O Etanol e o Controle de Emissões de Gases de Efeito Estufa



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Transcrição:

O Etanol e o Controle de Emissões de Gases de Efeito Estufa Alfred Szwarc 1 Introdução Em 1992, quando foi realizada, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco-92) e aprovada a Convenção sobre a Mudança do Clima, foi dado um alerta de que mudanças climáticas de dimensão global e grande impacto estavam em curso. A causa seria o impacto da ação do homem sobre o meio ambiente, principalmente o contínuo e crescente lançamento de poluentes na atmosfera. Os vários estudos sobre o aquecimento global publicados por inúmeras instituições científicas internacionais e pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) mostram, de forma inequívoca, a origem e a evolução desse fenômeno e seus efeitos presentes e futuros. Mesmo aqueles que não se interessam por relatórios científicos sabem o que está acontecendo. De fato, os sinais estão por toda parte, e a mídia vem dando cada vez mais destaque ao tema. Todo dia, temos notícias que mostram como o aquecimento global - e 1 Engenheiro Mecânico, M.Sc. em Controle da Poluição Ambiental, Diretor da ADS Tecnologia e Desenvolvimento Sustentável, alfreds@terra.com.br 121

as mudanças climáticas que induz - afeta a vida no planeta. Pode-se destacar a ocorrência de recordes no registro de altas temperaturas; o degelo acelerado nos pólos glaciais; o aumento no nível dos oceanos e mares; as alterações nos padrões de ocorrência e intensidade de tempestades e furacões; o desequilíbrio de ecossistemas e o avanço de doenças parasitárias, como a malária, cólera e dengue. Nunca se viram, nos tempos modernos, mudanças tão rápidas e com efeitos tão devastadores como nos últimos anos. Alguns cronistas têm rotulado o aquecimento global como a mãe de todas as catástrofes, enquanto outros têm lembrado que o fenômeno é muito mais perigoso para o mundo que o terrorismo. O aquecimento global resulta da intensificação do efeito estufa 2. Embora seja uma ocorrência natural responsável pelo equilíbrio térmico do planeta, fazendo que a temperatura média da superfície terrestre se mantenha em torno de 15ºC e possibilitando a vida na Terra, sua intensificação altera os padrões climáticos que, há séculos, têm-se mantido relativamente estáveis. A causa primária desse processo é o aumento da concentração dos gases de efeito estufa (GEE). Os dados existentes indicam que a temperatura média da Terra já aumentou 0,6ºC e que esse valor poderá crescer cerca de dez vezes até o final do século, trazendo resultados desastrosos para a humanidade. Acredita-se que mesmo que o cenário seja menos dramático, com aumento de 2ºC na temperatura média, haverá impactos significativos para vida no planeta e 2 Analogamente ao que acontece em uma estufa de plantas, na qual a cobertura e as paredes transparentes permitem a entrada da radiação solar, mas retêm uma parte dessa energia no interior, aumentando a temperatura ambiente e a presença de determinados gases e de vapor d água. Na atmosfera, ocorre efeito semelhante; nasce, daí, a expressão efeito estufa para designar o aquecimento da Terra e a denominação gases de efeito estufa (GEE) para os que têm essa propriedade. 122 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

para a economia. Esse aumento pode, aparentemente, parecer muito pequeno, mas é suficiente para alterar os padrões de ventos e correntes oceânicas e, conseqüentemente, o transporte global de energia térmica. Um trabalho bastante detalhado sobre os impactos do aquecimento global, conhecido como Relatório Stern 3, coordenado por Nicolas Stern, eminente economista britânico, estima que os investimentos necessários para que medidas efetivas para a mitigação dos GEE sejam implementadas rapidamente envolveriam custos anuais de, aproximadamente, 1% do PIB mundial nos próximos 20 a 30 anos. Por outro lado, a falta de ação pode resultar em custos anuais estimados entre 5% a 20% do PIB mundial, além de impactos irreparáveis ao meio ambiente e ao bem-estar de milhões de pessoas. Os principais GEE são o dióxido de carbono (CO 2 ), o metano (CH 4 ) e o óxido nitroso (N 2 O). Outros gases classificados como GEE são os hidrofluorcabonetos (HFCs), os perfluorcarbonetos (PFCs) e o hexafluoreto de enxofre (SF 6 ), que, entretanto, têm menor importância, pois são emitidos em quantidades consideravelmente inferiores, apesar de terem um potencial de aquecimento da atmosfera elevado e longa persistência na atmosfera. No total, a emissão de GEE aumentou 70% entre 1970 e 2004, atingindo 26,9 bilhões de toneladas em 2004 4. Em 3 Stern Review on the Economics of Climate Change, HM Treasury, Londres, outubro de 2006. 4 U.S. Energy Information Administration, International Energy Outlook 2007 123 Pulsar Imagens/ Delfim Martins

