Figura 1 Parede dentinária instrumentada com limas Flexofile, onde pode-se observar o smear layer sob uma vista frontal - 500X.

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1 Introdução A necessidade da recuperação funcional e estética de um elemento dentário por meio de uma restauração da sua estrutura anatômica ainda representa a principal atividade na Odontologia. Objetivando o sucesso desse procedimento a médio/longo prazo faz-se necessário um controle, ao menos satisfatório, da microinfiltração marginal. Um bom selamento marginal, prevenindo ou diminuindo a ocorrência da microinfiltração, vem representando um desafio constante para as técnicas restauradoras. Dentro da especialidade Endodôntica, Schilder, em 1967, já preconizava que um espaço tridimensional, com uma incrível variabilidade anatômica, deveria ser limpo, modelado e preenchido hermeticamente, com um material inerte, dimensionalmente estável e biologicamente tolerável (Schilder, 1967). Durante todo o século XX, diversos materiais e técnicas foram sugeridos com esta finalidade e consequentemente testados, mas nenhum deles experimentou uma condição realmente sólida e absoluta. Neste panorama, o conceito de Limpeza & Modelagem do sistema de canais radiculares representa um dos mais importantes da terapêutica endodôntica sendo, por isso, um dos mais estudados. Atualmente, o processo de limpeza, desinfecção e modelagem do sistema de canais radiculares é alcançado com auxílio de instrumentos e soluções irrigadoras. Entretanto, um sistema de canais radiculares totalmente livre de impurezas, restos orgânicos e inorgânicos não é alcançado pelas técnicas e protocolos de irrigação atualmente empregados na terapia endodôntica. Este problema já foi relatado por diversos autores (Yamada et al., 1983, De Deus, 2000). A partir da década de 70 surgiram os primeiros experimentos endodônticos através da microscopia eletrônica de varredura, em que foi possível constatar a ocorrência da formação de uma massa aderida às paredes do canal radicular que foi denominada smear layer (McComb & Smith, 1975). Devido ao fato de ser uma camada muito fina e solúvel em ácido, o smear layer é solubilizado durante o processamento histológico, não permitindo assim a observação através de microscopia óptica. Esta é razão pela qual o smear layer somente foi descoberto após os primeiros experimentos através de microscopia eletrônica de varredura (Mader et al., 1984).

17 A formação do smear layer ocorre durante o preparo biomecânico, pela ação dos instrumentos que atuam cortando a dentina radicular. Como resultado do corte e da pressão contra as paredes dentinárias é produzida uma camada residual formada por uma porção inorgânica (raspas de dentina) e uma porção orgânica (células pulpares, fibras nervosas, vasos, colágeno e líquido tissular). Diversas denominações já foram dadas a esta massa, tais como magma dentinário, barro dentinário, sendo o mais freqüente smear layer, termo esse que foi adotado por Boyde et al. (1963), que foram os primeiros a descrever esse fenômeno na superfície de esmalte cortado por brocas. O termo smear layer prevaleceu sobre qualquer tentativa de tradução, visto que descreve de forma simples e correta a natureza desta entidade. O smear layer pode ser observado, em imagens obtidas no MEV, no plano frontal ao túbulo dentinário, bem como no plano lateral, acompanhando a extensão do mesmo. Quando observado do plano frontal, o smear layer apresenta-se como uma camada fina, irregular, granulosa, friável e pouco aderida à superfície do canal radicular (Figura 1). É separada, estruturalmente, da dentina subjacente, possui uma espessura que pode variar de 1 a 5 µm e sua morfologia depende do tipo de instrumento empregado, do grau de umidade da dentina no momento do corte, quantidade e composição química das soluções irrigadoras e das características anatômicas do canal (Lopes Siqueira &, 1999). Figura 1 Parede dentinária instrumentada com limas Flexofile, onde pode-se observar o smear layer sob uma vista frontal - 500X.

