Aula Teórica 01: Agricultura, sustentabilidade e meio-ambiente



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Transcrição:

1 Aula Teórica 01: Agricultura, sustentabilidade e meio-ambiente 1. Introdução Deve ser reconhecido o sucesso atual da agricultura, em escala global, satisfazendo uma demanda crescente de alimentos durante a última metade do século XX. Este sucesso é devido aos avanços científicos e às inovações tecnológicas, como por exemplo, o desenvolvimento de novas variedades de plantas, o uso de fertilizantes e agrotóxicos e o crescimento de grandes estruturas de irrigação (Quadro 1). Este quadro sugere a não confirmação da teoria de Malthus (1798): a população cresce em escala geométrica, enquanto que a produção de alimentos ocorre em escala aritmética. No entanto, apesar dos seus sucessos, a base de produção está sendo comprometida, ou seja, os recursos naturais (solo, água e a própria diversidade natural genética) estão sendo excessivamente degradados. Há uma grande dependência de combustíveis fósseis não renováveis. 2. A situação atual da agricultura mundial Nos últimos anos, o que se observa é que, globalmente e apesar do desenvolvimento tecnológico havido, os aumentos de rendimento têm-se mantido no mesmo nível para a maioria das culturas, as reservas de grãos estão encolhendo, e, na realidade, a produção de grãos por pessoa declinou desde o início dos anos 80. A Figura 1 mostra o índice de produção agrícola anual per capita, em nível mundial, de 1970 até a 1995, segundo a FAO-ONU. O dados indicam que, após apresentar uma tendência ascendente por muitos anos, a produção agrícola per capita estagnou nos anos 90, resultado de aumentos menores de produtividade anual, combinados com um crescimento populacional contínuo em escala logarítmica. Figura 1. Índice de produção agrícola líquida anual per capita, em nível mundial (Fonte: Gliessman, 2001).

2 Será a confirmação da teoria de Malthus, ou seja, o não atendimento da demanda de alimentos mundial, porém, não somente pelo crescimento da população, mas pela falta de condições técnicas de produção agrícola. E quais são as condições técnicas que comprometem a produtividade ecológica atual e futura, conseqüentes das atividades agrícolas predominantes nos campos agrícolas atuais: Degradação do solo: pode envolver a salinização, alagamento, compactação, contaminação por agrotóxicos, declínio na qualidade da sua estrutura, perda de fertilidade e erosão. A erosão é a mais estudada e difundida, como já comentado para o caso do Ceará. Desperdício e uso exagerado de água: a agricultura é responsável por 2/3 do uso global da água e é uma das principais causas de sua falta em muitas regiões. Mais da metade da água aplicada nas culturas nunca é absorvida pelas plantas às quais se destina. A agricultura tem impacto nos padrões hidrográficos regionais e globais. Há uma transferência maciça de água dos continentes para os oceanos. Um estudo de 1994 conclui que esta transferência envolve, anualmente, cerca de 190 bilhões de metros cúbicos de água. Poluição do ambiente: a agricultura polui mais do que qualquer outra fonte individual. Incluem-se como poluentes os agrotóxicos, os fertilizantes e sais, além de sedimentos. Vários são os exemplos de poluição. Um deles é o caso do Pantanal Mato- Grossense e a agricultura intensiva praticada nas terras altas ao redor. Monitoraram-se 29 agrotóxicos e 3 metabólitos, detectando-se a presença de 19 e 3 destes, respectivamente, em 68% das amostras coletadas de água de superfície (n=139) (endosulfan, ametryn, metalachlor e metribuzin), 62% de sedimentos (n=26) (DDT, DDE, endosulfan e ametryn) e 87% de água de chuvas (n=91) (endosulfan, alachlor, trifluralin, monocrotofos e protofenolos). A contribuição atmosférica pode ser de maior relevância nas áreas tropicais que as de regiões temperadas. Dependência de insumos externos: os altos rendimentos da agricultura atual estão relacionados ao aumento do uso de insumos agrícolas: água, fertilizantes, corretivos, agrotóxicos, energia para máquinas e bombas e tecnologia no desenvolvimento de novos insumos. São todos insumos extra-agroecossistema, com conseqüências sobre o lucro dos produtores, o uso de recursos não renováveis e sobre quem controla a produção agrícola. Perda da diversidade genética: a diversidade genética geral das plantas domesticadas diminuiu, muitas variedades foram extintas e outras têm caminhado nesta direção. Apenas seis variedades de milho, por exemplo, são responsáveis por mais de 70% da produção mundial deste grão. Esta perda ocorre por conta da ênfase nos ganhos de produtividade em curto prazo. Contudo, a vulnerabilidade de uma cultura com uma base genética restrita é muito maior com relação ao ataque de pragas e patógenos, clima e outros fatores ambientais, sem falar no aumento da resistência a certos agrotóxicos e outros compostos de defesa da planta. Deste quadro ressalta-se a importância dos bancos de germoplasma. Perda do controle local sobre a produção agrícola: há uma diminuição crescente da população rural diretamente envolvida com a produção agrícola, tanto nos países desenvolvidos, quanto em desenvolvimento. Houve um aumento da participação de distribuidores e vendedores, no custo final do produto agrícola, associados a políticas de alimentos baratos, o que têm mantido os preços agrícolas relativamente estáveis, deixando muitos produtores espremidos entre os custos de produção e comercialização. Cultivos de

