ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS RELACIONADOS AOS RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES URBANOS: UM ESTUDO DE CASO



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Transcrição:

ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS RELACIONADOS AOS RESÍDUOS SÓLIDOS DOMICILIARES URBANOS: UM ESTUDO DE CASO Luiz Roberto Santos Moraes (1) Engenheiro Civil, EP/UFBA, 1973; Engenheiro Sanitarista, FSP/USP, 1974; M.Sc. em Engenharia Sanitária, IHE/Delft, 1977; Ph.D. em Epidemiologia/Saúde Ambiental, LSHTM/ Univ. de Londres, 1996; Engenheiro da EMBASA, 1975/1980; Professor Adjunto do DHS/EP/UFBA, 1979 até o presente. Endereço (1) : Rua Aristides Novis, 2 - Federação - Salvador - BA - CEP: 40210-630 - Brasil - Tel/fax: (071) 245-6126 - e-mail: moraes@ufba.br. RESUMO Diversos autores consideram o lixo como um dos determinantes da estrutura epidemiológica da comunidade, exercendo sua ação sobre a incidência das doenças ao lado de outros fatores. Do ponto de vista sanitário a importância do lixo como causa direta não está comprovada. Porém, como fator indireto, o lixo tem grande importância na transmissão de doenças como exemplo através de vetores como artrópodes e roedores que encontram no lixo alimento e condições adequadas de proliferação. O presente trabalho tem como objetivo estudar aspectos epidemiológicos relacionados aos resíduos sólidos domiciliares urbanos, através de um estudo de caso desenvolvido em áreas periurbanas de Salvador. Como indicadores epidemioló gicos foram utilizados a incidência de diarréia e o estado nutricional expresso por indicadores antropométricos em crianças menores de 5 anos e a infecção por nematóides intestinais expressa pela prevalência de Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos em crianças entre 5 e 14 anos. Os resultados apresentam a prevalência dos três nematóides maiores nas crianças dos domicílios que não dispõem de coleta de lixo que naquelas de domicílios com coleta regular sendo a diferença estatisticamente significante. Comportamento semelhante é também observado com relação a incidência de diarréia e o estado nutricional. PALAVRAS-CHAVE: Resíduos Sólidos, Impacto na Saúde, Helmintoses Intestinais, Diarréia, Estado Nutricional. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1643

INTRODUÇÃO Diversos autores consideram o lixo como um dos determinantes da estrutura epidemiológica da comunidade, exercendo sua ação sobre a incidência das doenças ao lado de outros fatores. Do ponto de vista sanitário a importância do lixo como causa direta de doenças não está muito comprovada. Porém, como fator indireto, o lixo tem grande importância na transmissão de doenças como por exemplo através de vetores como artrópodes - moscas, mosquitos, baratas - e roedores que encontram no lixo alimento e condições adequadas de proliferação (SCHMID, 1965; FORATTINI, 1969; OLIVEIRA, 1975; ROCHA & LINDENBERG, 1990; BERTUSSI FILHO, 1994). Segundo a FNS (1995), o lixo constitui problema sanitário de importância quando não recebe os cuidados convenientes e as medidas adotadas para sua solução adequada têm, sob o aspecto sanitário, objetivo comum a outras medidas de saneamento: de prevenir e controlar doenças a ele relacionadas. Estudo da Organização Pan-Americana da Saúde conclui que a correta solução do problema do lixo resulta na redução de 90% das moscas, 65% dos ratos e 45% dos mosquitos (OPAS, 1962). ZANON (1991) observa que o risco potencial de transmissão direta de doenças infecciosas por qualquer tipo de resíduo sólido dependerá: a) da presença de um agente infeccioso; b) da sua capacidade de sobrevivência no lixo; e c) da possibilidade de sua transmissão do lixo para um hospedeiro susceptível. Contudo, estudos de associação entre manejo e disposição inadequados de lixo e morbidade infantil não é de fácil realização, além de serem escassos na literatura (HANKS, 1967; CATAPRETA, 1997), e os resultados dependem de um número considerável de outros fatores para sua interpretação adequada. OBJETIVO O presente trabalho tem como objetivo estudar aspectos epidemiológicos relacionados aos resíduos sólidos domiciliares urbanos, através de um estudo de caso desenvolvido em áreas periurbanas da cidade de Salvador. METODOLOGIA A escolha dos indicadores epidemiológicos foi feita após extensa revisão da literatura sobre o assunto, sendo utilizados a morbidade por doença diarreica expressa pela incidência de diarréia (n o. de episódios/criança.ano), o estado nutricional expresso através de indicadores antropométricos (escores-z de altura/idade, de peso/idade e de peso/altura) e a infecção por 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1644

nematóides intestinais expressa pela prevalência de Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1645

