Situação das Crianças em Moçambique 2014

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Transcrição:

Situação das Crianças em Moçambique 2014 No decurso da última década, a situação das crianças em Moçambique avançou significativamente. Mais crianças estão a sobreviver e a ter acesso ao sistema de protecção social, e muito mais estão a ter acesso a fontes de água e saneamento adequado e a ingressar na escola primária. O estudo Situação das Crianças em Moçambique 2014, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e baseado nas estatísticas nacionais mais recentes1, aponta tendências e progressos recentes, analisando os factores que promovem ou entravam a realização dos direitos das mais de 12 milhões de crianças do país.

OS PRINCIPAIS AVANÇOS Cada vez mais crianças estão a sobreviver para completar 5 anos de idade. A taxa de mortalidade em menores de 5 anos tem diminuído de forma significativa desde os anos 90. Enquanto em 1997, 2 de cada 10 crianças nascidas vivas morriam antes dos cinco anos, em 2011 essa proporção estava reduzida pela metade. Porém, Moçambique ainda está no 172o lugar no mundo (entre 194 países). Esta melhoria é ligada a uma queda na prevalência das doenças nas crianças, que reflecte avanços em vários campos, como a extensão do uso de redes mosquiteiras por crianças menores de 5 anos, de 10% em 2003 para 39% em 2011, e a introdução de novas vacinas no Programa Alargado de Vacinação. Progresso foi também atingido no acesso à água e ao saneamento. Enquanto em 2003 apenas 37% da população bebia água de fontes melhoradas, em 2011 essa percentagem já atingia os 53%. A proporção da população que utiliza casas de banho ou latrinas melhoradas também subiu, de 13% em 1990 para 24% em 2011. É importante ressaltar, porém, que 16% da população ainda utiliza águas de superfície para beber e quase sempre sem tratamento, e 2 de cada 5 moçambicanos ainda recorre ao fecalismo a céu aberto. A ampliação da cobertura da testagem e do tratamento do HIV/SIDA e da prevenção da transmissão de mãe para filho, que atingiu uma cobertura de 83% nas mulheres seropositivas grávidas em 2013, é também bastante encorajadora, uma vez que Moçambique é um dos países mais afectados pelo HIV/SIDA, com a 8a maior prevalência no mundo. No entanto, a cobertura da terapia anti-retroviral em crianças infectadas é ainda baixa: apenas 36% em 2013, relativamente a 62,5% nos adultos. Muito mais crianças estão a ingressar na escola, a iniciar na devida idade, e a concluir o ensino primário. Entre 2004 e 2011, o número de alunos matriculados no EP1 aumentou cerca de 45%, e no EP2, cerca de 73%. Entre 2002 e 2012, a percentagem de alunos com 6 anos de idade na 1ª classe passou de 36% para 72%, e a taxa bruta de conclusão primária de 18% para 47%. Houve também progresso na realização dos direitos civis e de protecção das crianças. A percentagem de crianças menores de 5 anos cujo nascimento foi registado subiu de 31% em 2008 para 48% em 2011, e a cobertura da protecção social quase que duplicou entre 2008 e 2012, cobrindo já mais de 320.000 agregados familiares. ÁREAS DE MENOS PROGRESSO Apesar dos avanços em várias áreas, há ainda muito por se fazer. A percentagem de crianças menores de 5 anos afectadas pela desnutrição crónica não melhorou desde 2003 e mantém-se a um nível entre os mais elevados no mundo (41% em 2003 e 43% em 2011). A situação da desnutrição crónica constitui uma crise, contribuindo não só à mortalidade em crianças menores de 5 anos mas, devido aos seus efeitos negativos e irreversíveis no desenvolvimento intelectual da criança, tem também sérias consequências para o desenvolvimento do capital humano em Moçambique e, por conseguinte, um dos principais entraves ao desenvolvimento do país. A taxa de mortalidade materna manteve- -se inalterada e a um nível alto de 2003 a 2011, com 408 mortes maternas por cada 100.000 nados vivos embora os dados sobre o uso dos serviços de saúde reprodutiva tenham melhorado. Por exemplo, a proporção de partos em unidades sanitárias, aumentou de 48% em 2003 para 55% em 2011. Este facto coloca Moçambique ainda longe de alcançar o ODM 5 sobre a mortalidade materna. No ensino primário, depois de uma expansão rápida da escolarização, acompanhada de grandes avanços para a paridade de género, os progressos estagnaram nos últimos cinco anos. A taxa líquida de frequência 2 no ensino primário baixou de 81% em 2008 para 77% em 2011. Apesar dos avanços, quase um terço das crianças ainda não ingressam a primeira classe à idade certa. A