3 pequena escala não podem bancar o custo de atualizar seu equipamento e tecnologia agrícola para competir de maneira bem-sucedida, com as operações da produção em grande escala. Desigualdade global: apesar dos aumentos na produtividade e produção, a fome persiste em todo o globo. Enormes disparidades de ingestão de calorias e na segurança alimentar entre pessoas de nações desenvolvidas e aquelas de nações em desenvolvimento. As relações de desigualdade tendem a promover políticas e práticas agrícolas que são dirigidas mais por considerações econômicas do que pela sabedoria ecológica e pensamento em longo prazo. Por exemplo, agricultores deslocados pela produção para exportação dos grandes proprietários de terras, são freqüentemente forçados a cultivar terras marginais. Os resultados são os desmatamentos, a erosão severa e o dano social e ecológico sério. 3. O uso do solo no NE brasileiro/ceará Grande parte da economia agrícola nordestina está fortemente sustentada na exploração dos recursos naturais, principalmente no que se refere ao extrativismo da cobertura vegetal, o superpastejo das pastagens nativas e a exploração agrícola sem qualquer tipo de preocupação conservacionista (Sampaio & Salcedo, 1997). Araújo Filho & Carvalho (1996) comentam que 73% do consumo de energia primária, para a indústria de alguns estados nordestinos, tem como fonte o carvão e a lenha e, em termos globais, o uso destas fontes atende 33% do consumo de energia. Sampaio & Salcedo (1997) comentam que, considerando a produção média de lenha das caatingas (24 m 3 ha -1 ou 70 estéreo ha -1 ) e o fator de conversão de lenha para carvão de 12,5 estéreo h -1 Mg -1 (PNUD-FAO-IBAMA, 1992), estes números corresponderiam ao corte raso de 5,0x10-3 km 2 no Ceará, 2,2x10-3 km 2 no Rio Grande do Norte, 0,8x10-3 km 2 na Paraíba e 1,2x10-3 km 2 em Pernambuco. São proporções anuais pequenas (1,2 a 4,3%) mas, como a vegetação leva de 10-15 anos para recuperar mais de 90% da biomassa original, afeta áreas totais 10 a 15 vezes maiores. Os autores comentam que tais retiradas, associadas às áreas agrícolas, são responsáveis pela maior parte das áreas desmatadas nestes estados, o que corresponde a 53% (CE), 66% (RN), 49% (PB) e 55% (PE), em 1992, tendo crescido 5%, 21%, 9% e 10% em 19 anos (PNUD-FAO-IBAMA-SUDENE, 1993). Estes dados tornam bastante evidente que as reservas florestais naturais estão sendo utilizadas para o suprimento desta demanda, com graves conseqüências, perfeitamente perceptíveis, a começar pela redução da biodiversidade (flora e fauna), inclusive com espécies ameaçadas de extinção (Figueiredo et al., 1994), a redução do potencial de produção agrícola de solos e as conseqüências sócio-políticas, evidentes pela migração sempre crescente do meio rural. A lista de espécies ameaçadas de extinção no Ceará relaciona 38 espécies de plantas, a grande maioria arbóreas, incluindo o angico-preto, o angico branco, a aroeira, o bálsamo, a braúna, o caroá, o cedro, a craibeira, o cumaru, o gonçalo alves etc. Todos estes fatores em conjunto culminam com a degradação do ambiente. Tal realidade é comprovada por Sá et al. (1994) que comprovam este quadro, quando realizaram levantamento de áreas degradadas no nordeste brasileiro, apontando para a Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco, proporções de área equivalentes a 64, 53, 36 e 25%,

