Majoração de jornada de trabalho de servidores públicos mediante lei municipal



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Transcrição:

CONSULTA N. 875.623 RELATOR: CONSELHEIRO SEBASTIÃO HELVECIO Majoração de jornada de trabalho de servidores públicos mediante lei municipal EMENTA: CONSULTA PREFEITURA MUNICIPAL SERVIDOR PÚBLICO REGIME JURÍDICO ESTATUTÁRIO MAJORAÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO LEI MUNICIPAL INEXISTÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO POSSIBILIDADE RESPEITO AOS LIMITES LEGAIS NECESSIDADE DE AUMENTO PROPORCIONAL DOS VENCIMENTOS ART. 169, CF/88 OBSERVÂNCIA DA LC N. 101/2000 É possível a majoração da jornada de trabalho de servidor ocupante de cargo público, mediante lei municipal, desde que haja aumento proporcional dos vencimentos e observância das exigências do art. 169, CF/88, e da LC n. 101/2000. RELATÓRIO Trata-se de consulta protocolada neste Tribunal, em 10/05/2012, sob o n. 735.884, formulada pela Prefeita de Serra da Saudade, Neusa Maria Ribeiro, em que se questiona: Pode o Município, por meio de lei municipal, aumentar a jornada de trabalho de cargos públicos que foram criados e providos para cumprirem jornada de trabalho de apenas vinte horas semanais? Nesse caso, é direito do servidor efetivo que teve sua jornada de trabalho aumentada ter sua remuneração aumentada na mesma proporção [...]? No despacho a fls. 6, para cumprimento do disposto no art. 213, I, da Res. TC n. 12/08, com redação alterada pela Res. TC n. 01/2011, encaminhei os autos à Coordenadoria e Comissão de Jurisprudência e Súmula, que produziu o relatório acostado a fls. 7-10. É o relatório. PRELIMINAR A Prefeita de Serra da Saudade, Neusa Maria Ribeiro, é autoridade legítima para subscrição da consulta, nos termos do art. 210, I, do Regimento Interno (Resolução TC n. 12/08), e os questionamentos apresentados preenchem os requisitos de admissibilidade do seu art. 212. Presentes os pressupostos, voto pela admissão da consulta. 178

MÉRITO A consulente indaga se pode o município, por meio de lei municipal, majorar a jornada de trabalho de cargos públicos que foram criados e providos para cumprirem jornada de trabalho de apenas vinte horas semanais e, sendo possível, se seria direito do servidor ter sua remuneração aumentada na mesma proporção. A Coordenadoria e Comissão de Jurisprudência e Súmula, ao proceder ao levantamento do histórico de deliberações sobre as questões aventadas, nos termos do art. 213, I, da Res. TC n. 12/2008, consignou em relatório acostado a fls. 7-10 que, nos registros constantes nos informativos de jurisprudência e nos enunciados de súmula deste Tribunal, não foram identificadas deliberações que abordam os questionamentos suscitados. Todavia, verificou que esta Casa já se pronunciou acerca das seguintes questões, pertinentes às indagações da consulente: 1) compete ao município organizar o serviço público local e elaborar o regime jurídico de seus servidores, estabelecendo a jornada de trabalho, as atribuições dos cargos, a composição da remuneração, tendo em vista as peculiaridades locais e as possibilidades de seu orçamento, devendo sempre observar as regras e princípios estabelecidos na Constituição da República de 1988. Consultas n. 809.483 (29/09/2010), 780.445 (02/09/2009), 719.737 (20/05/2009) e 460.469 (04/02/1998); 2) é possível ampliar a jornada dos profissionais do magistério, respeitando-se o limite de 40 (quarenta) horas semanais estabelecido na Resolução n. 03/1997 do Conselho Nacional de Educação e na Lei Federal n. 9.394/1996. Além disso, deve haver autorização específica na LDO, existência de dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa com pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, bem como a observância aos limites de despesas com pessoal preceituados na Lei Complementar Federal n. 101/2000. Consulta n. 683.251 (30/06/2004). A problemática central proposta na consulta remete-nos à discussão acerca da natureza do vínculo funcional estabelecido entre os servidores e as pessoas jurídicas de direito público, polêmica doutrinária antiga, conquanto matéria hoje pacífica jurisprudencialmente. A Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, em sua obra Princípios constitucionais dos servidores públicos 1, adverte que, contra todas as correntes apresentadas doutrinariamente, a teoria do regime estatutário, determinante da natureza jurídica de direito público da relação firmada entre o Estado e o servidor, tem sido considerada a única legítima, e os seguintes argumentos acabaram por prevalecer: Revista TCEMG jul. ago. set. 2012 PARECERES E DECISÕES [...] o de que o contrato reclama manifestação de vontade sobre as condições básicas da obrigação nele contida, o que não se dá na espécie; o de que a relação entre a pessoa pública e o servidor é modificável em suas cláusulas legais pela exclusiva atuação estatal, o que distancia a figura contratual; o de que o regime jurídico que submete a relação é posta objetiva, genérica e abstratamente e o servidor subsume-se a ela e passa a vestir-se com o estatuto que precede e procede à sua presença nos quadros da Administração Pública. 1 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 119. 179

