido esse o fato de eu ter escolhido engenharia mecânica. Bom, o que aconteceu? Aconteceu o seguinte: como eu tinha essa vontade, ou seja, era muito família, muito em casa aí eu resolvi fazer uma faculdade em Mogi. Na época, tinha surgido uma engenharia média que era engenharia operacional, que para mim eu entendo que na verdade era uma faculdade de tecnologia, e eu fiz essa faculdade e durante o período que eu fazia eu arrumei um trabalho para trabalhar que eu me lembro até hoje na Roa do Brasil na área de Tempos e Métodos e logo depois que eu me formei eu passei para a Valmet do Brasil, que era uma empresa que montava tratores e que hoje me parece chama Valtra do Brasil, alguma coisa assim. Ganhava até bem, não me lamentava com relação ao salário, mas não era bem o que eu queria, aí surgiu a oportunidade de eu ir para a Elgin Máquinas de Costura onde meu pai tinha, na época, trabalhado e lá eu entrei como chefe de tempos e métodos. Só que enquanto eu trabalhava lá também não era bem o que eu queria porque eu percebia que o que eu tinha feito de engenharia na verdade, que eu era mais um tecnólogo, não era digamos assim, um engenheiro efetivamente e também o meu desejo sempre foi trabalhar na área de cálculo e eu me perguntava onde eu vou encontrar área de cálculo sendo que a grande maioria das empresas eram todas montadoras, onde é que tem o desenvolvimento, afinal de contas? Era isso que eu buscava. 2
E aí eu o que ocorreu? Eu tinha dois irmãos que estudavam na Escola Técnica, a ETEP (Escola Técnica Professor Everardo Passos), na época da gloriosa ETEP, então eles estudavam um período integral, eles estudavam lá e eles obviamente moravam em São José dos Campos e eles vinham o final de semana para casa e eu notava que eles tinham um grande conhecimento, eu percebia do ponto de vista técnico o conhecimento era muito elevado, um conhecimento fortíssimo, e aquilo me impressionou e eu falei Puxa vida porque eu não posso também fazer uma coisa... por que eu não largo tudo?, embora eu tenha remuneração, um salário razoável...- era chefe de seção era novo tinha vinte e três anos na época eu falei Por que eu não abandono tudo e volto a ser estudante novamente?, buscar mais um sonho que era ser engenheiro de desenvolvimento de produto. E aí o que eu fiz, eu vim para São José dos Campos (SP), eu consegui entrar justamente na Escola de Engenharia, a EEI (Escola de Engenharia Industrial), que na época tinha a escola técnica e a escola de engenharia, eram ambas em período integral, meus irmãos faziam escola técnica já no finalzinho e foi quando eu me transferi para São José dos Campos e entrei na Escola de Engenharia Industrial de São José dos Campos em período integral e entrei lembro na época que eu fiz... tinham algumas adaptações do primeiro, segundo e terceiro semestres e entrei no quarto semestre e eu fiquei super contente, voltei a estudar novamente fazendo engenharia, exatamente uma engenharia do jeito que eu queria. E aí quando eu atingi o sétimo semestre foi quando eu, um professor de classe ele comentou que no CTA (Centro Técnico Aeroespacial), o CTA tinha adquirido especificamente o IEAv (Instituto de Estudos Avançados) que na época chamava LEA Laboratório de Estudos Avançados ele tinha adquirido um computador enorme, era um computador de grande potência e que me parece, na época, era o maior da América do Sul, se não me falha a memória. E aí ele estava precisando justamente de estudantes de engenharia e como naquela época nós já estávamos com alguns horários vagos de manha e a tarde para que pudesse trabalhar com esses computadores, justamente na parte de operação do computador. Aí eu me interessei, mais alguns colegas e a gente entrou justamente para trabalhar no CTA, especificamente no LEA que depois se transformou no IEAv e depois nós fomos lá para a rodovia dos Tamoios que estava lá o IEAv. 3