18 Quando observado no plano lateral, o smear layer apresenta-se comprimido no interior dos túbulos dentinários, sendo denominado de smear plug. Como os túbulos aumentam de diâmetro à medida que se aproximam do canal, supõe-se que mais fragmentos sejam empurrados para o seu interior do que os que se abrem na superfície externa da parede dentinária (Mader et al., 1968; McComb & Smith, 1975). Próximo à polpa, o diâmetro dos túbulos gira em torno de 2,5 µm, na região média fica próximo a 1,2 µm e na dentina superficial, 0,9 µm. A penetração da smear plug no interior dos túbulos dentinários varia de 1 a 5 µm, podendo atingir 40 µm (Garberoglio & Brannstrom, 1976). Essa compressão de material para o interior dos túbulos dentinários se deve principalmente à ação dos instrumentos endodônticos (Mader et al., 1968). No entanto, para Gengiz et al. (1990) a penetração intratubular do smear layer pode ser causada pela ação da capilaridade, como resultado de forças adesivas entre os túbulos dentinários e o material residual. A influência do smear layer na terapia endodôntica vem sendo alvo de muita investigação. O fato do smear layer atuar como isolante cavitário pode dificultar a obtenção de uma íntima adaptação entre o material obturador e as paredes dentinárias, como também a eliminação de bactérias intratubulares (Orstavik & Haapasalo, 1990; Sen et al., 1996; De Deus et al., 2002). Em casos de dentes contaminados, bactérias penetram nos túbulos dentinários e podem ser encontradas em maior profundidade. Mesmo após o processo de limpeza e modelagem algumas bactérias ainda sobrevivem, inclusive dentro dos túbulos dentinários (Peters et al., 1995). Na ausência do cemento radicular e na existência de vias de comunicação com o ligamento periodontal, as bactérias podem iniciar reabsorções e outras periapicopatias. Nessas condições a presença do smear layer protege as bactérias, impedindo que tanto as soluções irrigadoras bactericidas quanto os medicamentos atuem de modo eficaz. Ou seja, o smear layer funciona realmente como isolante cavitário natural que, pela essência de sua natureza, age diminuindo a permeabilidade dentinária em cerca de 25 a 49% (Fogel & Pashley, 1990). Segundo Orstavik & Haapasalo (1990), o smear layer retarda, mas não impede a ação dos agentes desinfetantes. Entretanto, com a remoção do smear layer, bactérias presentes nos túbulos dentinários podem ser alcançadas e, portanto, destruídas com mais facilidade. Devido a esta análise, sob o ponto de vista microbiológico, é justificada a remoção do smear layer em casos de dentes despolpados (Siqueira & Lopes, 1999).

19 Outro motivo, do ponto de vista técnico, apresentado para justificar a necessidade da remoção do smear layer encontra-se relacionado ao controle da microinfiltração apical. Atuando como isolante cavitário natural, o smear layer pode vir a interferir na adaptação do material obturador à parede dentinária e desde modo aumentar a microinfiltração apical (Sen et al., 1996, De Deus et al., 2002). Para Evans & Simon (1986), a presença ou ausência do smear layer não tem efeito significativo em relação à qualidade do selamento apical. No entanto, Cergneux et al. (1987) e Saunders & Saunders (1992), relatam que sua remoção pode melhorar o selamento da obturação radicular. Kennedy et al. (1996) relatam que a presença do smear layer influenciou negativamente no selamento apical da obturação. Os resultados conflitantes encontrados na literatura podem ser justificados pela própria natureza dos estudos sobre microinfiltração, em função do imenso número de variáveis e da dificuldade encontrada na criação de um modelo metodológico robusto, eficaz e reprodutível para esse tipo de estudo (Wu et al., 1993). Variáveis como a anatomia interna do sistema de canais radiculares, natureza e volume da irrigação, propriedades físicas e químicas dos cimentos endodônticos e da guta percha, técnica de instrumentação e obturação e a própria condição do selamento coronário representam a real dificuldade neste tipo de estudo. No entanto, dentro deste universo complexo de resultados, existe uma tendência a acreditar que o smear layer deve influenciar negativamente na qualidade do selamento. Objetivando a remoção do smear layer diversos tipos de soluções e protocolos de irrigação foram propostos, incluindo os agentes quelantes. Teoricamente, como o smear layer é formado por componentes orgânicos e inorgânicos, o uso alternado de um agente quelante e do hipoclorito de sódio a 5,25% promove sua remoção. O agente quelante rouba a porção calcificada expondo o colágeno, e o hipoclorito de sódio atua removendo o material orgânico, inclusive o colágeno da matriz orgânica. Denominam-se quelantes as substâncias que possuem a propriedade de fixar os íons metálicos de um determinado composto molecular. O termo quelar é derivado do grego Khele que significa garra, assim como da palavra quelípode, que significa pata de certas espécies de crustáceos que terminam em pinça ou garra, como o caranguejo (Dautel-Morazin, 1991). Os quelantes, apresentando na extremidade de suas moléculas radicais livres que se unem aos íons metálicos, atuam de maneira semelhante às garras. Estas substâncias roubam os íons metálicos do complexo molecular ao qual se encontram entrelaçadas, fixando-os por união coordenada fenômeno que é denominado quelação.

