Metabolismo das bases púricas e pirimídicas ruifonte@med.up.pt Laboratório de Bioquímica da Faculdade de Medicina do Porto 1
As bases púricas e pirimídicas são componentes do (1) DNA e RNA e de muitos outros importantes compostos como (2) ATP e GTP ( moedas de troca energética ), (3) Coenzima A, NAD +, NADP + e FAD (coenzimas e grupos prostéticos), (4) AMP cíclico e GMP cíclico (reguladores alostéricos de cínases de proteínas), (5) UDP-glicose, CDP-colina, GDP-manose (substratos de transférases), etc. 2
Os nucleotídeos contêm uma base púrica ou pirimídica ligada ao carbono anomérico da ribose (ou 2 -desoxiribose) e, pelo menos, um fosfato (em geral ligado no carbono 5 ). Por hidrólise da ligação fosfoéster formam-se os respetivos nucleosídeos. 5 -nucleotídase uridinaou ribonucleosídeo do uracilo UMP ou uridina-monofosfato ou uridilato 5 -nucleotídase 2 -desoxiadenosinaou 2 -desoxiribonucleosídeo da adenina 2 -damp ou desoxiadenosina-monofosfato ou desoxiadenilato 3
As bases púricas e pirimídicas são anéis heterocíclicos contendo átomos de azoto e carbono. As bases púricas podem ser entendidas como constituídas por um anel pirimidina (4C:2,4,5,6; 2N:1,3) ligado a um anel imidazol (3C:4,5,8; 2N:7,9). Os números dos átomos nas pirimidinas e nas purinas... 4
Os ácidos nucleicos da dieta (DNA e RNA) são hidrolisados por enzimas digestivas (nucléases pancreáticas e fosfátases intestinais) gerando em passos sucessivos polinucleotídeos, nucleotídeos e nucleosídeos. As esmagadora maioria das moléculas dos nucleosídeos que são absorvidos sofrem catabolismo mas...... é possível que uma pequena parte dessas moléculas possa ser salva e seja utilizada na síntese de nucleotídeos 5
Metabolismo das purinas 6
Nucleotídeos Nucleosídeos Bases púricas Inosinato ou IMP Inosina Hipoxantina 6-oxipurina ou Inosina monofosfato ou ribonucleosídeo da hipoxantina Xantinilato ou XMP Xantosina Xantina 2,6-dioxipurina ou Xantosina monofosfato ou ribonucleosídeo da xantina Guanilato ou Guanosina monofosfato ou GMP Guanosina ou ribonucleosídeo Guanina ou 2-amina- 6-oxipurina da guanina Adenilato ou AMP Adenosina Adenina ou 6-aminopurina ou Adenosina monofosfato ou ribonucleosídeo da adenina
As bases púricas derivam todas da hipoxantina (6-oxipurina). Por aminação do carbono 6 da hipoxantina forma-se a adenina (6-aminopurina). Por oxidação do carbono 2 da hipoxantina forma-se a xantina (2,6-dioxipurina) e por aminação do carbono 2 da xantina forma-se a guanina (2-amino-6-oxipurina). Os nomes dos nucleosídeos das bases púricas terminam em osina. A ligação (glicosídica de tipo N) envolve os carbonos 1 da ose e azoto 9 da base. Quando não se especifica o contrário subentende-se que o fosfato dos nucleotídeos está ligado (fosfoéster) no carbono 5 da ribose (ou da 2 - desoxiribose). Número sem linha: átomo da base. Como em 6-aminopurina. Número com linha: carbono da ribose ou desoxiribose. Como em 2 -desoxiadenilato. 8
Quando dizemos síntese de ATP queremos quase sempre referir a transformação ADP ATP (cerca de 100 moles/dia), mas o homem também sintetiza nucleotídeos púricos de novo a partir de intermediários anfibólicos (cerca de 3 mmol/dia). A síntese de novo dos nucleotídeos púricos Os passos limitantes da velocidade são os catalisados pela inicia-se com a síntese de ribose-5-p na via das pentoses-p e o primeiro nucleotídeo púrico formado é o IMP. (1) síntase do PRPP (2) amidotransférase do fosforibosilo...que são inibidas alostericamente por nucleotídeos. intermediários 5 -fosforibosilo
Para a síntese de novo das purinas contribuem aminoácidos (glicina, glutamina e aspartato) e unidades monocarbonadas do formil-h4-folato e do CO 2. O ATP intervém em várias reações e a sua hidrólise (a ADP + Pi) constituí o componente exergónico dessas reações. O primeiro nucleotídeo sintetizado é o IMP (inosina monofosfato) cuja base é a hipoxantina. É a partir do IMP que se forma o AMP e o GMP. A hipoxantina vai-se formando ( como uma árvore que cresce ) pela adição sucessiva de elementos à ribose-5-p ( a raiz da árvore ). A glicina contribui para a formação dos átomos 4, 5 e 7; a glutamina para os azotos 3 e 9; o CO 2 para o carbono 6; o aspartato para o azoto 1; e o N10-formil-tetrahidro-folato com os carbonos 2 e 8. 10
