Ensinando UML para Estudantes Cegos



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Transcrição:

Ensinando UML para Estudantes Cegos Christiane E. Silva 1, Luiz Gustavo dos Santos 1, Luciano T. E. Pansanato 1, José A. Fabri 1 1 Universidade Tecnológica Federal do Paraná / UTFPR Av. Alberto Carazzai, 1640 - Cornélio Procópio, PR, Brasil chris.eneass@gmail.com, gustavodote@gmail.com, {luciano, fabri}@utfpr.edu.br Abstract. A inclusão de um estudante cego em um curso superior da área de informática não é uma tarefa simples, neste segmento de curso existe uma série de disciplina que trabalham na especificação de software. Neste tipo de especificação são utilizadas notações gráficas (diagramas) que quase sempre não são acessíveis aos leitores de tela. Dado este contexto o presente trabalho tem como objetivo apresentar uma notação alternativa para o ensino de UML a um estudante cego do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Cornélio Procópio. Keywords: Cego, Vidente, Ensino de UML, Grafo, Notação Alternativa. 1 Introdução A concretização do modelo da educação inclusiva é uma das questões que desafiam o sistema educacional brasileiro. A educação inclusiva demanda recursos para a adaptação dos ambientes físicos, aquisição de softwares específicos, contratação de profissionais especializados, entre outras necessidades. A implantação dessa concepção pedagógica também requer o aperfeiçoamento de práticas inclusivas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem. Na educação superior, em especial, o professor deve estar preparado para as questões que envolvem a inclusão dos portadores de necessidades educacionais especiais (PNEEs). Entretanto, geralmente, o professor não tem formação específica para tratar essas questões e não encontra apoio na literatura, que é bastante limitada em relação à inclusão na educação superior. Nesse sentido, o presente trabalho visa contribuir para a educação superior em computação apresentando uma abordagem utilizada com sucesso no ensino de técnicas de modelagem de sistemas a estudantes cegos. A necessidade de desenvolver esse trabalho surgiu devido à matrícula, no início do segundo semestre de 2010, de um estudante cego no curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas da Universidade Tecnológica Federal do Paraná campus Cornélio Procópio (UTFPR - CP). Os professores encontraram dificuldades quando o desenvolvimento de conceitos envolvia estratégias de ensino apoiadas em diagramas, como em Árvores (Estrutura de Dados) e Modelo Entidade-Relacionamento (Banco de Dados). Inicialmente, foi

suficiente o uso de cartolina e velcro para criar o material de apoio básico. No entanto, à medida que o estudante cego avançava no curso, aumentou a quantidade de técnicas visuais de modelagem e, conseqüentemente, a necessidade de alternativas mais efetivas. Nesse contexto, um tutor foi contratado para acompanhar e auxiliar o estudante cego. Esse tutor desenvolve material didático específico e/ou adapta os existentes usando impressora de alto relevo e mesa tátil. Esses equipamentos foram adquiridos pela UTFPR para uso no seu Núcleo de Apoio aos Portadores de Necessidades Especiais (NAPNE). Entretanto, essa alternativa não contribui para proporcionar independência total e inclusão social porque os recursos utilizados (tutor e equipamentos) envolvem custos altíssimos e o estudante não dispõe desses recursos fora da Universidade. Sob a ótica apresentada nos parágrafos anteriores, este artigo tem como meta apresentar um conjunto de técnicas que possibilitam aos estudantes com deficiências visuais graves, modelar sistemas/softwares de forma independente, ou seja, sem a utilização da impressora de alto relevo, da mesa tátil e de ferramentas gráficas tais como o ASTAH (antigo JUDE), Argo UML (Unified Modeling Language), Poseidon UML. Para atingir o objetivo proposto este texto foi estruturado da seguinte forma: A seção 2 apresenta uma relação entre a comunicação diagramada e estudantes cegos. O ensino efetivo da UML para o referido estudante é apresentado na seção 3. Os resultados e a metodologia de pesquisa a validação do trabalho são abordados na seção 4, por fim, as conclusões e os trabalhos futuros são apontados na seção 5. 2 Diagramas e Estudantes/Usuários Cegos Os diagramas sempre foram ferramentas gráficas importantes e efetivas para descrever e comunicar idéias. Entretanto, a sua natureza gráfica inerente faz com que sejam parcialmente ou totalmente inacessíveis a estudantes cegos. Uma alternativa para apresentar um diagrama a um estudante cego é produzir uma representação tátil equivalente ao diagrama, por exemplo, usando uma impressora de alto relevo ou mesmo uma impressora Braille. A primeira utiliza um papel especial que reage ao calor e a segunda é um tipo de impressora de impacto. A representação tátil produzida por uma impressora de alto relevo pode ser combinada com uma mesa tátil na qual são colocados os diagramas e, por intermédio da seleção por toque, são emitidas informações previamente programadas em áudio. Em geral, o custo desses equipamentos especializados é alto e dificilmente estão disponíveis para a comunidade. Na literatura existem alguns trabalhos [1] [2] que descrevem a aplicação de representações táteis no ensino de diagramas para estudantes cegos. Esses trabalhos descrevem casos específicos que exigem pessoal dedicado na construção dessas representações táteis. Os leitores de tela, como JAWS [3], Virtual Vision [4] e NVDA [5], são softwares que convertem informações textuais em áudio utilizando um sintetizador de voz. Essa tecnologia é utilizada principalmente por usuários cegos para a leitura de documentos textuais e da interface de um software. Para diagramas, um leitor de tela está limitado