4 respectivamente, da superfície destes estados, entre os níveis moderado, forte a muito forte. Predominantemente os níveis identificados estão associados a Luvissolos, Planossolos e os Neossolos Litólicos, solos nos quais o binômio algodão-pecuária, juntamente com a exploração da vegetação para produção de lenha, madeira e carvão, foram os principais agentes de degradação. As conseqüências da perda da qualidade destes solos se refletiram na queda da produtividade do algodão mocó no estado do Ceará, no passado o maior produtor do país (Figura 2). Produtividade média (kg/ha) 250 200 150 100 50 0 1968 1972 1976 1980 1984 1988 1992 1996 Anos Figura 2. Produtividade media do algodão-mocó, de 1973 a 1996, no estado do Ceará, Brasil (EMBRAPA, 1996) 4. A necessidade de sistemas sustentáveis de produção de alimentos A produção agrícola pode ser aumentada de duas maneiras: pela incorporação de novas áreas de produção e pelo aumento da produtividade. Como visto, as diversas técnicas usadas para o aumento da produtividade têm conseqüências negativas, que, em longo prazo, levam a diminuição produtividade agrícola. O aumento da área de cultivo também é problemático. A maior parte da área agricultável foi convertida ao uso humano, e, desta porção, a proporção que pode ser cultivada está, na verdade, encolhendo devido a expansão urbana, degradação do solo e desertificação. A Figura 3 mostra graficamente o problema. Desde o final dos anos 80, os aumentos anuais regulares na área de solo cultivável em nível mundial, observados durantes os anos 70 (e antes disso), estagnaram, e a quantidade de terra arável, na realidade, diminuiu durante os anos 90. A única opção que resta é preservar a produtividade, em longo prazo, da superfície mundial cultivável, enquanto muda-se o padrão de consumo e de uso dela para beneficiar a todos, tanto produtores, quanto consumidores, de forma mais eqüitativa.

5 Figura 3. Área mundial de terra arável (Fonte: Gliessman, 2001). A preservação da produtividade da terra agrícola, em longo prazo, requer a produção sustentável de alimentos. A sustentabilidade da produção agrícola tem uma base ecológica e deve-se técnica, econômica, ambiental e sócio-politicamente viável, em níveis local, regional e global. No sentido mais amplo, a sustentabilidade é uma versão do conceito de produção sustentável: a condição de ser capaz de perpetuamente colher biomassa de um sistema, porque sua capacidade de se renovar ou ser renovado não é comprometida. Como perpetuidade nunca pode ser demonstrada no presente, a prova de sustentabilidade permanece no futuro, fora do alcance. Assim, é impossível se saber, com certeza, se uma determinada prática é, de fato, sustentável ou se um determinado conjunto de práticas constitui sustentabilidade. Contudo, é possível demonstrar que uma prática está se afastando da sustentabilidade. Pode-se sugerir que uma agricultura sustentável pelo menos: Teria efeitos negativos mínimos no ambiente e não liberaria substâncias tóxicas ou nocivas na atmosfera, água superficial ou subterrânea; Preservaria e recomporia a fertilidade, preveniria a erosão e manteria a saúde ecológica do solo; Usaria a água de maneira que permitisse a recarga dos depósitos aqüíferos e satisfizesse as necessidades hídricas do ambiente e das pessoas; Dependeria, principalmente, de recursos de dentro do agroecossistema, incluindo comunidades próximas, ao substituir insumos externos por ciclagem de nutrientes, melhor conservação e uma base ampliada de conhecimento ecológico; Trabalharia para valorizar e conservar a diversidade biológica, tanto de paisagens silvestres quanto de paisagens domesticadas; e Garantiria igualdade e acesso a práticas, conhecimento e tecnologias agrícolas adequados e possibilitaria o controle local dos recursos agrícolas.

6 Quadro 1 - Produtividade, área plantada, custo atual e renda diferencial proporcionada pela geração de pesquisa aplicada às culturas do algodão e cajueiro em diferentes sistemas de produção no Nordeste brasileiro Sistema de Produção Região Produtividade (kg/ha) Área plantada atual no NE (ha) Custo atual (R$/Kg) R$/arroba) Renda potencial diferencial gerada pela pesquisa 9/ (R$) Algodão herbáceo NE 495 1/ 283.858 1/ 9,18 7/ 1.289.879.138,00 Algodão arbóreo 1 NE 263 1/ 26.224 1/ 9,18 7/ 63.313.652,20 Algodão mocó (1 º ano) Seridó, PB, RN 500 2/ 26.224 1/ 9,18 7/ 57.054.507,80 Algodão mocó (2 º ano) Seridó, PB, RN 800 2/ 26.224 1/ 9,18 7/ 129.275.404,00 Algodão 7MH Seridó, PB, RN 1.350 2/ 26.224 1/ 9,18 7/ 261.680.380,00 Algodão herbáceo de sequeiro Sudoeste da Bahia 1.100 2/ 283.858 1/ 9,18 7/ 1.576.518.946,00 Algodão herbáceo de sequeiro Sertão, PB 1.700 2/ 283.858 1/ 9,18 7/ 3.140.008.810,00 Algodão herbáceo irrigado Sertão, PB, CE 2.950 2/ 283.858 1/ 9,18 7/ 6.397.279.360,00 Cajueiro gigante (castanha de CE, RN, PB 209 3/ 647.499 6/ 0,90 8/ 121.794.562,00 caju) 3 Cajueiro anão precoce de sequeiro CE, RN, PB 723 4/ 647.499 6/ 0,90 8/ 299.533.037,00 (castanha de caju) 4 Cajueiro anão precoce de irrigado CE, RN, PB 1.286 5/ 647.499 6/ 0,90 8/ 627.620.781,00 (castanha de caju) 4 1 - Média para a safra 1996/1997 de acordo com Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (1977), citado por Beltrão (1999); 2 - Produtividades médias conforme Beltrão (1999); 3 - Produtividade média dos anos de 1989 a 1998, conforme banco de dados do Centro Nacional de Agroindústria Tropical (CNPAT) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA); 4 - Produtividade média de cajueiro anão precoce em condições de sequeiro de oito anos de produção; 5 - Produtividade média de cajueiro anão precoce em condições irrigadas de cinco anos de produção; 6 - Área plantada para a safra 1995/1996 conforme IBGE, citado por Silva (1998); 7 - Fonte: Folha de São Paulo (1999); 8 - Preço médio das áreas produtoras de Acarape (R$1,00) e Acaraú (R$0,80), Ceará. Fonte: Diário do Nordeste (1999); e 9 - Renda diferencial = {Área plantada (ha) X produtividade do sistema de produção considerado (com aplicação de pesquisa) (kg/ha) X custo atual (R$/kg)} - {Área plantada (ha) X produtividade do sistema de produção médio nas áreas produtoras (kg/ha), indicada pelos itens 1,2 e 3 X custo atual (R$/kg)}.

