O QUADRO JURÍDICO SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM ANGOLA.



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Transcrição:

O QUADRO JURÍDICO SOBRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM ANGOLA. I. Preâmbulo Fui convidada (e eu aceitei com muito prazer) para fazer parte deste Seminário Internacional de Direitos Humanos, que tem como lema: a Violência Doméstica. De nossa parte, nos foi proposto fazer uma comunicação sob o tema O Quadro Jurídico sobre a Violência Doméstica em Angola. É, sobre esta questão que, neste primeiro painel vamos conversar. II. ENQUADRAMENTO LEGAL DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Por defeito, já que tenho dedicado anos de trabalho à área do Direito Penal, eu começaria por dizer que, um dos Princípios estruturantes do Direito Penal é o Princípio da Necessidade, entre nós, Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, conhecido com a designação Princípio da Intervenção Mínima. Segundo este Princípio, e creio que muitos dos presentes, aqueles que já estudaram Direito Penal, estarão recordados, dizia segundo este princípio, o Direito Penal só deve querer aplicar-se quando por um lado, for necessário e, por outro, eficaz. 1

Isto significa que, sempre que houver outras áreas mesmo de natureza meramente social, estas devem ser as primeiras a intervir para resolver as questões que se levantem nas relações que as pessoas estabeleçam no seu dia a dia. A eficácia, por seu turno, é também importante, porque a aplicação de sanções deve ter como finalidade por um lado a prevenção geral, ou seja, levar a que a generalidade das pessoas não se comporte da mesma maneira que os denominados delinquentes, infractores, ou criminosos e, por outro a prevenção especial cuja finalidade é a reinserção, ou seja o regresso da pessoa condenada, ao convívio da sua família, amigos, etc. O princípio da necessidade tem haver com o facto de que, o Direito Penal se por um lado serve para proteger os direitos fundamentais das pessoas, como a vida a integridade física, a honra, a dignidade, o bom nome, a propriedade, etc, também, por outro, acaba por ofender esses mesmos direitos, uma vez que as suas sanções são de tal modo gravosas, que, em alguns pontos do mundo, chegam a atingir o bem e direito fundamental mais preciso e indispensável à existência da própria sociedade, a vida; é só lembramo-nos da existência da pena de morte. Faço esta introdução para dizer que sendo a necessidade e por via dela a eficácia, princípios reitores e estruturantes do Direito Penal, é legítimo perguntar se, a questão violência doméstica não estará dentre aquelas, cuja intervenção do direito penal é ineficaz. Já que sabemos que o direito penal é um direito de última ratio. O princípio da necessidade é um princípio dirigido ao Legislador, porque é ele o titular do jus puniendi do direito de punir. Estão lembrados da alínea e) do artigo 161º da Constituição da República de Angola. Constitui hoje, no nosso ordenamento jurídico, reserva de competência absoluta da Assembleia Nacional. Na Lei Constitucional de 1992, era reserva de competência relativa. O que quer dizer que o Governo, por via do instituto da autorização legislativa, poderia ser autorizado a qualificar comportamentos como crime, e estabelecer as respectivas penas e medidas de segurança. Agora, essa competência cabe única e exclusivamente, à Assembleia Nacional. Ora, se a Assembleia Nacional legislou sobre o assunto, eventualmente, terá sido, porque os factos sociais que foram tendo lugar no nosso País, mostraram que o caminho para pelo menos se verem minimizadas as situações de Violência doméstica, deveria ser com a intervenção do Direito Penal. Por isso temos a Lei n.º 25/11, de 14 de 2