às suas descrições textuais alternativas, quando disponíveis, por exemplo, em livrostexto (arquivo PDF fornecido pela editora) e em notas de aula produzidas pelo professor. Adicionalmente, as ferramentas utilizadas, por videntes, na criação de diagrama UML (Microsoft Office Visio [6], JUDE [7], Poseidon UML e Argo UML [8]) não são acessíveis para os leitores de tela. Isso torna difícil para o estudante cego acompanhar diversas tarefas da mesma maneira que seus colegas videntes. Existem vários trabalhos que descrevem sistemas para transmitir informação gráfica a usuários cegos. O foco desses sistemas tem sido a extensão da interface tradicional com a utilização de áudio [9] [10] [11] [12], de dispositivo tátil e de força [13], ou uma combinação desses recursos [14] [15]. Alguns desses sistemas permitem somente a apresentação e pouca interação do usuário [9] [12] [13], enquanto outros permitem que o usuário explore a representação do diagrama [10] [11] [14] [15]. No entanto, esses sistemas são experimentais, podem depender de software e hardware específico e/ou de treinamento especializado e não foram avaliados no contexto de ensino de técnicas de modelagem de sistemas. Neste trabalho é apresentada uma representação alternativa para diagramas que, além de permitir que um estudante cego possa entender e construir um diagrama nessa representação sem o auxílio de outra pessoa ou de qualquer equipamento especial usualmente utilizado por um usuário cego. O trabalho descrito é uma importante contribuição para a educação superior em computação, pois possibilita a inclusão, de maneira simples e rápida, dos estudantes com deficiências visuais nas disciplinas que tratam as questões de modelagem sistêmica/software. 3 Ensino UML para Estudantes Cegos O uso de notações gráficas para a modelagem sistêmica na área de engenharia de software é de fundamental importância na produção dos artefatos (em nosso contexto, diagramas de caso de uso, atividades e classes) claros, concisos e consistentes. Portanto, o ensino destas notações é de extrema importância nas disciplinas dos cursos da área informática. A Unified Modeling Language (UML) é uma linguagem gráfica utilizada para especificar, construir e documentar os artefatos de sistemas/software [16] e caracteriza-se como o principal protocolo de comunicação da indústria de software. O ensino da simbologia que compõe a UML para estudantes cegos é desafiador e, porque não, na opinião dos autores deste trabalho, ENCANTADOR, uma vez que as ferramentas de software utilizadas para a criação de diagramas não trabalham bem com os softwares leitores de tela, como comentado anteriormente. Nas próximas subseções é possível verificar a representação alternativa utilizada para o ensino do UML aos estudantes cegos. Este artigo enfatiza representação alternativa dos diagramas de: 1 - caso de uso, 2 classes; 3 - seqüência. É importante salientar que UML possui vários outros diagramas, que também foram apresentados, por meio da referida representação alternativa, porém estes não fazem parte do escopo mapeado neste texto.