taxa bruta de conclusão primária 3 sofreu um ligeiro recuo de 51% em 2008 para 47% em 2012. O baixo nível de aprendizagem reflecte-se na redução nas taxas de aprovação (no fim do ensino primário) de cerca de 80% nos anos 2004-2008 para 72% em 2011. Muitas crianças ainda têm dificuldades para gozar de seus direitos à protecção. A idade de casamento exemplifica esta preocupação. Uma em cada duas raparigas casa antes dos 18 anos e uma em cada dez antes dos 15. De facto, Moçambique ainda tem uma das mais altas taxas de casamento prematuro no mundo, violando um dos mais fundamentais direitos de protecção e também a lei moçambicana. AS DESIGUALDADES GEOGRÁFICAS Persistem grandes disparidades geográficas, sendo a maioria dos indicadores piores nas zonas rurais. Por exemplo, as grávidas nas zonas urbanas têm duas vezes mais probabilidades de dar à luz em unidades sanitárias do que as nas zonas rurais (82% e 45% respectivamente em 2011). Embora não haja qualquer diferença na taxa líquida de frequência (TFL) no ensino primário entre as zonas urbanas e rurais, a TLF secundária é quatro vezes mais elevada nas áreas urbanas (45%) do que nas áreas rurais (11%). Existem também grandes desigualdades quanto à água e ao saneamento. A população rural tem quatro vezes menos probabilidade de utilizar infra-estruturas de saneamento melhoradas e duas vezes menos probabilidade de utilizar fontes melhoradas de água para beber, do que as das zonas urbanas. No meio rural, metade da população (51%) pratica o fecalismo a céu aberto e uma em cada cinco pessoas (21%) recorre a água de superfície para beber. Há uma acentuada disparidade entre regiões Norte e Sul na maioria dos indicadores. Por exemplo, a mortalidade em menores de 5 anos é superior a 100 por cada 1.000 nascidos vivos em seis das províncias do Centro e do Norte (Zambézia, Tete, Cabo Delgado, Manica, Sofala e Niassa), relativamente a uma só província no Sul (Gaza). Uma criança que vive no Norte é duas vezes mais susceptível a sofrer de desnutrição crónica do que uma que vive no Sul. A prevalência de HIV contrasta substancialmente com os outros indicadores de bem-estar, apontando para uma situação menos favorável nas zonas urbanas, na região Sul do país, entre os agregados familiares mais ricos e entre os com maior nível de escolarização. Destaca-se a situação particularmente desfavorecida da Zambézia. Uma vez que 1 em cada 5 moçambicanos vive nesta província, o seu peso nos diversos aspectos de privação é muito elevado. Segundo o IDS de 2011, a Zambézia tem as taxas mais elevadas de mortalidade em menores de 5 anos (142) e de desnutrição aguda (9%), assim como as taxas mais baixas de partos em unidades sanitárias (28%), de vacinação (com apenas 47% das crianças de 1 ano de idade totalmente vacinadas) e de utilização de fontes melhoradas de água para beber (26%). DETERMINANTES DA VULNERABILIDADE DAS CRIANÇAS POBREZA E VULNERABILIDADE INFANTIL Mais da metade da população do país (54%) ainda vive abaixo da linha de pobreza de 18 MT por dia. Este é um factor-chave das privações que as crianças sofrem. Desde o início dos anos 2000, a pobreza parece diminuir mais lentamente do que se poderia esperar num contexto de rápido crescimento da economia. A pobreza influencia o acesso a serviços essenciais para o bem-estar das crianças. Na educação, por exemplo, os custos tornam-se barreiras importantes sobretudo ao nível secundário, devido às propinas elevadas, à distância das escolas e à concorrência com o trabalho, que se torna mais

