PRÁTICAS SEXUAIS DE MULHERES LÉSBICAS E BISSEXUAIS E A RELAÇÃO COM A PREVENÇÃO DAS DST/HIV/AIDS



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Transcrição:

PRÁTICAS SEXUAIS DE MULHERES LÉSBICAS E BISSEXUAIS E A RELAÇÃO COM A PREVENÇÃO DAS DST/HIV/AIDS Lorena Moraes 1 Marcelle Cristiane Esteves 2 A pesquisa apresentada colheu dados sobre lesbianidade e a vulnerabilidade às DST/AIDS no Brasil, bem como, o debate sobre as práticas sexuais dessas mulheres e a prevenção. Tendo por base os dados apresentados, é possível perceber que esse histórico de desassistência reflete-se diretamente na falta de conhecimento e de preocupação dessas mulheres com o fator de risco a que estão expostas através de suas práticas sexuais. A investigação foi realizada através de questionário fechado e atingiu 100 mulheres, acessadas em espaços de sociabilidade GLS, fornecendo informações no sentido de esclarecer o contexto de vulnerabilidade em que estão inseridas parte da comunidade participante da investigação. O resultado demonstrou questões importantes; 30% das entrevistadas declarou ter relações sexuais durante o seu período menstrual ou da parceira, 90% não utilizou nenhum tipo de proteção durante essas relações, 18% compartilhou acessórios com a parceria sem camisinha e 16% com a mesma camisinha. Em relação ao risco de contaminação por DST, demonstrou-se não existir consenso, 83% declarou atenção a qualquer sintoma ou alteração corporal, como uma ação de prevenção ao contágio com as DSTs; 67% se referiu a conhecer bem a parceira; 64% a manter relação monogâmica; 57% a lavar-se depois de cada relação. Os dados demonstram uma desassociação entre as práticas homossexuais entre mulheres e o fator de risco e contaminação para as DST e o HIV/AIDS. Pode-se concluir que as entrevistadas apresentaram uma carência de informações e de debates sobre saúde sexual e práticas sexuais entre mulheres, essa carência aliada ao preconceito e a discriminação que envolvem a população em questão, contribuem ainda mais para que aumente a vulnerabilidade e a exposição dessas mulheres às DST e à própria epidemia de HIV/AIDS. Palavras-chave: Lesbianidade, Bissexualidade, Práticas Sexuais e Prevenção DST/HIV. 1 Mestre em Ciências Sociais. Grupo Arco-íris de Cidadania LGBT. 2 Assistente Social. Coordenadoras Projeto Laços e Acasos: Mulheres, Desejos e Saúde - Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT. mceesteves@hotmail.com 1

Introdução Frente ao fenômeno da feminização e pauperização da epidemia de HIV/Aids, mulheres lésbicas e bissexuais ainda permanecem na sombra dos dados epidemiológicos. A justificativa para a elaboração desta pesquisa, intitulada Lesbianidade, Bissexualidade e Comportamento Sexual, baseou-se na grande demanda de um cenário pouco conhecido que é o da saúde sexual das mulheres lésbicas e bissexuais. A construção de políticas públicas de saúde e de direitos sexuais de lésbicas e bissexuais no Brasil alia-se a desconstrução do paradigma dominante da heterossexualidade compulsória. Observa-se que no campo das demandas públicas de saúde, as mulheres lésbicas e bissexuais inexistem como figuras geradoras de necessidades. Quando se fala em homossexuais, DST e Aids, novamente as lésbicas são "esquecidas": a grande maioria dos artigos, campanhas e estudos no Brasil estão relacionados ao universo homossexual masculino, sendo raríssimo encontrar algo a respeito de lésbicas e bissexuais. Talvez por isso, ainda sejam poucas as mulheres que ao realizarem sexo com mulheres utilizam-se de barreira/ proteção e\ou sinalizem a prevenção às DST como algo central em suas práticas afetivas. No que tange a pesquisa sobre comportamento e práticas sexuais de risco entre mulheres, existe no Brasil um quadro caótico de quase total desconhecimento. Os poucos dados ainda mantêm-se limitados a pesquisadores de universidades e órgãos governamentais. O movimento social LGBT brasileiro pouco ou quase nada vem realizando em relação a pesquisas, ações de prevenção as DST/HIV/Aids e promoção da saúde das mulheres lésbicas e bissexuais. Segundo Facchini e Barbosa (2006) as preocupações e estudos existentes a respeito de mulheres lésbicas e bissexuais limitam-se quase que exclusivamente aos Estados Unidos. Os estudos estadunidenses apontam para a existência de vários fatores associados a diferentes problemas de saúde, tais 2