Na Subseção 3.1 são apresentados os conceitos que formam a base para a construção da representação alternativa. A representação alternativa dos diagramas de caso de uso, de classes e de seqüência será apresentada na seção subseqüente. 3.1 Base conceitual utilizada para representação alternativa dos diagramas UML. Em geral, utilizar um diagrama de pontos ligados por linhas é uma maneira típica para representar um grafo. Um grafo consiste num conjunto de nós (ou vértices) que podem estar conectados por arcos (ou arestas) [17]. Como não existe uma definição técnica para diagrama que seja amplamente aceita, neste trabalho é utilizado o conceito de grafo baseado em nós e arcos. Os nós contêm informação e os arcos são usados para conectar os nós que mantém algum tipo de relação. Do ponto de vista computacional, um grafo pode ser representado de diversas maneiras [18], por exemplo: por meio de tuplas, conjuntos, contêineres, listas e matrizes. Na Figura 1 é ilustrado um exemplo de grafo direcionado e uma possível representação deste usando uma tabela de linhas e colunas. Essa possibilidade de representar grafos de várias maneiras provê uma série de alternativas na representação de diversos diagramas que se caracterizam como artefatos do processo de produção de software. Estas alternativas podem ser adequadas facilmente no ensino dos diagramas, presentes na UML, para os estudantes cegos. a Nós iniciais Nós finais b c b c a, c e d b, e d e e b Fig. 1. Exemplo de grafo orientado com cinco nós e seis arcos e uma representação correspondente usando tabela. As colunas da tabela contêm informações sobre os nós iniciais (origem dos arcos) e finais (destino dos arcos). As linhas da tabela representam os arcos do grafo. Os autores deste trabalho optaram pelo uso de tabelas para representar diagramas, pois elas provêm algumas vantagens práticas: (a) o conceito subjacente de linhas e colunas é amplamente conhecido; (b) os usuários cegos têm domínio da navegação em tabelas usando o teclado do computador; e (c) a informação textual de uma tabela pode ser facilmente convertida para áudio pelos leitores de tela na maioria dos aplicativos (por exemplo, no Microsoft Office Excel [19]).

