Carcará Texto de Lázaro Santos Cena 1 (Tião entra em cena, cansado, com um cajado na mão, olha pro horizonte, faz sinal negativo com a cabeça) Tião - Hoje já é dia de São José, e ainda não choveu. (chama) Dinho! Ô Dinho! Dinho! Dinho - O que foi Tio? Tião - Já deu a comida dos bichos? Dinho - Eu dei as ultimas ramas... Acabou... Pra amanhã não tem nada. O senhor não acha que é hora de ir. O pessoal da fazenda do coronel já foi todo mundo embora... Já abriram as porteiras do curral, num tem mais trabalho pra ninguém. Tião - (indignado) Pois eu não! Enquanto houver um pé de mandacaru ou juazeiro e água no açude, eu cuido do que é meu. E se faltar rama, se inventa outra coisa. Essa num é a primeira seca da minha vida... quem come a carne tem de roer o osso! Dinho - Tio, vamos embora enquanto é tempo! Agente pega a burrinha, a carroça e partimos a amanhã mesmo. Tião - Já disse que não vou! (entra catarina) Catarina - Escute Dinho, meu pai! Tião - Deixa de conversa menina! Catarina - Daqui a uns dias acaba a comida. E a gente vai ficar aqui! Comendo cinza até morrer de fome! Dinho - Vamos seguir viagem enquanto temos comida pra viagem, tio. Me escute pelo amor de Deus! Tião - Minha decisão já esta tomada! Daqui eu não saio! (sai) Catarina - Cabeça dura.
Dinho - É muito orgulhoso, mas ele vai pensar direito. Tenho certeza que ele vai perceber que não dá mais! (saem de cena) Cena 2 (entra Tião, fica matutando até que pega no sono por ali mesmo. De repente ouvese som de tambores, como se fosse um sonho entra uma figura demoníaca e acorda Tião. ) Figura - Tião! Eu vim te buscar. Tião - Quem é você? Figura - Eu? Eu sou a fome, a seca, a morte. A desgraça da humanidade! Tião - O que você quer comigo? Figura - Quero te levar, como levei teu Pai, teu avô e todos os teus antepassados! Tião - Me leva nada coisa ruim, Nossa Senhora num vai me deixar uma hora dessas! Figura - Você sabe o que tem que fazer pra eu não lhe levar. Essa terra é minha Tião, minha! (Tião se joga ao chão e começa rezar com o rosto no chão, a figura dá gargalhadas, gritos, urros, e logo após sai. Tião desperta como se estivesse saído de um pesadelo, ele entendeu o recado. fica sentado pensando, levanta-se e chama Dinho) Tião - Dinho! Dinho - Sim Tio! Tião - Chame Catarina, arrume as trouxas e vamos embora! Dinho - Tio... Tião - Vá logo, que temos uma longa caminhada para fazer! Cena 3 (Quadros vivos da viagem dos três)
Cena 4 (Catarina e Tião descansam, sentados. Catarina está exausta e Tião tenta reerguer a menina) Catarina - Que fome pai! Tião - Aguenta menina! Só mais algumas horas. Tome beba um pouco de água! Dinho - (entra) Tio logo ali mais adiante tem um bom lugar para passarmos a noite! Tião - Então vamos! Que é isso Catarina? Catarina - Estou com muita fome pai! Não vou aguentar dar mais nenhum passo. Tião - Catarina, não se preocupe. Eu levo você nas costas! Catarina - Não pai. Eu só vou atrasar vocês... Dinho - Pare com isso! Você sabe que não vamos deixar você aqui... Catarina - Eu não aguento mais sair daqui, eu não sinto mais as minhas pernas. Eu vou morrer de todo jeito! Dinho - Não diga isso! Tião - Filha, pelo amor de Nossa Senhora! Catarina - É pelo amor dela que eu peço que vá, vá. Vão agora!!!!! Dinho - (chorando) Tio. Pegue ela e vamos embora... Catarina - Pai, vá! Vá, vá! Tião - Ela tem razão, ela não vai aguentar mais caminhada! Vamos Dinho! Dinho - Tio, pelo amor de Deus não faça isso! Tião - Cale a boca Dinho, isso é uma ordem. Não me desobedeça! Dinho - Desculpe tio, mas essa é uma ordem sua que eu não vou obedecer! Catarina - Dinho, não faça isso. Me deixe aqui, Nossa Senhora Mãe do Senhor Jesus irá me guardar! Olhe, fique sabendo que você foi um irmão pra mim! Eu nunca vou lhe esquecer viu. Dinho - Eu não queria que acabasse assim. Meu Deus, que pesadelo é esse que nunca acaba...