Julho 1. Ela surge para prevenir e punir os actos de violência doméstica contra pessoas indefesas e debilitadas física, psicológica e emocionalmente ou para proteger, de uma forma geral, a sociedade de factos de violência contra a mulher, o homem, as crianças, os idosos e adolescentes, estes considerados sujeitos vulneráveis à agressão, conforme se lê nas razões de motivo desta lei contra a violência doméstica. Aplica-se aos factos ocorridos no seio familiar ou outro, que por razões de proximidade, afecto relações naturais e de educação, o que geralmente acontece nos infantários, nos asilos para idosos, nos hospitais, nas escolas, nos internatos, femininos ou masculinos, nos espaços equiparados de relevante interesse comunitário ou social (cfr. o artigo 2.º da Lei n.º 25/11). A Lei também opera, como não podia deixar de ser, com um conceito de violência doméstica. Para esse efeito, violência doméstica é toda a acção ou omissão que cause lesão ou deformação física e dano psicológico, temporário ou permanente, que atente contra a pessoa humana no âmbito quer das relações familiar, e outros grupos ou outros ambientes previstos no artigo 2.º da lei em análise. (Para mim uma formulação um tanto deficiente, talvez resultante da redacção). III. TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E SUA CARACTERIZAÇÃO A fim de que as pessoas saibam como prevenir e/ou punir em caso de agressão ou omissão, a Lei apresenta tipos que configuram violência. Assim, refere-se: a) violência sexual (definida como qualquer conduta que obrigue a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual por meio de violência, coacção, ameaça ou colocação da pessoa e, situação de inconsciência ou de impossibilidade de resistir [cfr. a alínea a) do artigo 3.º]. b) violência patrimonial. Pressupõe uma acção que configure a retenção, a subtracção, a destruição parcial ou total dos objectos, documentos, instrumentos de trabalho, bens móveis ou imóveis, valores e direitos da vítima 2 [conferiri a alínea b)]. c) violência psicológica, que consiste em qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição de auto-estima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento psico-social da pessoa humana [cfr. a alínea c)]. 1 Publicada no Diário da República, N.º 133. De 14 de Julho de 2011. 2 A expressão vítima está a ser empregue num sentido amplo, para significar toda a pessoa que sofre dano ou prejuízo resultante da actuação de outrem 3

d) violência verbal, que pode ser definida como toda a cção que envolva a utilidade de impropérios, acompanhados ou não de gestos ofensivos, que tenha como finalidade humilhar e desconsiderar a vítima, configurando calúnia, difamção ou injúria. [cfr. a alínea d)]. e) violência física, que é toda a conduta que ofenda a intengridade ou a saúde corporal da pessoa, [cfr. a alínea e)]. f) E, finalmente, o abandono familiar. Definido como desrespeito, de forma grave e reiterada, à prestação de assistência aos filhos ou outras pessoas a que, por lei se esteja obrigado. A lei trata a questão como, crime semi-público 3. Depende de queixa do ofendido, ou seja, para que possa haver o exercício da acção penal, pelo Ministério Público, para que o Procurador da República possa acusar, é necessário que o ofendido apresente queixa. Este é, um problema de legitimidade que interessaria tratar. Porém, o tempo de que dispomos não nos permite. Cuidaremos apenas de dar alguns esclarecimento, para melhor compreensão. Ora, o legislador, alargou essa legitimidade e permitiu que, mesmo nos casos em que o ofendido não apresenta qualquer pessoa que tenha conhecimento do facto criminoso pode apresentar. Precisamente por causa do tipo de relação que envolve as partes e o local onde a violência ocorre. (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º da Lei n.º 25/11). Também por essa mesma razão, as vítimas têm o poder de desistir da queixa, do processo. A natureza semi-pública permite ainda que, os conflitos resultantes dos actos de violência doméstica possam ser dirimidos administrativamente pelos órgãos públicos ou privados vocacionados para o efeito; embora as vítimas tenham direito a pedir uma indeminização (cfr. o n.º 1 e o 3 do artigo 18.º). É ainda permitido a quem seja chamado para intermediar uma questão de violência doméstica, apoiar-se em técnicas de negociação que privilegiem a reconciliação. IV. OUTROS FACTOS QUE CONSTITUEM CRIME (SEMI- PÚBLICO) DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 3 Um dos elementos típicos da caracterização dos crimes semi-públicos é a admissibilidade da desitência da queixa, como nos confirma o n.º 3 do artigo 24.º Lei n.º 25/11. 4

