Quando isso não for possível, o juiz, após a exclusão do devedor, determinará o prosseguimento entre os credores, pelo rito comum, com a produção das provas necessárias para a solução. 5.6.3. Consignação de alugueres Além das duas já examinadas, há uma terceira espécie de ação, cujo procedimento se distingue dos demais: a ação de consignação em pagamento de alugueres, regulada nos arts. 67 e ss., da Lei do Inquilinato. O procedimento se assemelha ao da consignação comum, mas há algumas particularidades que o distinguem. São elas: Na consignação comum, se o autor não tiver feito o depósito extrajudicial, nem fizer o judicial quando da propositura da demanda, o juiz determinará que ele o faça em cinco dias. Somente depois do depósito, determinará que o réu seja citado; na consignação de alugueres, estando em termos a petição inicial, o juiz, no mesmo despacho, ordena a citação do réu, e determina o depósito do valor oferecido, no prazo de 24 horas. Na consignação de alugueres, como a prestação é periódica, o autor depositará os que se forem vencendo no curso do processo, tal como na consignação comum. Mas naquela, a lei é expressa: o limite dos depósitos é a sentença (art. 67, III, da Lei do Inquilinato), ao passo que na consignação comum não há previsão legal, prevalecendo o entendimento de que poderá ser feita até o trânsito em julgado. Além disso, na de alugueres, o depósito deve ser efetuado na data do vencimento, ao passo que na comum, até cinco dias depois. Não há autorização expressa da lei para que se faça a consignação dos alugueres extrajudicialmente. Parece-nos que não haverá óbice para que o devedor o faça, já que, naquilo que a Lei do Inquilinato for omissa, será aplicável o procedimento da consignação comum. O enunciado 41 do extinto Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo estabelece: O depósito bancário, a que alude o art. 890 do CPC (atual art. 539) é instrumento de direito material e também se presta à exoneração de obrigações oriundas dos contratos de locação. Quando houver alegação de insuficiência de depósito, o autor poderá complementá-lo no prazo de cinco dias, e não de dez, como na consignação comum (art. 67, VII, da Lei n. 8.245/91), acrescido de multa de 10% sobre o valor da diferença. Haverá essa possibilidade mesmo que o réu credor ofereça reconvenção, postulando o despejo e a condenação ao pagamento do saldo. Se o valor for insuficiente, o juiz não poderá, na consignação de alugueres, condenar o autor ao pagamento do restante, porque o art. 545, 2º, do CPC não se aplica. A situação é regida pelo art. 67, VI, da Lei do Inquilinato. O réu, se quiser a condenação do autor ao pagamento das diferenças, terá de reconvir, caso em que também poderá postular o despejo. Em caso de o réu não contestar a consignação de alugueres, ou de receber os valores oferecidos, o juiz o condenará a pagar honorários advocatícios de 20%. Na consignação comum, não há honorários prefixados. 6. DA AÇÃO DE EXIGIR CONTAS
6.1. Introdução Existem relações jurídicas das quais resulta a obrigação de um dos envolvidos prestar contas a outrem. Isso ocorre quando, por força dessa relação, um deles administra negócios ou interesses alheios, a qualquer título. Aquele que o faz deve prestar contas, apresentar a indicação pormenorizada e detalhada de todos os itens de crédito e débito de sua gestão, para que se possa verificar se, ao final, há saldo credor ou devedor. A prestação de contas serve para aclarar o resultado da gestão, permitindo que se verifique se há saldo em favor de alguém. Quem administra negócios ou bens alheios pode receber valores que devem ser entregues ao titular, e fazer despesas, que devem por este ser repostas. Só por meio dela será possível verificar se há saldo em favor de algum dos envolvidos. Não se admite a prestação de contas se não há necessidade de aclaramento. Quando já é possível saber se há saldo credor ou devedor, sem a prestação de contas, não há interesse na ação, bastando que aquele que tem crédito a seu favor ajuíze ação de cobrança, ou aquele que tem débito ajuíze ação de consignação em pagamento. 6.2. Alguns exemplos de relações das quais resulta a obrigação de prestar contas A lei brasileira enumera situações das quais resulta a obrigação de prestar contas. No Código Civil, podem ser mencionadas: a obrigação do tutor e do curador, pela gestão de bens e negócios do tutelado ou curatelado (art. 1.756); a do sucessor provisório, em relação aos bens dos ausentes (art. 22, caput); a do inventariante e do testamenteiro, por sua gestão à frente do espólio (arts. 2.020 e 1.980); a do mandatário frente ao mandante (art. 668). No Código de Processo Civil:
