Doenças Crônicas. uma nova transição. Paulo A. Lotufo. FMUSP Coordenador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP



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Transcrição:

Doenças Crônicas uma nova transição Paulo A. Lotufo Professor Titular de Clínica Médica FMUSP Coordenador do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica da USP

esclarecimentos O termo doença crônica pode ser aplicado a: (1) doença/incapacidade prolongada ou (2) doença não-transmissível Essa apresentação irá considerar doença crônica Essa apresentação irá considerar doença crônica como não-transmissível aceitando incongruências como (1) incluir a morte súbita como crônica. (2) excluir aids como doença crônica.

a velha transição epidemiológica 80 60 40 20 BRASIL infecciosas crônicas m o r ta lid a d e p r o p o r c io n a l (% ) 0 1900 1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 ano

Transição da fecundidade no Brasil, 1940 a 2010 o fato mais relevante do século XXI para o Brasil 2,1 = fecundidade ao nível de reposição

estrutura etária brasileira 1950-2030 Brasil 1950 80+ Brasil 1980 80+ 70-74 70-74 60-64 60-64 50-54 50-54 40-44 40-44 30-34 30-34 20-24 20-24 10-14 10-14 0-4 0-4 (9000) (4000) 1000 6000 (9000) (4000) 1000 6000 Brasil 2000 80+ 70-74 60-64 Brasil 2030 80+ 70-74 60-64 50-54 50-54 40-44 40-44 30-34 30-34 20-24 20-24 10-14 10-14 0-4 0-4 (9000) (4000) 1000 6000 (9000) (4000) 1000 6000

crescimento relativo de 3 grupos etários Brasil, 1950-2050 100% 80% 60% 40% 20% 0% 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020 2030 2040 2050 0-14 15-64 65+ Fonte: ONU - http://esa.un.org/unpp - visitado em 10 de setembro de 2007

mortalidade prematura em homens, Brasil 2010 coronariana 58.230 avc 50.536 agressões 47.749 acid transporte 35.836 miocardiopatias 32.596 pneumonia 27.443 diabetes 24.002 dpoc 23.432 hipertensão 21.190 d. figado 20.134 ca pulmão 13.677 ca próstata 12.778 ca estômago 8.633 aids 7.980 ca cólon 6.452 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000

mortalidade prematura em mulheres, Brasil 2010 avc 49.190 coronariana 41.719 miocardiopatias 32.041 diabetes 30.872 pneumonia 27.607 hipertensão 23.862 dpoc 17.174 ca mama 12.705 ca pulmão 8.190 acid transporte 8.058 ca cólon 6.892 d. figado 5.705. 086 Insuficiência renal 5.094 ca estômago 4.768 agressões 4.465 aids 4.169 0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000

Mitos relacionados à doenças cardiovasculares (e, crônicas) (Klein, Costa, 1985) não-redutíveis, um componente do processo de envelhecimento; próprias de países desenvolvidos; próprias das pessoas ricas;

não-redutíveis, um componente do processo de envelhecimento o risco de morte por AVC agudo diminuiu

próprias de países desenvolvidos; HOMENS MULHERES FINLÂNDIA 490 RIO DE JANEIRO 143 HUNGRIA 446 HUNGRIA 131 INGLATERRA 419 PORTO ALEGRE 124 PORTO ALEGRE 402 INGLATERRA 114 RIO DE JANEIRO 400 SÃO PAULO 108 SÃO PAULO 306 RECIFE 101 ESTADOS UNIDOS 303 ESTADOS UNIDOS 89 RECIFE 275 FINLÂNDIA 88-100 100 300 500 0 50 100 150 200 mortalidade coronariana precoce (45 a 64 anos) 1984-87 (taxa por 100.000) Lotufo PA tese de doutorado, 1996 FSP/USP

mortalidade cardíaca São Paulo por renda próprias das pessoas ricas

agenda do Século XX

acidente vascular cerebral: fase inicial MORTALIDADE INCIDÊNCIA LETALIDADE H I P E R T E N S Ã O H I P E R T E N S Ã O PREVALÊNCIA

acidente vascular cerebral: fase atual INCIDÊNCIA LETALIDADE MORTALIDADE H I P E R T E N S Ã O H I P E R T E N S Ã O PREVALÊNCIA

as taxas de morte com sequelas aumentaram

15 a prevalência se eleva prevalencia (%) 10 5 0 35 a 44 45 a 54 55 a 64 65 to 74 >=75 homens 2,2 4,4 5 14,8 12,5 mulheres 4,3 8,8 8,8 9,2 15 idade

agenda do Século XXI

custo da terapia renal substitutiva no SUS 2011 2 1,81 1,54 1,64 1,32 1,39 1,35 1,16 bilhão de R$ 1 0,83 0,94 1,03 0,66 0,73 metade do orçamento de Salvador (BA) 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Custo de internação por faixa etária Brasil 2009 25.000.000 coronariana R$/1 milhão de habitantes 20.000.000 15.000.000 10.000.000 5.000.000 insuf cardíaca dpoc cerebrovascular frat femur 0 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69 70 a 79 80 e + faixa etária Lotufo PA, 2006 fonte: DATASUS, 2006

um caso clínico década a década Homem de 55 anos, hipertenso, diabético que está com dor no peito intensa. ANOS 70: fumante em grande quantidade, demora para procurar auxílio, morre subitamente.

um caso clínico década a década Homem de 55 anos, hipertenso, diabético que está com dor no peito intensa. ANOS 80: fumante em grande quantidade, procura auxílio médico, é internado, operado, morre dois anos depois com novo infarto.

um caso clínico década a década Homem de 55 anos, hipertenso, diabético que está com dor no peito intensa. ANOS 90: fumante em pequena quantidade, procura auxílio médico, é internado, operado, aos 70 anos é diagnosticado com insuficiência renal crônica, morre dois anos depois em diálise.

um caso clínico década a década Homem de 65 anos, hipertenso, diabético que está com dor no peito intensa. ANOS 2000: ex-fumante em pequena quantidade, procura auxílio médico, é internado, operado, aos 70 anos é diagnosticado com insuficiência renal crônica e está em diálise há 8 anos. Diagnosticado câncer de cólon, operado e tratado.

um caso clínico década a década Homem de 65 anos, hipertenso, diabético que está com dor no peito intensa. ANOS 2010: nunca fumou, procura auxílio médico de imediato, não é necessário cirurgia. Aos 75 anos será diagnosticado com insuficiência renal crônica. Depois de 10 anos, com 85 anos será diagnosticado câncer de cólon, operado e tratado. Aos 90 anos estará com degeneração macular.

a nova transição - A morbidade se comprime nas faixas etárias para elevadas - A qualidade do atendimento médico de emergência melhora - A letalidade das principais doenças se reduz - O tabagismo se reduz - A obesidade aumenta

conclusão os determinantes demográficos e epidemiológicos conduzem ao processo de compressão da morbidade. a mortalidade tem sua participação reduzida na composição dos indicadores epidemiológico em detrimento da qualidade de vida, um conceito ainda bem operacionalizado. o fator custo passa ter uma expressão maior na decisão das políticas de atenção médica. o debate de o que fazer será cada vez menos técnico e mais político. Qual a saída para esse impasse estrutural?