Não obstante a caracterização das condutas que configuram violência doméstica definidos no artigo 3.º como de natureza semi-público, a lei define no artigo 25.º outros tipos de conduta que constituem crime como de natureza pública. São nomeadamente: a ofensa à integridade física ou psicológica grave e irresistível [cfr. a alínea a]; a falta reiterada de prestação alimentos à criança e de assistência devida à mulher grávida [a alínea b)]; o abuso sexual a menores de idade ou idosos sob tutela ou guarda e incapazes [a alínea c)]; a apropriação indevida de bens da herança que pelo seu valor pecuniário atente contra a dignidade social dos herdeiros [cfr. a alínea d)]; a sonegação, alienação ou oneração de bens patrimoniais da família, tendo em conta o seu valor pecuniário [cfr. a alínea e)] e finalmente, a prática de casamento tradicional com menores de catorze anos de idade ou incapazes [cfr. a alínea f)]. Do facto da natureza pública, permite a denúncia, uma vez mais, por qualquer pessoa, para que se dê início ao procedimento criminal e, o que é mais importante, não admite a desistência por parte da vítima.( o que do meu ponto de vista levanta questões de eficácia com relação à não prestação de alimentos e ao casamento tradicional com menor de 14 anos). V. COMO PROCEDER EM CASO DE SER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA? A Lei também prevê os procedimentos que a vítima deve tomar em caso de violência doméstica. Desde logo, pedir ajuda hospitar (em caso de agessão física, por exemplo) ou de um psicólogo (em caso de violência psicológica, por exemplo) e, se pretende que o agressor seja punido deve, em simultâneo, apresentar queixa contra o agressor junto da unidade de polícia mais próxima. Os eventuais apoios (médicos, psicológicos, social ou jurídico às vítimas de violência doméstica são gratuitos pelo menos até ao momento em que cesse o estatuto de vítima. Apresentada a queixa ou feita a denúncia, caso haja receio de ameaça ou actos de vingança, ou na eventualidade de se recear pela perturbação da privacidade da vítima, pode ainda o Ministério Público ou o juiz aplicar medidas de protecção, como por exemplo proibir o contacto entre a vítima e o agente [cfr. alínea b) do artigo 12.º]; proibir ou restringir a presença do agente do crime no domícilio ou residência em lugares de trabalho, de estudos e outros regularmente frequentados pela vítima [cfr. a alínea d) do artigo 12.º]; determinar o regresso à residência a quem dela haja saído por 5

razões de segurança pessoal, apenas na presença da autoridade competente [cfr. a alínea g) do artigo 12.º]. Com efeito, caso se apure a veracidade 4 da agressão, o agressor pode ver a privada a sua liberdade. Neste caso distinguem-se duas situações: a primeira situação, a de privação da liberdade em flagrante delito, a segunda, a de privação da liberdade que pode ocorrer fora do flagrante delito. Assim, à luz do artigo 22.º da Lei n.º 25/11, se o agente do crime de violência doméstica for detido em flagrante delito, permanece nesta situação até que seja presente ao magistrado competente para o interrogatório ou a juízo, para a audiência de julgamento sumário. E fora do flagrante delito, a detenção do agente do crime de violência doméstica só pode ser efectuada (por mandado do Ministério Público) em duas situações: a) nos casos em que haja perigo de continuação da actividade criminosa; ou b) nos casos em que a detenção do agente do crime se mostre imprescindível à segurança da vítima, nos termos em que a lei o prevê (cfr. o artigo 23.º). IV. SOBRE AS CONSEQUÊNCIAS OU SANÇÃO DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA De acordo com o n.º 2 do artigo 25.º; a ofensa à integridade física, ou psicológica de outrem, conforme a alínea a) deste artigo 25.º, o abuso sexual de menores de idade, idoso sob tutela ou guarda e incapazes, conforme a alínea c) deste mesmo artigo, a pena é de 2 a 8 anos de prisão podendo haver lugar a pena mais grave. Já nos casos em que o agente não presta, reiteradamente os alimentos aos filhos e à mulher grávida, à luz do n.º 3 do artigo 25.º,[alínea b)]; se apropria, de forma indevida de bens da herança que pelo seu valor atente contra a dignidade social dos herdeiros [alínea d)]; sonega, aliena ou onera os bens patrimoniais da família [alínea e)] ou pratica casamento tradicional com menores de catorze anos ou incapazes, a pena é de prisão até 2 anos, ou seja, nos termos do actual CP, de 3 dias a 2 anos. Pode haver lugar a outra pena. 4 Porque a lei determina que depois de recebida a aqueixa ou a denúncia, as autoridades competentes devem averiguar a sua veracidade, para efeitos de procedimento criminal (procedimento este que apenas começa com a queixa do lesado ou por quem tenha legitimidade para o fazer ou denúncia feita por qualquer pessoa ou autoridade que tenha conhecimento do facto (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º de Lei n.º 25/11). 6