A síntese do AMP ocorre por aminação do carbono 6 da hipoxantina do IMP. O dador do grupo amina é o aspartato... que sai como fumarato. Oxidação do carbono 2 dependente do NAD + O dador do grupo amina é a glutamina... que sai como glutamato. A síntese do GMP ocorre via XMP: (1) a hipoxantina do IMP é primeiro oxidada no carbono 2 formando-se o XMP; (2) depois dá-se a aminação do mesmo carbono 2 formando-se o GMP 11
O GTP intervém como substrato na síntese do adenilosuccinato e, portanto, na síntese de AMP.... o ATP intervém como substrato na síntese do GMP. O AMP inibe a síntese de adenilosuccinato e, portanto, a sua própria síntese. O GMP inibe a síntese de XMP e, portanto, a sua própria síntese. 12
A síntese do ADP a partir do adenilato (AMP) é catalisada pela cínase de adenilato. A formação dos outros NDPs a partir de NMPs também é catalisada por cínases de nucleosídeos monofosfatos específicas. A diminuição do número de fosfatos dos nucleotídeos ocorre em reações (1) de fosfotransferência (cínases), (2) de hidrólise (fosfátases) ou A conversão dos diversos NDPs em NTPs é catalisada pela cínase de nucleosídeos difosfato (inespecífica). (3) no decurso da síntese e degradação dos ácidos nucleicos. 13
nucleotídeo O catabolismo dos nucleosídeos monofosfato implica a ação catalítica (1) de 5 -nucleotídases (NMP + H 2 O nucleosídeo + Pi) nucleosídeo (2) e de fosforílases de nucleosídeos (nucleosídeo + Pi ribose-1- P + base). A ribose-1-p isomeriza-se a ribose-5-p O anel púrico não sofre rotura URATO O anel pirimídico sofre rotura UREIA e β-aminoisobutirato 14
No catabolismo dos nucleotídeos púricos os grupos amina da guanina e da adenina são eliminados como ião amónio pela ação catalítica de desamínases. No caso G, a desaminação ocorre na guanina (guanase). No caso A, a desaminação ocorre no AMP ou na adenosina. O anel purina não sofre rotura e, via xantina, dá origem ao ácido úrico. 15
A enzima que catalisa as conversões hipoxantina xantina urato é mais frequentemente designada de oxídase da xantina mas é mais adequado designá-la como oxiredútase da xantina. In vivo coexistem duas formas da mesma enzima: uma que funciona como uma desidrogénase dependente do NAD + e uma oxídase. Hipoxantina NAD + O 2 Desidrogénase da xantina NADH Xantina H 2 O 2 Oxídase da xantina NAD + O 2 NADH H 2 O 2 Urato Oxiredútase da xantina 16
Em determinadas situações patológicas (quer por diminuição na excreção renal quer por aumento de formação) pode haver excesso de ácido úrico (ou do seu sal urato) no sangue (hiperuricemia). Devido à sua baixa solubilidade o urato pode depositar-se nos tecidos provocando inflamação (gota). O Alopurinol (análogo estrutural da hipoxantina e xantina) inibe a oxiredútase da xantina diminuindo a velocidade de formação de ácido úrico; a hipoxantina e a xantina sobem no sangue mas, normalmente, mantêm-se abaixo da concentração de saturação. 17
Vias de salvação de nucleosídeos e bases púricas Na maioria dos tecidos a actividade de síntese de novo de purinas é pouco activa mas, as vias de salvação de purinas são sempre importantes. Os nucleosídeos podem ser salvos por acção de cínases de nucleosídeos e as bases por acção de transférases de fosforibosilo. 18
O facto de as cínases dos nucleosídeos serem enzimas com um grau relativamente elevado de especificidade tem consequências na ação terapêutica de medicamentos. O aciclovir é um medicamento usado no tratamento do Herpes sendo um pró-fármaco que só se torna ativo nas células infetadas pelo vírus. ATP ADP Porque o 1º passo só ocorre em células infetadas pelo vírus só nestas células é que se forma aciclovir monofosfato. Cínase da timidina codificada pelo vírus O aciclovir-monofosfato é fosforilado a aciclovir-difosfato e este a aciclovirtrifosfato por cínases do hospedeiro. Cínases do hospedeiro O aciclovir trifosfato pode ser incorporado no DNA mas, porque não existe hidroxilo 3, a polimerização é interrompida. 19