Como variável independente principal, considerou-se a coleta de lixo domiciliar no ambiente público, definida com três categorias: regular (diária, alternada ou semanal podendo ser portaa-porta, de caixa estacionária ou de ponto de lixo), irregular (mensal ou esporádica de caixa estacionária ou ponto de lixo) e não coletado (vazado em terreno baldio, canal ou quintal). A variável, tipo de acondicionamento domiciliar do lixo, foi também considerada e definida com três categorias: adequado (saco plástico, lata ou balde com tampa), inadequado (caixa de papelão, caixote de madeira ou balde sem tampa) e sem acondicionamento. O Projeto AISAM - Avaliação do Impacto das Ações de Saneamento Ambiental em Áreas Periurbanas de Salvador, realizado em nove assentamentos humanos, embora tendo como objetivo principal avaliar o efeito sobre a saúde da população das soluções de esgotamento sanitário, oportunizou também a coleta de dados de outros fatores ambientais incluindo o acondicionamento e a coleta do lixo, além de fatores demográficos, culturais e sócioeconômicos (MORAES, 1996). Desta forma, pôde-se analisar os dados coletados sobre lixo estudando-se sua associação com alguns indicadores epidemiológicos. A população de estudo foi formada por crianças menores de 15 anos de idade residentes em nove assentamentos da periferia de Salvador. As crianças menores de 5 anos de idade foram acompanhadas durante um ano num estudo longitudinal (follow-up), para estimar a incidência de diarréia, e em estudos seccionais espaçados de dois em dois meses para medição de peso e de altura. As de idade entre 5 e 14 anos foram observadas em três estudos seccionais, sendo dois deles para avaliar a reinfecção (MORAES, 1996). Com o objetivo de coletar as histórias de diarréia das 1.204 crianças menores de 5 anos de idade participantes do estudo, adotou-se um sistema de registro diário pelas mães através calendário quinzenal desenhado especialmente para esta finalidade. As mães foram estimuladas a relembrar diariamente com sinal "+" ou "-" se cada uma das suas crianças tiveram ou não diarréia aquele dia. Além disso, as mães foram entrevistadas sobre episódios de diarréia nas suas crianças. As entrevistas foram realizadas em intervalos quinzenais no fim do qual, o calendário preenchido foi coletado e um novo entregue à mãe. Visando estudar o estado nutricional das crianças e a sua possível associação com a variável coleta do lixo domiciliar, foram realizadas medições antropométricas nas mesmas crianças observadas quanto à diarréia. O peso foi medido mensalmente através de balança portátil com precisão de ±100g e a estatura medida de dois em dois meses, utilizando-se antropômetro de madeira com precisão de ±0,5cm. Amostras para exame parasitológico de fezes foram coletadas em 1.893 crianças entre 5 e 14 anos, com particular atenção para identificação e contagem de ovos dos três nematóides estudados através da técnica de Kato como descrito por KATZ et al. (1972). 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1646

Informações sobre um grande número de variáveis intervenientes sócio -econômicas, culturais e demográficas, e de outras variáveis ambientais, além da coleta de lixo, foram também coletadas, para fins de controle quando das análises estatísticas. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1647

Os dados foram armazenados em microcomputador utilizando-se o software DBASE III+ e analisados com o pacote estatístico SPSS/PC+ versão 4.01. Os dados de peso e estatura foram transformados em indicadores antropométricos com a utilização do software CASP (JORDAN, 1987). Cálculos de prevalência de nematóides, incidência de diarréia, escores z de altura/idade, peso/idade e peso/altura, testes de qui-quadrado e análises de variância e de regressão logística foram realizadas (NORUSIS, 1990). RESULTADOS A Tabela 1 apresenta a prevalência de Ascaris lumbricoides nas crianças de domicílios que não dispõem de coleta do lixo igual a 65,0%, reduzindo para 43,3% quando há coleta irregular e para 41,0% quando a coleta é regular. Tendência semelhante é encontrada para a prevalência de Trichuris trichiura, 86,8% (não coletado), 73,1% (coleta irregular) e 66,3% (coleta regular). Para os ancilostomídeos a prevalência foi de 23,5%, 8,5% e 9,8% para as crianças residentes em domicílios sem coleta, com coleta irregular e regular, respectivamente. O teste de tendência para todos os três nematóides apresenta resultados estatisticamente significantes (p<0,00001). Tabela 1. Coleta de lixo e infecções com nematóides intestinais (n=1.893). Coleta de lixo N Ascaris Trichuris ancilóstomo n % * n % ** n % *** Regular 590 242 41,0 391 66,3 58 9,8 Irregular 614 266 43,3 449 73,1 52 8,5 Não coletado 689 448 65,0 598 86,8 162 23,5 * X 2 MH= 76,36; p<0.00001; ** X 2 MH= 76,64; p<0.00001; *** X 2 MH= 51,39; p<0.00001 A Tabela 2 mostra a associação estatisticamente significante entre a variável acondicionamento domiciliar do lixo e a prevalência dos nematóides estudados, notando-se maiores prevalências para as crianças residentes em domicílios sem acondicionamento quando comparados com os domicílios em que o lixo é adequadamente acondicionado (p < 0,00001). Tabela 2. Tipo de acondicionamento domiciliar de lixo e infecções com nematóides intestinais (n=1.893). Tipo de acondicionamento N Ascaris Trichuris ancilóstomo n % * n % ** n % *** Adequado 1062 450 42,9 731 68,8 108 10,2 Inadequado 691 407 58,9 583 84,4 130 18,8 Sem acondicionamento 140 99 70,7 124 88,6 34 24,3 * X 2 MH= 69,77; p<0,00001; ** X 2 MH= 64,31; p<0,00001; *** X 2 MH= 36,901; p<0,00001 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1648

