ESTUDO DOS FATORES QUE INFLUENCIAM A VAZÃO ATRAVÉS DE VAZAMENTOS EM REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA USANDO PLANEJAMENTO FATORIAL Dhiogo Okumoto Macedo 1* & Fábio Veríssimo Gonçalves 2 & Johannes Gerson Janzen 3 Resumo - Este estudo objetiva identificar os fatores significativos que influenciam a vazão através de vazamentos em redes de distribuição de água usando planejamento fatorial. Foram investigados a influência de três fatores (pressão, comprimento das fissuras do vazamento e diâmetro da tubulação) na vazão através de vazamentos. Os resultados mostram que somente o comprimento da fissura, a pressão e a interação entre a pressão e o comprimento de fissura influenciam significativamente a vazão através de vazamentos. Palavras-chave: Planejamento experimental, vazamentos hidráulicos, análise fatorial. SCREENING OF FACTORS INFLUENCING LEAKAGE FLOW RATE IN WATER DISTRIBUTION SYSTEMS USING FACTORIAL DESIGN Abstract - This study aimed to identify the significant factors that give large effects on the leakage flow rate in water distribution systems using fractional factorial design. Three factors (pressure, leakage length, and pipe diameter) affecting the leakage flow rate were investigated. The results show that only leakage length, pressure, and their second-order interaction influenced the leakage flow rate significantly. Keywords: Experimental design, hydraulic leaks, factor analysis. INTRODUÇÃO Vazamentos em redes de água são problemas frequentes na grande maioria dos sistemas de abastecimento do mundo, ocasionando elevado custo aos responsáveis pelo serviço além de indicar uma não conformidade com padrões e critérios de qualidade desse setor. No passado, a vazão através dos vazamentos era usualmente descrita através da equação do orifício: Q = C d A L 2gH (1) onde Q L = vazão de descarga, C d = coeficiente de descarga, A L = área do orifício (ou do vazamento) e H = carga de pressão. A Equação 1 foi comumente usada para fazer a gestão da pressão, isto é, distribuição de água. Um item de fundamental importância para a gestão da pressão é a alta sensibilidade da vazão através do vazamento à pressão no sistema de distribuição de água (Greyvenstein 2007; Walski et al. 2009; Cassa et al. 2010; Ferrante et al. 2012). No entanto, a Equação 1 não tem conseguido predizer satisfatoriamente a vazão através de vazamentos em sistemas reais de distribuição de água. Por essa razão, a Equação 1 tem sido frequentemente escrita de uma forma mais geral, tal como segue Q = ch N (2) 1 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia UFMS. Campus Campo Grande-MS; dhiogo.macedo@gmail.com. 2 Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campus Campo Grande-MS; fabio.goncalves@ufms.br. 3 Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campus Campo Grande-MS; johannesjanzen@gmail.com. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1
onde c é o coeficiente de vazamento e N é o expoente de vazamento. Os valores de c e N dependem de fatores tais como material da tubulação, o diâmetro da tubulação, o meio para o qual a vazão está sendo descarregada a vazão através do vazamento e a espessura da parede do tubo (Van Zyl e Clayton, 2007; Cassa & Van Zyl, 2014; Miranda et al., 2014). Diversos pesquisadores têm desenvolvido modelos incluindo os fatores considerados relevantes, para estabelecer uma formulação matemática para a vazão através dos vazamentos (Cassa & Van Zyl, 2014). Apesar dos esforços, o objeto de estudo tem-se mostrado arredio a quantificações definitivas. Por exemplo: Não há estudo mostrando a ordem de importância relativa dos fatores e a possível interação existente entre os fatores. Essa dificuldade está associada ao fato dos estudos não utilizarem um planejamento experimental baseado nas boas práticas da disciplina de estatística. Os estudos realizados têm usualmente utilizado a estratégia de variar um fator de cada vez. Nesta estratégia, fatores intervenientes, tais como pressão, material da tubulação, etc. são analisados através da mudança de um só fator; os demais fatores são mantidos