NOTAS SOBRE SEGURO E SEQUESTRO



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Transcrição:

NOTAS SOBRE SEGURO E SEQUESTRO Não parece sem interesse indagar a respeito da viabilidade da operação do seguroseqüestro no Brasil, tanto mais quando se verifica um crescente interesse nesse tipo de proteção, da parte de pessoas residentes no país, as quais muitas vezes acabam recorrendo ao mercado exterior, e o fazem, contudo, sem atentar para os requisitos legais existentes para tanto. Com relação à viabilidade da comercialização do seguro-seqüestro, o que se costuma dizer é que se trataria de operação vedada pelo ordenamento brasileiro. Não há, contudo, no plano legal, nenhuma proibição direta. Por outro lado, considera-se nulo todo e qualquer negócio jurídico cujo objeto seja ilícito e, além disso, dispõe-se que o contrato de seguro não pode se filiar a atos dolosos do segurado. Estas normas, entretanto, talvez não incidam no caso. É o quanto se pretende discutir na primeira parte destas notas, reservando-se a segunda parte para tratar dos requisitos existentes para a contratação, no exterior, de seguros não comercializados no Brasil, como parece ser o caso do seguro-seqüestro, e das conseqüências de eventual contratação em desatenção a esses requisitos. 1. Considerações sobre a viabilidade da operação de seguro-sequestro no Brasil Com o chamado seguro-sequestro, o que se pretende, em apertadas linhas, é a proteção do patrimônio do segurado, ou dos beneficiários da contratação do seguro, contra a possibilidade de que venha a sofrer diminuição em decorrência de extorsão mediante seqüestro. A prática contra a qual se pretende premunir constitui, sob o prisma penal, uma prática criminosa, que, todavia, não se identifica, propriamente, com o crime de seqüestro (art. 148 do Código Penal), mas sim com o crime de extorsão mediante seqüestro (art. 159) Feita essa ressalva, importa considerar que, normalmente, diz-se que o segurosequestro é vedado no Brasil, porque não se poderia cobrir um risco que se qualificaria como crime. Na realidade, o Código Civil considera nulo todo e qualquer negócio jurídico e, por conseguinte, todo e qualquer contrato, quando for ilícito, impossível ou indeterminado o seu objeto (art. 166, II). Sendo a extorsão mediante seqüestro um ilícito, por conseguinte não poderia constituir objeto de um contrato jurídico. Cabe, no entanto, verificar se, no caso do chamado seguro-seqüestro, esse ilícito efetivamente constitui o objeto do contrato.

Anote-se que o Código Civil de 1916, em seu art. 1.463, dispunha que o contrato de seguro seria nulo quando o risco, de que se ocupa, se filiar a atos ilícitos do segurado, do beneficiado pelo seguro, ou dos representantes e prepostos, quer de um, quer de outro (art. 1.436). Acontece, todavia, que este dispositivo, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, não obstava o seguro-sequestro, à medida que, neste caso, excepcionados os casos de fraude, um terceiro, e não o segurado ou seu representante, é quem estaria praticando a extorsão mediante seqüestro. Ou seja, o risco não se filiaria a ato ilícito do segurado ou de um seu representante qualquer. Observe-se, a propósito, que dispõe o atual Código Civil, no seu art. 762, que nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro. Este dispositivo também não obsta, em princípio, entre nós, o chamado seguro-sequestro, porquanto neste quem pratica o ato doloso, inclusive em sua acepção penal, é um terceiro e não necessariamente o segurado, o beneficiário ou o representante de um ou de outro. Portanto, em nível legal, a discussão há de recair especialmente sobre a licitude ou não do objeto do chamado seguro-sequestro, à vista do disposto no citado art. 166, II, do vigente Código Civil. Nesse sentido, considere-se que o fato de o seqüestro ou de a extorsão mediante seqüestro constituírem crimes não implica, por si só, a ilicitude do contrato de segurosequestro, com as características acima postas. Afinal, o roubo e a apropriação indébita, entre outros exemplos, também são crimes e não por isso se haveria de concluir que o seguro de roubo ou o seguro de fidelidade seriam negócios jurídicos nulos. É mister, pois, precisar o que se há de compreender por objeto do contrato de seguro. Na doutrina de Fábio Konder Comparato, objeto de todo e qualquer contrato de seguro é sempre um interesse submetido a um risco, 1 ou seja, o objeto material de todo e qualquer contrato de seguro será sempre o interesse assegurado. No mesmo sentido, escreve Vera Helena de Mello Franco, é sobre o interesse que o risco incide, 2 e Hans Möller, por sua vez, 1 O Seguro de Crédito, op. cit., p. 23. 2 Lições de Direito Securitário, op. cit., p. 39. 2