3.2 Ensino de diagramas UML usando tabelas O diagrama de casos de uso é o diagrama mais geral e informal da UML, utilizado na fase de levantamento e análise de requisitos para representar as principais funcionalidades (usos) do sistema/software. A técnica utilizada para construir um diagrama é identificar os atores (usuários ou outros sistemas) e os serviços que o sistema fornecerá aos atores, conhecidos como casos de uso. A partir de listas de atores e casos de uso, o diagrama é construído organizando-os e especificando os seus relacionamentos. A estratégia de ensino para diagrama de caso de uso é começar com a modelagem de sistemas simples e evoluir em complexidade à medida que os conceitos são consolidados. Para o ensino a um estudante cego, a técnica de construção e a estratégia de ensino são iguais, o que diferencia são as orientações para a criação da representação, estas, por sua vez, são direcionadas para o uso de tabelas ao invés de notação gráfica, e a ferramenta de software utilizada por estudantes videntes para a criação de diagramas UML é substituída por um aplicativo que permite a criação de tabelas pelos estudantes que caracterizam o objeto de estudo deste trabalho. A representação de um diagrama de casos de uso usando uma tabela envolve mais detalhes quando comparado à representação de um grafo como aquele apresentado anteriormente (Figura 1): os nós e os arcos de um diagrama de casos de uso possuem tipos cuja semântica é diferente. Em uma notação gráfica essa semântica é diferenciada por meio da primitiva gráfica associada aos diferentes tipos de nós e arcos. Na representação em tabela é necessário incluir informações textuais equivalentes, por exemplo, no cabeçalho da tabela. A regra aplicada para obter uma representação em tabela é criar uma coluna para cada tipo de nó (ator e caso de uso) e uma coluna para a especificação dos arcos. Na coluna que especifica os arcos, a semântica de cada arco é indicada utilizando a palavra associação quando o arco for entre ator e caso de uso e inclusão (include) ou extensão (extend) quando o arco for entre casos de uso. Para indicar o destino dos arcos entre casos de uso, uma nova coluna deve ser criada para esta finalidade. Essa coluna é necessária porque o diagrama de casos de uso permite arcos (inclusão e extensão) entre nós de mesmo tipo (casos de uso). Isso não ocorre com nós do tipo ator, que apenas podem possuir arcos do tipo associação com nós de outro tipo (casos de uso). Para exemplificar, a Figura 2 é ilustrada o diagrama de casos de uso criado por um estudante vidente e a Figura 3 apresenta o diagrama de casos de uso desenvolvido usando uma tabela por um estudante cego para o mesmo exercício. Na figura 2 é possível perceber que o caso de uso Armazenar Informações está associado aos atores Secretaria (ator que inicia o caso de uso), Médico e Paciente. Inclusos nele é possível perceber a presença dos casos Armazenar Informações de Pacientes e Armazenar Informações de Médico. Já a Figura 3 representa, por meio de uma notação alternativa, o caso de uso desenvolvido pelo estudante cego. Na primeira coluna é possível perceber o ator iniciador do caso de uso (Secretaria), lembrando que a notação alternativa estabelece que a primeira coluna sempre mapeará o ator iniciador do caso. Na segunda coluna é possível perceber a presença do caso de uso principal (Armazenar Informações). Na

terceira coluna são mapeados os casos inclusos, perceba que a terceira e quarta linha desta coluna estão vazias, pois os atores Médico e Paciente não estão associados e este casos inclusos e sim ao caso de uso principal. Na quarta coluna seriam mapeados os casos estendido e, por fim, a quinta coluna caracteriza os atores associados ao caso de uso principal, estendido ou incluso. Fig. 2. Exemplo de um diagrama de caso de uso criado por estudante um vidente. Fig. 3. Exemplo de diagrama de casos de uso criado por um estudante cego. Para representar um diagrama de classe usando uma tabela, a regra é bastante similar: uma coluna para os nós (classe), uma coluna para os arcos (associação, agregação e composição) e uma coluna adicional para os nós (classe) destino dos arcos. No entanto, um diagrama de classe tem alguns detalhes adicionais que também precisam ser representados: os nós e os arcos carregam mais informação que somente o nome e a semântica de tipo. Em um diagrama de classe, uma classe é representada pelo seu nome, uma lista de atributos com o tipo de cada atributo, uma lista de métodos e a visibilidade de cada atributo e método. Adicionalmente, os relacionamentos entre as classes possuem informação adicional sobre a sua cardinalidade. Nesse caso, a regra aplicada para obter uma representação em tabela é criar uma coluna para cada informação adicional. Para exemplificar, na Figura 4 é ilustrado o diagrama de classe criado por um estudante vidente. Na Figura 5 é ilustrado o diagrama de classe desenvolvido usando tabela por um estudante cego. Na Figura 4 é possível perceber a presença de duas classes Clientes e Senhas, a associação entre ambas as classes é bidirecional. Já na Figura 5 mapeia a representação alternativa, na primeira coluna é possível perceber o nome das classes,