Catarina - Agora vão! Tião - Certo minha filha. Vamos Dinho, não podemos perder mais tempo. (Dinho Vai a frente chorando, quando Tião olha pra trás, vê a figura do seu sonho que fica atormentando Catarina. Logo após entra uma mulher, como se fosse Nossa Senhora e protege Catarina, Tião fica aliviado e vai embora. A Figura fica furiosa e sai. Catarina morre nos braços da mulher que a pega nos braços e a leva embora.) Cena 5 (Dinho e Tião estão no limite, cansados, com fome, com sede. o corpo não responde mais) Dinho - Se eu não comer alguma coisa agora, eu não sei se vou aguentar mais meia hora. Tião - Não se entregue! É nessas horas que devemos buscar forças! Dinho - Faz quatro dias que não comemos. Eu estou cansado de buscar forças de onde não tenho! Acabou! Pra mim é o fim da linha. Tião - Nem que eu lhe leve nas costas! Dinho - Acabou tio! Acabou-se! Tião - Nossa Senhora me dê uma luz, um sinal, qualquer coisa. Dinho - ( avista fora da cena alguma coisa) Oxente tio. O que é aquilo! Tião - Onde Dinho! Dinho - Ali Tio, junto das torcera de mato seco. Tião - Será que tá vivo! É um cabritinho... Dinho - Tá morto tio. Tião - É muita sorte, eu disse que Nossa Senhora ia nos ajudar! Dinho - (vai chegando perto do animal) Pelo cheiro, faz uns três dias que morreu. Tião - E não almoço de Urubu? Só pode ser Deus. Dinho - O senhor vai comer isso.
Tião - E tem outro jeito. morrer de fome eu não vou! Me dê a faca. Dinho - Tio... (tião sai de cena com a faca, Dinho vai pro meio do palco e senta. A figura do sonho de Tião entra em cena e começa a fintar Dinho que se sente incomodado. Tião entra e vê a figura, mas a ignora.) Tião - (comendo a carne podre) Tome Dinho, coma. O sabor não está bom, mas já esta aliviando a minha fome... Dinho - Eu não consigo tio. O cheiro... (Dinho vai ficando fraco e a figura fica mais descontrolada, como se estivesse ganhando a guerra) Tião - Dinho, coma pelo amor de Nossa Senhora. É a nossa única salvação. Não hesite, se não você vai morrer. Sua vida vale mais do que esse pedaço de carne... Você não vê o carcará? Pra sobreviver ele come carniça e até cobra queimada. Seja um carcará e coma essa carne, lute, amanhã não se sabe... mas hoje... viva! Dinho - Tem razão tio. Carcará! (pega a carne e começa a comer e engolir com dificuldade) Tião - Isso! Coma Dinho! Dinho - (vai tomando gosto) Até que não é tão ruim assim. (Dinho começa a comer, a figura vai se afastando de Dinho. Tião olha pra figura e começa a rir, Nossa Senhora surge atrás de Tião e Dinho. A figura se sente incomodada e foge. Nossa Senhora vela por Dinho e Tião que comem felizes) Dinho - De fome a gente não morre mais! Tião - É Dinho, porque carcará num vai morrer de fome! Fim.
Apresentação Carcará, de autoria e direção de Lázaro Santos, é uma realização da Equipe Cubo 21 que traz um espetáculo regional, para todas as idades. O texto narra a história de Tião e sua trajetória para fugir da seca e de seus medos. Onde ele encara a morte de sua filha, a fome e a seca ao lado de seu sobrinho (Dinho). O desenrolar da história traz muitos conflitos dos personagens com eles próprios, levando o público a muitas vezes se emocionar com os personagens. A fé de Tião por muitas vezes o leva a tomar decisões difíceis, e nos deixando a pergunta: Será que eu faria igual? A personalidade de Tião nos leva a pensar sobre o que é um homem que vive no sertão em meio a tanta dificuldade. No decorrer da narrativa Tião obtém o equilíbrio mental e começa a ver o mundo de outra forma. A sua jornada, então, representa uma jornada de autoconhecimento e amadurecimento, exterior e interior. O texto nos leva discutir e refletir importantes aspectos sobre o comportamento do ser humano quando ele chega ao seu limite físico e mental. Por este motivo, elaboramos este projeto para apresentar as idéias e os aspectos técnicos do espetáculo através de objetivos, justificativa e concepção de encenação. A motivação de nosso grupo para montagem deste espetáculo é a nossa identificação com os assuntos retratados no texto como a seca, os sertanejos, a morte, a fome, a fé e equilíbrio do ser humano. A forma realista do autor de abordar os conflitos ajudam a contribuir com uma boa qualidade cênica investindo em uma temática que sensibilize a platéia.. Sinopse Tião é sertanejo acostumado com a seca, mas se vê obrigado a deixar suas terras quando uma seca terrível assola a região. Acompanhado de sua filha Catarina e de seu sobrinho Dinho, Tião inicia uma jornada para fugir da seca. Atormentado por uma Figura demoníaca que vive na sua mente, ele busca forças em sua fé por Nossa Senhora. No meio de sua jornada, já convivendo com a fome, Tião perde sua filha Catarina que se torna mais uma vitima da seca. Abalado pela morte da filha, Tião
agora só tem seu sobrinho Dinho. Depois de tanto andar a fome aperta e os dois se vêem sem saída, mas um animal morto na estrada renova as esperanças dos dois que comem o animal mesmo ele já cheirando mal, provando assim que eram dignos de vencer a seca.