1 ESTUDO POR DIFRAÇÃO DE RAIOS - X DAS FASES CRISTALINAS FORMADAS DURANTE O AQUECIMENTO ATÉ 1250ºC DOS ARGILOMINERAIS COMPONENTES DE TAGUÁS DA REGIÃO DE JARINÚ, JUNDIAÍ, SP. S. Cosin*, A.C. Vieira Coelho ***, H. de Souza Santos **, P. de Souza Santos *** * Consultora; Jundiaí, São Paulo, E-mail - s.cosin@zaz.com.br **Laboratório de Microscopia Eletrônica Departamento de Física Geral Instituto de Física da USP Caixa Postal 66.318; CEP: 05315-970 São Paulo, SP. *** Laboratório de Matérias-Primas Particuladas e Sólidos Não-Metálicos LMPsol Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais; Escola Politécnica da USP; Caixa Postal 61.548; São Paulo, SP. RESUMO O objetivo do presente trabalho é apresentar a caracterização por DRX das fases cristalinas formadas durante o aquecimento entre 300C e 1250ºC de uma mistura industrial das cinco camadas do taguá de Jarinu com o taguá Samarone utilizadas como matéria-prima para a fabricação de pisos cerâmicos e outros produtos de Cerâmica Vermelha. Os argilominerais componentes da mistura sofrem transformações térmicas independentes entre si até cerca de 800ºC. A partir de 900ºC, essas fases interagem entre si formando novas fases cristalinas contribuindo à fase vítrea. No intervalo 800ºC/900ºC ocorrem mudanças estruturais muito grandes com formação de teor significativo de fase vítrea. Após queima a 1000ºC, as seguintes fases cristalinas foram observadas: mulita 3:2; clinoenstatita e quartzo. Após queima a 1100ºC: mulita 3:2; forsterita; quartzo e hematita. Após 1200ºC/1250ºC: mulita, forsterita, espinélio ferrífero, quartzo e hematita. Queimando até 1250ºC, não foi observada a formação de cristobalita, apesar da presença de ferro-iii. Palavras chave: Taguás; fases cristalinas; queima de taguás; Cerâmica Vermelha
2 INTRODUÇÃO Corpos cerâmicos utilizados na fabricação de produtos da Cerâmica Tradicional freqüentemente contém uma ou mais argilas; é o que ocorre, por exemplo, em Cerâmica Branca ou em Cerâmica Vermelha. Embora haja argilas, como o caulim, constituídas apenas por um argilomineral, existem muitas argilas usadas em Cerâmica Vermelha que são misturas de diferentes argilominerais: os casos das 5 camadas do taguá de Jarinu e o taguá Samarone são exemplos desse tipo de argilas. Nesse caso geralmente a argila é constituída por uma mistura íntima de cristais individuais dos diversos argilominerais com os minerais acessórios. Durante a queima de produtos de Cerâmica Vermelha até a temperatura do patamar de queima característico de cada tipo de produto ou de peça, os cristais individuais de cada argilomineral e de cada mineral acessório sofrem, cada um de persi, transformações físicas e químicas em função da temperatura crescente. Contudo, dependendo dos argilominerais e dos minerais acessórios, a partir de temperaturas da ordem de 600ºC, alguns dos produtos dessas transformações podem começar a reagir quimicamente com os outros componentes presentes, formando novas fases, cristalinas, amorfas ou não-cristalinas e vítreas, até a temperatura do patamar de queima. O objetivo do presente trabalho é o de apresentar a caracterização por DRX das fases cristalinas formadas durante o aquecimento até 1250ºC de uma mistura industrial das cinco camadas do taguá de Jarinu com o taguá Samarone estudadas e utilizada como matéria prima para a fabricação de pisos cerâmicos e outros produtos de Cerâmica Vermelha. MATERIAIS E MÉTODOS AMOSTRA: Neste estudo foi utilizada uma alíquota de uma mistura industrial usada como matéria prima para a produção de pisos cerâmicos. A mistura continha, em base seca à temperatura ambiente, de cada uma, 6 toneladas das camadas Rosa, 1ª e 4ª; 18 toneladas cada uma das 2ª e 3ª camadas e do taguá Samarone. Às 54 toneladas da mistura foi adicionado 0,5% de talco de Ponta Grossa, PR. À mistura foi homogeneizada, britada e moída em moinhos de bolas para sua utilização na produção
