Sabe-se em Portugal o que queremos da Europa, o que ainda não é claro é que Europa queremos.

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Transcrição:

EDITORIAL O que queremos da Europa e a Europa que queremos Perestroika, abertura, debate sobre o declínio das potências mundiais, multipolaridade, 1992 - outros tantos produtos do marketing da corrida para a reorganização do sistema internacional nestes últimos anos do século. Portugal participa nessa reorganização no quadro do processo de integração europeia e do projecto da Europa do Acto Único. De Portugal, dos seus governantes e principais líderes da oposição, espera-se uma visão sobre o sentido desejável das transformações na ordem internacional, um ponto de vista próprio sobre a definição de uma estratégia ambiciosa para a Europa, para o seu papel no mundo. Trata-se também desde já de abrir o debate sobre a política que deve orientar a presidência portuguesa do Conselho das Comunidades no primeiro semestre de 1992. Sabe-se em Portugal o que queremos da Europa, o que ainda não é claro é que Europa queremos. O impulso inicial do pedido de adesão às Comunidades europeias foi o da consolidação do regime democrático, acompanhado pelo natural desejo de integrar um mercado do qual já éramos parte dependente sem sermos parte integrante. Com a adesão, o desenvolvimento económico transformou-se na prioridade das prioridades da nossa política europeia, o que tem significado uma concentração de esforços na defesa da coesão económica e social, que é essencial para que a Comunidade seja um projecto realmente integrador, pela criação da convicção de que é um projecto de futuro para todas as nações, incluindo as periféricas. Mas a Europa de 1992 não será apenas um grande mercado. A Europa política, mais ou menos centralizada em Bruxelas, é a consequência natural das disposições do Acto Único, como a criação do mercado interno, da união monetária e da harmonização fiscal. É necessário desenvolver um pensamento português sobre a união europeia. O problema do nacionalismo tradicional português é o seu isolacionismo atávico, que o impede de perceber, como Salazar no pós-guerra, o sentido das transformações no sistema

internacional, mesmo quando as tendências de mudança já são patentes; Portugal não pode, como preconizam alguns, limitar-se exclusivamente a procurar compensações financeiras na CEE, apagando-se perante as iniciativas tendentes a criar a união europeia no domínio político e da defesa. Tal posição, que felizmente tem pouco apoio político, isolar-nos-ia de novo da dinâmica fundamental da construção europeia, como nos anos sessenta, cortandonos também por isso do novo curso da economia mundial. Nada mais importante para um país de desenvolvimento económico intermédio, como Portugal, que estar atento aos sentidos possíveis do processo europeu, saber prevê-los e tentar influenciá-los. A área política, nomeadamente a da política externa, deve ser área privilegiada de um país que continua a manter um espaço vasto de relações externas identificadoras, do qual o núcleo central são os países de língua portuguesa. Existem alternativas diferenciadas sobre o futuro da Europa: dizem-nos directamente respeito e devemos debatê-las. As transformações na Europa de leste, a perestroika de Gorbatchev na URSS ampliaram o campo das opções europeias. Estratégia analisa neste número dois grandes temas do debate europeu e que irão condicionar o futuro da construção europeia: as relações com o Brasil e os demais países da América Latina e o debate sobre a Europa da defesa. São duas questões aparentemente diversas da mesma problemática. Em ambos os temas se trata de saber que sentido dar à Europa no pós-1992, de saber se a Europa consumirá o seu projecto fechada dentro dos limites do próprio continente, ou se será uma potência política com responsabilidades mundiais. Não se deve em nome da prioridade a dar à abertura a leste continuar a secundarizar as relações com a América Latina de língua portuguesa e castelhana e de cultura europeia ou marginalizar a África, seja a magrebina ou subsariana, fazendo do afropessimismo a imagem torcida no espelho do nosso euro-optimismo. Qualquer grand strategy europeia fará do Mediterrâneo, da África e da América Latina as áreas prioritárias de relacionamento político, mas também económico, tecnológico e cultural e, porque não, militar. Tal visão deve moderar a dos tecnocratas que sonham apenas com os grandes negócios do Pacífico e do mercado russo, desinvestindo em África e na América Latina, negligenciando aí as suas responsabilidades históricas, posição que converge, paradoxalmente, com a dos que em África e na América Latina defendem a desconexão como via para o desenvolvimento. É na África e na América Latina, e não no Pacífico, que a Europa pode assumir as suas responsabilidades mundiais.