Os fatores de risco que mostraram associação estatisticamente significativa quando analisados isoladamente com a prevalência dos nematóides estudados como, idade e sexo da criança, número de moradores no domicílio, aglomeração (n o. de pessoas/cômodo), renda mensal familiar per capita, religião, presença de lavatório, piso do domicílio e disposição dos excretas humanos/esgotos sanitários, foram selecionados como variáveis potencialmente confundidoras para inclusão nas análises multivariadas de regressão logística. Considerando o odds ratio - OR (ou estimativa de risco relativo, que mede a associação entre o fator de risco e doença) igual a 1, para a coleta regular do lixo, os valores obtidos com os respectivos intervalos de confiança a 95% (quando este não inclui a unidade, a associação entre exposição e doença e estatisticamente significativa), para coleta irregular e não coletado foram 1,10 (1,09-1,11) e 2,67 (2,37-3,00) para Ascaris lumbricoides, 1,38 (1,31-1,45) e 3,34 (2,90-3,85) para Trichuris trichiura e 0,85 (0,83-0,87) e 2,82 (2,39-3,33) para ancilostomídeos, respectivamente. Quando estes valores foram ajustados considerando as variáveis potencialmente confundidoras, eles tornaram-se 1,05 (1,04-1,06) e 1,89 (1,63-2,19) para Ascaris lumbricoides, 1,20 (1,13-1,28) e 1,91 (1,62-2,25) para Trichuris trichiura e 0,77 (0,73-0,81) e 1,89 (1,56-2,29) para ancilostomídeos, podendo então ser notado que após o ajuste, o odds ratio estimado é um pouco menor em relação ao não ajustado (crú) e que a associação entre a prevalência e coleta de lixo continua altamente significante (p<0,0001) para os três nematóides. Quanto a incidência de diarréia, as crianças residentes em domicílios/logradouros sem coleta de lixo, com coleta irregular e com coleta regular apresentaram 5,04, 2,86 e 1,77 episódios/ criança.ano, respectivamente (Tabela 3). A relação de densidade de incidência entre as crianças residentes em domicílios/logradouros com coleta regular e sem coleta foi de 0,35 e de 0,57 entre coleta irregular e sem coleta, significando que as crianças residentes em domicílios/logradouros com coleta regular e irregular experimentaram respectivamente, 65% e 43% menos episódios de diarréia que aquelas que residiam em locais sem coleta de lixo. Como pode ser observado na Tabela 4 houve também uma associação estatisticamente significante entre acondicionamento domiciliar do lixo e incidência de diarréia (p < 0,001). Em relação ao estado nutricional, as crianças residentes em domicílios/logradouros sem coleta de lixo e sem acondicionamento domiciliar, apresentaram menores z-scores de altura/idade (p<0,001) e de peso/idade (p<0,05) que as que dispunham de coleta de lixo irregular e regular (Tabelas 5 e 6). Tabela 3. Coleta de lixo e incidência de diarréia (n=1.017). Coleta de lixo % episódios por criança por ano **a Regular 31,3 1,77 Irregular 30,3 2,86 *b Não coletado 38,4 5,04 ** a Análise de variância unidirecional usada para comparação de incidências médias: valores de p apresentado abaixo 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1649