referindo o risco como potencialidade e não como algo já convolado em sinistro, aponta que interesse e risco circunscrevem a prestação do segurador. 3 Há autores, no entanto, especialmente na Argentina, que compreendem o risco, unicamente, como o objeto do seguro, sendo que o interesse seria apenas a causa, ou o elemento determinante do contrato de seguro. 4 Mas talvez se possa dizer que tal compreensão ergueu-se com base no art. 60 da Ley de Seguros daquele país, segundo a qual o objeto do contrato de seguro é o risco, se existe interesse. Poder-se-ia, no entanto, inverter a ordem dos fatores, sem alterar o produto, mas ganhando-se em precisão: dizer que o objeto do contrato de seguro é o interesse, se existe risco. A doutrina brasileira, de qualquer modo, à vista do disposto no art. 757 do novo Código Civil, vem reiterando que objeto de todo e qualquer contrato de seguro não é o risco e sim o interesse sobre o qual pesa um risco, ou seja, um interesse (inter esse) relacionado a uma pessoa ou a um bem, como o patrimônio do seqüestrado ou do beneficiário da contratação do seguro. 5 Aliás, anote-se que, no direito penal brasileiro, a extorsão mediante seqüestro, no que toca ao bem protegido pela norma penal, é um crime contra o patrimônio e não contra a liberdade individual. Ou seja, a norma visa à salvaguarda de um interesse jurídico-patrimonial. Diante disso, e considerando que não é ilícito proteger o patrimônio contra um ato doloso proveniente de terceiro estranho à relação securitária, somos da opinião de que, em princípio, o art. 166, II, do vigente Código Civil não constituiria óbice à comercialização, no Brasil, do chamado seguro-seqüestro. 3 Considerazioni sul concetto di interesse in Assicurazione, 1955, I, p. 136. 4 Cf. Rubén Stiglitz, Derecho de Seguros, B. Aires, Abeledo-Perrot, 1996, esp. p. 244. Diz, no entanto, Halperín, em suas Lecciones de Seguros, B. Aires, Depalma, 1997, mas em texto escrito antes do advento da referida Ley de Seguros, que El interés asegurable tiene extraordinaria importancia porque constituye el objeto del contrato: su existencia es essencial para legitimar el contrato e impedir que degenere en una apuesta: es la medida de la indemnización. Também Soler Aleu, El Nuevo Contrato de Seguro, B. Aires, Astrea, p. 45 e ss., vê o interesse como o objeto do contrato. 5 Cf. p. ex. Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton Pimentel, O Contrato de Seguro: de acordo com o Novo Código Civil Brasileiro, S. Paulo, RT, 2ª. ed., 2003, p. 32 e ss. 3

Considere-se, a propósito, que alguém pode ter interesse em garantir-se contra o risco de inadimplemento de dívidas de jogo, mas o contrato de seguro não será nulo, por ilicitude de objeto, porque o risco é ilícito, mas sim porque é ilícito o interesse em cobrar dívidas de jogo. O risco de não-pagamento é perfeitamente existente e passível de afetar um interesse. Mas, ao menos no direito brasileiro, não se reconhece como lícito tal interesse. Todavia, essa questão não se coloca do mesmo modo em relação ao contrato de seguro-seqüestro, à medida que nenhuma ilicitude haveria em buscar reaver, junto ao autor da extorsão mediante seqüestro, o valor do resgate eventualmente pago. Por outro lado, no entanto, poder-se-ia argumentar que o seguro-seqüestro é avesso à ordem pública brasileira, porque sua comercialização poderia de algum modo estimular a prática do crime de extorsão mediante seqüestro. Não encontramos, todavia, nenhuma proibição expressa na legislação securitária especial, nem nos atos administrativos do CNSP ou da SUSEP, os quais, aliás, não poderiam versar sobre a matéria, à vista do disposto no art. 22, incs. I e VII, da Constituição Federal. O que poderia consistir em óbice à comercialização do seguro-seqüestro seria eventual impossibilidade técnica, por inexistir base estatística suficiente para a distribuição do risco através do mecanismo do seguro. São desconhecidas estatísticas sobre a prática de extorsões mediante seqüestro que tenham a dimensão temporal e espacial necessária, que possam fornecer bases suficientes para a apuração da freqüência e, particularmente, da intensidade dessa prática, ou seja, dos os valores eventualmente despendidos para o pagamento de resgates. Pode eventualmente acontecer de se entender que se tratam de informações de segurança pública, não acessíveis ao mercado. O fato objetivo, contudo, é que o chamado seguro-seqüestro, até onde nos é dado conhecer, não é oficialmente comercializado no Brasil, por seguradoras nacionais. Diante disso, a um eventual interessado na operação, só lhe restaria buscar a contratação no exterior, onde se admita e pratique a comercialização do seguro-seqüestro. Entretanto, residindo o interessado no Brasil, exige a legislação local que essa contratação somente se processe mediante a prévia autorização do hoje denominado IRB Brasil Resseguros S.A., como passaremos a considerar. 2. Contratação de seguro no exterior 4