na segunda são delineados os atributos, na terceira o tipo do atributo, na quarta os métodos, na quinta a forma do relacionamento (-- representa o relacionamento bidirecional e --> representa o relacionamento unidirecional), na sexta e cardinalidade e na sétima a classe relacionada. Fig. 4. Exemplo de diagrama de classe criado por um estudante vidente. Fig. 5. Exemplo de diagrama de classe criado por um estudante cego. O diagrama de seqüência também tem características particulares que devem ser consideradas para obter uma representação em tabela. Um exemplo criado por um estudante vidente para um exercício proposto em sala é mostrado na Figura 6. À primeira vista, alguém pode não reconhecer esse diagrama como um grafo de nós e arcos. No entanto, os nós (objetos que participam da interação) estão dispostos no nível superior do diagrama e os arcos (mensagens) são conectados à linha de vida do objeto (linha tracejada vertical) ao invés de diretamente aos nós (objetos). Com um pouco de esforço é possível visualizar o grafo de nós (objetos) e arcos (mensagens) correspondente, considerando a linha de vida do objeto como parte do próprio objeto. A particularidade do diagrama de seqüência é que as mensagens são colocadas em ordem crescente de tempo, de cima para baixo. Para incluir essa característica na representação em tabela, uma coluna adicional é criada na tabela para indicar a seqüência das mensagens. Exceto por essa coluna, a regra geral para obter uma representação em tabela continua semelhante: uma coluna para os nós (objetos), uma coluna para os arcos (mensagens) e uma coluna adicional para os nós (objetos) destino dos arcos. Na Figura 7 é ilustrado o diagrama de seqüência em tabela criado por um estudante cego (correspondente ao exemplo mostrado na Figura 6). Nela é possível perceber que a primeira coluna representa a ordem cronológica da ocorrência das mensagens, estas por sua vez, são caracterizados como métodos públicos nas classes. Já a segunda é mapeado o objeto emissor da mensagem e na quarta o objeto receptor. A mensagem em si é caracterizada na terceira coluna da tabela. É importante salientar que os

símbolos antecedentes ao nome da mensagem possuem os seguintes significados: --> mensagem assíncrona, <-- mensagem de retorno, <] auto-chamada, --< mensagem síncrona. Fig. 6. Exemplo de diagrama de seqüência criado por um estudante vidente. Fig. 7. Exemplo de diagrama de seqüência criado por um estudante cego. A representação em tabela de diagramas UML permite ao estudante cego adquirir e aplicar os principais conceitos e técnicas utilizados na modelagem. O professor, por sua vez, utiliza a representação em tabela como apoio ao processo de ensinoaprendizagem desse conteúdo. É importante ressaltar, entretanto, que apesar de facilitar a comunicação entre professor e estudante, o uso dessa representação alternativa não altera a curva de aprendizagem inerente ao conteúdo. O desenvolvimento da habilidade de realizar as abstrações e elaborar modelos representativos ocorre de maneira semelhante que com o uso da notação gráfica. 4 Resultados e metodologia de pesquisa utilizada para a validação da proposta. A metodologia de pesquisa utilizada para a coleta e validação dos dados deste trabalho caracteriza-se em duas vertentes: Quantitativa: resultado obtido pelo estudante na disciplina de Análise Orientada a Objeto. Coeficiente de rendimento obtido 8.5, fato este que comprova a eficiência da proposta mapeada neste trabalho Análise qualitativa, permeada pela sociologia do cotidiano, metodologia esta que se caracteriza-se, de forma sintética, pela a observação do ambiente. Neste caso a relação, via depoimento dos envolvidos, entre o estudante vidente, estudante cego e professor será mapeada. Nesta análise o pesquisador vê-se na contingência de recuperar impressões quotidianas dos