a do administrador da massa na insolvência; a do administrador de empresas, estabelecimentos e outros bens, que tenham sido penhorados; a do imóvel ou empresa no usufruto executivo; a do curador da herança jacente; eventualmente, do depositário. No Direito Comercial: nos contratos de sociedade, pois qualquer sócio pode pedir aos demais que prestem contas da sua administração da sociedade; nos contratos de comissão e mandato mercantil; o administrador da falência, que deve prestar contas de sua gestão. Algumas situações específicas: as instituições financeiras devem prestar contas dos valores depositados aos titulares dos depósitos. A Súmula 259 do STJ: A ação de prestação de contas pode ser proposta pelo titular da corrente bancária. O envio de extratos mensais não afasta essa obrigação, pois o correntista pode discordar dos lançamentos e exigir as contas; o consorciado pode exigir contas da administradora, ainda que o grupo esteja inadimplente e o consórcio ainda não esteja encerrado; no condomínio em edifícios, o condomínio, representado pelo síndico, pode exigir contas da Administradora. Já o síndico deve prestar contas à Assembleia Geral e ao Conselho Consultivo. Só se ele não o fizer, e não forem tomadas providências, é que a ação poderá ser ajuizada pelos condôminos, individualmente; o advogado deve prestar contas ao cliente, já que é mandatário deste. 6.3. Natureza dúplice Característica da ação de exigir contas é a sua natureza dúplice. O art. 552 do CPC estabelece que A sentença apurará o saldo e constituirá título executivo judicial. Mas pode haver saldo credor tanto em favor do autor da ação quanto do réu. Na sentença, o juiz pode reconhecer saldo em favor deste, sem que ele o postule. Reconhecido, o saldo poderá ser executado, seja em favor do autor ou do réu. A prestação de contas é exemplo de ação intrinsecamente dúplice. Nas que não o são, o réu não pode formular, na própria contestação, pretensão em face do autor (salvo a de que o juiz julgue
improcedente o pedido). Se o réu quiser formulá-la, deverá valer-se da reconvenção. O que caracteriza as ações dúplices é a possibilidade de o réu formular a sua pretensão na própria contestação, sem necessidade de reconvir. Mas dentre elas, é possível identificar duas categorias. Há aquelas em que é preciso que o réu, na contestação, formule pretensão contra o autor. Por exemplo: as ações possessórias. O réu pode formular pedido contra o autor na contestação. Mas pode não formular, caso em que o juiz só examinará a pretensão do autor. Mas há as intrinsecamente dúplices, como a prestação de contas, em que o juiz pode reconhecer crédito em favor do réu, e condenar o autor a pagá-lo, independentemente de pedido. Na pretensão à prestação de contas, está ínsita a noção de que, aquele contra quem for reconhecido o saldo, deve pagá-lo, independentemente de ser autor ou réu. 6.4. A ação de exigir contas e a de prestá-las Havendo uma relação jurídica da qual resulte a obrigação de prestar contas, e tendo a ação natureza dúplice, há legitimidade tanto daquele que as tem de prestar como daquele que pode exigi-las. Há duas ações diferentes: para exigir contas e para dá-las. Imagine-se que, durante algum tempo, A administrou bens de B. B pode exigir de A que preste contas; e A pode ajuizar ação para prestar a B as contas, liberando-se da obrigação de prestá-las. Para que haja interesse, é preciso que: aquele que tem obrigação de prestar contas se recuse a fazê-lo; ou aquele a quem as contas devem ser prestadas se recuse a recebê-las; que haja divergência sobre a existência e o montante do saldo apontado nas contas prestadas. Havendo acordo sobre a obrigação de prestar contas, e sobre o valor do saldo credor ou devedor, as contas podem ser prestadas extrajudicialmente. Embora se admitam tanto as ações de exigir contas quanto as de dar contas, apenas as primeiras terão procedimento especial (art. 550 e ss.). As de dar contas, uma vez que não vêm tratadas especificamente no Título III do Livro I da Parte Especial, correrão pelo procedimento comum.