CONSULTA N. 875.623 Diferente não é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello 2 : Em tempos, pretendeu-se que o vínculo jurídico entre o Estado e o funcionário fosse de natureza contratual. De inicio, entendido como contrato de direito público, afinal, prevaleceu o entendimento correto, que nega caráter contratual à relação e afirma-lhe natureza institucional. Isso significa que o funcionário se encontra debaixo de uma situação legal, estatutária, que não é produzida mediante um acordo de vontades, mas imposta unilateralmente pelo Estado e, por isso mesmo, suscetível de ser, a qualquer tempo, alterada por ele sem que o funcionário possa se opor à mudança das condições de prestação de serviço, de sistema de retribuição, de direitos e vantagens, de deveres e limitações, em uma palavra de regime jurídico. Não se pode olvidar que nossos tribunais têm-se posicionado reiteradamente segundo a assertiva de que o conjunto de regras de direito que regula a relação jurídica entre a Administração e seus servidores, ou seja, seu regime jurídico, tem natureza de direito público. Senão vejamos: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO. REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Suprema Corte se consolidou no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico. O vínculo entre o servidor e a Administração é de direito público, definido em lei, sendo inviável invocar esse postulado para tornar imutável o regime jurídico, ao contrário do que ocorre com vínculos de natureza contratual, de direito privado, este sim protegido contra modificações posteriores da lei. 2. Agravo regimental improvido (Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 287.261/ MG. Relatora: Ministra Ellen Gracie. Julgado em 28 jun. 2005). Não poderia ser outro o entendimento, pois seria inaceitável que os servidores públicos desempenhassem suas atividades sem estarem devidamente vinculados a regime jurídico peculiar que reflita a responsabilidade social atribuída ao Estado. As atividades administrativas visam à consecução do interesse público e disso decorre, consequentemente, que seus executores devem exercê-las segundo a finalidade social do Estado e seus princípios gerais. Diante das razões expendidas, é inquestionável que o Poder Público, a qualquer momento, a bem do interesse coletivo e para alcançar a eficiência na prestação dos serviços, poderá modificar direitos e obrigação constantes do regime jurídico institucional. Essa mutabilidade, aliás, é uma das principais características a diferenciar o regime estatutário (unilateral) do regime trabalhista (contratual). Nesse sentido, transcrevo lição do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello 3 : Nas relações contratuais, como se sabe, direitos e obrigações recíprocos, constituídos nos termos e na ocasião da avença, são unilateralmente imutáveis e passam a integrar de imediato o patrimônio jurídico das partes, gerando desde logo, direitos adquiridos em relação a eles. Diversamente, no liame da função pública, composto sob a égide estatutária, o Estado ressalvadas as pertinentes disposições constitucionais impeditivas, deterá o poder 2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Regime constitucional dos servidores da Administração Direta e Indireta. 2. ed., rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 19. 3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 15. ed. refund., ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 235-236. 180