Dispõe o art. 6 do Decreto-Lei n 73, de 21.11.66, que a colocação de seguros e resseguros no exterior será limitada aos riscos que não encontrem cobertura no País ou que não convenham aos interesses nacionais. O art. 44, inc. I, letra d, do mesmo diploma, atribui ao IRB a competência para promover a colocação, no exterior, de seguro, cuja aceitação não convenha aos interesses do país ou que nele não encontre cobertura, e o art. 81, por sua vez, estabelece que a colocação de seguro e resseguro no estrangeiro será feita exclusivamente por intermédio do IRB. A sanção administrativa, no caso da colocação de seguros no exterior em desrespeito a essas determinações está prevista no mesmo Decreto-Lei n 73, em seu art. 113, do seguinte teor: As pessoas físicas ou jurídicas que realizarem operações de seguro, cosseguro ou resseguro sem a devida autorização, no país ou no exterior, ficam sujeitas à pena de multa igual ao valor da importância segurada ou ressegurada. Além disso, conforme o caso, a transgressão poderá implicar a prática de delitos penais, como os relacionados à remessa irregular de divisas ao exterior, já que, em conseqüência das referidas determinações, não se pode remeter ao exterior quaisquer recursos com a finalidade de pagamento de prêmios de seguro, senão por intermédio do IRB. A indagação que se poderia fazer, na matéria, é sobre quem estaria sujeito à legislação acima citada. Como já tivemos oportunidade de manifestar, as disposições legais acima se aplicam a todo aquele que tem domicílio ou residência no Brasil. 6 À luz da legislação brasileira, toda e qualquer pessoa natural ou jurídica aqui residente ou domiciliada não pode concertar seguro com seguradora que não opera no país, sem a prévia autorização do IRB, sob pena de incorrer nas sanções acima e sob pena de ver o contrato eventualmente celebrado sem essa prévia autorização considerado nulo se, em razão de qualquer controvérsia a respeito desse contrato, se quiser recorrer à Justiça brasileira. Note-se, a respeito, que um contrato com tais características seria um contrato internacional, à medida que as partes teriam domicílio ou residência em países distintos. Por conseguinte, à luz do art. 9 e 2 da Lei de Introdução ao Código Civil, do ponto de vista do direito e da jurisdição brasileiros, e sendo o proponente do seguro o segurado, segue-se que a 6 Paulo Luiz de Toledo Piza, Notas sobre o direito brasileiro em matéria de contratação de seguros no exterior, in Revista Brasileira de Direito de Seguros, ano IV, n 13, set/dez de 2001, pp. 20-27, e ainda no website www.ibds.com.br/textos. 5

essa relação aplica-se a lei brasileira, ou seja, aplica-se, entre outros diplomas, o citado Decreto-Lei n 73. Esclareça-se que, para o efeito das normas sobre o conflito de leis brasileiras, caso do citado art. 9 da LICC, compreende-se por residência a morada permanente, de maneira que não surtiria efeito o expediente de ir para o exterior e lá permanecer por poucos dias apenas para o fim de contratar o seguro sem que haja submissão à previa autorização do IRB para a sua colocação no mercado internacional. Como alertamos no artigo já citado, tal expediente qualificar-se-ia como fraude à lei e não teria o condão de impedir a aplicação das sanções administrativas, penais e civis acima lembradas. Também o expediente de se celebrar o contrato de seguro-seqüestro no exterior, sem a prévia autorização prevista na lei brasileira, estipulando-se cláusula de lei aplicável estrangeira, não teria efeito algum perante o direito e a jurisdição brasileiros, à medida que, em princípio, entre nós não se admite a livre eleição do direito nacional aplicável a um contrato, se as normas de direito internacional pátrias indicam a aplicação do direito brasileiro. A doutrina é clara a esse respeito e encontra apoio em jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 7 É verdade que, do ponto de vista de um direito estrangeiro, como o inglês, por exemplo, o contrato em questão pode eventualmente ser considerado existente, válido e eficaz; e, ainda, eventual controvérsia a respeito dele pode ser solucionada pela Justiça inglesa. Mas, neste caso, qualquer decisão judicial estrangeira em princípio não estará em condições de ser homologada no Brasil, por ofender a ordem pública local, à medida que ele haveria, necessariamente, de ter sido celebrado no Brasil para que aqui pudesse ser considerado válido e surtir efeitos no país. Para que as sanções acima não tenham possibilidade de incidir, a contratação do seguro-seqüestro no exterior deverá ser previamente autorizada pelo IRB. O procedimento para a concessão da autorização pelo IRB para a contratação de seguro com segurador estrangeiro é delineado na Circular PRESI-097/73 (CECRE-05/73), de 20.12.73, trazendo o seu Anexo o roteiro a ser observado nas propostas para colocação no exterior de riscos não operados no mercado nacional. 7 V. a respeito João Grandino Rodas, Direito Internacional Privado Brasileiro, S. Paulo, RT, 1993, p. 50, bem como o v. acórdão do STF nos autos do RE n 93.131-MG. 6