Então, eu lembro que eu entrei no dia trinta e um de maio de 1980, me lembro que entrei justamente no IEAv e trabalhando justamente com a área de computação, trabalhando mais especificamente na operação dos computadores, e eu sempre tive muito contato com os pesquisadores que trabalhavam lá e eu comecei a aprofundar muito os estudos na parte de programação, eu gostava muito de computador e então eu comecei a aprofundar meus estudos, meu aprendizado na parte de programação de computadores, especificamente em linguagem Fortran, que era a linguagem científica da época, e também linguagem COBOL, que era uma linguagem na época utilizada na área comercial. Bom, o que aconteceu? Aconteceu que chegou no finalzinho de 81 eu me graduei em engenharia e o meu trabalho de graduação foi justamente voltado para a área de computação que foi justamente um software de linguagem COBOL que era um gerenciador de banco de dados que foi especificamente que eu fiz na época para o antigo PEA que era uma antiga divisão ali do CTA. Com esse trabalho ele me deu, digamos assim, o passaporte para eu ser, para eu ficar justamente no CTA como pesquisador auxiliar e aí eu gostava muito desse tipo de trabalho, sempre gostei, é científica e eu sempre gostei de área assim ele é ligado à ciência e o que aconteceu? Foi o seguinte: no finalzinho de maio de 82 porque eu me graduei em 81 e continuei no CTA, e quando chegou em maio de 82 eu percebi que estava demorando muito a minha efetivação como pesquisador auxiliar, porque até então a gente estava registrado em carteira CLT como operador de computador, embora eu estivesse trabalhando como pesquisador e aí eu encontrei um colega, quer dizer, eu tinha vários colegas a que trabalhavam na Embraer e um deles falou para mim O Marton você não tem interesse em vir trabalhar na Embraer? A área que eu trabalho é área de processos de fabricação ela está precisando de um engenheiro e como você já teve experiência no passado em área ligada à produção, mais todo o conhecimento que você tem, eu tenho quase certeza que essa vaga é sua.... Eu vi que o salário era muito maior do que aquilo que eu ganhava, por outro lado eu estava nessa pendência da efetivação que estava demorando e isso estava gerando descontentamento. Eu me desliguei dia trinta e um de maio de 82 do IEAV e no dia sete eu estava iniciando aqui na Embraer. E quando eu entrei aqui na Embraer eu 4
lembro que eu conheci um estagiário também que acabou depois também ingressando na Embraer, a gente fez integração juntos na verdade, porque nós trabalhamos juntos, mas eu tive uma passagem muito rápida pela produção, porque na verdade o tipo de trabalho não me interessou porque como, na época, estava fazendo a montagem do Tucano (EMB 312 Tucano) e essa área que eu trabalhei era uma área ligada a processo de montagem, eles estavam montando o protótipo do Tucano. Então, o trabalho que a gente fazia na época era um trabalho muito voltado a gente ir na produção, conversar com o pessoal da produção, fabricar as chapas que precisava para montar a fuselagem que eu me lembro do Tucano que a gente tinha muito que ir lá buscar as peças, trazer para acertar furação na hora de fazer a montagem e tal... era um tipo de trabalho que... bom... para uma coisa inicial de algumas semanas, alguma coisa assim, até seria razoável, mas eu não enxerguei ali que ia ser uma coisa temporária, a impressão que dava era que a coisa ia ser muito longa, por outro lado não era bem o que eu queria, eu sempre tive o sonho de trabalhar no desenvolvimento de produto. Trajetória na Embraer E aí quando eu comecei a trabalhar com o Hamada (Yoshihiro Hamada) eu confesso que eu não sei... eu adorei tanto o trabalho, é uma coisa indescritível, eu me apaixonei por aquele trabalho, foi uma coisa incrível eu acordava de manhã pensando naquele trabalho, eu ia para casa pensando naquele trabalho e foi uma coisa assim... que eu nunca na minha vida eu tinha sentido essa emoção, essa coisa forte porque eu já tinha trabalhado em outras áreas, eu já tinha trabalhado já em Mogi das