3 industrial. Alíquota de 2 quilos foi retirada, moída a seco e totalmente passada em peneira ABNT n.º 100 para os ensaios de queima. A composição química elementar, expressa em percentual de óxidos, apresenta oito óxidos, sendo as maiores proporções de SiO 2, Al 2 O 3, Fe 2 O 3 e K 2 O, e as menores CaO, MgO, TiO 2 e Na 2 O. Obviamente, esse numero é muito grande para ser comparado com os dados tabelados de equilíbrio de fases cerâmicas. QUEIMA : A mistura moída e peneirada, tendo a umidade de 6,0% foi conformada em corpos de prova de 5,0 x 2,0 x 0,4 a 0,5 cm³, sobre pressão estática de 200 kgf/cm 2 (20MPa). Após secagem a 110ºC, foram queimados em temperaturas crescentes, em atmosfera oxidante, em forno elétrico de laboratório, com resfriamento natural; o tempo de queima (tempo de residência) no patamar de queima foi de 4 horas. O corpo de prova foi moído em almofariz de ágata até passar totalmente em peneira ABNT n.º 100; o pó foi guardado em recipiente de polietileno para caracterização por difração de raios X. A mistura original e amostras queimadas entre 300ºC e 1250ºC foram examinadas em um equipamento Philips modelo X-Ray Diffractometer X Pert MPD, operando com radiação K- alfa do cobre, entre 1º (2 θ) e 90º (2 θ). A caracterização das fases cristalinas foi feita pelo programa PDF WIN do equipamento, considerando os elementos Si, Al, Fe, Mg, Ca, K, Na. RESULTADOS E DISCUSSÃO FASES CRISTALINAS FORMADAS NA QUEIMA DAS MISTURAS DAS CAMADAS DO TAGUÁ DE JARINU E DO TAGUÁ SAMARONE 100ºC E 200ºC : Nessas duas temperaturas existe apenas transformação física de secagem devida à vaporização da água de umidade e intercalada na ilita e na nontronita; não há alteração nas curvas de DRX que indiquem mudança de estruturas cristalinas. 300ºC : Observa-se que a reflexão basal de 14,5 Å da nontronita desaparece; esse fato é devido à contração das camadas basais para cerca de 9,5 Å, o que faz essa reflexão se incorporar à reflexão basal da ilita. Assim, após queima a essa temperatura
4 apenas as reflexões da caulinita, ilita, talco, quartzo, goetita e hematita são caracterizadas. A mesma observação se repete após queima a 400ºC. 500ºC : Nessa temperatura, não mais se observa as reflexões da caulinita na curva de DRX; formou-se metacaulinita não caracterizável em uma curva de DRX de um pó. As reflexões da goetita desapareceram e apareceram apenas as reflexões da hematita, parte dela proveniente da desidroxilação; essa goetita decompõe-se acima da temperatura usual apresentadas na estrutura. Portanto, após queima a 500ºC, as fases existentes são metacaulinita; ilita; nontronita; talco; quartzo e hematita. Após 600ºC; 700ºC e 800ºC, não se observa alterações nas curvas de DRX; muito embora acima de 600ºC tenha havido a desidroxilação da nontronita e da ilita. Após queima a 900ºC, alterações importantes aparecem na curva de DRX: enquanto as reflexões do quartzo e do talco permanecem, desaparecem a reflexão basal da ilita e as da hematita, e apareceram as reflexões dos silicatos cristalinos em silimanita (Al 2 O 3. SiO 2 ) e forsterita ou olivina (2MgO.SiO 2 ); além disso desenvolveu-se uma banda intensa na faixa de 20º (2θ) e 40º (2θ) característica de material amorfo ou não cristalino. Esses fatos podem ser interpretados como, na faixa de 800ºC 900ºC, a metacaulinita e os anidridos da nontronita e da ilita se decompuseram, ambos formando silicatos cristalinos e gerando uma fase vítrea com os cátions trocáveis da nontronita e outros cátions formadores de vidro que estavam disponíveis no sistema. Grim e Bradley assinalaram as excelentes propriedades como solventes de óxidos metálicos, especialmente ferro, desses vidros liqüefeitos a partir de 900ºC. Segundo esses autores, toda a sílica livre, mesmo na forma de quartzo, em presença desse vidro cristaliza em cristobalita: entretanto, não foi observada a reflexão 4,04Å característica de cristobalita. Portanto, após a queima a 900ºC, as fases cristalinas caracterizadas por DRX são: silimanita, forsterita e quartzo e uma fase vítrea contendo Si; O; Al; Fe; Mg; Ca; K e Na. Curiosamente, a curva de DRX da mistura após queima a 1000ºC apresenta componentes cristalinos diferentes daqueles de 900ºC: apenas as reflexões do quartzo permaneceram; a reflexão basal do talco desapareceu e apareceram as de clinoenstatita; silimanita e forsterita desapareceram e apareceram as reflexões de mulita 3:2; a intensidade relativa da fase vítrea aumentou, isto é, o teor da fase vítrea
5 aumentou na mistura queimada a 1000ºC. É interessante assinalar as diferenças entre as estruturas da mistura queimada a 800ºC, 900ºC e 1000ºC, porque um grande número de produtos de Cerâmica Vermelha são queimados nessa faixa de temperatura. A mistura queimada a 1100ºC, apresenta intensa banda da fase vítrea e os constituintes cristalinos são: mulita, de novo forsterita, quartzo e hematita, cristalizados provavelmente da fase vítrea. Após queima a 1150ºC, temperatura usual de queima de pisos cerâmicos tendo taguás como matérias primas, as mesmas fases que a 1100ºC são caracterizadas na curva de DRX. Após queima a 1200ºC, mulita, forsterita, quartzo e hematita são caracterizados, bem como uma maior região de fase vítrea; nova fase cristalina é caracterizada: espinélio ferrífero [Mg 2 (Al,Fe)O 4 ], cristalizado provavelmente da fase vítrea. É interessante assinalar que Grim e Bradley observaram a cristalização desse espinélio ferrífero a partir de 850ºC na decomposição térmica de anidridos de esmectitas ricas em ferro como a nontronita: somente a 1200ºC é que foi observada a formação desse espinélio na mistura de taguás contendo nontronita e teores da ordem de 10% de Fe 2 O3. Após queima a 1250ºC há superqueima da mistura ; as fases cristalinas continuam as mesmas; até essa temperatura não foi caracterizada a formação de cristobalita. VARIAÇÃO DOS CARACTERÍSTICOS CERÂMICOS ENTRE 800ºC E 900ºC Como foi observado, entre 800ºC e 900ºC é formado um teor significativo de fase vítrea, líquida e viscosa nessa faixa e que se solidifica no resfriamento até a temperatura ambiente. Essa fase vítrea sólida forma uma matriz contínua, porém porosa, que aumenta significativamente os característicos cerâmicos dos corpos de prova após queima. A Figura 1 mostra a curva de dilatação térmica do corpo de prova da mistura, onde pode ser observada a contração volumétrica que ocorre no intervalo 800ºC-900ºC devido à coalescência das gotas líquidas da fase vítrea. Em conseqüência, a retração linear após queima, que é de 0,25% a 800ºC, passa a 1,25% a 900ºC; a densidade aparente passa de 1,89 g/cm 3 a 800ºC para 1,98 g/cm 3 a 900ºC. Mais significativa ainda é o aumento da Tensão de Ruptura à Flexão: passa de 1,2 MPa