b Significância da diferença de incidência em relação ao nível menos exposto * p<0,01 e ** p<0,001 Tabela 4. Tipo de acondicionamento domiciliar de lixo e incidência de diarréia (n=1.017). Tipo de acondicionamento % episódios por criança por ano **a Adequado 57,6 2,54 Inadequado 32,5 4,18 **b Sem acondicionamento 9,9 5,49 ** a Análise de variância unidirecional usada para comparação de incidências médias: valor de p apresentado abaixo b Significância da diferença de incidência em relação ao nível menos exposto ** p<0,001 Tabela 5. Coleta de lixo e estado nutricional (n=1.074). Coleta de lixo indicadores antropométricos altura/idade peso/idade peso/altura Regular -0,51-0,33-0,04 Irregular -0,64-0,57-0,20 Não coletado -1,04-0,65-0,06 Valor de p a <0,001 <0,05 NS b _ a Análise de variância unidirecional usada para comparação de médias b NS= não significante (p>0,05) Tabela 6. Tipo de acondicionamento domiciliar de lixo e estado nutricional (n=1.074). Tipo de acondicionamento indicadores antropométricos altura/idade peso/idade peso/altura Adequado -0,62-0,45-0,10 Inadequado -0,80-0,53-0,08 Sem acondicionamento -1,24-0,86-0,15 Valor de p a <0,001 <0,05 NS b a Análise de variância unidirecional usada para comparação de médias b NS= não significante (p>0,05). 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1650

CONCLUSÃO Os resultados do presente estudo mostram com alguma evidência, uma associação estatisticamente significante entre a coleta do lixo domiciliar no ambiente de domínio público e a prevalência de Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura e ancilostomídeos em crianças entre 5 e 14 anos de idade, e a incidência de diarréia e o estado nutricional das crianças menores de 5 anos residentes em áreas periurbanas de Salvador, mesmo quando outros fatores sócioeconômicos, culturais, demográficos e ambientais são considerados. Deste modo, os resultados sugerem que a prestação de serviço de coleta domiciliar do lixo contribuiu para controlar a transmissão das doenças estudadas, deixando um residual que depende de outros fatores de risco, dentre eles, o tipo de acondicionamento domiciliar do lixo. A universalização do serviço regular de coleta do lixo vem assim, contribuir para a redução do quadro de morbidade das crianças residentes em áreas carentes deste importante serviço de saneamento ambiental, bem como importância também deve ser dada ã mudança de comportamento das pessoas quanto ao manejo e acondicionamento do lixo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. BERTUSSI FILHO, L. A. Curso de resíduos sólidos de serviços de saúde: gerenciamento, tratamento e destinação final. Curitiba: ABES, 1994. 61p. 2. CATAPRETA, C. A. A. Associação entre coleta de resíduos sólidos domiciliares e indicadores de saúde em vilas e favelas de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Escola de Engenharia da UFMG, 1997. 158p. (Dissertação, Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos). 3. FORATTINI, O. P. Aspectos epidemiológicos ligados ao lixo. In: Lixo e Limpeza Pública. USP- FSP/OMS-OPAS. São Paulo. 1969. p. 3.1-3.19. 4. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Manual de S aneamento. 2 a. ed. Brasília: FNS/DEOPE, 1995. 5. HANKS, T. G. Solid waste/disease relationships. Cincinnati: Department of Health, Education and Welfare/Public Health Services, U. S., 1967. 6. KATZ, N., CHAVES, A., PELLEGRINO, J. A simple device for quantitative stool thick-smear technique in schistosomiasis mansoni. Revista do Instituto de Medicina Tropical, São Paulo, v. 14, p. 397-400, 1972. 7. JORDAN, M. D. CASP Anthropometric Software Package version 3.0. Atlanta, Georgia: Statistics Branch, Division of Nutrition, Center for Health Promotion and Education, The Centers for Disease Control, 1987. 8. MORAES, L. R. S. Health impact of drainage and sewerage in poor urban areas in Salvador, Brazil. Londres: London School of Hygiene and Tropical Medicine-University of London, 1996. 243p. (Tese, Doutorado em Epidemiologia/Saude Ambiental) 9. NORUSIS, M. J., SPSS Inc. SPSS/PC+ Advanced Statistics 4.0 for the IBM PC/ XT/AT and PS/2. Chicago: SPSS Inc., 1990. 10. OLIVEIRA, W. E. Resíduos sólidos e poluição ambiental. Revista DAE, v. 75, n. 2, p. 46-56, 1975. 11. ROCHA, A. A., LINDENBERG, R. C. Impacto dos resíduos sólidos urbanos. In: Resíduos Sólidos e Limpeza Pública. CETESB: São Paulo. 1990. p. 1-13. 12. SCHMID, A. W. Aspectos epidemiológicos ligados ao lixo. In: Seminário sobre o problema do lixo no meio urbano. São Paulo 1965. Anais. São Paulo: FSP/OPAS, 1965. p. 9-20. 13. ZANON, U. Riscos infecciosos imputados ao lixo hospitalar. Realidade epidemiológica ou ficção sanitária? Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 23, n. 3, p. 163-170, jul-set 1990. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 1651