V. O TRATAMENTO SOCIAL DO AGENTE DO CRIME. Nos termos do n.º 1 do artigo 22.º da Constituição da República de Angola, todas as pessoas são iguais perante a Constituição e a lei. Em consequência disso, ninguém pode ser discriminado em razão da sua condição social (cfr. o n.º 2 do artigo 22.º da CRA). E nos termos do artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Queremos com isso dizer que o agente do crime de violência doméstica é antes de tudo uma pessoa com dignidade. E, embora esteja, no momento em que pratica o facto criminoso, adquira estatuto de agressor ou violador da lei, ainda assim, o Estado criar condições necessárias para o seu apoio psicológico e psiquiátrico (cfr. o n.º 1 do artigo 20.º): elaborando por exemplo, e implementado programas de recuperação do agente do crime de violência doméstica (cfr. o n.º 2 do artigo 20.º). CONCLUSÕES Como se pode concluir a partir da exposição que foi feita e, admitindo que a violência doméstica constitui um flagelo social que contribui para a desestruturação e instabilidade emocional das famílias e em consequência, da sociedade (preâmbulo da Lei n.º 25/11), pode-se dizer que a Lei Contra a Violência Doméstica é um instrumento legal que surge no ordenamento angolano para garantir uma protecção redobrada e especial contra indefesos e debilitados, física, psicológica e emocionalmente. E faz sentido que assim se entenda, porque a Constituição da República de Angola, enquanto lei fundamental é o primeiro instrumento jurídico-constitucional que determina (no n.º 1 do artigo 35.º) que a família é o núcleo fundamental da sociedade; que a criança constitui absoluta prioridade da família e da sociedade (n.º 6 do mesmo artigo 35.º); garante o direito à liberdade física e à segurança pessoal, nomeadamente, o direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência, quer por entidades públicas ou privadas [alínea a) do artigo 36.º da CRA], o direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana, ou degradante; [alínea b) do artigo 36.º da CRA]; o direito de usufruir plenamente da sua integridade física e psíquica [alínea c) do 7

artigo 36.º da CRA]; o direito ao controlo à segurança e ao controlo sobre o seu próprio corpo [alínea d) do artigo 36.º da CRA]. Por outro lado, existe também a legislação penal que, de forma mais abrangente estabelece o regime jurídico de protecção, de prevenção, de assistência e de combate e/ou punição das pessoas que praticam factos considerados criminosos. Com efeito, esta lei contra a violência doméstica ao definir a ofensa à integridade física ou psicológica; a falta de prestação de alimentos à criança e de assistência à mulher grávida; o abuso sexual a menores de idade ou idosos sob tutela ou guarda ou ainda os incapazes; a apropriação indevida de bens ou da herança que pelo seu valor pecuniário atente contra a dignidade social dos herdeiros; a sonegação, a alienação ou oneração de bens patrimoniais da família e a prática de casamento tradicional ou não com menores de catorze anos ou incapazes, como crime de natureza pública, acaba por criar uma novidade à lei, já que, o regime jurídico anteriormente estabelecido para combater e punir os seus infractores não caminha nesta linha. Assim, para melhor funcionamento do sistema jurídico-penal, julgamos ser necessário, no quadro da reforma penal enquadrar os tipos de crime previstos na Lei n.º 25/11, de 14 de Julho, no Código Penal, conferindo com isso, a unidade sistemática, com vista a afastar qualquer dispersão legislativa e contrariedade entre os diversos diplomas penais. Por outro lado, no processo de enquadramento, julgamos dever-se ter em conta a experiência na aplicação desta lei enquanto instrumento que conferiu tutela especial ao flagelo social da violência, o repensar nas categorias de sanções. Pois muitas delas na sua aplicação, perturbam e agravam o direito que se pretende acautelar, como é o caso por exemplo, da tipificação da falta de prestação de alimentos à criança e assistência à mulher grávida, prevista na alínea b) do artigo 25.º da Lei Contra a Violência Doméstica. Finalmente, julgamos ainda ser importante dotar as normas penais relativas à violência doméstica (porque interferem com a tutela da dignidade da pessoa humana) de características que garantam a igualdade entre todos os cidadãos sem distinção de género, porém sem descurar o devido reconhecimento à vulnerabilidade a que determinados grupos, pela sua natureza, sujeitos, nomeadamente crianças, idosos e mulheres, etc. 8

Ao terminar, gostaríamos apenas de recordar aos participantes a este Seminário Internacional de Direitos Humanos e todos que eventualmente nos poderão acompanhar através destes escritos, que a violência doméstica constitui uma forma de violação dos direitos humanos e por isso mesmo constitui crime. Muito obrigada pela vossa atenção e esperamos ter contribuído para o esclarecimento do Quadro Jurídico sobre a Violência Doméstica em Angola. Em Luanda aos 26 de Fevereiro de 2015 Luzia Bebiana de Almeida Sebastião Juiz Conselheira, Presidente da 1.ª Câmara do Tribunal Constitucional. 9