INFLUÊNCIA DA TEMPERATURA DE TRABALHO NA RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DA MADEIRA F. A. Rocco Lahr 1, A. M. Souza 2*, T. H. Almeida 2 ; A. S. M. Martins 3, A. L. Christoforo 3, D. H. Almeida 4. (1) Departamento de Engenharia de Estruturas (SET), Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), Universidade de São Paulo (USP), Av. Trabalhador São-carlense, 400, Centro, CEP:13566-590, São Carlos-SP, Brasil. (2) Departamento de Engenharia de Materiais (SMM), Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), Universidade de São Paulo (USP), Av. Trabalhador São-carlense, 400, Centro, CEP:13566-590, São Carlos-SP, Brasil. (3) Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU), Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), Universidade de São Paulo (USP), Av. Trabalhador Sãocarlense, 400, Centro, CEP:13566-590, São Carlos-SP, Brasil. (4) Departamento de Engenharia Civil (DECiv), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Rodovia Washington Luís, km 235 - SP-310, CEP: 13565-905, São Carlos-SP, Brasil. *Autor correspondente: Rua Alameda dos Crisântemos, 60, Apto 31B, Cidade Jardim, CEP: 13566-550, São Carlos-SP. e-mail:amosmag@gmail.com RESUMO Em serviço a madeira está sujeita a intempéries provenientes dos ambientes em que está sendo usada. A influência da temperatura ambiente em que a madeira está a ser utilizada é um tema pouco pesquisado embora sejam numerosos os casos em que a mesma trabalha a temperaturas relativamente elevadas, como no caso de coberturas de edificações. Segundo a NBR 7190/1997 Projeto de Estruturas de Madeira, não é necessário levar em conta o efeito da temperatura de trabalho, até 60 o C, na madeira estrutural. Monitorando-se a resistência ao cisalhamento por intermédio de corpos de prova de duas espécies de Pinus, com permanência numa atmosfera a 60 o C nos períodos de 0, 168, 456 e 720 horas, foi possível conhecer o comportamento deste material nestas condições. De acordo com a avaliação realizada, não existe influência significativa da temperatura de serviço admitida na resistência ao cisalhamento da madeira destas espécies. Palavras-chave: Madeira. Influência da temperatura. Resistência ao Cisalhamento. 2524
INTRODUÇÂO A madeira é um dos materiais com maior potencial de utilização na indústria da construção civil. Possui bom desempenho quando aplicada em edifícios projetados, construídos e mantidos de forma adequada. O documento normativo para dimensionamento de peças estruturais em madeira é a ABNT NBR 7190/1997 (1). Este documento admite que a madeira não sofra influência da temperatura de serviço na sua resistência mecânica até 60 ºC. (2; 3). Por outro lado, sabe-se que a madeira é constituída por polímeros (celulose e polioses), macromoléculas (Lignina) e extrativos (provenientes do transporte de seiva). Estes polímeros/macromoléculas podem ser degradados uma vez que sejam atingidos valores críticos de temperatura: Tg - Temperatura de Transição Vítrea e Td - Temperatura de Degradação. A literatura descreve que a temperatura de transição vítrea favorece o amolecimento da substância o que permite a conformação da mesma (4). Para a celulose e as hemiceluloses ocorrem acima de 200 ºC, valores próximos da temperatura de degradação destes polímeros. Para a lignina, dependerá muito do peso molecular destas macromoléculas, podendo, com umidade abaixo do ponto de saturação das fibras, apresentar temperatura de transição vítrea entre 60 e 90 ºC (5). A resistência ao cisalhamento da madeira é o resultado numérico de uma tensão pura. Este ensaio é descrito no anexo B da norma de dimensionamento de estruturas em madeira já citada, especificando todo o método de ensaio. A madeira é um material que apresenta alta resistência específica, ou seja, grande resistência em relação a sua densidade, o que propicia sua utilização em estruturas de cobertura com baixo peso próprio (6). Com a tentativa de mecanização da indústria da construção civil em coberturas, a utilização de madeiras de reflorestamento e métodos construtivos mais automáticos vem sendo cada vez mais utilizados. A madeira empregada em telhados pode estar sujeita a temperaturas de serviço elevadas dependendo dos parâmetros de projeto como: existência ou não de laje, telha utilizada e localização. A influência dessa temperatura de serviço até 60 ºC, como dito anteriormente, não é considerada no documento normativo brasileiro, e é o foco deste trabalho. 2525