de alterar legislativamente o regime jurídico de seus servidores, inexistindo a garantia de que continuarão sempre disciplinados pelas disposições vigentes de seu ingresso. Então, benefícios e vantagens, dantes previstos podem ser ulteriormente suprimidos. Bem por isto, os direitos que deles derivem não se incorporam ao patrimônio jurídico do servidor (firmando-se como direito adquirido), do mesmo modo que nele se integrariam se a relação fosse contratual. Considerando, portanto, que o vínculo entre o Estado e o servidor ocupante de cargo público é de direito público e que não há direito adquirido a regime jurídico estatutário, entendo que o município ao qual compete, consoante entendimento pacificado desta Casa, organizar o serviço público local e elaborar o regime jurídico de seus servidores possui a prerrogativa de alterar, em prol do interesse público, as normas que regulam o vínculo em comento, entre elas, a modificação da carga horária de trabalho, respeitados, por óbvio, os limites constitucionais e, ainda, os legais de cada categoria de trabalho. Impende destacar que a segunda indagação da consulente, pertinente ao aumento proporcional dos vencimentos frente à alteração da jornada de trabalho, importa matéria controversa jurisprudencialmente e que, recentemente, foi reconhecida como de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo no Recurso Extraordinário n. 660.010 (DJ, 21/05/2012). O debate cinge-se à efetiva aplicação ao caso do princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos, insculpido no art. 37, XV, da Constituição Federal. Há quem entenda que, em se tratando de relação estatutária, na qual a Administração detém o poder de, mediante lei, alterar o regime jurídico institucional, pode o Poder Público majorar a jornada de seus servidores independentemente de compensação remuneratória, pois a garantia da irredutibilidade dos vencimentos referir-se-ia apenas ao seu valor nominal. É incontroverso, como alhures relatei, que o Estado detém a prerrogativa de alterar unilateralmente o conjunto de direitos e obrigações a que estão legalmente subordinados seus servidores e que tal prerrogativa encontra-se limitada constitucionalmente, em especial, pelo art. 37, XV, da Constituição da República. Há, ainda, consenso entre nossos tribunais em que essa irredutibilidade somente impede a redução dos valores nominais dos vencimentos, não configurando ofensa à Constituição a perda de seu valor real perda do poder aquisitivo da moeda. Contudo, parece-me que a majoração da jornada de trabalho sem o correspondente aumento dos vencimentos, além de traduzir decesso salarial, concretiza-se como obtenção de vantagem indevida por parte do Poder Público, que se beneficiará com o acréscimo da carga horária do servidor sem que para isso ofereça qualquer contrapartida. É importante ressaltar que o aumento da jornada de trabalho do servidor reflete em ambos os polos da relação jurídica funcional. As atividades administrativas serão exercidas por um período superior ao anterior, e a Administração não terá encargos com a criação e o provimento de novos cargos públicos para suprir sua demanda Revista TCEMG jul. ago. set. 2012 PARECERES E DECISÕES 181