Cruzes (SP), em algumas empresas, eu tinha trabalhado no CTA (Centro Técnico Aeroespacial) também, mas dessa forma apaixonante assim eu nunca tinha sentido. Então, eu me identifiquei muito, para aprender eu comecei a fazer um monte de curso porque eu era engenheiro mecânico e a área era muito voltada para a aeronáutica e então eu comecei a fazer vários cursos na graduação do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), fiz vários cursos na graduação, por exemplo, eu me lembro em aerodinâmica, em mecânica de voo, fiz em cargas, em estabilidade da aeronave e me lembro também de um curso interessante que eu fiz, como eu comentei que eu adorava 5
muito a computação que era justamente métodos numéricos. Então, era uma coisa muito interessante que você gerava sub-rotinas matemáticas da melhor forma possível, para otimizar processamento. Então, eu fiz essa matéria era de Pós-graduação. E aí o que aconteceu? Aconteceu que eu me senti um privilegiado porque entrei numa área fascinante e trabalhando ainda com o AMX que na época o AMX, na minha opinião, era a vedete, o que estava aí no buchicho das pessoas, o AMX que era colaboração na época era Aeritália, Embraer e Aermacchi, então eu me senti muito orgulhoso de trabalhar nessa área aí. Além de trabalhar com o AMX, que era um avião interessante, trabalhar justamente numa área de engenharia e desenvolvimento que era o que sempre sonhei e então eu me sentia muito feliz e eu fui me aprofundando, eu fui me dedicando muito para justamente compensar essa parte aeronáutica que eu não tinha, eu fui estudando muito e aprendendo bastante e eu me lembro que eu fui adquirindo a confiança do Hamada, confiança dos colegas. Eu acho que talvez o que tenha me dado, tenha sido um passaporte para que eu fosse escolhido para ir para a Itália. Bom, logo em 1994 com o término do AMX eu passei a trabalhar com o 145 (ERJ 145) justamente na fase de certificar, certificar as cargas de certificação, o líder de equipe era o Maurício Almeida e o nosso chefe na época era o Décio Pullin, então eu fiquei trabalhando com o Maurício no cálculo de cargas da asa, da fase de certificação, trabalhei em vários outros componentes, na parte teórico experimental do spoiler do 145. Aí o Maurício Almeida depois passou a chefe de seção, que houve o Décio Pullin passou a ser gerente e houveram algumas reestruturações e passou a chefe de seção, o Maurício Almeida, e aí ele criou várias áreas tecnológicas dentro da seção dele e que depois virou uma gerência, inclusive. E então já como gerente - ele criou várias áreas tecnológicas ele colocou dentro de cargas estáticas era o RT - o Responsável por Tecnologia -, eu fiquei responsável por tecnologia, por carga estática, e eu fiquei cuidando de todos os programas, de toda a família 145/135 (ERJ 145/135), todos eles, o SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia)...depois o que aconteceu é o seguinte: houve o aparecimento do 170 (EMBRAER 170), a figura do 170 que foi realmente um patamar tecnológico muito mais elevado do que tudo aquilo que a gente vinha fazendo, então teve a introdução do fly-by-wire e outras 6
modernidades mais e também trabalhando com uma série de parceiros que até então a gente trabalhava com a Gamesa, que era a asa, Chile alguma coisa e a experiência que eu tinha mais era trabalhar com os italianos, obviamente na asa do 145 também foi da Gamesa, mas no nível do 170 tinha muito parceiros, a Sonaca com o slat, tinha a Kawasaki com o flap e parte de asa e tinha vários outros parceiros. Então, foi um período assim... também desafiador porque os processos que nós tínhamos do 145 em certos componentes já não atendia muito bem o que a gente precisava no 170. Nossos processos, que a gente utilizou para o 145, ele teve que ser todo modificado..., não todos os componentes a asa ela já vinha, digamos assim, já num processo bem definido e no 170 também continuou, mas slat, flap, spoiler, aileron e outros componentes