hipoxantina ou guanina hipoxantina ou guanina No síndrome de Lesch-Nyhan há ausência da hipoxantinaguanina fosforibosiltransférase. Hipoxantina guanina fosforibosiltransférase hipoxantina ou guanina O síndrome de Lesch-Nyhan é muito raro (1/200000 nascimentos) mas as suas consequências mostram a importância desta enzima. A criança tem gota e alterações neurológicas nomeadamente comportamento auto-mutilante que obriga a medidas de proteção. 20
A 6-mercaptopurina é um pró-fármaco porque só tem ação depois de, no organismo, ser convertido no nucleotídeo correspondente. PRPP PPi Fosforibosiltransférase da hipoxantina e guanina ribonucleotídeo da 6-mercaptopurina PRPP glutamina glutamato + PPi Amidotransférase do 5-fosforibosilo 5 -fosforibosilamina É usado no cancro porque o ribonucleosídeo-monofosfato da 6-mercaptopurina inibe enzimas chave na síntese de novo das purinas. GDP +Pi Adenilosuccinato Aspartato + GTP Sintétase do adenilosuccinato IMP NAD + Desidrogénase do IMP NADH XMP O ribonucleotídeo da 6-mercaptopurina inibe a amido-transférase de fosforibosilo, a sintétase do adenilosuccinato e a desidrogénase do IMP. 21
A redução dos nucleotídeos a 2 -desoxinucleotídeos ocorre por ação da redútase dos ribonucleosídeos difosfato que só está ativa na fase S do ciclo celular. Os substratos podem ser ADP, GDP, CDP e UDP mas não o TDP. Os agentes redutores envolvidos podem ser duas proteínas na forma reduzida: a tioredoxina reduzida ou a glutaredoxina reduzida. A, G, C ou U NADP + Tioredoxina reduzida Glutaredoxina reduzida GSSG redútase dos ribonucleosídeos difosfato NADPH Redútase da tioredoxina Tioredoxina oxidada A, G, C ou U Glutaredoxina oxidada Redútase da glutaredoxina 2 GSH 2 -desoxinucleosídeo difosfato da Adenina, Guanina, Citosina ou Uracilo 22
Ribose-5-P PRPP ATP AMP PPi + 4 ADP + 4 Pi + 2 glutamato + 2 H4-folato + fumarato NAD + GDP+ Pi GTP XMP NADH Adenilosuccinato aspartato fumarato ATP glutamina AMP + PPi glutamato intermediários fosforibosilo IMP H 2 O NH 3 ADP H 2 O AMP H 2 O PPi GMP H 2 O 4 ATP + 2 glutamina + glicina + 2 N10- formil-h4-folato + CO 2 + aspartato + 2 H 2 O PPi inosina Pi Pi NH 3 ATP H 2 O adenosina Pi Pi Pi guanosina Pi PRPP Ribose-1-P Ribose-1-P Ribose-1-P NMP 2 -dndp ATP TioredoxinaH2 ou GlutaredoxinaH2 ADP NDP ATP Tioredoxina ou Glutaredoxina hipoxantina adenina PRPP guanina xantina H 2 O NH 3 ADP Ácido úrico NTP 23
Metabolismo das pirimidinas 24
Nucleotídeos Nucleosídeos Bases pirimídicas Uridilato ou uridina monofosfato ou UMP Uridina ou ribonucleosídeo uracilo 2,4- dioxipirimidina do uracilo Citidilato ou citidina monofosfato ou CMP Citidina ou ribonucleosídeo citosina 2-oxi-4- aminopirimidina da citosina Orotidilato ou orotidina monofosfato ou OMP Orotidina ou ribonucleosídeo orotato 2,4-dioxi-6- carboxipirimidina do orotato Timidilato ou timidina monofosfato ou TMP Timidina ou desoxiribonucleosídeo timina 2,4-dioxi-5-metilpirimidina da timina 25
As pirimidinas também podem ser sintetizadas de novo mas, neste caso, a incorporação da ribose-5-p na base só ocorre após a formação da primeira base pirimídica, o orotato (ou ácido orótico). Primeira base pirimídica Ribose-5-P Síntase do PRPP A formação do OMP (o primeiro nucleotídeo pirimídico) é a consequência da acção catalítica de uma transférase de fosforibosilo (transferência de ribose-5-p do PRPP para o orotato). Primeiro nucleotídeo pirimídico UDP 2 -dump CTP 2 -dcmp TMP 26
Todas as bases pirimídicas resultam da transformação do OMP (orotidina monofosfato ou orotidilato)....por descarboxilação no carbono 6 do resíduo orotato do OMP forma-se o UMP.... por aminação do carbono 4 do resíduo uracilo do UTP forma-se o CTP.... por metilação do carbono 5 do resíduo uracilo do 2 dump forma-se o TMP. 27
Na via da síntese das pirimidinas de novo os passos limitantes da velocidade são os catalisados pelas (1) sintétase de carbamilfosfato II (citosólica) (2) transcarbamílase do aspartato. O CO 2 (átomo 2), o azoto grupo do amida da glutamina (átomo 3) e o aspartato (átomos 1, 4, 5 e 6) contribuem para a formação do anel pirimídico. Por descarboxilação do OMP formase o UMP que por ação duma cínase gera o UDP. É a partir do UDP que se forma o UTP e o CTP... e o TMP.