CONSULTA N. 875.623 inicial. Haverá, dessa forma, maior economia administrativa e eficiência na prestação do serviço público, sendo incontestável o incremento patrimonial do Estado. Por outro lado, evidente será o decréscimo patrimonial do servidor que sofrerá prejuízos de ordem social, familiar, intelectual e econômica, na medida em que o tempo a ser dedicado à família, aos estudos, inclusive de aperfeiçoamento, e às atividades remuneradas, desde que permitidas juridicamente, será razoavelmente reduzido. Insta salientar, ademais, que o texto constitucional relativiza o princípio da irredutibilidade dos vencimentos apenas com relação ao teto remuneratório (art. 37, XI), ao efeito cascata ou repique (art. 37, XIV), ao regime de subsídios (art. 39, 4º) e aos tributos (arts. 150, II; 153, III e 2º, I). Isso posto, afigurando-se claro o enriquecimento indevido da Administração que majore a jornada de seu servidor sem o correspondente aumento dos vencimentos e a ofensa ao princípio da irredutibilidade, excepcionado tão somente nas hipóteses expressamente previstas no dispositivo constitucional, entendo que é defeso ao município aumentar a carga horária de trabalho do servidor ocupante de cargo público sem a indispensável contraprestação proporcional. A propósito, assim já se manifestou, com razão, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 255.792/MG, reformando acórdão do Tribunal de Justiça Mineiro, que, em segunda instância, havia reconhecido a legalidade de decreto municipal que majorou a jornada de trabalho de servidores públicos locais de 30 para 40 horas, mantendo-se a remuneração anterior. Vejamos: Está configurada, na espécie, a violação do princípio da irredutibilidade dos vencimentos. Ao aumento da carga de trabalho não se seguiu a indispensável contraprestação, alcançando o Poder Público vantagem indevida. Daí o acerto da concessão da segurança para anular o decreto municipal. Conheço e provejo este extraordinário, restabelecendo o entendimento sufragado em sentença de juízo. (STF, RE 255792, Relator: Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 28/04/2009) Convém não esquecer, finalmente, que as despesas com pessoal não podem exceder os limites estabelecidos na Lei Complementar n. 101/2000 e que as concessões de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, criação de cargos, empregos e funções, alteração de estrutura de carreiras e a admissão e contratação de pessoal só poderão ser feitas se houver prévia dotação orçamentária para atender às projeções de despesa de pessoal e os acréscimos dela decorrentes, mediante autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias, por força de mandamento constitucional ínsito no art. 169 da Constituição Federal. Conclusão: diante do exposto, concluo, em tese, nas condições transcritas na fundamentação: 1) O município possui a prerrogativa de alterar a carga horária de trabalho de seus servidores ocupantes de cargo público, respeitados os limites constitucionais e, ainda, os legais de cada categoria de trabalho, haja vista que este vínculo jurídico funcional tem natureza de direito público e não há que se falar em direito adquirido a regime jurídico estatutário. 182

2) A majoração da jornada de trabalho dos servidores detentores de cargo público deve ser seguida do correspondente aumento proporcional dos vencimentos, sob pena de ofensa ao comando constitucional inserto no art. 37, XV, da Constituição da República de 1988 e obtenção de vantagem indevida por parte do Poder Público. Entretanto, saliento que o art. 169 da Constituição Federal exige para concessão de qualquer vantagem, aumento de remuneração, criação de cargos ou empregos, ou alteração de estrutura de carreiras prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa com pessoal e autorização específica da lei de diretrizes orçamentárias, bem como observância aos limites de despesas com pessoal preceituados na Lei Complementar Federal n. 101/2000. Nestes termos, é o parecer que submeto à apreciação deste Plenário. Seja dada ciência à consulente de que as consultas citadas no presente parecer poderão ser acessadas no endereço eletrônico do Tribunal, www.tce.mg.gov.br. A consulta em epígrafe foi respondida pelo Tribunal Pleno na Sessão do dia 27/06/2012, presidida pela Conselheira Adriene Andrade; presentes o Conselheiro Eduardo Carone Costa, Conselheiro Sebastião Helvecio, Conselheiro Cláudio Terrão, Conselheiro substituto Licurgo Mourão e Conselheiro em exercício Hamilton Coelho. Foi aprovado, por unanimidade, o parecer exarado pelo relator, Conselheiro Sebastião Helvecio. Revista TCEMG jul. ago. set. 2012 PARECERES E DECISÕES 183