importante na adolescência. Muitos indicadores sociais, como os da água e saneamento, mostram grandes disparidades segundo o nível de riqueza dos agregados familiares, embora em algumas dimensões a privação seja elevada mesmo nos agregados mais ricos. A cobertura da protecção social básica, que visa dar resposta à vulnerabilidade dos mais pobres, é ainda limitada, apesar da expansão dos programas do Instituto Nacional de Acção Social. As transferências sociais ainda cobrem apenas 15% dos agregados pobres, e o programa mais amplo de protecção social, o Programa de Subsídio Social Básico (PSSB), beneficia apenas uma pequena minoria das crianças mais vulneráveis. A vulnerabilidade infantil resulta também de outros factores desfavoráveis tais como a disfuncionalidade do ambiente familiar (reflectida, por exemplo, na elevada percentagem de crianças --18%-- que não vive com os pais biológicos) e a presença de deficiências (que afecta entre 2% e 6% da população). OFERTA E QUALIDADE DOS SERVIÇOS SOCIAIS Saúde. As limitações em infra-estruturas, pessoal, equipamentos e medicamentos prejudicam o acesso a serviços de qualidade. Apenas 65% da população tem acesso a unidades sanitárias a menos de 45 minutos a pé. Mais de um terço (37%) das unidades de saúde primária não dispõe de serviços de maternidade. Deficiências sérias persistem na disponibilidade de pessoal de saúde, com grandes disparidades provinciais e entre as áreas urbanas e rurais. Os protocolos de tratamento nem sempre são respeitados, muitas vezes por causa das persistentes roturas de estoques de medicamentos. Estes factores influenciam o acesso e a qualidade. Água e saneamento. Os grandes investimentos realizados nos sistemas de abastecimento de água realçam o desafio de garantir a sustentabilidade destes, sobretudo nas zonas rurais. Em 2011, 18% das fontes de abastecimento de água nas zonas rurais estavam inoperacionais (26% no Norte). As necessidades de reabilitação destas fontes podem comprometer recursos para a construção de mais fontes de água. Educação. A falta de professores e de salas de aula obriga a maior parte das escolas a funcionarem em dois turnos ou mesmo três. A formação acelerada de professores, introduzida em 2007 para treinar professores num só ano, conseguiu aumentar o corpo docente, mas a um custo elevado quanto à qualidade do ensino. Embora o EP1 já seja fisicamente acessível em todo o país, a falta de escolas e professores ainda constitui um entrave à escolarização no EP2 e especialmente no ensino secundário. A educação pré- -escolar está pouco desenvolvida. Todos estes aspectos contribuem para a fraca qualidade do ensino, que constitui uma preocupação grave. Acção social. Ainda não existe um verdadeiro sistema descentralizado de serviços de acção social, com assistentes sociais devidamente formados e capazes de desempenhar um papel eficaz na prevenção dos abusos, da violência e da exclusão social e no encaminhamento de vítimas para os serviços que necessitam. O sector está fragmentado, com muitos actores não estatais dependentes de financiamentos externos de curto prazo, o que torna difícil assegurar a sustentabilidade e a expansão dos serviços. FACTORES SOCIOCULTURAIS Deficiências de conhecimentos, atitudes e práticas, enraizadas nas tradições culturais, em relações de género desiguais e no fraco acesso à informação, são outros factores-chave que influenciam o bem-estar das crianças. Nota-se a contínua influência de instituições tradicionais ao nível comunitário, incluindo dos ritos de iniciação, que desempenham um papel importante, especialmente para as raparigas adolescentes no Norte e no Centro, na formação das expectativas relativamente ao papel da mulher na sociedade e das práticas reprodutivas. Nos últimos anos observou-se uma melhoria na incidência de casamentos prematuros, no entanto esta é ainda elevada, sendo um dos problemas socioculturais mais sérios. Há tam