constantes. Entretanto, uma investigação que inclua os efeitos principais dos fatores, juntamente com sua interação, é desejável para um melhor entendimento do assunto. O planejamento fatorial é a única estratégia que permite descobrir as interações entre os fatores e a importância relativa dos fatores. Diante disso, este estudo teve o objetivo de avaliar a influência dos fatores pressão, comprimento da fissura do vazamento e diâmetro da tubulação na vazão através do vazamento através da metodologia de planejamento fatorial. METODOLOGIA Para a realização do planejamento fatorial foram considerados dois estudos da literatura: Walski (2009) e Greyvenstein (2007). Esses estudos realizaram a análise dos seus experimentos sem aproveitarem as ferramentas teóricas do planeamento fatorial. Por essa razão, apesar de se estar usando dados de literatura, a análise dos dados é inédita. São apresentados a seguir os planejamentos para os dois estudos. Planejamento Fatorial para dados de Walski (2009) Foi utilizado um planejamento fatorial 2³ (três fatores e dois níveis). Três fatores a dois níveis dá um total de oito experimentos. Os três fatores foram a pressão (P Fator A), o comprimento da fissura do vazamento (L Fator B) e o diâmetro da tubulação (D Fator C). As Tabelas 1 a 3 representam as matrizes do planejamento experimental. Walski realizou experimentos para três diâmetros diferentes, isto é, 50, 100 e 150 mm. Entretanto, o intervalo de variação de pressão não foi o mesmo para os diferentes diâmetros. Dessa forma, foi necessário realizar três planejamentos fatoriais para os dados de Walski. Tabela 1 Planejamento 1. Fatores, níveis dos fatores e resposta para os diferentes tratamentos referente as tubulações de 50mm e 100mm de diâmetro (Walski, 2009). Combinações de tratamentos P (m.c.a.) L (mm) D (mm) Q (L/s) (1) 7 25 50 0,069 a 7 50 50 0,316 b 17,5 25 50 0,112 ab 17,5 50 50 0,589 c 7 25 100 0,126 bc 7 50 100 0,293 ac 17,5 25 100 0,191 abc 17,5 50 100 0,472 XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 2
Tabela 2 Planejamento 2. Fatores, níveis dos fatores e resposta para os diferentes tratamentos referente as tubulações de 100mm e 150mm de diâmetro (Walski, 2009). Combinações de tratamentos P (m.c.a.) L (mm) D (mm) Q (L/s) (1) 7 25 100 0,126 a 7 50 100 0,293 b 17,5 25 100 0,191 ab 17,5 50 100 0,472 c 7 25 150 0,110 bc 7 50 150 0,277 ac 17,5 25 150 0,208 abc 17,5 50 150 0,509 Tabela 3 Planejamento 3. Fatores, níveis dos fatores e resposta para os diferentes tratamentos referente as tubulações de 50mm e 150mm de diâmetro (Walski, 2009). Combinações de tratamentos P (m.c.a.) L (mm) D (mm) Q (L/s) (1) 7 25 50 0,069 a 7 50 50 0,316 b 17,5 25 50 0,112 ab 17,5 50 50 0,589 c 7 25 150 0,110 bc 7 50 150 0,277 ac 17,5 25 150 0,208 abc 17,5 50 150 0,509 Planejamento Fatorial para dados de Greyvenstein (2007) Foi utilizado um planejamento fatorial 2 2 (dois fatores e dois níveis). Dois fatores a dois níveis dá um total de quatro experimentos. Os dois fatores foram a pressão (P Fator A) e o comprimento da fissura do vazamento (L Fator B). As Tabela 4 e 5 representam as matrizes do planejamento experimental para duas formas de fissuras investigadas por Greyvenstein (2007): fissuras longitudinais (com comprimento de 86 mm e 100 mm) e circunferenciais (comprimento ou diâmetro de 90 mm e 270 mm). Tabela 4 Planejamento 4. Fatores, níveis dos fatores e resposta para os diferentes tratamentos referente às fissuras longitudinais estudadas por Greyvenstein, 2007). Combinações de tratamentos P (m.c.a.) L (mm) Q (L/s) (1) 11 86 0,961 a 20 86 2,152 b 11 100 2,715 ab 20 100 6,735 Tabela 5 Planejamento 5. Fatores, níveis dos fatores e resposta para os diferentes tratamentos referente às fissuras circulares estudadas por (Greyvenstein, 2007). Combinações de tratamentos P (m.c.a.) L (mm) Q (L/s) (1) 30 90 0,956 a 56 90 1,214 b 30 270 3,501 ab 56 270 4,624 XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 3
RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 apresenta os efeitos da variação dos fatores na resposta para os experimentos de Walski (2009). O aumento do comprimento de fissura aumenta a vazão. Mudar a pressão do nível baixo para o nível alto causa um aumento da vazão através do vazamento. Finalmente, o aumento do diâmetro da tubulação não influencia significativamente a vazão através dos vazamentos. A interação entre a pressão e o comprimento da fissura é a mais importante. Note que as linhas para pressão baixa e alta para diferentes comprimentos de fissura não são paralelas, indicando a interação dos fatores. Isso quer dizer que o efeito da pressão na vazão através dos vazamentos depende dos níveis do comprimento de fissura. Para pressões mais baixas, a influência do comprimento de fissura é menor; para pressões mais altas, a influência do comprimento de fissura é maior. As interações entre o comprimento da fissura e o diâmetro e entre a pressão e o diâmetro são menores. Finalmente, a interação entre pressão, comprimento da fissura e diâmetro é pequena. Figura 1 Efeitos principais (à esquerda) e interação entre os fatores (à direita) para os Planejamentos 1 (a), 2 (b) e 3 (c). XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 4
Figura 2 Efeitos principais (à esquerda) e interação (à direita) entre os fatores para os Planejamentos 4 (a) e 5 (b). O gráfico de Pareto fornece a importância relativa dos principais efeitos e sua interação (Figura 3). A linha vertical no gráfico indicada a magnitude do efeito estatisticamente significante para 95% de confiança. O comprimento de cada barra é proporcional ao valor estatístico calculado para cada efeito associado. Toda barra após a linha vertical é estatisticamente significante para o efeito selecionado. É possível observar que o comprimento de fissura é o único fator significante estatisticamente para os três planejamentos de Walski. No Planejamento 2, a pressão e a interação entre o comprimento da fissura e a pressão também foram significativas. Convém destacar que os três planejamentos possuem a mesma importância relativa para os três primeiros efeitos. A importância da pressão para a vazão através de vazamento já foi amplamente discutida e apresentada (ver, por exemplo, Greyvenstein & van Zyl, 2007; Walski et al., 2009; Cassa et al. 2010; Ferrante, 2012). Entretanto, a informação de que o comprimento da fissura e a interação entre o comprimento da fissura e a pressão são estatisticamente significantes é nova. O planejamento fatorial é a única forma de descobrir a informação da significância da interação entre o comprimento da fissura e a pressão. Os demais efeitos principais e interações entre fatores não são significativos. Os resultados de Greyvenstein (2007) concordam com os de Walski (2009) em relação a importância relativa dos efeitos. Entretanto, nenhum dos efeitos é estatisticamente significativo. XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 5
Figura 3 Gráfico de Pareto descrevendo os efeitos dos fatores e suas interações, referente aos Planejamentos (a) 1, (b) 2, (c) 3, (d) 4 e (e) 5. O intervalo de confiança é igual a 95%. CONCLUSÃO Foi realizado planejamento fatorial utilizando dados de literatura para investigar o efeito dos fatores pressão, diâmetro da tubulação e comprimento de fissura na vazão através de vazamentos encontrados em redes de distribuição de água. De acordo com os resultados obtidos: O comprimento da fissura exerce a maior influência na vazão através dos vazamentos; A pressão é o segundo efeito mais importante na vazão através dos vazamentos; A pressão interage com o comprimento de fissura. A influência do comprimento de fissura é menor para pressões baixas quando comparado a pressões altas; Os demais efeitos (diâmetro, interações entre pressão e diâmetro, comprimento de fissura e diâmetro, pressão, diâmetro e comprimento de fissura) não são estatisticamente significativos. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de pós-graduação do primeiro autor; também à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) (Chamada Pública MCT/FINEP CT-HIDRO 01/2010, instrumento contratual XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 6
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