A abertura na Europa de leste e a perspectiva de que se venha a esbater a fronteira estratégica entre as duas Europas tende a aproximar a Europa de leste das Comunidades e sustenta tentações para a reconstrução da Mitteleuropa. A candidatura da Áustria e o piscar de olho da Hungria e da Polónia são bem os sintomas do poder de atracção que a CEE em geral e a República Federal da Alemanha em particular exercem sobre essa Europa. Será que o projecto que interessa a Portugal é o de uma Europa que, para facilitar a abertura a leste, se concentraria sobre as suas dimensões económicas (mesmo incluindo a da coesão económica e social), e desaceleraria o processo de integração política e centraria o essencial das suas capacidades financeiras na atracção da Europa sob domínio soviético, assumindo-se assim intencionalmente apenas como «potência civil»? Ou será que a Portugal interessa sim uma Europa «potência política», e porque não também estratégica, que se abriria em várias direcções e sobretudo no sentido do espaço extra-europeu? A experiência de outras pequenas potências parece responder facilmente a esta questão. É evidente que numa Europa apenas potência económica e ainda por cima fascinada pela reforma do comunismo, obcecada pelas relações leste-oeste tal como tem estado desde a segunda guerra, Portugal, pesado em termos de PNB, será sempre uma quantidade quase diminuta; ao passo que numa Europa política, aberta e virada a sul, atribuindo às relações norte-sul uma porção maior das suas energias, o peso de Portugal e das suas relações históricas e culturais, mas também políticas, contará. Opções desta natureza obrigam a uma reflexão profunda sobre o lugar da Europa num mundo que se multipolariza, mesmo que o declínio americano seja relativo e lhe permita ainda a hegemonia económica, e a URSS, mesmo com Gorbatchev e a perestroika, seja ainda uma superpotência militar. O mundo será multipolar não pelo declínio inexorável daqueles, mas fruto do crescimento dos que tinham saído da segunda guerra quase destruídos (Japão, Europa Ocidental). Na nova ordem internacional que se desenha, uma confederação ou federação europeia de Estados democráticos, com sistema de economia mista, defensora de valores democráticos mas também sociais, pode ter de facto um peso apreciável. Não pela via hegemónica, antes pela implementação de uma nova ordem internacional mais solidária, construída a partir do balanço crítico da cooperação que a CEE já estabelece com os seus parceiros extraeuropeus e integrando nela os contributos dos alargamentos e o peso crescente da Itália. É necessário que as diversas prioridades e os diferentes trunfos dos Estados europeus