Quadro 2. - População total e rural no semi-árido, em 1991, bovinos + caprinos no NE, em 1995, produção de lenha e carvão em 1989, açudes construídos pelo DNOCS, área irrigada no semi-árido, em 1985 e degradadas no NE EF População bovinos ovinos lenha Carvão açudes área áreas degradadas total Rural caprinos n o água irrigada MF F-MF F M -------------------10 6 ----------------- 10 6 m 3 10 3 Mg hm 3 10 3 ha 10 3 km 2 PI 2,6 1,2 1,98 3,21 1,73 6,3 16 292 13,6 5,9 0,5 7,9 0,6 CE 6,3 2,2 2,10 2,31 12,16 49,9 539 9175 67,3 42,5 8,8 5,1 20,6 RN 2,4 0,7 0,57 0,45 5,36 23,4 116 3143 17,5 9,0 1,4 2,6 6,0 PB 3,1 1,1 0,86 0,68 1,90 22,5 86 2759 16,2 21,1 6,9 3,0 4,3 PE 3,4 1,6 1,27 1,49 2,81 70,1 72 1369 50,4 16,3 7,2 1,5 - AL 0,9 0,5 0,80 0,18 1,30 6,4 46 60 4,9 0,9 - - - SE 0,5 0,3 0,91 0,20 0,87 6,4 22 21 6,6 2,7 - - - BA 5,8 3,2 10,02 6,76 20,36 135,3 70 1067 71,9 20,3 6,7 1,6 - Total 25,0 10,8 18,51 15,26 46,49 320,3 967 17886 248,3 118,7 31,6 21,8 31,5 MF = muito forte; F = forte; M = moderada. 7

8 4. A agricultura irrigada no NE brasileiro e a sua sustentabilidade As ações voltadas para a expansão das áreas irrigadas merecem destaque, pois esta discussão pode estar inserida numa abordagem mais ampla e de complemento aplicado do conceito de sustentabilidade. São áreas consideradas privilegiadíssimas, numa região em que água é um recurso escasso, sendo considerada potenciais e importantes fontes de geração de renda e emprego. Todavia não é nessa ótica encarada, tendo-se observado, nos últimos anos, a atenção concentrada da mídia, das instituições oficiais de ciência, tecnologia e fomento, que a colocam em um patamar de solução salvadora do Nordeste brasileiro. Alguns perímetros irrigados implantados no passado apontam vários erros, inclusive de engenharia, que devem ser considerados no presente e futuro, mas, muito mais que isto, é evidente a falta de tecnologia e assistência técnica, a razão para o comprometimento destas áreas. O uso atual de algumas áreas irrigadas indica que a degradação do solo pela compactação e salinização já é uma realidade (Chapada do Apodi e Morada Nova). O potencial comprometedor do uso inadequado dos recursos na sustentabilidade destas áreas é elevado, pois quaisquer outras práticas a serem adotadas para minimizar as conseqüências deste uso, comprometem a sua viabilidade econômica. O custo atual de um ha irrigado plantado está em torno de US$ 12.000,00, enquanto o custo de 1.000 m 3.ha -1.ano -1 é de US$ 20,00. A subsolagem de solos compactados e a implantação de sistemas de drenagem em áreas salinizadas, de custo elevado, passam a compor os custos finais destas, o que pode torná-las inviáveis. Não se fez referência ao custo ambiental e sócio-econômico-político. Contudo, que a irrigação é uma técnica que pode conduzir a sustentabilidade de algumas áreas do semi-árido, isto não resta dúvida. No entanto, não deve ser considerado como única. Assim, tecnologia para o aumento da eficiência dos recursos naturais (solo e água), do trabalho e do capital deve ser uma busca incessante, principalmente se for considerado que o potencial de área a ser explorado com o uso da irrigação não ultrapassa 5%, conforme Sampaio & Salcedo (1997), considerando toda a disponibilidade hídrica no semi-árido brasileiro. Somente por esse valor é evidente que a irrigação não se tornará a única opção viável de exploração agrícola que promova a sustentabilidade da agricultura no semi-árido. Por mais criticável que seja este valor, a proporção de área não irrigável é elevada. E surge a questão: O que fazer com o resto? Reserva biológica aberta à visitação pública em que, além da vegetação típica de caatinga, o turista poderia ter contato com o flagelado, sua família, casa etc, numa típica visão do ambiente semi-árido marcado pela seca, como tradicionalmente é mostrado todos anos na mídia? Logicamente que este não deve ser este o caminho. A busca da sustentabilidade no semi-árido passa necessariamente pela complementaridade do uso agrícola das áreas irrigadas e das não irrigadas, devendo haver opções de uso agrícola racional e sustentável, tanto em nível local, regional e nacional. Será que essa busca existe atualmente? O que se nota na realidade é o esforço concentrado no desenvolvimento de tecnologia e expansão da área irrigada, e muito pouco para a convivência com a deficiência hídrica.

