Reunião da Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação sobre a Formação Inicial e Continuada de Professores

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Transcrição:

ANFOPE ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ª Reunião da Comissão Bicameral do Conselho Nacional de Educação sobre a Formação Inicial e Continuada de Professores Agradecemos o convite do CNE para explicitar as posições da ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação, e, assim, poder contribuir com o debate sobre a Formação Inicial e Continuada de Professores. A ANFOPE é uma entidade que historicamente defende, de forma intransigente, a educação pública, gratuita, laica, estatal, universal e inclusiva, democrática e republicana, de qualidade socialmente referenciada nas necessidades formativas das crianças, jovens e adultos brasileiros, e, particularmente, comprometida com a proposição de políticas públicas de formação de professores e de valorização do magistério, ancorada nas lutas e movimentos dos educadores. Desde o golpe jurídico-parlamentar-midiático, que afastou, provisoriamente, em maio de 2016, e de forma efetiva, em agosto de 2016, por impeachment, a presidenta Dilma Rousseff, alterando os rumos políticos do país, presenciamos uma série de ataques à democracia, com a retirada de direitos sociais, duramente conquistados e assegurados pela Constituição de 1988, e em especial o direito de todos à educação, ameaçado pela EC 95/2017, que, na prática, inviabiliza o cumprimento da Lei 13.005/2014 que estabelece o Plano Nacional de Educação e suas metas. É evidente o desmonte acelerado da política educacional, com a imposição de medidas que impactam a educação pública, como a Reforma do Ensino médio e a BNCC, e que ameaçam também a formação de professores no país. A ANFOPE, em consonância com seus princípios e sua história, tem se manifestado publicamente, nos últimos dois anos, através de notas, moções e manifestos, muitos assinados em conjunto com as demais entidades do campo educacional, se posicionando em defesa do Estado de Direito, da Democracia e da Liberdade (01/04/16); contra a MP n. 746/2016 (12/10/16), contra a PEC 241/16 (26/10/16) e contra o PL nº 6.847/2017 que regulamenta o exercício da profissão de Pedagogo (15/08/17); em apoio à UERJ (10/01/17); pelo não reconhecimento da legitimidade do Forum Nacional de Educação controlado pelo MEC (07/06/17); sobre a BNCC (11/09/17) e sobre a política de formação de professores anunciada pelo MEC (20/10/17); em repúdio à censura no INEP e em apoio ao PIBID (23/11/17); em solidariedade aos professores das Universidades Privadas (19/12/17), contra a padronização e controle impostos pelo Programa de Residência Pedagógica (06/03/18), contra o desmonte da escola pública e os efeitos da reforma do Ensino Médio (20/03/18), além de diversas cartas que publicizam suas posições e conclamam à resistência propositiva e contra-hegemônica em defesa da formação e valorização dos profissionais da educação, hoje, sob ataque pela edição de contrareformas sociais e educacionais. Sendo o objeto desta Reunião, o debate sobre as duas questões postas, assim nos posicionamos:

