FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA EXAME ESCRITO ÉPOCA DE RECURSO ANO LECTIVO 2015/ de Fevereiro de 2016

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Transcrição:

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA EXAME ESCRITO ÉPOCA DE RECURSO ANO LECTIVO 2015/2016 17 de Fevereiro de 2016 Direito Comparado 2.º ANO (NOITE) Grupo I À luz do que estudámos sobre o sistema de fontes na Família Jurídica Romano-Germânica e sobre seu método jurídico comente a seguinte afirmação: Vigora nos sistemas jurídicos em apreço (romano-germânicos) o primado da lei rectius: das normas e princípios que compõem o ordenamento jurídico sobre as concepções pessoais de justiça e razoabilidade do julgador. Não significa isso, no entanto, que os tribunais se limitem nesses sistemas jurídicos a aplicar Direito preexistente; é, pelo contrário, muito relevante a sua actividade criadora, mormente por via do chamado desenvolvimento jurisprudencial do Direito, cuja imprescindibilidade no Estado moderno é hoje amplamente reconhecida. Dário Moura Vicente - v. Manual em geral e, em especial, pp. 173 e ss. e 182 e ss.. Era requerido aos alunos que explicassem no que consiste o modelo dedutivo de decisão judicial. Nesse contexto, referir que é em França onde esse modelo silogístico é levado mais longe, onde, inclusive são omitidas citações de obras doutrinais ou de decisões jurisprudenciais, assim como votos de vencido. Em suma, que são omitidas nas sentenças dos tribunais franceses quaisquer considerações valorativas. Fenómeno que em muito se deve a determinada ideia de separação de poderes que remonta a Montesquieu, conforme a qual ao legislador competiria criar o Direito e aos tribunais

exclusivamente aplica-lo. Contudo, esta concepção cedo demonstrou ser irrealista, dada a inevitável incompletude dos textos legais e a frequente existência de momentos criadores na própria determinação da premissa maior do silogismo judiciário, além de a experiência nefasta da II Guerra Mundial e dos regimes totalitários que estiveram na sua origem terem posto em evidência os perigos do positivismo e a necessidade de temperar a sujeição do julgador à norma legal pela referência a outros comandos jurídicos, nomeadamente a critérios não-normativos de decisão. Exemplos de correntes que pugnaram pela revolta contra o formalismo foram a Escola do Direito Livre, a Jurisprudência dos Interesses e a Jurisprudência dos Valores. Devido à influência destas correntes, tende hoje a prevalecer a ideia de que a obtenção do Direito do caso singular não é uma pura e simples operação lógica, mas antes a adequação ou adaptação de um comando geral ao caso singular, caracterizando-se o sistema jurídico como cibernético, atribuindo-se às proposições que o integram validade limitada pelo seu escopo e resultados que concitem. Alem do mais, a decisão do caso concreto não tem de ser estritamente deduzida da lei, podendo antes fundar-se num juízo de valor sobre a aptidão da consequência jurídica nela estatuída à realização, no caso de espécie, dos fins práticos e morais através dela prosseguidos. Enunciar os exemplos no Direito positivo desta orientação (artigo 4º/2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais e o artigo 20º/3 da Lei Fundamental Alemã, ao admitir, implicitamente, a determinação concreta do Direito contra lege desde que intra ius). Não obstante isto, mantém-se nesses sistemas jurídicos o principio da sujeição dos juízes à lei, que aliás transparece nas próprias sentenças judiciais: estas tomam geralmente como ponto de partida as normas legais aplicáveis, delas se afastando apenas quando o sistema faculte ao julgador outros critérios de solução ou nos raros casos em que a sua aplicação conduza a um resultado que repugne visivelmente aos critérios de justiça do sistema ou ainda quando seja de presumir que o legislador não pensou nesses casos ao elaborar a norma, nisto se distinguindo o método de resolução do caso concreto observado nesses sistemas jurídicos daquele que é correntemente adoptado nos sistemas do Common Law e em outras famílias jurídicas. Este papel criador dos tribunais é especialmente importante quando estes preenchem lacunas rebeldes à analogia ou decidem com recurso a cláusulas gerais. Mas os tribunais exercem também esse papel criador quando interpretam a lei, na medida em que a referência ao sistema jurídico importa o reconhecimento de que é legítimo extrair dele normas que a lei não enuncia expressamente. Sendo certo que aquilo se cria nas decisões assim proferidas é tão-só a máxima