9 5. O conceito de agroecossistema (um pouco de agroecologia) Um agroecossistema é um local de produção agrícola, uma propriedade agrícola, por exemplo, compreendido como um ecossistema. Este conceito proporciona uma estrutura onde se pode analisar os sistemas de produção de alimentos como um todo, incluindo seus conjuntos complexos de insumos e produção e as interconexões entre as partes que o compõem. É um conceito que se baseia em princípios ecológicos, tendo como referência os ecossistemas naturais. Examinam-se os aspectos estruturais, suas partes e relações entre elas, e, então, volta-se para os aspectos funcionais. Os agroecossistemas são, então, descritos em termos de como eles se comparam, estrutural e funcionalmente com os ecossistemas naturais. Um ecossistema pode ser definido como um sistema funcional de relações complementares entre organismos vivos e seu ambiente, delimitado por fronteiras escolhidas arbitrariamente, as quais, no espaço e no tempo, parecem manter um equilíbrio dinâmico, porém estável. Um ecossistema tem partes físicas com relações particulares, a estrutura do sistema, que juntos participam de processos dinâmicos, a função do sistema. Os componentes são fatores bióticos, organismos vivos que interagem no ambiente, e fatores abióticos, componentes químicos e físicos não vivos do ambiente, como solo, luz, umidade e temperatura. 6. A organização nos ecossistemas Os ecossistemas podem ser examinados em termos de uma hierarquia de organização das partes que o compõem, sendo que, no nível mais simples está o organismo individual. Neste nível, o indivíduo é analisado quanto ao seu comportamento em resposta aos fatores do ambiente e como o grau de tolerância particular do organismo a estresses no ambiente determinará onde o mesmo viverá. Exemplo: a bananeira nas regiões tropicais. No próximo nível de organização ficam os grupos de indivíduos da mesma espécie, sendo chamado de população. É importante entender a ecologia das populações para determinar os fatores que controlam seu tamanho e crescimento, especialmente com relação à capacidade do ambiente de sustentar uma determinada população ao longo do tempo. Populações de espécies diferentes sempre ocorrem juntas, misturadas, criando o próximo nível de organização, a comunidade. Uma comunidade é um conjunto de várias espécies vivendo juntas em um determinado lugar e interagindo. Importante nesse nível é como as interações de organismos afetam a distribuição e abundância das diferentes espécies que constituem uma comunidade particular. A competição entre plantas em um sistema de cultivo ou a predação de pulgões por joaninhas são exemplos de interações neste nível em um agroecossistema. O nível mais abrangente de organização de um ecossistema é o próprio ecossistema, incluindo todos os fatores abióticos do ambiente, além das comunidades de organismos que ocorrem em uma área específica. Os quatro níveis de organização são mostrados na Figura 4.

10 Uma característica importante dos ecossistemas é que em cada nível de organização emergem propriedades que não estavam presentes no anterior, resultantes da interação das partes componentes daquele nível de organização do ecossistema. Uma população é muito mais que uma coleção de indivíduos da mesma espécie e tem características que não podem ser compreendidas em termos de organismos individuais sozinhos. No contexto do agroecossistema, este princípio significa, em essência, que a unidade agrícola é maior que a soma de seus cultivos individuais. A sustentabilidade pode ser considerada a qualidade emergente maior de uma abordagem de ecossistema à agricultura. 7. As propriedades estruturais das comunidades Uma comunidade existe como resultado das adaptações das espécies que compõem aos gradientes de fatores abióticos que ocorrem no ambiente, e, como resultado das interações entre populações dessas espécies. É importante examinar detalhadamente as propriedades das comunidades, resultantes das interações neste nível. As propriedades estruturais de comunidades são: Diversidade das espécies: é o número de espécies existentes em uma comunidade. Dominância e abundância relativa: algumas espécies podem ser relativamente abundantes, e outras menos. A espécie com maior impacto tanto dos componentes bióticos quanto abióticos da comunidade é referida como a espécie dominante. A dominância pode ser resultado da relativa abundância do organismo, seu tamanho, seu papel ecológico, ou de quaisquer desses fatores combinados.