Tal Circular, segundo nos parece, mais do que confirma o acima, valendo notar que a autorização do IRB deve ser solicitada com antecedência mínima de 30 (trinta) dias da data de início do seguro proposto, devendo constar da mesma as condições de cobertura obtidas do exterior, inclusive demonstrativo financeiro completo da operação, com indicação expressa do respectivo prêmio líquido a ser transferido para o exterior e da comissão de corretagem. Esse Anexo, ainda, estabelece que, no caso de ser pedida a autorização do IRB para a contratação do seguro no exterior, a corretora responsável (brasileira ou estrangeira) deverá encaminhar-lhe uma nota de cobertura ( cover note ). Segundo o seu item 4, o IRB remeterá cópia autenticada desse documento ao Banco Central do Brasil para registro e remessa de prêmios ao exterior, cuja comprovação perante ao IRB será feita mediante apresentação de uma cópia de cada contrato de Câmbio fechado no País, no prazo de 10 dias desse fechamento. A sociedade corretora apresentará no prazo de 30 dias os comprovantes dos pagamentos feitos ao exterior. Durante a vigência da cobertura, a sociedade corretora comprovará perante o IRB (DEINE) as comissões recebidas do exterior e as eventuais parcelas ali transitoriamente retidas para ulterior recebimento a ser também comprovado, assim como os sinistros ocorridos e as remessas do exterior para liquidação dos mesmos (as liquidações procedidas diretamente no exterior estão igualmente sujeitas a comprovação perante o IRB). (sic) Interessante observar, também, o disposto no item 5 do mesmo Anexo, segundo o qual: As remessas do exterior para liquidação dos sinistros cobertos pelas colocações de que trata este Roteiro serão feitas obrigatoriamente através das agências do Banco do Brasil S.A. Transcreva-se, ainda, o seu item 6: O IRB encaminhará mapa trimestral ao Banco Central do Brasil, com indicação dos prêmios relativos a todas as colocações no exterior autorizadas pelo IRB (mesmo no caso de pagamentos efetuados com recursos próprios do Segurado, existentes no Exterior), assim como das indenizações recuperadas (mesmo no caso de liquidações procedidas no exterior), comissões recebidas etc., discriminadamente por operação, que será identificada pelo número do ofício do IRB ao Banco Central que enviou a respectiva Cover Note. Note-se, finalmente, que a mesma Circular também comina sanções no caso do seu descumprimento. Ressalvado o fato de que um ato administrativo não pode introduzir sanções no ordenamento jurídico, mas apenas materializar as que a lei já preveja, a circular comina, às pessoas físicas e jurídicas, a penalidade de multa igual a até o valor da importância segurada ; 7

às sociedades corretoras, as penalidades previstas no art. 90 e ss. do Decreto n 60.459, de 13.03.67, e, em se tratando de intervenientes no exterior a penalidade corresponderá à suspensão de suas operações com o mercado brasileiro. 3. Considerações finais Outras discussões ainda poderiam ser agregadas às acima expostas. Parece, no entanto, que estas já se mostram suficientes para instilar o debate e, eventualmente, desafiar os estudiosos das ciências estatísticas e atuariais ao exame da possibilidade de taxação eficiente do risco em pauta. Se isto for efetivamente possível, em princípio nada parece obstar a sua comercialização no país por um segurador eventualmente interessado, ressalvadas apenas eventuais apreciações em matéria de segurança pública. A comercialização, de todo o modo, demandaria a elaboração de um clausulado preciso, que não seja cópia de wordings alienígenas. Além disso, talvez conviesse a definição de uma disciplina administrativa que, por exemplo, versasse sobre a necessidade de sigilo a respeito dessas operações. Em última análise, quem sabe isso possa evitar eventuais colocações no exterior em desacordo com a lei brasileira, a qual, como visto, prevê para tanto um procedimento algo burocrático demais, e discricionário a ponto de depender da boa vontade do órgão oficial responsável. 8