de decisão do caso sub judice e não uma norma aplicável a casos futuros, não havendo, nesta medida, precedentes judiciais nos sistemas jurídicos romano-germânicos, a verdade é que indirectamente essas decisões podem exercer influência para além do caso em que foram proferidas, na medida em que sejam tomadas como modelos de decisão em casos semelhantes julgados posteriormente, podendo, da repetição de julgados resultar, como frequentemente sucedeu na Alemanha ao longo do século XX, a formação de costume jurisprudencial, exigindose para tal, além da repetição de decisões, a convicção de obrigatoriedade, por parte dos tribunais, da observação de tais modelos de decisão. O princípio da separação de poderes não se opõe a este desenvolvimento jurisprudencial do Direito dentro dos parâmetros definidos por uma regra geral. De facto, apesar de a Constituição conferir ao poder legislativo uma posição dominante na criação do Direito, ela não lhe atribui em exclusivo essa função. Os alunos deverão ainda fazer referência ao caso Soraya. Deverá ser realçada a importância do papel desempenhado pela jurisprudência na adaptação de sistemas jurídicos, como o francês e o alemão, dotados de códigos centenários, às novas necessidades sociais. Por fim, deverão ser realçados os limites da actividade interpretativa dos tribunais, nomeadamente a inadmissibilidade da correcção pelos tribunais das opções jurídico-políticas efectuadas pelo legislador, exceptuando-se apenas deste limite os casos de recusa permanente do legislador e em que devido a tal recusa sobreviesse um autêntico estado de necessidade jurídico. Grupo II À luz do que estudámos sobre a metodologia da comparação jurídica, comente criticamente a proposta de Konrad Zweigert que ia no sentido de adoptar como princípio metodológico da comparação de Direitos uma presunção de semelhança entre os sistemas jurídicos considerados. - v. Manual em geral e, em especial, pp. 37 e ss. É requerido aos alunos que forneçam uma perspectiva geral daquele que é o método utilizado em Direito Comparado. Os alunos devem, particularmente, explicitar no que consiste o terceiro momento da metodologia comparativa, que corresponde à síntese comparativa, sem a qual não há verdadeira comparação de Direitos. Neste

momento visa-se enunciar sistematicamente as semelhanças e diferenças entre os ordenamentos exanimados se possível, identificando os principais tipos ou modelos de soluções de que o problema visado é objecto nesses ordenamentos -, para de seguida as explicar à luz dos factores que as determinam. Ambas as operações se apoiam necessariamente em elementos recolhidos na análise comparativa, devendo por isso considerar-se como integrantes dessa síntese comparativa. Foi neste contexto que surgiu a proposta de Konrad Zweigert que vai no sentido de partir-se do princípio de que, apesar da diversidade das regras jurídicas nacionais, estas conduziriam geralmente a soluções idênticas, existindo, quando muito, vias diversas para se chegar às mesmas soluções. Contudo, este entendimento tem vindo a ser contestado por várias ordens de razões. Em primeiro lugar porque a diversidade das instituições jurídicas nacionais radica muitas vezes na diferente valoração dos mesmos problemas nos ordenamentos jurídicos considerados. Uma praesumptio similitudinis pode, nesses casos, distorcer os resultados da comparação, escamoteando as conexões entre as instituições jurídicas e os factores históricos, sociais, económicos e culturais que explica tal diversidade de valorações, desse modo desviando a disciplina da sua função que consiste em dar a conhecer as diferentes possibilidades de solução dos mesmos problemas sociais. Em segundo lugar, há institutos profundamente radicados em certos sistemas jurídicos para os quais não se encontra equivalente funcional em muitos outros sistemas, sendo uma presunção, nestes casos, destituída de sentido. Por outro lado, porque vigoram hoje em muitos países regras formalmente idênticas, embora os resultados da sua aplicação sejam profundamente diversos, o que se explica, além do mais, por tais regras vigorarem em sociedades também elas muito diferentes entre si. Em quarto lugar, porque mesmo quando os resultados imediatos do funcionamento de certas instituições jurídicas nacionais são idênticos, o seu espírito e o seu sentido último revelam-se não raro muito diversos. Todos estes argumentos levam a doutrina a preferir uma praesumptio dissimilitudinis ainda que, enquanto hipótese científica, não dispense o comparatista de indagar as causas de diversidade dos sistemas jurídicos confrontados ou dos pontos de convergência entre eles identificados. De todo o modo, deve ainda o aluno referir que para a explicação das semelhanças e diferenças detectadas deverse-á atender quer a factores jurídicos quer a factores metajurídicos. Grupo III

Escolha e responda, fundamentando de forma sucinta, a apenas dois dos seguintes pontos (máximo 20 linhas): Ponto I) Desenvolva a seguinte frase: a advocacia acha-se cindida em Inglaterra em duas profissões distintas (Dário Moura Vicente). - v. Manual em geral e, em especial, pp. 251 e ss.. Diferentemente do que sucede na maior parte dos países do continente europeu, a advocacia acha-se cindida em Inglaterra em duas profissões distintas: a dos barristers e a dos solicitors. Historicamente, os barristers tinham o monopólio da postulação oral perante os tribunais superiores. Pertencia-lhes, em exclusivo, o denominado right of audience. Hoje esse direito é partilhado com os solicitors, embora a maioria destes não o exerça. No âmbito da sua profissão, os barristers redigem também peças processuais e outos documentos jurídicos. Além disso, dão pareceres e ocasionalmente ensinam Direito. Contudo, não representam as partes nem devem, segundo a praxe, ter contacto directo com elas, salvo na presença dos solicitors que os tenham escolhido, ou seja, quem queira contratar os seus serviços terá, assim, de fazê-lo por intermédio destes. Deve ainda ser referido pelos alunos que os barristers são geralmente juristas altamente qualificados, gozando de grande prestígio social. É entre a elite dos barristers (aqueles que têm o título de Queen s Counsel) que são recrutados os juízes dos tribunais superiores. Por seu turno, aos solicitors cabe geralmente representar em juízo e fora dele os seus clientes excepto nas audiências perante os tribunais superiores. Só eles podem ser constituídos procuradores e agir em nome dos seus constituintes. Além disso, seleccionam os barristers a contratar pelos seus clientes e preparam os processos para aqueles, nomeadamente recolhendo os documentos que servem de suporte às peças processuais. São também os solicitors que fazem a chamada advocacia de negócios. Por fim, deverão os alunos fazer referência à controvérsia existente, devido a esta distinção, quanto ao elevado custo da representação forense em Inglaterra, a qual implica geralmente o pagamento de honorários cumulativamente a um ou mais solicitors e a outros tantos barristers. Ponto II) Explique no que consiste a Plea Bargaining, figura do sistema judiciário norteamericano.