1) O impacto da Base Nacional Comum Curricular na formação inicial e continuada dos profissionais da educação. Primeiramente, repudiamos o processo de elaboração, discussão e aprovação da Base Nacional Comum Curricular BNCC, questionada desde a sua primeira versão por Universidades e entidades do campo acadêmico, tanto pelos equívocos de formulação, que impõem uma centralização curricular baseada em uma uniformidade incapaz de considerar a diversa realidade das escolas, quanto pela forma de condução desse processo. Consideramos que esse processo foi conduzido de forma verticalizada, simulando um diálogo parcial com a sociedade, adotando uma metodologia que priorizou contribuições quantitativas em detrimento de proposições qualitativas, não sendo, portanto, promotor de ampla consulta pública nacional, como alardeado. A imposição da terceira versão, que desconsiderou as críticas propositivas das entidades educacionais apresentadas antes e durante as cinco audiências realizadas, e privilegiou as posições defendidas por setores do empresariado interessados na padronização do ensino, apenas confirmou que não havia interesse em estabelecer o necessário diálogo que a discussão de uma base curricular nacional exigiria. Cabe resgatar que a BNCC em nada se assemelha a base comum nacional gestada, coletivamente, em meio a luta democrática de profissionais da educação pela participação nas discussões acerca das propostas de formação de professores no contexto de redemocratização no Brasil, na década de 1980. A base comum nacional, que defendemos historicamente e que está contemplada nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação para a Formação Inicial e Continuada de Professores (Resolução CNE N 02/2015), é uma concepção básica de formação do educador e um corpo de conhecimento fundamental em que a docência se constitui como a base da identidade profissional de todo educador, e, portanto, não pode ser confundida como um currículo mínimo ou um elenco de disciplinas. Estamos convictos que a BNCC, aprovada em sua quarta versão, de forma acelerada, pelo CNE em dezembro de 2017, vai impactar negativamente a formação de professores ao impor uma lógica centralizadora nos processos educativos e a vinculação intrínseca a avaliações de larga escala de instituições, professores e estudantes, para a geração de índices de desempenho que em nada asseguram a melhoria do ensino ou a qualidade dos processos formativos. A BNCC representa a prevalência de uma concepção esvaziada e reduzida de currículo, e ao privilegiar as posições defendidas por setores do empresariado interessados na padronização do ensino, desvela-se o real interesse de atender fins mercadológicos, como a venda de material didático e a oferta de serviços de consultoria para a implementação da BNCC, além da venda de pacotes de formação continuada, em um processo que desvia recursos públicos para empresas e fundações privadas, agora elevados, com o aval do MEC, a parceiros preferencias das redes de ensino, em detrimento das Universidades públicas. Nesse sentido, rejeitamos a implementação de uma Base Nacional Comum Curricular dissociada das demandas formativas e realidades locais, que não foi alvo de discussão nas escolas, em cada município e estado brasileiro, e nem será, pois já está aprovada e sendo imposta a sua adoção. Agora a BNCC está sendo utilizada como referencial para programas de formação inicial de professores, como os apresentados pelos editais CAPES N 06/2018 e N 07/2018, que tratam, respectivamente, sobre o Programa de Residência Pedagógica (PRP) e do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), sobre os quais

manifestamos posicionamento de crítica e resistência junto outras entidades cientificas, em março de 2018. A submissão das propostas dos Editais supracitados à BNCC e a homogeneização implicada nesta ação é uma ingerência indevida do MEC via CAPES nos projetos institucionais de formação das diversas IES, ferindo os princípios estabelecidos na autonomia e isonomia universitária, e os pressupostos estabelecidos na Resolução CNE N 02/2015 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação para a Formação Inicial e Continuada de Professores. O Edital 06/2018, explicita que o Programa de Residência Pedagógica visa promover a adequação dos currículos e propostas pedagógicas dos cursos de formação inicial de professores da Educação Básica às orientações da BNCC, enquanto o Edital 07/2018 apresenta como princípios da iniciação à docência a intencionalidade pedagógica clara para o processo de ensino-aprendizagem dos objetos de conhecimento da BNCC. A obrigatoriedade em vincular o Programa de Residência Pedagógica (Edital 06/2018) aos itens da BNCC objetiva, ainda, realizar uma reformulação do atual modelo de estágios supervisionados dos cursos de licenciatura das diversas Instituições de Educação Superior (IES) que concorrerem a eles. Em ambos os Editais constitui critério de avaliação a aderência aos objetivos e orientações do Edital, obrigando que os projetos institucionais de formação das diversas, em alguma medida, se adequem às concepções de formação docente preconizadas pela BNCC, o que está em desacordo com as orientações da Resolução 02/2015. Com ambos os editais, mas de forma mais explicita e contundente o referente à Residência pedagógica, a padronização proposta pela BNCC atinge e impacta os cursos de licenciatura das IES, numa clara mudança de concepção educativa na formação inicial de professores, em franca oposição à, ainda vigente, Resolução 02/2015. Isto está claramente explicitado na Introdução da BNCC: A primeira tarefa de responsabilidade direta da União será a revisão da formação inicial e continuada dos professores para alinhá-las à BNCC. A ação nacional será crucial nessa iniciativa, já que se trata da esfera que responde pela regulação do ensino superior, nível no qual se prepara grande parte desses profissionais. Diante das evidências sobre a relevância dos professores e demais membros da equipe escolar para o sucesso dos alunos, essa é uma ação fundamental para a implementação eficaz da BNCC. (MEC, BNCC, 2018, p. 21) Repudiamos, assim, a vinculação da formação de professores à BNCC, que impõem uma padronização que desconsidera os processos de ensino e aprendizagem de conteúdos elaborados de forma contextualizada e rica, no interior das escolas, contemplando a diversidade e pluralidade política, econômica, social e cultural do país, regiões e localidades. Essa padronização apenas facilita a adoção de processos de avaliações de larga escala que longe de produzir qualidade facilitam o ranqueamento por desempenho de instituições educacionais, professores e estudantes. Assim, a BNCC está sendo usada para padronizar e alinhar a formação inicial e continuada dos professores (em formação e em exercício), como evidenciam os referidos Editais. Estes são uma estratégia para a implementação da BNCC nos programas de formação inicial, nos projetos de formação docente e nos projetos políticos pedagógicos das diversas escolas, em uma tentativa de desconstrução de projetos comprometidos com a docência como atividade intelectual e criadora, com efeitos desprofissionalizantes nos cursos de Licenciatura. Mascarando seu caráter impositivo, faz-se necessária a adesão das IES aos Editais, instituindo uma disputa

