Homem esclarecido e o Estado Civil: uma relação evolutiva-reformista

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Transcrição:

III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS Homem esclarecido e o Estado Civil: uma relação evolutiva-reformista Keberson Bresolin, Prof. Dr. Draiton Gonzaga de Souza (orientador) Programa de Pós-graduação em Filosofia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCR. Resumo A pretensão aqui é demonstrar a boa circularidade existente entre o homem que pensa por si mesmo e o Estado Civil. Esse último deve dar as condições de possibilidade para que os indivíduos libertem-se da menoridade, ou seja, deve deixar seus cidadãos usar livre e publicamente a razão. Sendo assim, os indivíduos serão obrigados, não por uma força externa, mas pela sua própria razão, a sair da menoridade. Menoridade é não usar seu próprio entendimento, transferindo para outrem a conduta da sua vida. A razão expressa no imperativo categórico manda incondicionavelmente a sair dessa situação indigna e adentrar na maioridade. Maioridade é pensar por si, usar seu próprio entendimento, é, em última análise, ser autônomo. Para se estabelecer a circularidade evolutiva precisamos, por conseguinte, deste homem esclarecido que, por meio da liberdade dada pelo Estado Civil, usa sua crítica bem deliberada para contribuir com a evolução deste último. Introdução A pretensão da questão aqui exposta a boa circularidade entre o homem esclarecido e Estado Civil é mostrar a importância de indivíduos que saem da condição humilhante da menoridade para servir-se de seu próprio entendimento. Menoridade é não ser capaz de pensar por si mesmo, necessitando de outro para fazer isso em seu lugar. Em outras palavras, é a incapacidade de usar seu próprio entendimento. Na perspectiva kantiana, a qual compartilhamos com entusiasmo, usar o entendimento é muito mais do que fazer um favor a si mesmo, é um bem a toda humanidade. No entanto, a passagem da menoridade à maioridade é um processo interno que não pode ser imposto desde uma lei externa (que não é do

indivíduo). É um processo que o próprio indivíduo deve fazer para tornar-se apto a usar a razão. O grande problema é o gosto que os indivíduos tomam pela menoridade, pois é fácil viver quando alguém pensa por mim, quando alguém diz como devo agir. Pensar exige esforço e dedicação, exige responsabilidade das ações executadas. Mas adotar preconceitos é mais fácil e não precisa esforço. É por esta permanência acomodada na menoridade que Kant considera um dever sair deste estado caótico. A razão manda incondicionalmente, através do imperativo categórico, a abandonar os grilhões da menoridade culpada. Isto é, devo quer tornar-me um indivíduo maior, pois o imperativo categórico manda conformar a máxima com a lei universal. Permanecer na menoridade jamais pode tornar-se uma lei universal. A entrada na maioridade é fundamental, pois é uma das condições que precisamos para estabelecer aquela circularidade evolutiva, ou ainda, o nascimento do homem esclarecido. Ora, o filósofo de Königsberg tem clareza que nem todos os indivíduos farão a Übergang (passagem) para a maioridade, pelo fato do homem ser, além de racional, sensível, ou seja, influenciado por inclinações empíricas, interesses parciais e egoísmo que, na maior parte das vezes, emudecem a voz da razão. É por este fato que a razão, através do juízo regulativo, concebe a natureza como sendo teleológica, realizando um plano oculto até tornar os homens aptos a utilizar a razão. É uma natureza que explora a miséria humana interesses, egoísmo, etc. para favorecer os fins prescritos pela razão. Nunca podemos perder de vista que a natureza é um princípio regulativo, não constitutivo, isto é, é como se (als ob) a natureza tivesse um plano que conduz a espécie humana a desenvolver suas disposições. A natureza será essencial para os primeiros avanços do gênero humano, onde a razão ainda possui voz fraca em meio a tantos impedimentos. No entanto, esta natureza nada mais é do que uma trabalhadora da razão, ou seja, prepara o terreno onde somente a razão deve mandar. Tal plano oculto é uma perspectiva sob a qual podemos constatar o progresso da humanidade da rudeza à graus mais elevados. A natureza eleva os indivíduos a tal ponto que somente a razão pode ser capaz de conduzi-los. Ora, a razão manda incondicionalmente a adotar uma postura autônoma frente a tudo e a todos. É dever de cada indivíduo sair da menoridade e tornar-se homem esclarecido, porque nisso reside a condição para o aprimoramento da constituição estatal vigente. A primeira condição da boa circularidade é dada, a saber, o homem esclarecido. Todavia, este vive com outros indivíduos, necessitando, pois, de algo que regule esta