como: câncer de mama e de colo de útero, menor utilização de serviços de saúde, uso abusivo de álcool, uso de drogas ilícitas, tabagismo e níveis elevados de sofrimento psíquico, com estabelecimento de consenso apenas para um número exíguo de questões. No Brasil notadamente existe uma lacuna de dados e informações concernentes à saúde da mulher lésbica e bissexual. Podemos notar certo esforço de alteração desse quadro no lançamento: Chegou a hora de cuidar da saúde - um livreto especial para lésbicas e bissexuais, publicação da Área Técnica da Saúde da Mulher do Ministério da Saúde em 2006, e em pesquisas isoladas como a tese de Almeida (2005) e o dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas Promoção da Equidade e da Integralidade, da Rede Feminista de Saúde, também de 2006. Com relação à mobilização das mulheres, quase que limitada durante décadas ao movimento feminista, Charlotte Bunch (1996) destaca uma possível contradição no interior do movimento feminista: ao tempo que advoga por uma agenda de libertação da heterossexualidade compulsória de base patriarcal e contribui para elaborações conceituais e políticas que impulsionam o erotismo entre mulheres, as feministas também terminam por deixar escapar resquícios homofóbicos quando se identifica os grandes obstáculos que têm as mulheres lésbicas em garantir suas reivindicações. Observamos grandes avanços, mas a articulação entre grupos/organizações lésbicas com os demais sujeitos políticos envolve tensões e sutilezas que emperram a construção de agendas políticas comuns para além do plano jurídico-formal. Acreditamos a partir de nossas observações e discussões internas no Grupo Arco-Íris que um grande obstáculo refere-se ao distanciamento entre a luta de mulheres e de homens homossexuais, apesar de ambos compartilharem a opressão exercida pela homofobia e questionarem a família heterossexual e patriarcal, suas bandeiras no campo político da saúde, especificamente, se distanciam. Prova desta afirmação refere-se ao combate as DST-Aids: enquanto os gays, travestis e transexuais lutam pela ampliação de recursos e de direitos civis, as lésbicas e bissexuais reivindicam o reconhecimento de sua vulnerabilidade frente as DST. 3