11 Figura 4. Níveis de organização do ecossistema aplicados a um agroecossistema (Fonte: Gliessman, 2001). Estrutura vegetativa: comunidades terrestres apresentam um componente vertical (um perfil com diferentes camadas) e outro horizontal (agrupamentos ou padrões de associação). Aprende-se a reconhecer como espécies diferentes ocupam lugares distintos nesta estrutura. Quando espécies assumem formas semelhantes de crescimento, nomes mais gerais são dados a esses conjuntos: pradaria, capoeira, floresta etc. Estrutura trófica: cada espécie em uma comunidade tem necessidades nutritivas. Como essas necessidades são satisfeitas ante outras espécies, determina a estrutura de relações alimentares, chamada de estrutura trófica. Assim, têm-se os produtores (autotróficas: satisfazem suas necessidades de energia sem serem predadoras de outros organismos), consumidores (incluindo os herbívoros, predadores, parasitas e parasitóides). Todos os consumidores são chamados heterotróficos (suas necessidades nutritivas são satisfeitas consumindo outros organismos). Cada nível de consumo é considerado nível trófico diferente. As relações tróficas podem ser descritas como uma cadeia alimentar, dependendo de sua complexidade.

12 Estabilidade: normalmente, a diversidade das espécies, a estrutura de dominância, a vegetativa e a trófica de uma comunidade permanecem razoavelmente estáveis ao longo do tempo, embora índivíduos morram e deixem a área e o tamanho relativo das populações mude. A estabilidade relativa de uma comunidade depende enormemente do seu tipo e da natureza das perturbações às quais ela está sujeita. 8. Os processos dinâmicos nos ecossistemas O funcionamento dos ecossistemas envolve os processos dinâmicos de movimento de matéria e energia e as interações e relações dos organismos e materiais no sistema. É importante entender estes processos, tratando os conceitos de dinâmica, eficiência, produtividade e desenvolvimento de ecossistemas, pois, especialmente em agroecossistemas, pode fazer a diferença entre o fracasso e o sucesso de um cultivo ou de determinada prática de manejo. Os dois processos fundamentais em qualquer ecossistema são o fluxo de energia entre suas partes e a ciclagem de nutrientes. 8.1. Fluxo de energia O fluxo de energia em um ecossistema está diretamente relacionado a sua estrutura trófica. A energia flui para dentro do ecossistema como resultado da captação de energia solar pelas plantas, sendo a biomassa convertida nos diferentes níveis tróficos pelos demais componentes do ecossistema, liberando muito da energia que entrou na produção da biomassa, sendo a remanescente é devolvida ao solo como matéria orgânica. A emissão de energia em ecossistemas deixa o sistema na forma de calor, gerado pela respiração dos organismos, nos vários níveis tróficos, quanto pela decomposição de biomassa. A emissão total de energia (ou perda) de um ecossistema é usualmente equilibrada pela entrada, através das plantas que captam a energia solar. Figura 5. Fluxo de energia no ecossistema (Fonte: Gliessman, 2001).

13 8.2. A ciclagem de nutrientes A ciclagem de nutrientes nos ecossistemas está obviamente relacionada ao fluxo de energia. Enquanto a energia flui apenas numa direção, os nutrientes, por outro lado, movemse me ciclos, dos componentes bióticos para os abióticos e novamente para os bióticos. Os ciclos biogeoquímicos são complexos em interconectados, além de muitos ocorrerem em nível global que transcende ecossistemas individuais. Os ciclos mais importantes são do carbono (C), nitrogênio (N), oxigênio (O), fósforo (P), enxofre (S) e água. Cada nutriente tem uma rota específica através do ecossistema, mas dois tipos principais são identificados. Para os ciclos do C, O e N, a atmosfera funciona como o reservatório abiótico principal, assumindo caráter global. Elementos menos móveis (P, S, K, Ca e muitos micronutrientes) são ciclados localmente, pois o solo é o reservatório principal. Se uma quantidade grande de um nutriente for perdida ou removida de um determinado sistema, ele pode se tornar limitante para o crescimento e desenvolvimento posteriores. Os componentes biológicos de cada sistema são muito importantes para determinar a eficiência com que os nutrientes se movem, assegurando que o mínimo seja perdido com que os nutrientes se movem, e o máximo reciclado. A produtividade pode tornarse intimamente relacionada às taxas de reciclagem de nutrientes. 9. A dinâmica dos ecossistemas naturais e agroecossistemas As populações no ecossistema são dinâmicas, os seus tamanhos e os organismos e os organismos individuais que as compõem mudam com o tempo, sendo determinadas pelas interações com as outras e com o ambiente. As interações possíveis de ocorrerem entre espécies numa população podem ser de competição (adaptações similares e recursos insuficientes) ou de mutualismo (espécies que desenvolvem formas de interação entre si, com benefícios para ambas). Em ecossistemas naturais, a seleção, no tempo, tendeu a resultar na estrutura biologicamente mais complexa possível, dentro dos limites impostos pelo ambiente, permitindo o estabelecimento e a manutenção de populações dinâmicas de organismos. Os ecossistemas estão num constante estado de mudança dinâmica. Apesar deste dinamismo interno, são notavelmente estáveis em sua estrutura e funcionamento geral. Esta estabilidade se deve em parte à complexidade dos ecossistemas e à diversidade das espécies, tornando-os hábeis em resistir à modificação que é introduzida por perturbação ou de se recuperar da perturbação, depois que acontece. Esta estabilidade geral, combinada com a transformação dinâmica, é captada no conceito de equilíbrio dinâmico. Este equilíbrio é de considerável importância em um ambiente agrícola, permitindo um equilíbrio ecológico, funcionando com base no uso sustentável de recursos, que pode ser mantido indefinidamente, a despeito da mudança continuada e regular na forma de colheita, cultivo do solo e replantio. A manipulação e a alteração humanas dos ecossistemas, com o propósito de estabelecer uma produção agrícola, tornam os agroecossistemas muito diferentes dos