relação ao CO 2, considerado o principal GEE, houve aumento de 80% nesse período, representando 77% do total em 2004 5. Além dos GEE, outros poluentes como o monóxido de carbono (CO), compostos orgânicos voláteis (COV) e óxidos de nitrogênio (NOx) também contribuem para o aquecimento global, embora indiretamente. No caso do CO, ocorre oxidação gradual na atmosfera para CO 2. Quanto aos COV e NOx, participam do processo de formação do ozônio troposférico (O 3 gerado a partir de reações que envolvem, principalmente, COV e NOx em presença de energia solar 6 ), que, também, é considerado um GEE. É oportuno ressaltar que o CO, ademais, contribui para a formação do ozônio troposférico, embora de forma secundária. Combustíveis fósseis e transporte rodoviário na emissão de GEE Embora o crescimento da emissão dos GEE tenha diversas origens, o setor que mais contribuiu para isso é o de geração de energia, que teve as suas emissões aumentadas em 145% entre 1970 e 2004. Houve, também, elevação importante na área de transporte, que teve as suas emissões de GEE aumentadas em 120% nesse período. Comparativamente, o incremento na área industrial foi substancialmente menor, de 5 Contribuição ponderada pelo potencial de aquecimento global; Climate Change 2007:The Physical Science Basis, IPCC, Fourth Assessment Report, fevereiro de 2007. 6 Também conhecidas como reações fotoquímicas. Além do ozônio troposférico, (que é gerado na baixa atmosfera, diferentemente da camada de ozônio, que ocorre naturalmente na alta atmosfera e atua como escudo da radiação ultravioleta) geram outros poluentes, como aldeídose ácidos orgânicos. 124 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

Pulsar Imagens/ Delfim Martins 60% 7. Em todos os casos, o fator principal para o crescimento é o consumo de combustíveis fósseis (derivados de petróleo, gás natural e carvão mineral). As expectativas de crescimento da economia mundial à taxa anual de 4%, até 2030, indicam que a demanda por energia deverá crescer 57%, o que deve levar ao incremento do consumo de combustíveis fósseis. Nesse cenário, o petróleo, que representa a maior parcela da energia fóssil consumida, terá a sua demanda aumentada de 83 milhões de barris por dia, em 2006, para 118 milhões de barris por dia 8. A frota mundial de veículos automotores, que, em 2005, atingiu 890 milhões de unidades 9 e que, até 2010, deve ultrapassar a marca de um bilhão, é o principal mercado de derivados de petróleo, consumindo perto da metade do petróleo 7 Climate Change 2007:The Physical Science Basis, IPCC, Fourth Assessment Report, fevereiro de 2007. 8 U.S. Energy Information Administration, International Energy Outlook 2007 9 Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - ANFAVEA 125

produzido. Conseqüentemente é a mais importante fonte de emissão de CO 2 dos transportes, sendo responsável por, aproximadamente, 75% do total do setor. Globalmente, os veículos automotores são a fonte de GEE que cresce mais rapidamente no mundo. Embora respondam por 20% da emissão de CO 2, mas, se considerarmos as emissões produzidas ao longo do ciclo de vida da produção-uso dos combustíveis fósseis, essa contribuição chega a 25%. Um aspecto fundamental na presente questão é que o transporte rodoviário no mundo é essencialmente abastecido por derivados de petróleo. Estima-se que, caso o crescimento das vendas de veículos automotores no mundo se mantenha nos padrões atuais, em aproximadamente 3% ao ano 10, haverá um aumento considerável na emissão de GEE por esse setor, que poderá ser superior a 80% em 2030. Um fato relevante é que grande parte do crescimento do transporte rodoviário está ocorrendo em países em desenvolvimento. A China, ostentando índices de crescimento econômico anuais superiores a 10%, vem apresentando um aumento na sua frota em torno de 20% ao ano. No Brasil, esse crescimento, apesar de mais modesto, com média anual de 3,5% nos últimos 5 anos, também é bastante significativo. Enquanto vemos o consumo de derivados de petróleo crescer, os especialistas debatem se a oferta de petróleo no mundo poderá suprir as necessidades futuras do transporte rodoviário. Muitos acreditam Sinicon 10 Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores - ANFAVEA 126 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