Existem no Brasil dois cenários a respeito da situação da saúde da mulher lésbica e bissexual. De um lado, nas orientações do Ministério da Saúde, com base nas mudanças epidemiológicas da AIDS, de incluir trabalhos de prevenção contra as DST / HIV na rotina dos serviços de assistência à saúde da mulher. De outro, as denúncias das lésbicas e bissexuais organizadas nos movimentos sociais de que o serviço público de saúde não está preparado para lidar com as questões relacionadas as suas práticas sexuais. A amostra contou com 100 questionários, aplicados, em espaços de sociabilidade LGBT na cidade do Rio de Janeiro e na rede de amizades do Grupo Arco-Íris, foram sete blocos temáticos, totalizando 84 questões, a pesquisa foi construída com três principais recortes: etário (14-39 anos), renda (camada popular) e identidade/prática sexual (lésbicas, bissexuais e outras MSM). Das cem mulheres acessadas pela pesquisa, podemos traçar o perfil majoritário das entrevistadas: amostra foi caracteristicamente jovem (71% das entrevistadas tinham entre 14 e 29), composta por uma população parda/preta em sua maioria (61%), moradora de bairros populares (73% concentrada nas regiões centro, zona oeste e zona norte) com uma taxa de escolaridade que pode ser considerada alta (72% da amostra está entre ensino médio incompleto e ensino superior incompleto). Perfil diferente da maioria dos estudos existentes que se referem a grupos em sua maioria constituídos por mulheres brancas, de maior escolaridade e mais jovens. A maioria das entrevistadas identificou-se como lésbica (59%) ou bissexual (21%). Aspectos de saúde Os nossos dados apontam para um cenário positivo ao que se refere à situação epidemiológica em DST autodeclarada de nossa população. Entretanto, é preciso destacar que 24% das mulheres entrevistadas revelaram já terem sido diagnosticadas com alguma DST. Ainda que nossa amostra seja considerada pequena (100 mulheres), a ausência de dados sobre a população de lésbicas e bissexuais no Brasil ou mesmo na área metropolitana do Rio de 4

Janeiro, aliado a desinformação sobre o número de mulheres que freqüentam os espaços em que foram aplicados os questionários, nos impossibilita de determinar um cenário preciso ou comparativo da situação de saúde destas mulheres. Entretanto, trabalhando com nossa amostra, das DST s indicadas foram apresentadas em maior número a candidíase 3 e o HPV 4. O quadro tende a se aprofundar quando se refere aos sintomas que podem indicar ou não a presença de DST s. Outro fator interessante na amostra é que entre aquelas que diagnosticaram algum tipo de sintoma ou DST, 43% delas se relacionavam somente com mulheres, 18% somente com homens e 4% com homens e mulheres. Comportamento de risco principal e seus determinantes Os dados apontam preocupações diferenciadas quanto às práticas sexuais entre mulheres e de mulheres com homens. Se nas relações heterossexuais elas se apropriam em maior número do preservativo, 62% sempre utilizam, o mesmo não ocorre em práticas homossexuais em situação de extrema vulnerabilidade. Das mulheres que mantêm práticas sexuais com suas parceiras em período menstrual (30%), sendo que 90% não utilizam nenhuma proteção. Esse bloco possuí duas questões complementares que procuram apreender a percepção de risco da população-alvo em diferentes práticas sexuais, assim como em medidas de redução de danos, a partir do gráfico 54. Expondo uma lista de práticas, a questão propôs que as entrevistadas selecionassem sua percepção de risco para cada uma delas, entre as gradações nenhum, baixo, médio, alto ou não sei. 3 A candidíase é uma doença provocada por fungo. É um dos mais irritantes e espessos corrimentos, geralmente acompanhado de coceira ou irritação intensa. A candidíase pode ser observada eventualmente na parceira sexual, manifesta-se através de pequenas manchas vermelhas no órgão reprodutor. Isso significa que a infecção é sexualmente transmissível. 4 O cancro no colo do útero é provocado por um vírus, de seu nome Papillomavirus Humano (HPV). Este vírus é transmitido por via do contato sexual e é uma doença incurável. Os preservativos não evitam e mesmo que usados regular e corretamente a sua transmissão, porque o vírus se transmite por simples contato. 5