6.5. Procedimento da ação de exigir contas Vem tratado no art. 550 do CPC. A ação é proposta por aquele cujos bens foram administrados por outrem. O que caracteriza o seu procedimento é a existência, em regra, de duas fases: a primeira, para que o juiz decida sobre a existência ou não da obrigação de o réu prestar contas. Se o juiz decidir que não, o processo encerra-se nessa fase; mas se decidir que sim, haverá uma segunda, que servirá para que o réu preste as contas, e o juiz possa avaliar se o fez corretamente, reconhecendo a existência de saldo credor ou devedor. 6.5.1. Primeira fase A petição inicial deve preencher os requisitos do art. 319 do CPC, cuidando o autor de expor com clareza as razões pelas quais tem o direito de exigir contas do réu, e instruindo-a com os documentos comprobatórios de seu direito. Na inicial, ele pedirá ao juiz que mande citar o réu para, no prazo de 15 dias, apresentá-las ou contestar a ação. Citado, o réu poderá ter uma entre várias condutas possíveis: pode reconhecer a obrigação de prestar contas, e já as apresentar, caso em que o juiz considerará superada a primeira fase e passará, desde logo, à segunda. O juiz ouvirá o autor sobre as contas prestadas, no prazo de 15 dias, e determinará as provas necessárias, podendo, se preciso, designar audiência de instrução e julgamento. Ao final, proferirá sentença, na qual decidirá se há saldo em favor de alguma das partes; pode permanecer inerte, sem contestar nem prestar as contas solicitadas, caso em que o juiz, aplicando ao réu os efeitos da revelia, julgará antecipadamente o mérito, determinando que o réu preste ao autor as contas solicitadas, no prazo de 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar; pode apresentar resposta. Na contestação, o principal fundamento será a inexistência da obrigação de prestar contas, seja porque a relação que havia entre as partes não a impõe, seja porque as contas já foram prestadas extrajudicialmente. O juiz determinará as provas necessárias e, ao final, proferirá sentença. Caso seja de procedência, o réu será condenado a prestar contas em 15 dias, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que o autor apresentar. O réu poderá valer-se de reconvenção, desde que o objeto desta não seja o reconhecimento de saldo em seu favor, já que para tanto não há necessidade de reconvir, dada a natureza dúplice da ação. Mas a reconvenção pode ter outra finalidade. Por exemplo: o autor postula que o réu seja condenado a prestar contas em razão de um contrato, e o réu reconvém para obter a declaração de nulidade deste; pode o réu contestar, negando a obrigação de prestar contas, mas, ao mesmo tempo, já apresentá-las. O processo passará desde logo à segunda fase, seguindo-se o procedimento do 2º do art. 550. Ao apresentar as contas, o réu reconheceu a
obrigação, cumprindo apenas verificar se elas estão corretas e se há saldo em favor dos litigantes. 6.5.2. Da decisão que encerra a primeira fase da ação de exigir contas Como o pronunciamento judicial que condena o réu a prestar contas não põe fim ao processo, marcando apenas a passagem para a segunda fase, o art. 550, 5º, refere-se a ele como decisão. Trata-se de decisão interlocutória de mérito, já que o juiz decide, por meio dela, se o réu deve ou não contas ao autor, determinando que ele as preste. O recurso cabível será o de agravo de instrumento, com fundamento no art. 1.015, II, do CPC. Há controvérsias sobre o momento oportuno para a condenação em honorários advocatícios, em caso de procedência. Ao proferir a decisão condenando o réu a prestar contas, o juiz o condenará ao pagamento de honorários. Se ele as prestar, e o autor aceitá-las, não haverá a fixação de novos honorários, correspondentes à segunda fase. Mas, se nesta surgir controvérsia do que pode resultar a necessidade de provas, como a pericial e a testemunhal novos honorários deverão ser fixados. Pode ocorrer, por exemplo, que o réu seja condenado na primeira fase a pagar honorários, porque se recusou a fazê-lo. Mas que, na segunda fase, ele as preste assim que intimado, e que o autor as impugne, reputando-as incorretas. Serão determinadas as provas necessárias e, se o juiz verificar que a razão estava com o réu, será o autor condenado em honorários. 6.5.3. Segunda fase da ação de exigir contas Tendo o réu sido condenado a prestar contas, passar-se-á à segunda fase, na qual ele será intimado para o fazer, em 15 dias, sob pena de não poder impugnar as que forem apresentadas pelo autor. O réu poderá tomar duas atitudes possíveis: apresentar as contas, caso em que a segunda fase processar-se-á na forma do art. 550, 2º, do CPC: o autor será ouvido em quinze dias. Se quiser impugná-las, deverá fazê-lo de maneira específica e fundamentada, referindo-se expressamente àqueles lançamentos com os quais não concorda. Feito isso, o juiz determinará as provas necessárias e, ao final, julgará. Mas é preciso que as contas sejam prestadas na forma do art. 551 do CPC. Se o réu apresentar contas, sem obedecer à forma exigida por lei, o juiz não as considerará prestadas. Não é necessário que elas sejam apresentadas sob forma mercantil, como exigia o CPC de 1973. Mas é preciso que o sejam de forma adequada, especificando-se as receitas e os investimentos, se houver. Caso o autor apresente