que será necessário desenvolver combustíveis alternativos suplementares a partir de outras fontes. Existe grande potencial na produção de combustíveis líquidos a partir de carvão mineral, de gás natural, de xisto e de areias betuminosas. Trata-se, entretanto, de processos que consomem uma grande quantidade de energia, nos quais o produto final será um combustível fóssil e que, apesar de contribuírem para resolver o problema do suprimento, não irão deter o contínuo aumento da emissão de GEE. As principais estratégias que vêm sendo discutidas para reduzir a emissão de GEE no setor de transporte rodoviário são: diminuição do uso de derivados de petróleo por meio de políticas e ações que levem a um uso mais racional; aumento da eficiência energética dos veículos automotores; substituição do uso dos derivados de petróleo por biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel, produzidos em condições de baixa emissão de GEE; utilização mais intensiva do transporte público; e aplicação de tecnologias inovadoras, como o uso de hidrogênio em células de combustível. Entre elas, a utilização de biocombustíveis no caso, o etanol é uma estratégia que apresenta grande atratividade e vem recebendo apoio. Misturado à gasolina, o etanol pode ser facilmente introduzido em larga escala e em curto prazo no mercado, e tem efeito praticamente imediato na emissão de GEE da frota em circulação. Também é possível utilizá-lo de forma exclusiva, por meio de tecnologias comercialmente disponíveis, como veremos mais à frente. 127

Divulgação/Unica A contribuição do etanol para a redução da emissão de GEE O etanol é produzido, principalmente, a partir de fontes renováveis, por meio da conversão de açúcares (cana-de-açúcar, beterraba, uvas etc.) ou de carboidratos (milho, trigo, batata, mandioca etc.). No Brasil, o combustível é produzido, exclusivamente, de cana-de-açúcar. Com os avanços observados na área de biotecnologia, é provável que, em menos de uma década, seja possível produzir etanol, em escala comercial e a custos competitivos, a partir de materiais que contêm celulose e hemi-celulose, como o bagaço e a palha da canade-açúcar, trazendo substancial aumento à produtividade. O etanol produzido e utilizado de acordo com as práticas adotadas no Brasil é considerado, atualmente, uma das alternativas com melhor custo-efetividade para a redução da emissão de CO 2. Quando comparado com seus congêneres 128 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

produzidos em outros países, a partir de diferentes matérias-primas, o produto brasileiro apresenta a maior redução de GEE no ciclo de vida do produto (aproximadamente 90%) e o menor custo por tonelada de GEE evitado (menos que US$ 20/tonelada de CO 2 equivalente) 11. Estimativa feita para 2003 indica que a substituição da gasolina pelo etanol no Brasil mais a substituição do óleo combustível pelo bagaço na indústria da cana-de-açúcar evitaram a emissão de 33,2 milhões de toneladas equivalentes de CO 2, quantidade similar à emitida, por exemplo, pela Noruega naquele ano. Vale ressaltar que, nesse cálculo, a substituição da gasolina pelo etanol representa 85% da emissão evitada. Os principais fatores que tornam o etanol produzido no Brasil uma opção viável para a mitigação dos GEE são: produção a partir da cana-de-açúcar, matéria-prima renovável, de crescimento rápido e de safra anual, com alto poder de fixação de CO 2 no ambiente por meio da fotossíntese; produção muito eficiente em termos energéticos, consumindo apenas 0,12 kj de energia fóssil para cada 1,0 kj de etanol produzido (equivale a dizer que para cada unidade de energia fóssil utilizada no ciclo de produção foram geradas 8,3 unidades de energia renovável); absorção, durante o crescimento da cana-de-açúcar, por meio do processo de fotossíntese, de quantidade de CO 2 equivalente àquela gerada no ciclo de produ- Estimativa feita para 2003 indica que a substituição da gasolina pelo etanol no Brasil mais a substituição do óleo combustível pelo bagaço na indústria da canade-açúcar evitaram a emissão de 33,2 milhões de toneladas equivalentes de CO2, quantidade similar à emitida, por exemplo, pela Noruega naquele ano. 11 Biofuels for Transport An international Perspective, International Energy Agency, 2005. 129