20 A quelação é portanto um processo físico químico de captação de íons positivos multivalentes por substâncias denominadas quelantes ou seqüestradores, mantendo uma união estável por formar ligações especiais de covalência coordenada. O complexo formado é bastante estável diante de alterações de ph, temperatura e concentração (Baumgartner & Ibay, 1987). A dentina humana é um complexo molecular, em cuja composição estão os íons de cálcio. Com a aplicação de uma substância quelante sobre a superfície dentinária, a retirada de íons cálcio determinará uma fragilidade dentinária, que já foi verificada através de medidas de dureza antes e depois da aplicação do quelante. Patterson (1963) afirma que a dureza da dentina humana varia com sua localização e possui valores entre 25 a 80 na escala de Knoop. Na junção cemento-dentinária e nas proximidades da superfície do canal radicular a dureza é menor. Após ser submetida a ação de um quelante, a dureza máxima encontrada foi de 1,6. Recentemente, uma abrangente revisão da literatura foi publicada por Torabinejad et al. (2002), onde foram abordadas as implicações clínicas do smear layer na terapia endodôntica. É descrito que com o uso dos métodos de instrumentação usados atualmente na terapia endodôntica ocorre a formação de uma camada residual composta de matéria orgânica e inorgânica que freqüentemente pode reter bactérias e seus subprodutos. Os métodos disponíveis para a remoção do smear layer incluem o ataque químico, técnicas ultra-sônicas e a laser, sendo que nenhum desses métodos se mostra totalmente eficaz, não existindo um consenso universal a respeito. Os autores ainda chamam a atenção para a possível erosão dentinária ocorrida devido ao uso de substâncias quelantes como o EDTA. A erosão dentinária pode vir a dificultar a adaptação do material obturador e deste modo ser prejudicial ao prognóstico do tratamento. Marshall et al. (1993) ressaltam que o processo de desmineralização resulta em uma fragilização da estrutura dentinária e que, embora sendo um procedimento de grande importância na clínica odontológica atual, detalhes desse processo ainda são pobremente descritos e os métodos que estudam as alterações morfológicas na dentina normalmente não possuem características que possibilitem uma análise longitudinal das alterações. Tendo em vista a importância que o aumento da permeabilidade dentinária possui na terapia endodôntica e a carência de experimentos que consigam realizar uma análise quantitativa sobre a capacidade de remoção do smear layer surgiu o propósito desta pesquisa.

21 A ação do EDTA, do EDTAC e do Ácido Cítrico sobre a dentina radicular foi analisada por dois métodos. Primeiramente, foi realizada uma análise da dureza radicular antes e depois da aplicação do quelante. Em seguida, utilizou-se microscopia de força atômica (AFM) para mapear e caracterizar as alterações microestruturais ocorridas na dentina antes, durante e após o processo de quelação dos íons cálcio. No caso da microscopia, realizou-se experimentos em que a ação quelante foi observada em tempo real, in situ, através do uso de um porta-amostras especial uma célula de líquido que permitiu observar a superfície das amostras durante o processo de ataque ácido. Seqüências de imagens foram capturadas durante o processo e uma rotina de processamento e análise digital de imagens (PADI) foi criada para avaliar qualitativa e quantitativamente o efeito das substâncias quelantes. O desenvolvimento desta metodologia de microscopia in situ e análise digital é uma das principais contribuições da presente dissertação.