A distribuição dos resultados sugere que não há consenso sobre o grau de risco de contaminação ou sobre o contexto no qual as práticas são realizadas. 42% das entrevistadas consideraram que não há nenhum risco em banho de lingua, 25% declararam que existe baixo risco e 17% que existe médio risco nessa prática. Em relação a penetração com dedos/mão na vagina, 31% consideraram que não há nenhum risco de contaminação, 21% consideraram que há baixo risco, 27% consideraram que há médio risco e 18% que há alto risco. Em relação a penetração com dedos/mão no ânus, 24% da amostra considera que existe nenhum risco nessa prática, 21% considera que existe baixo risco, 24% que existe médio risco e 26% considera uma prática de alto risco. O resultados bastante dispersos dessas distribuições sugerem que não há consenso, apontando para o quanto fatores subjetivos e contextuais conformam nuanças que devem de algum modo serem levadas em consideração ao pensarmos medidas de prevenção a DST direcionadas para essa população. Uma indicação interessante é a de que práticas heterossexuais foram aquelas em que um houve o maior consenso em relação à percepção de risco das entrevistadas. Sexo oral com homens foi considerada uma prática de alto risco por 72% da amostra e de médio risco por 19%. Já penetração com homens foi tida como uma prática de alto risco por 90% das entrevistadas. Essa percepção é condizente com as declarações feitas no grupo focal, onde uma das afirmações foi a de que um relacionamento heterossexual envolveria muito mais risco de contaminação por DST s do que um relacionamento homossexual feminino, entre as justificativas para esse suposto menor risco, estaria a monogamia e a fidelidade: A mulher lésbica assim, ela não tem, ela não trai como um casal hetero que pode trair, às vezes, ela não trai, é só aquilo ali mesmo. Se ela não tem a doença e se a parceira não tem doença, então ela não vai pegar a doença A respeito de ações ou práticas que poderiam prevenir o contágio por DST, 83% das entrevistadas declarou atenção a qualquer sintoma ou alteração corporal, como uma ação que poderia prevenir o contágio com as DST; 67% se 6

referiu a conhecer bem a parceira; 64% a manter relação monogâmica; 64% a não compartilhar roupas intimas, 57% a lavar-se depois de cada relação; 58% a não ter relações, 86% a visitar o ginecologista/papanicolau; 92% a manter relação com proteção/barreira. Esses números apontam para medidas e cálculos que são feitos no sentido de reduzir riscos de contaminação e que vão além do uso mais direto de barreiras durante as relações sexuais. Análise temporária dos determinantes de comportamento de risco Das entrevistadas que fazem sexo com suas parceiras quando estão menstruadas, 90% delas não utilizam nenhum tipo de proteção, isso caracteriza o quanto as mulheres não demonstram preocupação em se proteger nas suas relações. Essa mesma despreocupação pode ser percebida quando analisamos o compartilhar de acessórios entre as mulheres, 26% afirmam compartilhar acessórios com suas parceiras trocando a camisinha, 18% compartilham sem camisinha, 16% compartilham o acessório coma mesma camisinha, esse comportamento deixa claro o quanto às mulheres através de suas práticas podem estar vulneráveis ao contágio de DST. A desinformação sobre as formas de contágio às DST e a sensibilização às práticas sexuais mais seguras parece-nos o fator central de nossa população. 73% de nossa amostra declarou nunca ter recebido nenhum material de prevenção (camisinhas voltadas para mulheres e\ou barreiras), materiais informativos sobre DST ou informações sobre práticas sexuais mais seguras entre mulheres. A situação de desinformação reflete-se na percepção de risco de contágio às DST, 44% declararam não possuir risco de contraí-las, acompanhada da declaração de que 54% avaliam não possuir risco de contrair HIV. O grau de desinformação reflete-se inclusive nas práticas de prevenções 42% declararam que lavar-se bem depois das relações sexuais podem prevenir contágio pelas DST. Outra prática de prevenção entre as mulheres lésbicas e que foi sinalizado nas conversas informais refere-se a resistência e\ou recusa de práticas sexuais com mulheres bissexuais ou ainda a percepção de odores 7