Este trabalho tem como objetivo explicar a influência do tempo de exposição à temperatura de serviço de 60 ºC na resistência ao cisalhamento da madeira, e assim inferir sobre esta influência na resistência mecânica do material. MATERIAIS E MÉTODOS As atividades ocorreram no LaMEM Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira, Departamento de Engenharia de Estruturas (SET), Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Universidade de São Paulo. Os trabalhos seguiram a seguinte ordem: Escolha de duas espécies para estudo: visando a utilização de madeira em telhados onde o ambiente (entre uma laje e as telhas), apresenta maior temperatura em relação à temperatura ambiente (principalmente durante o dia), e pensando na tendência da utilização de madeira de reflorestamento para esta finalidade, foram escolhidas as espécies Pinus taeda e Pinus elliottii. Cabe ressaltar que as madeiras estavam inicialmente em umidade de equilíbrio. Confecção dos corpos de prova: Na Fig. 1 consta uma espécie de representação da posição dos corpos de prova ao longo da viga de onde foram retirados para os correspondentes ensaios; Ensaio para determinação da resistência ao cisalhamento no tempo inicial (ensaios os quais seguiram o documento normativo citado); Exposição dos corpos de prova à atmosfera com temperatura de 60 ºC utilizando estufa (Fig. 2), controlando o tempo de permanência dos mesmos nestas condições; Ensaios dos corpos de prova respeitando os tempos de permanência por lotes de seis corpos nos tempos: 0 horas, 168 horas, 456 horas e 720 horas; Análise dos resultados: efetuou-se a análise para entender a distribuição dos valores referentes à resistência mecânica dos quatro tratamentos (0 hora, 168 horas, 456 horas e 720 horas) para as duas espécies Teste de Normalidade de Shapiro- Wilk. Sabendo a distribuição, na tentativa de entender a influência dos tratamentos, testou-se a existência de correlação de Spearman entre a Resistência ao cisalhamento da Madeira e o Tempo de permanência a 60 ºC para ambas as espécies isoladamente. Caso não significativo o teste de correlação, um teste de comparações múltiplas entre médias foi empregado. 2526
Fig.1: Disposição dos Corpos de prova. Fig.2: Estufa utilizada no trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO Efetuando os procedimentos descritos, obtiveram-se os resultados da Tab.1. Os teores de umidade dos corpos de prova (CP) não foram citados. Isso ocorre, pois não é a finalidade deste trabalho encontrar valores de referência, e sim saber a resistência ao cisalhamento paralelo às fibras no momento da utilização, independente do seu teor de umidade. 2527
Tab. 1: Resultados dos Ensaios de Cisalhamento: Resistência (MPa). CP Pinus taeda Pinus elliottii CP Pinus taeda Pinus elliottii L11A 11,15 10,39 L21A 15,53 10,82 L11B 14,11 12,35 L21B 22,40 11,07 L12A 12,66 9,51 L22A 15,19 9,89 L12B 19,42 13,87 L22B 7,20 10,34 L13A 13,14 9,94 L23A 17,38 11,06 L13B 14,16 6,60 L23B 20,00 13,09 L14A 14,73 10,79 L24A 16,30 9,34 L14B 8,12 13,54 L24B 14,01 14,47 L15A 15,19 11,02 L25A 16,10 10,24 L15B 9,65 13,15 L25B 21,14 12,75 L16A 14,16 8,57 L26A 13,60 10,14 L16B 14,52 14,46 L26B 11,67 10,22 L17A 13,59 8,46 L27A 18,17 10,29 L17B 14,43 11,06 L27B 16,90 10,94 L18A 13,38 10,21 L28A 13,44 10,36 L18B 9,29 12,18 L28B 13,51 10,74 L19A 12,74 11,38 L29A 16,98 9,31 L19B 16,49 10,65 L29B 14,90 12,84 Para a análise dos resultados (isolando espécies diferentes), os mesmos foram organizados em quatro grupos (0, 168, 456 e 720 horas), com seis valores de resistência em cada um (os valores do tempo inicial utilizados para o cálculo foram apenas os dos corpos de prova L11A, L14A, L17A, L21A, L24A, L27A). Assim, tomando como referência os valores do tempo inicial (0 horas de permanência em estufa Madeira sem o tratamento térmico), construiu-se a Tab.2 relacionando os valores da seguinte forma: [0]/[0] representa a relação entre valores da resistência da madeira antes do tratamento (valores unitários); [168]/[0] representa a relação entre valores da resistência ao cisalhamento da madeira nos tempos 168 horas e 0 horas; [456]/[0] representa a relação entre valores da resistência ao cisalhamento da madeira nos tempos 456 horas e 0 horas; [720]/[0] representa a relação entre valores da resistência ao cisalhamento da madeira nos tempos 720 horas e 0 horas. 2528