fatos que delinearam a vivência do objetivo de pesquisa imerso em seu ambiente [20]. 4.1. O depoimento do estudante cego O método de trabalho utilizado pela universidade vem ajudando muito a absorção dos conteúdos do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Particularmente na disciplina de análise de sistemas orientados, a notação alternativa possibilitou a minha inclusão no desenvolvimento do projeto de software, até então tinha a impressão que o meu foco seria apenas na codificação do produto, visto que os leitores de telas aderem perfeitamente a este artefato do processo. Ressalto que a notação alternativa, para modelagem UML, abriu horizontes importantes, por meio dela, pude enxergar (a inserção das aspas foram solicitadas pelo estudante cego) a real dimensão de um software. Tenho toda condição de elaborar um projeto consistente de software utilizando a UML. Por fim, gostaria de deixar claro que a notação alternativa é clara, concisa e consistente e, com certeza, pode ser utilizado por outros estudantes que possuem deficiências semelhantes a minha. 4.2. O depoimento do professor da disciplina O aluno cego possui disciplina para com os estudos e se esforça muito no desenvolvimento de seus trabalhos. O caminho a ser percorrido por este aluno será um pouco mais penoso quando comparado a um estudante vidente, esse fato também ocorreria na minha disciplina se não fosse o desenvolvimento da notação alternativa espelhada neste trabalho. Ela agilizou o ensino e a aprendizagem do conteúdo. Ressalto que os diagramas produzidos pelo estudante cego usando a representação em tabela foram comparados aos diagramas produzidos por estudantes videntes. As listas de exercícios e projetos propostas pelo professor foram utilizadas como base nessa avaliação. Todos os diagramas produzidos pelo estudante cego podem ser considerados equivalentes àqueles produzidos por estudantes videntes. Outro ponto importante deve ser destacado, para cada diagrama apresentado ao estudante cego, a sua representação tátil equivalente foi utilizada para auxiliar na verificação se as abstrações foram corretamente compreendidas. Nesse caso, o objetivo não foi verificar a equivalência em termos de representação mental do diagrama em notação gráfica, mas se as abstrações empregadas foram corretamente compreendidas. Por fim, acredito que não é uma tarefa simples incluir um estudante com estas características em um curso da área de informática, o apoio maciço da universidade, a força de vontade do aluno e a constante preocupação dos demais colegas do corpo docente com o fato, são pontos de motivam e irão continuar me motivando, paulatinamente, nesta tarefa inclusiva. O mais importante é que todos se sentem parte do problema.

4.3. O depoimento dos demais alunos da turma Trabalhar junto a um estudante cego foi uma experiência enriquecedora, pudemos enxergar como a deficiência visual maximiza o poder de abstração, fato este de extrema importância para área da computação. Aprender a ler a notação alternativa da UML criada pelos professores facilitou muito a comunicação no desenvolvimento dos trabalhos em grupo. Gostaríamos de deixar claro que o apoio maciço de toda a universidade minimiza muito as dificuldades do estudante. 5 Considerações Finais e Trabalhos Futuros Este trabalho apresentou um conjunto de técnicas que possibilitam aos estudantes com deficiências visuais graves, modelar sistemas/softwares de forma independente, ou seja, sem a utilização da impressora de alto relevo, da mesa tátil e de ferramentas gráficas tais como o ASTAH (antigo JUDE), Argo UML (Unified Modeling Language), Poseidon UML. O conjunto de técnicas se mostrou eficiente no ensino de UML a um estudante cego, a prova disso pode ser verificada no depoimento do aluno cego, do professor da disciplina e dos demais alunos da turma. Salienta-se também que o resultado quantitativo, o coeficiente de rendimento, obtido pelo aluno na disciplina atesta a validade da proposta aqui apresentada. A avaliação da representação em tabela frente a outros tipos de diagramas é necessária para melhorar a sua definição e auxiliar na identificação dos casos nos quais ela pode ser estendida. A definição formal da regra geral e de como estendê-la é um passo importante para ampliar o domínio de aplicação da representação em tabela para diagramas UML. Métodos parecidos estão em desenvolvimento nas demais disciplinas da área de engenharia de software e serão divulgados em momentos oportunos. A existência de uma regra geral abre a possibilidade da construção de um algoritmo para a conversão automática da notação gráfica para tabela e vice-versa. Uma ferramenta computacional para essa finalidade seria um recurso didático importante para o professor. Além disso, essa ferramenta facilitaria, ainda mais, a comunicação entre estudante vidente e estudante cego quando os dois estiverem trabalhando no mesmo exercício ou projeto. Os esforços futuros estão direcionados para o desenvolvimento dessa ferramenta. Agradecimentos. Agradecemos à UTFPR e Fundação Araucária pelo apoio financeiro para o desenvolvimento deste trabalho. Referências 1. Francioni, J. M., Smith, A. C.: Computer science accessibility for students with visual disabilities. SIGCSE Bull. 34, 1 (Mar.), 91--95 (2002)

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