concorram num modelo de relações externas da Comunidade, numa prova política para a Europa de leste. O que nos diferencia dos que vaticinam o fim da Europa pela dinâmica da unidade alemã, não é o negarmos que a questão alemã é um problema central do sistema euro-atlântico, mas o recusarmos a inevitabilidade de uma solução de ruptura e, a considerá-la como hipótese, o não nos regozijarmos com ela. E tão absurdo negar à Alemanha o seu desejo de reunificação ou de abertura a leste, como fazer desse projecto o topo das prioridades portuguesas. Trata-se de construir um modelo de integração europeia que inscreva no seu processo círculos de cooperação sub-regionais, atendendo aos interesses específicos dos Estados membros. Cooperação sub-regional que seria a forma dinâmica de projecção externa da CEE, mas também espaço de co-desenvolvimento. A política europeia deve contribuir para a inserção dos Estados membros nos seus espaços sub-regionais, como dimensão do seu projecto global. Já em artigos diversos publicados em Estratégia se tem referido a importância de Portugal dar a devida prioridade à criação de um espaço de cooperação política, económica, cultural e tecnológica no Atlântico Oriental, num espaço que engloba Portugal - continente e ilhas - a Espanha atlântica (com as Canárias), Marrocos, a Mauritânia e Cabo Verde. Trata-se no entanto agora de ir mais longe, concebendo estes espaços de cooperação sub-regional - há quem lhes chame de integração - como parte da tal política global europeia para as suas relações externas e para a política de alargamento das Comunidades. Alguns desses círculos são imediatamente concebíveis e poderiam ser construídos de acordo com o modelo escandinavo: a Dinamarca não abandonou o seu espaço sub-regional nórdico apesar da integração europeia. Outro espaço sub-regional seria certamente o da Europa central, onde a República Federal da Alemanha teria obviamente um papel de charneira. No Mediterrâneo, desenvolvem-se já dois destes círculos, um no Mediterrâneo ocidental pela vontade da França e de Marrocos e pela dinâmica da criação da UMA (União do Magreb Árabe) e no Mediterrâneo oriental a Itália parece investir num círculo adriático. A importância do círculo na Europa central deveria ser equilibrada pela consolidação dos círculos inter-regionais extra-europeus mediterrânicos e africanos e pela criação de um círculo euro-latino-americano. Dos círculos inter-regionais, o euro-africano tem nos acordos de Lomé um quadro possível, apesar de ser imperioso reformá-lo; o eurolatino-americano é ainda apenas um projecto de futuro. Portugueses e latino-americanos, a começar pelo Presidente Mário Soares, mostram neste número de Estratégia que é na criação deste círculo que o impacto do último alargamento das Comunidades pode trazer algo de mais original.

A urgência de pensar no euro-atlantismo a sul é indiscutível, sem desconhecer evidentemente que se trata de um processo longo e demorado, e encarando-o não como um projecto em que os Estados ibéricos serviriam de intermediários, mas como um projecto autenticamente europeu. Não se pode negar a importância do apoio ao processo de abertura na Europa de leste e impedir que o Presidente Bush sonhe com uma Europa democrática unida do Atlântico aos Urais ou o Presidente Gorbatchev com uma casa comum europeia. Mas também não se podem confundir projectos de união política europeia com Europa da cultura que só por utilitarismo político se pode reduzir à Europa dos doze ou mesmo ao continente europeu. Nada obriga o projecto de integração europeia a albergar todos os Estados do Atlântico aos Urais, fazê-lo seria dissolver o projecto europeu. E preciso também ter consciência de que uma aceleração do ritmo das reformas nos países comunistas pode levar a desequilíbrios e rupturas graves e ao descaminho do projecto (quase) impossível de Gorbatchev. O apoio às novas democracias da América Latina, nomeadamente enfrentando com ousadia, como fez a França em relação a África, a questão da dívida externa e apoiando processos de cooperação regional iniciados pelo eixo Brasília-Buenos Aires deve ser uma prioridade europeia. É o debate sobre o encontro (e choque) das civilizações, da criação de pólos regionais de poder, da criação de espaços económicos, do desafio demográfico, do desafio das transformações democráticas em mais de metade do planeta. Na agenda portuguesa das convergências políticas europeias não pode estar apenas a solidariedade euro-atlântica no seio da NATO, e o relembrar da importância do aliado norte-americano nesta questão, no quadro leste-oeste, não deve impedir que participemos nos novos debates do fim do século. Os desafios do fim do século serão, mais que os propriamente estratégicos decorrentes da bipolaridade e da contenção, os políticos, económicos, sociais, tecnológicos, os da informação, decorrentes da multipolaridade e da mundialização, e os estratégicos decorrentes dos conflitos locais. Nesse debate Portugal deverá estar, necessariamente, com uma concepção própria sobre a Europa, defendendo uma Europa que faça da sua diversidade nacional um vector estratégico do seu contributo para o equilíbrio global, para a resolução dos conflitos regionais e para o desenvolvimento solidário. Uma Europa que faça da sua experiência democrática e social um tema do debate sobre as reformas económicas e políticas na Europa de leste, na Ásia, em África e na América Latina. Álvaro Vasconcelos