Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

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Transcrição:

A RELAÇÃO ADVERBIAL DE RAZÃO NAS VARIEDADES DO PORTUGUÊS Norma Barbosa NOVAES 1 RESUMO: A proposta do trabalho em apresentação é parte do projeto de pesquisa Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivofuncional, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional, da UNESP/ São José do Rio Preto, cujo objeto de estudo é a subordinação nas variedades do português. Analisam-se, em consonância com a proposta teórica da GDF, as motivações funcionais que regulam a seleção de estratégias específicas de construção de relações dos três tipos de subordinação (completiva, adjetiva e adverbial). A proposta funcional apresentada por Cristofaro (2003) define as construções adverbiais como ligações que se estabelecem entre dois estados de coisas de tal modo que um deles (o dependente) corresponde a circunstâncias sob as quais o outro (o principal) ocorre, sem haver necessariamente uma relação sintática específica entre elas, mas uma relação que envolve referência a dois distintos estados de coisas, que pode ser descrita em termos de parâmetros aplicados às relações de complementação, tal como o nível da estrutura da oração, predeterminação de traços semânticos dos estados de coisas ligados e integração semântica. Com base em tal definição, objetiva-se descrever especificamente neste trabalho a forma de expressão da relação subordinada adverbial de razão, definida por Hengeveld (1998) como a causa da realização de um estado de coisas expresso na oração principal em termos de um motivo atribuído ao controlador do estado de coisas da oração principal. Espera-se assim fornecer uma descrição mais adequada a respeito da relação adverbial de razão, relacionando dados empíricos a bases teóricas de natureza funcional. PALAVRAS-CHAVE: adverbiais; funcionalismo; subordinação; razão Apresentação O trabalho em apresentação constitui parte de uma pesquisa em desenvolvimento no Grupo de Pesquisa em Gramática Funcional da UNESP de São José do Rio Preto, intitulada Construções subordinadas nas variedades lusófonas: uma abordagem discursivo-funcional, a partir de ocorrências reais de uso de um corpus oral 1 Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Rua Demétrio Elias Madi, 600, CEP 15085-450, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil, nb.novaes@uol.com.br. Membro do Grupo de Pesquisas em Gramática Funcional. 82

organizado pelo Centro de Lingüística da Universidade de Lisboa, em parceria com a Universidade de Toulouse-le-Mirail e a Universidade de Provença-Aix-Marselha 2. A proposta do Grupo tem como foco verificar motivações funcionais que expliquem as estruturas morfossintáticas usadas para codificar as relações subordinadas e as situações conceituais que elas expressam, visando estabelecer um continuum entre as subordinadas adjetivas, completivas e adverbiais, considerando o grau de sentencialidade de cada oração. Neste trabalho, deter-se-á apenas à apresentação sobre as relações adverbiais de razão. Para o momento, ainda não há dados suficientes para se chegar a uma conclusão sobre as divergências e similaridades entre as variedades do português estudadas, por isso a análise será restrita à descrição do funcionamento dessa relação no corpus tomado para estudo. A relação subordinada adverbial de razão A noção de subordinação considerada para este trabalho não é a da visão tradicional, que se baseia geralmente em encaixamento de orações, por exemplo, um critério de ordem morfossintática. Sabe-se que nem todas as línguas fazem a relação entre orações a partir deste tipo de critério, o que invalidaria o princípio tipológico da teoria que dá suporte ao estudo. 2 Disponível em http://www.clul.ul.pt/sectores/linguistica_de_corpus/projecto_portuguesfalado. php 83

Aqui, a proposta escolhida para o trabalho tem base em termos funcionais, que compreendem aspectos nocionais, cognitivos e semântico-pragmáticos. Adotou-se aqui a visão de Cristofaro (2003), que propõe um critério funcional-cognitivo, a partir de Langacker (1991). Para a autora, a subordinação é um modo de construir uma relação cognitiva entre dois estados de coisas da seguinte forma: um deles, o estado de coisas dependente, não possui um perfil autônomo, sendo, por isso, construído a partir da perspectiva do outro estado de coisas, o estado de coisas principal. Assim, de acordo com a autora, o enfoque é a percepção de como os estados de coisas expressos por orações ligadas são percebidos e conceitualizados do ponto de vista conceitual (semântico, pragmático e cognitivo) e morfossintático. Logo, a subordinação é vista como o resultado de situações conceituais particulares, em vez de um fenômeno puramente morfossintático. Especificamente em relação às construções adverbiais, Cristofaro (2003) afirma que são constituídas por ligações que se estabelecem entre dois estados de coisas de tal modo que um deles (o dependente) corresponde a circunstâncias sob as quais o outro (o principal) ocorre, sem haver necessariamente uma relação sintática específica entre elas, mas uma relação que envolve referência a dois distintos estados de coisas, que pode ser descrita em termos de parâmetros aplicados às relações de complementação, tal como o nível da estrutura da oração, predeterminação de traços semânticos dos estados de coisas ligados e integração semântica. A autora distingue seis tipos de relação adverbial, uma vez que trata somente de adverbiais que atuam na camada da predicação (como propósito, tempo, condição e causa), aqui sem explicações mais específicas, por não ser o foco do trabalho. 84