É a partir do UDP que se forma o CTP... e o TMP. A síntese do CTP é catalisada pela sintétase do CTP. O dador do grupo amina é a amida da glutamina. 29
A síntese dos nucleotídeos da timina pode envolver (1) redução da ribose do UDP a 2 -desoxiribose (a redútase dos nucleosídeosdifosfatos é inespecífica relativamente à base) (2) a ação sequenciada de uma cínase e de uma fosfátase (que liberta PPi) que originam 2 dump e ATP ADP 2 dutp (3) metilação do 2 -dump a TMP pela síntase do timidilato. 30
A síntese dos nucleotídeos da timina pode envolver a conversão do 2 -dcmp em 2 dump pela desamínase do desoxi-citidilato. Síntase do timidilato Desamínase do desoxi-citidilato 31
A síntese do TMP implica a formação de dihidrofolato que, para funcionar como aceitador e dador de unidades monocarbonadas, é reduzido a tetrahidrofolato. Ciclo do dihidrofolato 32
Medicamentos que, como o metotrexato, inibem a ação da redútase do dihidrofolato dos mamíferos, impedem a síntese de DNA e são também usadas na terapêutica de neoplasias. 33
Ao contrário do que acontece no catabolismo das purinas, no catabolismo das pirimidinas há rotura do anel. O processo envolve uma etapa redutora dependente do NADH. Os produtos formados são o CO 2, o amoníaco (que acaba por dar origem a ureia) e β-aminoácidos que podem ser catabolisados ou excretados intactos. 34
A ação das cínases de nucleosídeos pirimídicos salvam nucleosídeos. A fosforibosiltransférase do uracilo pode salvar uracilo convertendo-o em UMP. CMP UMP TMP ADP PPi ADP ATP Fosforibosiltransférase do uracilo ATP PRPP 35
CO 2 + glutamina + 2 ATP Ribose-5-P 2 ADP + Pi + glutamato Carbamil-P ATP AMP glutamina glutamato CTP ADP aspartato Pi QH2 +H 2 O PRPP PPi CO 2 UTP ATP Carbamil-aspartato nucleosídeos ATP ADP 2 -dcdp e 2 -dudp NMP TioredoxinaH2 ou GlutaredoxinaH2 Pi ATP Q Ribose-1-P Pi H 2 O Pi citosina ADP timina NDP H 2 O Tioredoxina ou Glutaredoxina Ácido orótico ATP uracilo Pi ADP NTP PRPP β-aminoisobutirato H 2 O OMP PPi CO 2 UREIA TMP UMP + NH 3 H2-folato NADPH UDP NADPH 2 -dcmp NADP + H 2 O 2 -dudp NH 3 2 -dump N5,N10-metileno-H4-folato glicina serina H4-folato NADP + 36
Bibliografia aconselhada: Murray, R. K., Granner, D. K., Mayes, P. A. & Rodwell, V. W. (2012) Harper's Illustrated Biochemistry, 29th edn, Lange, New York. Nelson, D. L. & Cox, M. M. (2013) Lehninger Principles of Biochemistry, sixth edition edn, W. H. Freeman and Company, New York. Voet, D. & Voet, J. G. (2004) Biochemistry, 3rd edn, John Wiley and Sons, Inc., New Jersey. 37