as contas, porque o réu não as apresentou no prazo estabelecido pelo juiz, ele também deverá fazê-lo de forma adequada, já instruídas com os documentos justificativos, especificando-se as receitas, a aplicação das despesas e os investimentos, se houver; não prestar as contas, caso em que se procederá na forma do art. 550, 6º, 2ª parte do CPC: o autor as apresentará no prazo de quinze dias, e elas serão julgadas ao prudente arbítrio do juiz, que poderá determinar, se necessário, exame pericial contábil. O réu omisso perde o direito de apresentar contas e de impugnar as que o autor apresentar. Mas isso não significa que o juiz vá acolher as do autor. É preciso examiná-las e, se necessário, determinar as provas para formar a sua convicção. Não pode o juiz permitir que o autor se valha da proibição de o réu impugná-las, para perpetrar abusos, cobrando mais do que é devido. Na dúvida, o juiz determinará a realização de exame pericial contábil. Se o réu não prestar contas, e o autor também não as apresentar, o processo não terá como prosseguir. Cumpre ao juiz intimar o autor para que dê andamento ao feito, sob pena de extinção sem resolução de mérito. 6.6. Forma pela qual as contas devem ser prestadas As contas, tanto as apresentadas pelo réu quanto pelo autor, devem observar a forma prevista no art. 551, caput e 2º, conforme mencionado no item anterior. A razão é permitir àquele a quem as contas devem ser prestadas que possa examiná-las e indicar equívocos. As contas devem vir acompanhadas dos documentos comprobatórios. Se houver a indicação de gastos, é indispensável que sejam comprovados com os recibos ou notas fiscais correspondentes. Se aquele que deve prestar contas não as apresenta dessa maneira, o juiz as considerará não prestadas. 6.7. Prestação de contas por dependência Vem tratada no art. 553 do CPC: As contas do inventariante, do tutor, do curador, do depositário e de outro qualquer administrador serão prestadas em apenso aos autos do processo em que tiver sido nomeado. E o parágrafo único acrescenta que Se qualquer dos referidos no caput for condenado a pagar o saldo e não o fizer no prazo legal, o juiz poderá destituí-lo, sequestrar os bens sob sua guarda, glosar o prêmio ou a gratificação a que teria direito e determinar as medidas executivas necessárias à recomposição do prejuízo.
A peculiaridade é que as pessoas indicadas administram bens alheios por determinação judicial e devem prestar contas de sua gestão. Não haverá ação autônoma, mas um incidente em apenso. A determinação para que as contas sejam prestadas pode ser do próprio juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público. Como se trata de mero incidente, as contas não serão julgadas por sentença, mas decisão interlocutória agravável. Verificada a existência de saldo a ser pago pelo administrador, ele o fará sob pena de incorrer nas sanções do art. 553, parágrafo único, do CPC. Esse incidente não impede que eventuais interessados possam se valer da ação autônoma de exigir contas contra o administrador. Ainda que o juiz tenha, por exemplo, determinado que o inventariante preste contas de sua gestão, no inventário, um dos herdeiros, ou qualquer outro interessado, pode ajuizar ação autônoma, que seguirá os procedimentos mencionados nos itens anteriores. 7. AÇÕES POSSESSÓRIAS 7.1. Introdução 7.1.1. A proteção possessória A lei brasileira confere proteção à posse, permitindo que o possuidor a defenda de eventuais agressões de duas maneiras: pela autotutela e pela heterotutela (ações possessórias). A autotutela vem tratada no art. 1.210, 1º, do CC: O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção ou restituição da posse. Esse mecanismo de defesa, conquanto de grande interesse, foge ao âmbito de nossos estudos, já que feito sem a instauração de processo, e sem a intervenção do Judiciário. O que os interessa são as ações possessórias e seu procedimento (heterotutela), examinados no item seguinte.