convivência. Esta será a tarefa do Estado Civil o qual é estabelecido pela vontade unida do povo (contrato originário) após a saída do estado de natureza. O Estado é o administrador do direito, preocupando-se com a forma da convivência entre os súditos e não como modo de eles serem felizes. Ao Estado cabe dar as outras condições de possibilidade para que aquela circularidade aconteça, a saber, deixar o homem esclarecido falar livremente. Consequentemente, além de garantir a segurança na convivência entre os indivíduos, garantir a liberdade externa e igualdade perante a lei, o Estado deve deixar aquele homem esclarecido utilizar a publicidade. A publicidade será fundamental para o aperfeiçoamento do Estado, pois é através dela que o Esclarecido profere sua crítica com relação as leis e decisões do governo. Quando estas condições se dão saída da menoridade e uso público e livre da razão a evolução do Estado em direção à constituição republicana está garantida. Ao homem esclarecido cabe também, quando solicitado (e Kant louva isso), dar seu parecer sobre assuntos decisivos que influem direta e indiretamente sobre a vida pública, tal como a guerra. Portanto, toda nosso exame consiste em provar a boa circularidade que existe entre homem esclarecido e Estado Civil. Isso terá como resultado uma maior liberdade externa, visto a aproximação paulatina e constante em direção ao ideal republicano, onde o povo é representado. Assim, ao garantir a segurança dos indivíduos, o Estado possibilita que eles não mais se preocupem com hostilidades alheias e possam realizar a saída da menoridade. Deste modo, formado o Esclarecido este favorecerá com sua crítica e conselho bem deliberados o avanço da constituição. Por conseguinte, uma circularidade concêntrica, não viciosa, mas essencial para o maior grau de liberdade externa. Metodologia A partir do método analítico-crítico fiz um exame dos textos kantianos buscando comprovar a circularidade existente entre o homem esclarecido e o Estado Civil. Foi necessária uma comparação entre os textos do autor (Kant) para constatar aquela circularidade. Resultados (ou Resultados e Discussão) a necessidade incondicional dos indivíduos saírem da menoridade culpada;

o Estado Civil, administrador do direito, garante as condições de possibilidades para os indivíduos saírem da menoridade (segurança, uso da razão pública publicidade); uso da razão pública e crítica são instrumentos indispensáveis para o homem esclarecido contribuir decisivamente para o progresso rumo ao ideal republicano; Por fim, se estabelece a circularidade concêntrica progressiva entre homem esclarecido e Estado Civil. Conclusão A Aufklärung (esclarecimento) permeia toda a filosofia de Kant. Talvez se possa dizer que sua filosofia é toda direcionada à Aufklärung, ou seja, o grande desejo de Kant é a emancipação dos indivíduos. Em outras palavras, Kant quer a saída dos homens da menoridade culpada e a adoção da maioridade, ainda que tomar a postura de pensar por si mesmo seja difícil, pois é cômodo ter alguém que pensa por mim. Desta maneira, a saída da menoridade adquire caráter de imperativo categórico, ou seja, a saída de um estado onde se aceita preconceitos de outrem é um mandamento da razão prática pura. Uma vez que Aufklärung é dever moral dos indivíduos, é indispensável que estes adquiram uma postura crítica diante de tudo e de todos. Pensar por si mesmo é ter ousadia de usar do próprio entendimento, isto é, não aceitar preceitos e fórmulas heterônomas, mas criar suas próprias convicções de maneira autônoma. No autêntico espírito iluminista, Kant quer, mais que qualquer outro pensador, que os homens desenvolvam aquilo que lhe é mais próprio e que o distingue das demais criaturas, a saber, a razão. Esta, por sua vez, deve ser a lanterna iluminadora, que os indivíduos devem se utilizar para aclarar os preceitos e fórmulas heterônomas que os mantém na menoridade. Deste modo, através da razão pública, os indivíduos criticam e rechaçam tais preceitos, contribuindo para que outros se tornem esclarecidos. Para Kant, existem dois tipos de atores: a massa (povo) que permanece na menoridade e os Selbstdenken (pensar por si mesmo) que se utilizam da crítica como arma de suas revoluções. Por conseguinte, os indivíduos esclarecidos não devem estar preocupados com revoluções armadas, mas com a reforma e evolução do pensamento e, sobretudo, o Estado Civil. Poder-se-á dizer que os indivíduos esclarecidos, por seu modo de agir e sua capacidade