Hengeveld e Mackenzie (1998) ampliam essa classificação e propõem a distinção entre adverbiais de causa, explicação e razão. Segundo os autores, razão é uma categoria semântica do Nível Interpessoal. São considerados pelos autores tipos especiais de Conteúdo Proposicional que representam um pensamento que leva um agente humano a agir de uma determinada forma, como se vê em (1). (1) Ele saiu, porque sua mãe estava doente. Já em uma relação-causa conecta dois estados de coisas, um dos quais (o dependente, que é factual) fornece a motivação para a ocorrência do outro (o principal), conforme (2). (2) O rio inundou porque choveu muito. Evidencia-se assim a relação de motivação: chover foi a causa da inundação do rio. A diferença entre Causa e Razão reside na distinção entre tipos de entidades: causa indica que o evento expresso na oração dependente desencadeia a ocorrência do evento expresso na oração principal, sem que haja qualquer envolvimento intencional por parte de um agente; razão fornece a causa da realização do um estado de coisas expresso na oração principal em termos de um motivo atribuído ao controlador do estado de coisas da oração principal, conforme (3). 85

(3) Pedro foi para casa, porque sua irmã ia visitá-lo. Note que sua irmã ia visitá-lo é um motivo atribuído a Pedro para ele realizar o estado de coisas descrito, de forma intencional, diferentemente de causa, que simplesmente provoca o estado-de-coisas, como o fato de chover muito, em (2), provocar a inundação. Já uma relação-explicação especifica um fato que dá suporte a outro fato representado pelo conteúdo proposicional do ato-de-fala, ou seja, a oração adverbial apresenta considerações que conduzem o falante a chegar à conclusão contida na oração principal; ela pode, então, ser vista como um ato ilocucionário separado. Enquanto a origem da razão está num dos participantes da oração principal, a origem da explanação é o falante, como em (4). (4) Pedro está na casa de Joana, porque o carro dele está do lado de fora. Evidentemente, tal distinção se faz necessária, pois se trata de relações perceptivelmente diferentes, o que pode colaborar para uma discussão mais profícua quanto à frequente dúvida quando a gramática tradicional propõe a distinção entre orações causais e explicativas. No entanto, para o momento, a discussão se volta apenas para o estudo da relação de razão, ficando essa interessante discussão para um outro estudo. 86

Análise discursivo-funcional da relação adverbial de razão Para análise das ocorrências do corpus, consideraram-se os postulados da GDF propostos por Hengeveld e Mackenzie (2008), os quais propõem a existência de quatro níveis: Níveis Interpessoal (NI), o Representacional (NR) e o Morfossintático (NM) e o Nível Fonológico (NF). Em uma brevíssima explanação, pode-se afirmar que o NI diz respeito à interação entre falante e ouvinte; o NR está relacionado aos aspectos semânticos das unidades lingüísticas; o NM toma como unidade de análise a composição sintática do elemento lingüístico; o NF trata das representações fonológicas dos constituintes. Para os autores, razão é uma categoria semântica do Nível Interpessoal, relativa então ao processo de interação entre falante e ouvinte. São considerados tipos especiais de Conteúdo Proposicional, os quais representam um pensamento que leva um agente humano a agir de uma determinada forma, como já definido. O falante neste caso quer fornecer ao ouvinte uma razão para a proposição feita anteriormente. Além da definição advinda da teoria, para análise das ocorrências levantadas no corpus, foram determinados critérios para cada um dos Níveis, que permitiram o alcance de resultados considerados interessantes. No Nível Interpessoal, foi considerada a presença de marcador discursivo e da função retórica. Nas adverbiais de razão, nota-se que nenhum desses dois traços marca tal relação, como exemplifica (5): (5) eles acharam que seria um lugar ideal porque alargava ligeiramente, quer dizer, o rio dava uma lá[...], um alargamento (Bra80:FD) 87

No Nível Interpessoal, identidade dos participantes das orações envolvidas e factualidade foram os critérios utilizados. Verificou-se que não há uma obrigatoriedade quanto ao fato de os participantes terem a mesma identidade, como ilustra (6). (6) embora eles me tirarem do sítio onde estava, porque eu estava mesmo muito doente. (Ang97:JG) Por outro lado, nas relações de razão, as orações sempre são factuais, com estado-de-coisas reais, como mostra (7). (7) ela escolhia a roupa que eu gostava na minha frente, eu ficava brava, porque eu queria aquela e eu não pó dia ter aquela que ia ser igual, eu tinha que escolher outra para não ficar igual a ela, não é (Bra95:MD) Quanto ao Nível Morfossintático, foram analisados o tipo de oração (principal e inserida), o tipo de operador, a forma verbal, a posição da subordinada e a codificação do sujeito do evento dependente. Na relação adverbial de razão, observa-se claramente que o tipo de oração inserida é sempre uma proposição, ou seja, um construto mental que pode ser avaliado em termos de atitudes proposicionais (certeza, dúvida, descrença) ou em termos de sua origem ou fonte (conhecimento partilhado, evidência sensorial, inferência), enquanto a oração inicial pode ser tanto uma proposição quanto um estado de coisas, como mostram (8) e (9), respectivamente 88