14 ecossistemas naturais. Contudo os processos, estruturas e características dos ecossistemas naturais podem ser observados nos agroecossistemas. Os fluxos de energia e o movimento de nutrientes de um ecossistema natural e um agroecossistema são mostrados nas Figuras 6 e 7. Uma comparação revela diferenças em vários aspectos chaves: Fluxo de energia: é bastante alterado em um agroecossistema pela interferência humana. São sistemas abertos, onde parte considerável da energia é dirigida para fora do sistema na época da colheita, em vez de ser armazenada na biomassa que poderia, então, se acumular dentro do sistema. Ciclagem de nutrientes: a reciclagem é mínima na maioria dos agroecossistemas, perdendo quantidades consideráveis com a colheita ou como resultado da lixiviação ou erosão, devido a grande redução nos níveis de biomassa permanente mantido dentro do sistema. A reposição das perdas tem ocorrido com nutrientes de insumos externos. Figura 6. Componentes funcionais de um ecossistema natural (Fonte: Gliessman, 2001).

15 Figura 7. - Componentes funcionais de um agroecossistema natural (Fonte: Gliessman, 2001). Mecanismos reguladores de produção: devido a simplificação do ambiente e redução das interações tróficas em agroecossistemas, raramente populações de plantas cultivadas ou de animais são auto-reprodutoras ou auto-reguladoras. Os insumos humanos, na forma de sementes ou agentes de controle, freqüentemente dependem de grandes subsídios de energia, determinando o tamanho das populações. A diversidade biológica é reduzida, as estruturas tróficas tendem a se tornar simplificadas, e muitos nichos não são ocupados. Estabilidade: os agroecossistemas, comparados aos ecossistemas naturais, têm muito menos resistência, devido à sua reduzida diversidade funcional e estrutural. As diferenças ecológicas-chave entre ecossistemas naturais e agroecossistemas estão resumidas no Quadro 3. Ecossistemas naturais Agroecossistemas Produtividade líquida Média Alta Interações tróficas Complexas Simples, lineares Diversidade de espécies Alta Baixa Diversidade genética Alta Baixa Ciclos de nutrientes Fechados Abertos Estabilidade (resiliência) Alta Baixa Controle humano Independente Dependente Permanência temporal Longa Curta Heterogeneidade do habitat Complexa Simples Fonte: Gliessman (2001).