ção-uso do etanol; é por isso que se diz que o balanço de carbono do etanol é neutro. Em outras palavras, ao substituir os combustíveis fósseis, o etanol, efetivamente, evita a emissão que ocorreria; inexistência, para os combustíveis fósseis, de um sistema natural de reciclagem do CO 2, como o etanol possui. O carbono que é retirado do subsolo, na forma de gás natural e derivados de petróleo, aumenta o estoque de carbono existente no ar ao ser lançado na atmosfera; emissão de CO 2 pela combustão do etanol é menor que a dos combustíveis fósseis. Enquanto um veículo de porte médio, movido exclusivamente com gasolina, chega a emitir, aproximadamente, 2,2 kg CO 2 /litro, um veículo equivalente movido exclusivamente com etanol emite cerca de 1,3 kg CO 2 /litro, ou seja, 59% da emissão do veículo a gasolina. De todo modo, como mencionado anteriormente, a emissão do veículo abastecido com etanol será compensada pela absorção do CO 2 pela cultura da cana; e produção em escala comercial e economicamente competitiva. Dois tipos do etanol são normalmente utilizados como combustível nos motores de combustão interna: hidratado e anidro. O etanol hidratado contém aproximadamente 95% de etanol em volume, sendo o restante água. Segundo as especificações brasileiras, o tipo anidro contém 99,5% de etanol e 0,5% de água. Trata-se de combustível que apresenta compatibilidade tecnológica com diversos tipos de aplicação: pode ser misturado com a gasolina em proporção de até 10% para utilização em veículos originalmente projetados para gasolina pura, sem a necessidade de alteração 130 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

de componentes ou calibração do motor. A experiência de maior importância desse tipo de mistura ocorre nos EUA, onde cerca de 50% da gasolina já é misturada com etanol. Para misturas em proporções superiores, como a feita no Brasil, onde toda a gasolina comercializada ao público recebe de 20% a 25% de etanol, os veículos passam por um processo de adequação de alguns componentes e o motor é calibrado para a mistura. A redução de GEE é proporcional à porcentagem de gasolina substituída; é apropriado para uso como combustível exclusivo, inclusive com diversas vantagens de desempenho e ambientais em relação à gasolina. No Brasil, foram produzidos 5,5 milhões de veículos abastecidos exclusivamente com etanol desde 1979. Nesse caso, como a substituição é total, a redução de GEE é de praticamente 100%; é compatível com o conceito de abastecimento flexível de combustível, popularmente conhecido como flexfuel, que permite tanto o uso de gasolina como o de etanol puro, passando por qualquer mistura dos dois combustíveis. Esse conceito vem ganhando popularidade em diversos países. Nos EUA, já foram produzidos perto de 6 milhões desses veículos desde 1992 (embora na sua grande maioria sejam usualmente abastecidos somente com gasolina). No Brasil, onde a produção desses veículos se iniciou em 2003, teremos mais de 4 milhões de veículos flex-fuel no fim de 2007. A redução de GEE depende da forma como o etanol é utilizado: quanto maior o seu uso, menor a emissão de GEE; pode ser aplicado, de forma exclusiva, com um aditivo especial, em motores diesel modificados, como ocorre 131

nos ônibus de transporte público urbano de Estocolmo, na Suécia, evitando, substancialmente, a emissão dos GEE que ocorreria em caso de uso do óleo diesel; pode ser utilizado nos motores de combustão interna (em mistura com a gasolina, puro ou no conceito flex-fuel) que equipam sistemas híbridos de propulsão utilizados em associação com motores elétricos. Nesse caso, a redução de GEE pelos sistemas híbridos é incrementada com o uso do etanol; pode, também, ser utilizado na produção de hidrogênio para uso em motores de combustão interna ou em células de combustível. Pesquisas em curso visam a desenvolver tecnologia para uso direto do etanol em células de combustível, sem necessidade de sua prévia conversão em hidrogênio. Em qualquer dos casos, há possibilidade de ganhos substanciais em termos de redução dos GEE. Etanol versus produção de alimentos O crescente interesse mundial pelos biocombustíveis, notadamente pelo etanol, tem provocado, em vários países, discussões sobre a competição do uso da terra para a produção de alimentos e de energia. Aliás, essa discussão não é nova no Brasil. Já na década de 1970, por ocasião da implantação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), dizia-se que a expansão da cana-de-açúcar poderia destruir o meio ambiente e intensificar a fome no País. Passados 30 anos, essa tese se mostrou sem fundamento. Enquanto a indústria da cana-deaçúcar cresceu significativamente e trouxe desenvolvimento econômico e social para diversas regiões, particularmente 132 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