descaracterísticos da genitália feminina através do inserção da mão no órgão genital da parceira. Conclusões A análise preliminar dos dados obtidos em nossa investigação nos fornece algumas indicações interessantes no sentido de responder nossas questões iniciais 5 mas, sobretudo, nos faz ampliar de modo significativo o leque de questionamentos e a percepção da complexidade dos temas aqui analisados. Como dito anteriormente, os dados sobre práticas homossexuais femininas e saúde são escassos. Barbosa & Fachinni (2006) encontraram apenas sete estudos focalizando especificamente homossexualidade feminina e saúde sexual e reprodutiva. O ainda tímido investimento de estudos na temática acarreta os problemas de todo o campo ainda em formação, como incertezas e inconstância em definições conceituais, dificuldades metodológicas de definição e acesso à população pesquisada. Muitas vezes nos deparamos com essas dificuldades ao longo do nosso processo de investigação, mas sem dúvida a experiência nos forneceu ferramentas para lidar com esses problemas e questões em projetos futuros. Contudo, vale atentar para alguns dados e sua concomitância e/ou discordância em relação a outros estudos disponíveis. Baseamos-nos aqui, em muitas dos levantamentos apresentados no dossiê pioneiro, já citado, organizado por Barbosa & Fachinni (2006), uma vez que sistematizam os dados oriundos das poucas pesquisas existentes relacionando mulheres com práticas sexuais e saúde. A relação entre lésbicas e as DST's está fortemente ligada a fatores, como: a invisibilidade da vivência de uma relação lésbica, a invisibilidade do corpo feminino, a homofobia, preconceito e discriminação existente na 5 Relembrando: Quais os comportamentos e praticas sexuais de risco entre lésbicas e mulheres bissexuais? Qual o grau de informação entre lesbicas e bissexuais sobre doenças sexualmente transmissiveis que as atingem? Qual o grau de informação entre lesbicas e bissexuais sobre praticas sexuais mais seguras? 8

sociedade, tais fatores potencializam a vulnerabilidade das mesmas em relação às DST's e ao HIV. Sendo assim, muitas lésbicas acreditam no mito de que relações sexuais entre mulheres é fator protetivo às DST's e ao HIV, o que além de ser uma inverdade, é um pensamento equivocado que faz com que lésbicas e mulheres bissexuais permaneçam desprotegidas às DST's e também ao HIV. A prática de sexo com homens apareceu em proporções significativas. Das mulheres que já relacionaram sexualmente ao menos uma vez na vida, 30% tiveram um ou mais parceiro(s) sexuais nos seis meses anteriores a pesquisa. Nesse sentido, de acordo com o descrito por Barbosa & Fachinni (2006), referindo-se a outros estudos, também não devemos perder de vista que essa população não mantém relações afetivo-sexuais exclusivamente com mulheres. Esse conjunto de dados indica que a população acessada não se relaciona exclusivamente com mulheres e que se colocam vulneráveis no sexo com homens também. Claramente existe a necessidade e a demanda de informações mais detalhadas e esclarecimentos sobre práticas sexuais mais seguras, medidas preventivas, formas de trasmissão de DST/HIV/AIDS. REFERÊNCIAS ALMEIDA, G. E. da S. Da invisibilidade à vulnerabilidade: percursos do 'corpo lésbico' na cena brasileira face à possibilidade de infecção por DST e AIDS. (2005). 342 f. [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro, Programa de Pósgraduação em Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. BARBOSA, Regina M.; FACCHINI, Regina;. Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas: Promoção da Equidade e da Integralidade. Rede Feminista de Saúde, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Políticas e diretrizes de prevenção das DST/AIDS entre mulheres. Brasília (DF), (2003). 9

BRASIL. Ministério da Saúde. Plano Integrado de Enfrentamento à Feminização da Epidemia da Aids e outras DST. Brasília (DF), 2007. BUNCH, Charlotte. IN ROSENBLOOM, Rachel. Unspoken rules. S.l., s.ed., 1996. PINTO, V. M. Aspectos epidemiológicos das doenças sexualmente transmissíveis em mulheres que fazem sexo com mulheres. (2004). Volume I. [Dissertação de Mestrado] Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, USP. 10