a gente teve que modificar bastante Como eu disse, eu estou agora na área de Defesa, na Embraer Defesa e Segurança especificamente, e eu trabalho justamente na área de cargas de adversidade e eu trabalho com os aviões em geral que existem lá. Hoje eu estou mais deslocado com o AEW (EMB 145 AEW&C) Índia, especificamente ajudando o GDP (Gerente de Projetos) que hoje é o Angelo Naressi - que anteriormente era o Pedro Bueno que hoje passou a GDP - justamente com as REFAPs (Revisão de Fase do Programa) do primeiro voo que inclusive já fizemos voar dois protótipos. Então, eu trabalhei muito para que isso acontecesse também e hoje eu estou voltado na área de defesa trabalhando com os aviões de defesa. Cultura Embraer O que eu vejo, digamos, da minha época com os tempos atuais é que na minha época é que nós estamos tudo no mesmo barco, a gente tinha um conhecimento, pelo menos quando eu entrei no AMX, as pessoas que trabalhavam comigo, tinham um conhecimento assim limitado dentro de um contexto, por exemplo de trabalhar, não tinha um processo definido. Então, o engenheiro na época tinha que criar o processo, ele tinha que criar metodologias, ele tinha que desenvolver softwares, ele tinha que correr atrás dos dados que precisava e quais eram os dados que precisavam, então na verdade ele era muito mais instigado a ser engenheiro, então ele 7
tinha que realmente buscar muita informação e ter esse conhecimento para fazer a atividade dele e enquanto que hoje eu vejo o seguinte, os processos já estão montados, mais estruturados. Então, quando um engenheiro entra hoje aqui ele já tem lá todo o processo estabelecido com o roteiro dos dados que ele precisa, do que ele precisa, e então a coisa é mais mastigada, na época já não era tão mastigada e a gente tinha que mastigar para nós mesmos, nós que tínhamos que correr atrás de muitas coisas e então era bem mais difícil, obviamente, do que é hoje só que era mais desafiador também, essa é a percepção que eu tenho. Embraer e Futuro Olha o que eu vejo é o seguinte, a Embraer da época que eu entrei aqui e hoje... nossa, é incomparável, uma potência porque na época em que eu entrei aqui nós tínhamos, o quê? Estava sendo desenvolvido o Brasilia (EMB 120 Brasilia) e eu trabalhando com o AMX e o que mais nós tínhamos? Qualquer outra coisinha, desenvolvimento mesmo era justamente o Brasilia e o AMX, e você vê hoje a Embraer envolvida em tantos projetos, em tantos programas, então, ela cresceu muito, ela foi muito, muito feliz nas decisões que ela tomou, inclusive quando eu estive na Itália em 2001, 2002 não me lembro bem exatamente, um antigo gerente meu lá na Itália - sempre que eu vou, tenho oportunidade, de dois em dois anos como eu comentei - e passo para ver meus amigos lá na Alenia e um deles que era esse gerente mais próximo a mim, ele falou que a Embraer teve uma sacada muito grande na época: de colocar no mercado o 170/190 (EMBRAER 170/190), foi a visão que tiveram nossos executivos e que conseguiu abocanhar essa fatia, coisas que ele falou para mim na Alenia e não tiveram a mesma visão e ela ficou patinando. Então, eu vejo que o futuro da Embraer é brilhante, daqui para frente acho que ela tem tudo para crescer muito e ser uma poderosa, Embraer Defesa e Segurança também, acredito muito nela, sei que ela vai ser uma potência também como estão querendo os nossos chefes fazê-la e confio muito em tudo isso. O que eu posso dizer, dentro dos meus trinta anos de Embraer, para quem está começando é a seguinte: para ter sucesso eu entendo que a pessoa tem que gostar muito do que faz, é a primeira coisa que eu digo. Então, se você está dentro de uma área que gosta muito do que você faz, entendo 8
que você vai ter sucesso, agora se você não gosta muito do que você faz eu diria para você procurar uma área ou um trabalho que seja aquilo exatamente que gosta que faz, porque você aí vai se aperfeiçoar, vai crescer e que vai sempre querer buscar novos desafios, é isso aí. 9