Divulgação/Unica para o Centro-Sul, o Brasil tornou-se um importante produtor e exportador de alimentos (grãos, carne, açúcar etc.). Nesse contexto, a questão da fome deve ter as suas causas melhor entendidas. Diversos especialistas, como a economista Amartya Sen (Prêmio Nobel em 1998), acreditam que a fome resulta, principalmente, das dificuldades para compra de alimentos, devido ao desemprego e aos baixos salários. Não é por outra razão que o programa Fome Zero, coordenado pelo Governo Federal, concentra suas ações no aumento da renda da população mais carente. As críticas de alguns à expansão da produção de etanol no Brasil são freqüentemente baseadas em condições de outros países e feitas sem o conhecimento da realidade nacional. Um bom exemplo é o caso da produção de etanol a partir de milho nos EUA, que tem provocado alta dos preços do grão no mercado internacional. Buscar, de maneira simplista, uma analogia entre os produtos do milho e os da cana-de-açúcar, como tem sido feito, leva a inevitáveis equívocos, vistas as 133

O Brasil, com suas dimensões continentais e seu estoque de terras agricultáveis significativo, pode sustentar a produção agrícola de alimentos e etanol. peculiaridades de cada caso. Vale notar que, recentemente, os preços do milho aumentaram de modo considerável, enquanto que os do açúcar têm-se mantido em níveis baixos. Nos últimos 25 anos, a expansão do cultivo da cana deuse, essencialmente, no Centro-Sul do Brasil, sobretudo no estado de São Paulo, onde a cultura, de modo geral, dispensa irrigação. Trata-se de áreas distantes dos biomas da Floresta Amazônica, Mata Atlântica e Pantanal. Esse fato é relevante, pois é comum a crença de que a cana estaria invadindo áreas florestais. Hoje, apesar de, em alguns casos, a expansão resultar em substituição de culturas, o crescimento vem ocorrendo, sobretudo, em áreas de pastagem. Não se imagina expansão em qualquer área de florestas ou biomas protegidos, mesmo porque a legislação vigente não permitiria. Segundo o Ministério da Agricultura, as áreas cultivadas com espécies comerciais (soja, milho, feijão, arroz, cana etc.) totalizam hoje 62 milhões de hectares e podem, futuramente, ser complementadas por mais 90 milhões de hectares aptos à expansão da agricultura. Do lado da preservação ambiental, existem 465 milhões de hectares de áreas de florestas e matas. Comparativamente, a área ocupada pela cana-de-açúcar para produção de etanol é de, aproximadamente, 3,3 milhões de hectares (apenas 0,4% do território nacional). Para produzir os 36 bilhões de litros projetados para 2012, essa área deve aumentar em torno de 70%, ocupando, entretanto, menos de 0,7% do território nacional. O Brasil, com suas dimensões continentais e seu estoque de terras agricultáveis significativo, pode sustentar a produção agrícola de alimentos e etanol, mantendo, ademais, preservadas grandes áreas de florestas e matas nativas. Por outro lado, 134 Biocombustíveis no brasil: Realidades e perspectivas

a maior inserção do etanol na matriz energética possibilita importantes benefícios ambientais, particularmente na redução do CO 2. Barreiras ao uso do etanol Curiosamente, apesar de suas reconhecidas vantagens ambientais e do número crescente de países que o utilize, o etanol ainda sofre de discriminação em vários mercados, sendo objeto de aplicação de pesadas tarifas de importação, como ocorre nos EUA, União Européia e Japão. Essas práticas protecionistas, que visam a proteger os agricultores e produtores locais, não são condizentes com as necessidades prementes de alternativas viáveis e de custo reduzido para a mitigação dos GEE e tampouco com o fato de que, dessa forma, continuam privilegiando o uso intensivo de derivados de petróleo. Nesse sentido, são muito bem-vindas diversas iniciativas ora em curso que visam a reduzir ou eliminar essas barreiras. Em editorial de primeiro de junho de 2007, o tradicional jornal britânico Financial Times critica a manutenção das tarifas de importação para o etanol nos EUA, dizendo que a maior barreira para a ampla adoção do etanol nos EUA é a indústria norte-americana de etanol. O editorial termina afirmando que a União Européia deveria seguir a liderança da Suécia e eliminar suas tarifas agora, antes que seja tarde demais. 135