- v. Manual em geral e, em especial, pp. 303 e ss.. A plea bargaining ou negotiated plea consiste na negociação entre o arguido em processo penal e o representante da acusação de uma assunção de culpa pelo primeiro ou de uma declaração por ele emitida de que não contestará a acusação, geralmente feita a troco de certas concessões no que toca à pena em que incorrerá ou ao modo do seu cumprimento. Esta figura explica-se, em parte, pelos elevadíssimos níveis de criminalidade que hoje se registam na sociedade norte-americana e pela dificuldade do sistema judiciário em lhes dar resposta adequada mediante o julgamento pelo júri de todos os crimes trazidos ao seu conhecimento. Além do mais deve-se à estrutura acentuadamente acusatória que o processo penal reveste nos Estados Unidos, na ampla disponibilidade do objecto do processo pelas partes e no reconhecimento ao Ministério Público de um grau de discricionariedade sem paralelo na Europa continental. Ponto III) Explique no que consiste a mimamsa enquanto técnica específica de interpretação no Direito Hindu. - v. Manual em geral e, em especial, pp. 439 e ss.. Deve ser referido pelos alunos que a natureza particular e a vastidão das fontes do Direito hindu suscitam problemas especiais no tocante à sua interpretação: desde logo, a sua determinação, dentre a enorme massa de textos relevantes, dos preceitos que correspondem a regras do Dharma e a sua distinção relativamente aos que constituem meras recomendações ou disposições de outra natureza. Foi neste contexto que surgiu a mimansa, enquanto técnica específica de interpretação dirigida àquele fim, baseando-se esta técnica num critério fundamental: a ausência de fim utilitário na disposição em causa. Só os preceitos que obedeçam a esta característica são verdadeiras regras de Dharma, dotadas do particular valor que a estas pertence. Devem, contudo, os alunos referir que hoje a aplicação e a interpretação do Direito vigente na Índia, inclusive o Direito hindu, é dominada pelos métodos característicos dos sistemas de Common Law, e isto mesmo nas antigas possessões europeias em que prevaleciam sistemas jurídicos romano-germânicos. Também nesta medida o Direito hindu sofreu, em virtude da colonização britânica, uma metamorfose, que alterou profundamente o seu sentido e alcance. A base em que assenta mantém-se, todavia, a mesma. Ponto IV) Existe na China Popular uma separação dos poderes legislativo e judicial como a que existe nos países ocidentais?

- v. Manual em geral e, em especial, pp. 464 e ss.. Deve ser realçado pelos alunos que os órgãos judiciais do Estado são na República Popular da China os tribunais populares, sendo o órgão judicial máximo o Supremo Tribunal Popular que responde perante o Congresso Nacional Popular e o seu comité permanente. Esse Tribunal, além de funções jurisdicionais, exerce também poderes legislativos, através das decisões interpretativas da lei (que têm a mesma eficácia que a lei interpretada, vinculando os demais tribunais) e poderes administrativos, na medida em que emite regulamentos sobre o funcionamento dos tribunais inferiores. Existem ainda tribunais populares a outros níveis hierárquicos e com diversas áreas de jurisdição, assim como tribunais especiais. Também estes respondem perante os órgãos do poder político do correspondente nível hierárquico. Além do mais a Constituição prevê a existência de Procuradorias Populares, com diferentes níveis hierárquicos, às quais são cometidas designadamente funções de supervisão da actividade dos tribunais populares. Refira-se ainda que, actualmente, os presidentes dos tribunais da República Popular da China são designados pelas assembleias populares das respectivas circunscrições, sob proposta dos órgãos locais do Partido Comunista. Por todas estas razões pode dizer-se que não há na China Popular uma separação de poderes legislativo e judicial como a que existe nos países ocidentais. Aliás, este fenómeno corresponde à tradição chinesa, pois também na China Imperial a função judicial era parte integrante da actividade administrativa, representando esta situação, ainda, um corolário do princípio do centralismo democrático consignado no artigo 3º/1 da actual Constituição. Cotação: Grupo I 7 valores Grupo II 5 valores Grupo III 7 valores (cada questão, 3,5 valores) Sistematização, síntese, clareza, fundamentação e português 1 valor Duração:

120 minutos