(8) e muitas vezes na tradição africana, as pessoas usam mesmo, eh, pulseiras, e porque realmente acreditam em qualquer coisa de mágica.(ang97:ct) (9) aceitei a criança porque eu gostava dela(bra80:gd) O tipo de operador que relaciona a razão é sempre a forma porque, presente em todas as ocorrências, como em (10): (10) o marido apenas foi saboreá-la porque gostava dela, dentro do matrimónio. eu penso assim.(pt97:ac) Referente aos demais critérios deste Nível, percebe-se que a forma verbal está sempre no indicativo e a posição da oração subordinada é sempre a final, como indicado em (11) e (12), respectivamente; já o sujeito do evento independente não sofre nenhuma restrição quanto a sua codificação, podendo ser expresso por meio de anáfora zero, léxico, de pronomes ou ainda por um item lexical, como em (13), que ilustra este último caso. (11)ela, quando nasceu a garota, ligamos. man[...], mandei ligar porque dois basta(bra80:cf) (12)eu nem, nem liguei também. depois quando o meu pai disse que ontem, por exemplo, no dia anterior sentiu-se tremor de terra logo levantei, porque relacionei as duas coisas. (CV95:IF) 89

(13) nós constatamos que as raparigas não saem, se saírem vão, saem com as amigas e regressam logo de saída, de, logo, ah, depois, porque os pais até dizem "tantas horas, vem para casa" (CV95:RP) Por fim, quanto ao Nível Fonológico, observou-se a quebra entoacional, do que se concluiu que a ruptura não acontece entre as orações que relacionam razão, como mostra (5), aqui repetida: (5) eles acharam que seria um lugar ideal porque alargava ligeiramente, quer dizer, o rio dava uma lá[...], um alargamento (Bra80:FD). Desse modo, a análise dos fatores discutidos permitiu verificar as propriedades da relação adverbial de razão, resumidas na tabela a seguir: Razão NI NR NM NF MD FR Id Fact OP OI Op FV Pos Cod QE -/+ - -/+ + p/e p c i f l/p/z - Resultados parciais Um primeiro ponto a ser observado quanto aos resultados alcançados pelo trabalho em exposição é o fato de ter ficado bem clara a distinção entre razão e 90

explicação, algo que ainda traz algum tipo de dificuldade em análises consideradas tradicionais. (14) e (15) ilustram mais uma vez essa diferença. (14) é muito mais bonita porque é muito mais antiga (Bra80:Fazenda) (15) já com ela eu aceitei a criança porque eu gostava dela (Bra80:GostoDela) Observou-se também que a relação Causa é uma entidade de segunda ordem, portanto um estado-de-coisas; já Razão constitui uma proposição uma vez que representa pensamentos que orientam um agente humano para agir de certa maneira, portanto, de terceira ordem. Tal comparação aponta a possibilidade de se construir o contínuo a seguir, mais bem compreendido quando se tomam causa, razão e explicação em conjunto. O que se propõe é uma alteração na Hierarquia de Rebaixamento Categorial das relações adverbiais, proposta por Cristofaro (2003), conformando-a à hierarquia de tipos de entidades, a seguir representada: f e P A zero ordem > segunda ordem > terceira ordem > quarta ordem (Modo) > (Propósito)>(Tempo)>Causa> (Condição)>Razão >Explicação Quanto à questão da sentencialidade, também considerando as três relações apontadas a partir da análise dos critérios descritos, pode-se por fim concluir que a relação de razão guarda características de sentencialidade, mas também de nominalidade, como mostra a análise relativa à forma verbal, principalmente, o que implica colocá-la na posição abaixo indicada: 91

sentencialidade nominalidade oração construção não-finita nome verbal Independente/Explicação<Razão<Condição<Causa<Tempo<Propósito<Modo Figura 1: Dessentencialização (adaptada de Lehmann, 1988, p.189) Referências Bibliográficas CRISTOFARO, S. (2003) Subordination. Oxford: University Press. HENGEVELD, K. (1998). Adverbial clauses in the languages of Europe. In: AWERA, J.; BAOILL, D. P. (Eds). Adverbial constructions in the languages of Europe. Berlin; New York: Mouton de Gruyter, 1998. HENGEVELD, K. & MACKENZIE, J. L. (2008), Functional Discourse Grammar: A typologically-based theory of language structure. Oxford: Oxford University Press. LEHMANN, C. (1988). Towards a typology of clause linkage. In: John Haiman & Sandra Thompson (eds.). Clause combining in grammar and discourse. Amsterdam: John Benjamins. 92