de usar seu próprio entendimento, incutem entusiasmo nos membros da massa, fazendo-os sair da caverna da menoridade. Graças a estes indivíduos esclarecidos, o progresso para o melhor pode ser visualizado. Mesmo que as disposições naturais (tais como, razão e autonomia) do homem não atinjam seu pleno desenvolvimento no indivíduo, mas apenas na espécie, não é permitido aquele (indivíduo) se achar no direito de negar, para si próprio, o esclarecimento. Aqui se torna claro por que Kant coloca o esclarecimento sob a égide da filosofia moral. O progresso, para Kant, é visto na história (Weltgeschichte). Todavia, não é uma história de fatos empíricos decorridos no horizonte do tempo passado, mas uma história vista sob uma perspectiva a priori, ou seja, a idéia de como deveria ser a história. A natureza, entendida como providência (als ob), encaminha a humanidade, em sua história, a um fim. Assim, mesmo os indivíduos buscando cada qual sua honra, poder e posse, perseguem, sem saber, o plano oculto da natureza. Esta natureza é, para Kant, teleológica, isto é, conduz a humanidade, até onde lhe é permitido, a seu fim, a saber, passar de um estado bruto a um estado de cultura. É a razão se utilizando da natureza para atingir seus objetivos. Isso só será possível em um Estado Civil, pois os indivíduos no estado de natureza, não se preocupam com a Aufklärung, uma vez que tal preocupação não lhe convém por sua forma libertina de viver e pelas constantes ameaças. É preciso, através da idéia do contrato originário, adentrar em um Estado Civil, onde liberdade, igualdade e independência civil estão assegurados legalmente. Deste modo, segundo a proposta de Kant, a melhor forma de governo é o Estado Republicano. Esta, ao contrário do estado déspota-paternalista, é representativo, isto é, representa a vontade geral do povo. Sua legislação é como se todas as vontades do povo estivessem reunidas em si próprio. O ideal Estado Republicano é a pedra de toque de todo Estado efetivo, ou seja, os Estados concretizados na experiência devem espelhar-se e aproximar-se de tal ideal. Assim sendo, no Estado Civil os indivíduos, através da razão pública (publicidade), devem contribuir para a evolução legal deste Estado, aproximando-se, desta forma, do ideal republicano. Entretanto, para que isso ocorra o Estado deve dar liberdade de expressão aos seus súditos. Assim, as leis publicamente expostas, serão aperfeiçoadas através da ação do homem esclarecido que terá como arma sua própria razão. Assim sendo, a Aufklärung é o projeto da filosofia kantiana. Pensar por si mesmo, abandonando o estado de menoridade, é condição de possibilidade de um aperfeiçoamento da moralidade e da legalidade. Quanto mais esclarecida for a humanidade mais as ações morais

estarão de acordo com a razão e, por outro lado, a saber, o legal, mais perto se chegará do ideal republicano. Portanto, se emancipar é ter coragem de assumir a si mesmo como ser racional. A Aufklärung é o caminho para o homem atingir a plena liberdade. Referências ARENDT, H. Lições sobre filosofia política de Kant. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993. BOBBIO, N. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. 4. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. CASSIRER, E. A filosofia do Iluminismo. Campinas: UNICAMP, 1994. HERRERO, F. J. Religião e história em Kant. São Paulo: Loyola, 1991. HÖFFE, O.Immanuel Kant. São Paulo: Martins Fontes, 2005.. Justiça política. Petrópolis: Vozes, 1991. KANT, I. La metafísica de las costumbres. 4.ed. Madrid: Tecnos, 2002.. Resposta à pergunta: O que é esclarecimento (Aufklärung)? In:. À paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1995.. Idéia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita. In:. À paz perpétua e outros opúsculos. Lisboa: Edições 70, 1995.. Fundamentação da metafísica dos costumes. Lisboa: Edições 70, 1995.