bém deficiências nas práticas de alimentação das crianças e nas práticas de higiene. A cultura patriarcal sustenta uma ampla aceitação social da violência doméstica e contribui para a vulnerabilidade das raparigas nas relações sexuais, exacerbando os riscos de infecção pelo HIV. O analfabetismo e a fraca habilidade na língua oficial constrangem o acesso à informação e ao conhecimento, em especial pelas mulheres rurais. O acesso aos meios de comunicação social mantém-se fraco, mesmo no caso da rádio, com uma taxa de posse de 47% dos agregados rurais. CALAMIDADES NATURAIS E MUDANÇAS CLIMÁTICAS Moçambique está em 3º lugar entre os países africanos mais sujeitos a riscos de calamidades ambientais. As cheias e os ciclones são os mais frequentes, mas as secas afectam o maior número de pessoas. A frequência e o impacto destes estão a ser exacerbados pelas mudanças climáticas de longo prazo, que colocam em risco os meios de subsistência de milhões de moçambicanos. As calamidades provocam a perda de vidas, prejudicam as colheitas, destroem as infra- -estruturas económicas e sociais e interrompem o ensino e outros serviços sociais. Estas põem em maior risco famílias já vulneráveis, que têm limitada capacidade de se prepararem, responderem e recuperarem de choques ambientais. Para além disso, a baixa produtividade da agricultura de sequeiro, praticada por 95% dos agregados rurais, expõe cada ano uma parte considerável da população rural à insegurança alimentar sazonal, trazendo também um aumento da desnutrição aguda durante o período de escassez antes das colheitas. QUADRO INSTITUCIONAL E FINANCIAMENTO Tem-se constatado um avanço significativo na implementação de um quadro legal e político abrangente para realização dos direitos das crianças. A planificação estratégica foi fortemente reforçada pelas abordagens sectoriais iniciadas nos finais dos anos 90 e nas quais o país foi um dos pioneiros. No entanto, a implementação é muitas vezes fraca, devido aos constrangimentos de capacidade e de recursos. Moçambique tem feito grandes progressos na gestão das finanças públicas nos últimos anos. No entanto, os sectores sociais estão a receber menos prioridade na afectação dos recursos orçamentais, em termos relativos, não obstante um aumento da despesa em termos absolutos, possibilitado pelo rápido crescimento da economia e das receitas públicas. Por exemplo, a despesa per capita com a educação aumentou 72% em termos reais entre 2008 e 2013, apesar da redução do peso da educação na despesa de 23,3% para 18,5%. CONCLUSÕES Bastante avanço foi feito na melhoria do bem-estar das crianças, criando bases sólidas para maior progresso, mas um maior investimento é necessário. Investir nas crianças é crucial para que o país realize o seu potencial para atingir níveis superiores de desenvolvimento. Moçambique tem grandes défices em infra-estruturas físicas que precisam de ser abordados. Mas o investimento no capital humano é também essencial para um desenvolvimento equitativo e sustentável e para a redução da pobreza, e isso começa com o investimento nas crianças. Para tal, é crucial resolver as limitações sérias de oferta e qualidade nos sectores sociais. À medida que Moçambique avança para um período de rápido desenvolvimento das suas reservas de recursos minerais, com perspectivas de estes constituírem fontes significativas de receitas, tornar-se-á importante dar maior prioridade ao financiamento dos sectores sociais, tanto para assegurar a realização dos direitos das crianças como para promover o desenvolvimento do capital humano e o crescimento económico a longo prazo. Os avanços da última década são encorajadores, e o potencial para avanços mais consistentes e rápidos nos anos por vir deve ser explorado.

1 IDS de 1997, 2003 e 2011 e MICS de 2008, realizados pelo INE, assim como de dados administrativos, estudos e relatórios oficiais produzidos por diferentes órgãos do Governo de Moçambique, por ONGs e agências de ajuda externa 2 Proporção entre os alunos que frequentam o ensino primário com ou na idade oficial para o frequentar e a população no mesmo grupo etário 3 Proporção entre crianças de qualquer idade que atingem a última classe do ensino primário e o total da população de 12 anos de idade A reprodução de qualquer parte desta publicação não carece de autorização, excepto para fins comerciais. Exige-se, no entanto, a identificação da fonte. UNICEF, Maputo, Moçambique, 2014

Mortalidade de crianças < 5 anos, 1997-2011 (Óbitos por 1.000 nascidos vivos) Desnutrição Infantil, 2008-2011 (% por criança menor de 5 anos) Casamento de raparigas antes dos 15 e 18 anos 200 Infanto-juvenil (< 5 anos) Infantil (< 1 ano) Neonatal (< 1 mês) Crónica 43,7 42,6 Moderada Grave 55,9 % de mulheres de 15-19 anos casadas até a idade de 15 anos 51,8 % de mulheres de 20-24 anos casadas até a idade de 18 anos 48,2 150 100 97 18,3 Baixo Peso 14,9 50 64 30 4,2 Aguda 5,9 14,0 11,4 10,3 IDS 1997 IDS 2003 MICS 2008 IDS 2011 2008 2011 2008 2011 2008 2011 2003 2008 2011 Fontes: MICS 2008 e IDS 1997, 2003 e 2011. Fontes: MICS 2008 e IDS 2011 Fonte: IDS 2003 e 2011 e MICS 2008 Desigualdades urbanas-rurais, 2011 % da população que utiliza fontes melhoradas de água para beber e infraestruturas de saneamento melhoradas, por quintis de riqueza Despesa com os sectores sociais em % da despesa total do Estado, 2008-2013 % de partos em unidades sanitárias % população que utiliza fontes melhoradas de água para beber 38 45 Meio rural Meio urbano 82 85 Água Saneamento 85 72 23.3 21.4 19.8 Educação Saúde e HIV/SIDA Água e Saneamento Protecção Social (MMAS & INAS) 19.3 19.0 11.2 11.1 10.4 18.5 Taxa líquida de frequência no ensino secundário (%) 11 45 44 50 7.9 7.8 7.3 Taxa de desnutrição crónica (%) Taxa de mortalidade de crianças < 5 anos (por mil nascidos vivos) 35 46 100 111 23 17 13 8 0 0 Q1 Q2 Q3 Q4 Q5 3.7 3.6 4.3 4.1 4.1 0.9 0.9 0.7 1.0 0.8 2008 2009 2010 2011 2012 2013 3.5 1.4

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