As médias destes valores são representadas na fig.3 como Resistência Relativa Média. Tab.2: Valores de resistência relativos ao tempo inicial das duas espécies. Pinus taeda 0 0 [0]/[0] 168 [168]/[0] 456 [456]/[0] 720 [720]/[0] 11,89 11,89 1,00 14,11 1,19 19,42 1,63 14,16 1,19 15,72 15,72 1,00 8,12 0,52 9,65 0,61 14,52 0,92 14,49 14,49 1,00 14,43 1,00 9,29 0,64 16,49 1,14 16,56 16,56 1,00 22,40 1,35 7,20 0,43 20,00 1,21 17,39 17,39 1,00 14,01 0,81 21,14 1,22 11,67 0,67 19,39 19,39 1,00 16,90 0,87 13,51 0,70 14,90 0,77 Pinus elliottii 0 0 [0]/[0] 168 [168]/[0] 456 [456]/[0] 720 [720]/[0] 11,05 11,05 1,00 12,35 1,12 13,87 1,25 6,60 0,60 11,47 11,47 1,00 13,54 1,18 13,15 1,15 14,46 1,26 9,00 9,00 1,00 11,06 1,23 12,18 1,35 10,65 1,18 11,51 11,51 1,00 11,07 0,96 10,34 0,90 13,09 1,14 9,93 9,93 1,00 14,47 1,46 12,75 1,28 10,22 1,03 10,94 10,94 1,00 10,94 1,00 10,74 0,98 12,84 1,17 Tomando-se as médias dos valores relativos de resistência, construiu-se o gráfico da Fig. 3 que mostra o comportamento da variável resistência ao cisalhamento com o tempo de permanência a 60 ºC. Realizando-se o teste de correlação de Spearman entre estas variáveis com grau de significância 5%, os p- valores não foram significativos para ambas as espécies, não caracterizando correlação entre as variáveis aqui consideradas. Fig. 3 Resistência em função do tempo de permanência a 60 ºC. 2529
Efetuando os testes de normalidade de Shapiro-Wilk nos valores de resistência relativos para ambas as espécies, alguns deles foram significativos com 5% de significância, inviabilizando uma ANOVA. Assim o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis para diferença entre médias foi efetuado com 5% de significância. Os resultados mostraram que não existe diferença entre médias das resistências relativas com o passar do tempo de permanência em estufa a 60 ºC para ambas espécies. CONCLUSÕES De acordo com a avaliação realizada, não foram detectadas diferenças entre os valores da resistência da madeira ao cisalhamento. Este fato permite admitir que não houve influência significativa da temperatura de serviço até 60 ºC na resistência ao cisalhamento das espécies (coníferas): Pinus elliottii e Pinus taeda, confirmando a indicação normativa para o assunto. Ensaios devem ser levados a efeito com espécies das folhosas para permitir a generalização dos resultados. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao CNPq Conselho Nacional de Pesquisa, pelo auxilio financeiro, à FAPESP pela bolsa (Proc: 2012/14352-3) e ao LaMEM Laboratório de Madeiras e Estruturas de Madeira, Departamento de Engenharia de Estruturas (SET), sediado na EESC/USP Escola de Engenharia de São Carlos/Universidade de São Paulo, por fornecer as instalações e os insumos necessários à este estudo. REFERÊNCIAS 1. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7190: projeto de estruturas de madeira. Rio de Janeiro, 1997. 2. CALIL JUNIOR, C.; MOLINA, J. C.. Coberturas em Estruturas de Madeira: Exemplos de Cálculo. São Paulo: Pini Ltda, 2010. 207 p. 3. FIGUEROA, M. J. M.; MORAES, P. D.. Comportamento da madeira a temperaturas elevadas. Ambiente construído, Porto Alegre, n. 4, p.157-174, out. 2009. Trimestral. 4. CALIL JUNIOR, C.; LAHR, F. A. R.; DIAS, A. A. Dimensionamento de elementos estruturais de madeira. Barueri: Manole, 2003. 5. IRVINE, G. The Glass Transitions of Lignin and Hemicellulose and Their Measurement by Differential Thermal Analysis.Journal Tappi, Norgross, EUA, v. 67, n. 5, p. 116-121, 1984. 2530
6. CALIL JUNIOR, C.; DIAS, A. A.. Utilização da Madeira em construções rurais. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, Campina Grande, v. 1, p.71-77, jun. 1997. TITLE ABSTRACT Service timber is subject to weather from the environments in which it is being used. The influence of ambient temperature in which the timber is to be used is a well studied but are numerous cases in which it works at relatively high temperatures, as in the case of roofs of buildings subject. According to NBR 7190/1997 - Project Timber Structures, is not necessary to take into account the effect of operating temperature up to 60 o C in structural wood. By monitoring the shear strength through specimens of two species of Pinus, with residence in an atmosphere at 60 o C for the periods of 0, 168, 456 and 720 hours, it was possible to know the behavior of this material under these conditions. According to the evaluation, there is no significant influence of the allowed operating temperature of the shear strength of the wood of these species. Palavras-chave: Influence of temperature. Shear; Timber. 2531