16 10. Ecossistemas naturais e agroecossistemas sustentáveis Apesar dos contrastes agudos apontados, sistemas reais de ambos os tipos existem num contínuo. Poucos ecossistemas naturais são verdadeiramente naturais no sentido de serem completamente independentes da influência humana. Por outro lado os agroecossistemas podem variar bastante em sua necessidade de interferência humana e insumos. Os agroecossistemas podem ser desenhados para se aproximarem de ecossistemas naturais, em termos de características como diversidade, ciclagem de nutrientes e heterogeneidade de habitats. Fisicamente, os limites espaciais de um agroecossistema, como aqueles de um ecossistema, são algo arbitrários, sendo na prática equivalente a uma unidade produtiva rural individual, embora pudesse facilmente ser uma lavoura ou conjunto de unidades vizinhas. Outro aspecto envolve a relação entre um agroecossistema abstrato ou concreto e sua relação e conexão com os mundos social e natural circundantes. O agroecossistema, por sua natureza, faz parte de ambos. Uma teia de conexões se espalha a partir de cada agroecossistema para dentro da sociedade humana e de ecossistemas naturais. Na prática deve-se distinguir entre o que é externo e interno em um agroecossistema, tornando-se necessário quando se analisam os insumos, uma vez que algo não pode ser um insumo a menos que venha de fora do sistema. A convenção seguida é usar a fronteira espacial de uma agroecossistema (explícita ou implícita) como a linha divisória entre o interno e o externo. Insumos fornecidos pelo homem, portanto, qualquer substância ou fonte de energia de fora das fronteiras espaciais do sistema é um insumo humano externo (agrotóxicos, fertilizantes, sementes híbridas, combustíveis fósseis, tratores, irrigação, trabalho humano não residente na unidade produtivo). Há também insumos naturais: radiação solar, precipitação, vento, sedimentos depositados por enchentes e os propágulos de plantas. O desafio de criar agroecossistemas sustentáveis é o de alcançar características semelhantes às de ecossistemas naturais, mantendo a produção para ser colhida. No trabalho em direção à sustentabilidade, o responsável se esforça, tanto quanto possível, para usar o conceito de ecossistema no desenho e manejo do agroecossistema. O fluxo de energia pode ser desenhado para depender menos de recursos não renováveis, alcançando-se um equilíbrio melhor entre o uso de energia para manter os processos internos do sistema e aquele disponível para a exportação, na forma de produtos que podem ser colhidos. O produtor pode esforçar-se para desenvolver e manter ciclos de nutrientes que sejam tão fechados quanto possível, a fim de reduzir as perdas de nutrientes do sistema e buscar maneiras sustentáveis de fazer retornar, para a unidade produtiva, os nutrientes exportados. Um agroecossistema deve incorporar a qualidade de ecossistema natural de resiliência, estabilidade, produtividade e equilíbrio dinâmico necessário para estabelecer uma base ecológica de sustentabilidade. À medida que se reduz o uso de insumos humanos externos no controle dos processos do agroecossistema, pode-se esperar uma mudança de sistemas

17 dependentes de insumos artificiais para sistemas desenhados para usar processos e interações de ecossistemas naturais, além de materiais derivativos de dentro do sistema. 11. Bibliografia ARAUJO FILHO, J. A. & CARVALHO, F.C. Desenvolvimento sustentado da caatinga. In: ALVAREZ V., V.H.; FONTES, L.E.F. & FONTES, M.P.F., eds. O solo nos grandes domínios morfoclimáticos do Brasil e o desenvolvimento sustentado. Viçosa, DPS/UFV, 1996. p.125-134. ARAÚJO FILHO, J.A. & BARBOSA, T.M.B. Manejo agroflorestal da caatinga: uma proposta de sistema de produção. In: OLIVEIRA, T.S.; ASSIS Jr.; R.N.; ROMERO, R.E. & SILVA, J.R.C., eds. Agricultura, -sustentabilidade e o semi-árido. Fortaleza, DCS/UFC, 2000, p.47-56. ARAÚJO FILHO, J.A. & CARVALHO, F.C. Desenvolvimento sustentado da caatinga. Sobral, EMBRAPA, CNPC, 1996. 23p. FIGUEIREDO, M.A., VERDE, L.W.L., CORRÊA, H.B., MIRANDA, P.T.C.; FERNANDES, A., BRAID, E.C.M., SILVA, E.V. & CAMPOS, J.A. Relatório técnicocientífico sobre recursos biológicos e condições de biodiversidade. In: Recursos biológicos e condições de biodiversidade. Fortaleza, Projeto Áridas, [s.n.], 1994. p.142-155. (Projeto Áridas). GLIESSMAN, S.R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.653p. MENEZES, R.S.C. & SAMPAIO, E.V.S.B. Agricultura sustentável no semi-árido nordestino. In: OLIVEIRA, T.S.; ASSIS Jr., R.N.; ROMERO, R.E. & SILVA, J.R.C., eds. Agricultura, sustentabilidade e o semi-árido. Fortaleza, DCS/UFC, 2000. p.20-46. MENEZES, R.S.C. & SAMPAIO, E.V.S.B. Agricultura sustentável no semi-árido nordestino. In: OLIVEIRA, T.S.; ASSIS Jr., R.N.; ROMERO, R.E. & SILVA, J.R.C., eds. Agricultura, sustentabilidade e o semi-árido. Fortaleza, DCS/UFC, 2000. p.20-46. PNUD-FAO-IBAMA. Plano de manejo florestal para a região do Seridó do Rio Grande do Norte. Natal, IBAMA. 1992. 3 v. PNUD-FAO-IBAMA-SUDENE. Documentos e relatório final: I Reunião sobre o Desenvolvimento do Setor Florestal do Nordeste. Recife, 1993. SÁ, I.B.; FOTIUS, G.A. & RICHÉ, G.R. Degradação ambiental e reabilitação natural do Trópico Semi árido brasileiro. In: CONFERÊNCIA NACIONAL E SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO DA DESERTIFICAÇÃO. Fortaleza, ESQUEL, Governo do Ceará, 1994. SAMPAIO, E.V.S.B. & SALCEDO, I. Diretizes para o manejo sustentável dos solos brasileiros: região semi-árida. In: XXVI CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO SOLO. Anais. Rio de Janeiro, 1997. (CD ROOM).