6 a 800ºC para 17,2 MPa a 900ºC. Essa fase vítrea passa a funcionar como um ligante cerâmico de cor vermelha Figura 1 Curva de dilatação térmica da mistura de taguás CONCLUSÕES A caracterização por meio da difração de raios X das fases cristalinas formadas na queima entre 300ºC e 1250ºC de mistura das camadas do Taguá de Jarinú e do Taguá Samarone, Jundiaí, Est. de São Paulo, permite as seguintes conclusões: (a) Os argilominerais componentes da mistura sofrem transformações térmicas independentes entre si até cerca de 800ºC. (b) A partir de 900ºC, as fases cristalinas e não cristalinas, sólidas ou líquidas, formadas pela transformação dos argilominerais interagem entre si formando novas fases cristalinas contribuindo à fase vítrea. (c) No intervalo 800ºC/900ºC ocorrem mudanças estruturais muito grandes que já levam à formação de um teor significativo de fase vítrea; essa fase vítrea, ao provocar a contração volumétrica do sistema ao se formar na forma líquida preenche vazios e começa a fechar poros abertos e fechados, de outro lado, ao
7 se solidificar na volta à temperatura ambiente, aumenta significativamente a resistência mecânica do material queimado. (d) A fase vítrea, não cristalina, dissolve muito ferro III do sistema, aumentando a fluorescência da base da curva de DRX; assim essa elevação da curva, de forma comparativa, pode ser usada como índice do teor de fase vítrea. (e) Após queima a 1000ºC, as seguintes fases cristalinas foram observadas: mulita 3:2; clinoenstatita e quartzo. Há também uma fase vítrea não-cristalina que incorporou as fases não-cristalinas formadas a 800ºC e 900ºC. (f) Após queima a 1100ºC, as seguintes fases cristalinas foram observadas: mulita 3:2; forsterita; quartzo e hematita. (g) Após queima a 1200ºC/1250ºC, as seguintes fases cristalinas foram caracterizadas por DRX: mulita, forsterita, espinélio ferrífero, quartzo e hematita. (h) Queimando até 1250ºC, não foi observada a formação de cristobalita, apesar da presença de ferro-iii. Agradecimentos: Esta pesquisa é parte do Projeto Temático FAPESP 1995/0544-0 STUDY BY X-RAY DIFFRACTION OF THE CRYSTALLINE PHASES FORMED DURING THE HEATING UNTIL 1250ºC OF THE COMPONENT ARGILOMINERAlS FROM TAGUÁS OF THE JARINÚ REGION, JUNDIAÍ, SP:. ABSTRACT The objective of the present work is to present the characterization byr DRX of the crystalline phases formed during the heating between 300C and 1250ºC of an industrial mixture of the five layers of taguá of Jarinu with taguá Samarone used as raw materials for the manufacture of ceramic tiles and other Red Ceramics products. The component argilominerals of the mixture suffer independent thermal transformations clay minerals between themselves until around 800ºC. From 900ºC, these phases interact between themselves forming new crystalline phases contributing to the glass phase. In the interval 800ºC/900ºC, great structural changes occur with significant
8 formation of glass phase. After firing at 1000ºC, the following crystalline phases were observed: 3:2 mullite; clinoenstatite and quartz. After firing at 1100ºC: 3:2 mullite; forsterite; quartz and hematite. After 1200ºC/1250ºC: mullite, forsterite, iron spinel, quartz and hematite. Firing up to 1250ºC, the formation of cristobalite was not observed in, despite of iron-iii presence. Key-words: Taguás; crystalline phases; firing of taguás; red ceramics