entre instituições, que sofrem com cortes de verbas, pelas escassas bolsas disponibilizadas. Entretanto, tratando-se de recursos públicos, inconstitucionalmente destinados também, pelo que reza o Edital para instituições privadas com fins lucrativos, as IES públicas tem todo o direito de concorrer a estes dois editais, sem submissão à BNCC, mas de forma crítica e autônoma, de acordo com o previsto em seus projetos formativos, ocupando o espaço da escola pública, locus de trabalho e formação dos professores e licenciandos, com propostas formativas contrahegemônicas. A complexidade de uma política curricular nacional é incompatível com a adoção de matrizes curriculares homogeneizadas, que ameaçam o princípio federativo republicano da autonomia dos sistemas estaduais e municipais de ensino e a construção dos projetos político-pedagógicos das instituições escolares, como explicitado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (Res. CNE/CB n.4, de 13/7/2010). A BNCC perde, assim, qualquer caráter de documento orientador que poderia ter, para tornar-se um documento de padronização dos conteúdos a serem ensinados e aprendidos no interior das escolas de educação básica, voltado para atender a formação de mão de obra para o mercado de trabalho, distanciando-se da possibilidade da formação crítica, cidadã e emancipadora dos sujeitos que trabalham e são atendidos pela educação pública, esvaziando a função social da escola e seu sentido público, numa concepção meramente pragmática e utilitarista. Nesse sentido, repudiamos a adequação automática da formação docente, via Editais ou a construção de matrizes de avaliação em larga escala, aos itens da BNCC, por ferir a autonomia das Universidades, estar em evidente desacordo com a Resolução CNE nº 2/2015 e desqualificar não só a formação docente, mas os direitos à educação e à aprendizagem de crianças, jovens e adultos. Cabe destacar que o desmonte efetuado na formação de professores é acentuado pela descontinuidade, paralização e asfixia financeira de vários programas de formação continuada de professionais de educação das redes públicas de ensino, implementados pelo MEC, em especial pela Secretaria de Educação Básica (SEB) e pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Cabe mencionar que apesar da enorme demanda por formação até a presente data não saiu qualquer Edital para a continuidade do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR). 2) O impacto da implantação da Resolução CNE/CP nº 2/2015 nas dinâmicas operacionais das instituições de educação superior. A Resolução CNE 02/2015 que aprova as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, representa um consenso educacional sobre uma concepção formativa da docência que articula indissociavelmente a teoria e a prática, dentro de uma visão sócio-histórica e emancipadora, defendida pelas entidades acadêmicas do campo da educação, e fruto de ampla discussão com a sociedade, tanto no âmbito das instituições universitárias quanto em Audiências públicas, promovidas inclusive pelo CNE, e amplificada em inúmeros eventos acadêmicos e publicações do campo educacional. Defendemos que os projetos institucionais de formação sejam construídos ancorados nesta resolução, em fase de implantação nas IES de todo o país, por determinação do próprio CNE, dentro de

uma concepção de trabalho docente, formação e teoria e prática inconciliável com o pragmatismo e o aligeiramento da formação sintonizada unicamente com a BNCC. É importante registrar que a BNCC, ao adotar a concepção de competências, retroage a propostas superadas, como a DCN de Formação de Professores (Resolução CNE nº 1/2002), revogada pela Resolução CNE nº 2/2015. Defendemos as proposições da Resolução 02/2015, que ancoradas no PNE 2014-2024, fortalecem uma concepção de formação indissociável de uma política de valorização profissional dos professores para formação, carreira e condições de trabalho, com implementação do piso salarial em todos os estados e municípios; de promoção de concursos públicos para docentes da educação básica, impedindo a contratação de professores em caráter precário e sem a formação adequada. Repudiamos a alteração da LDB pela Lei 13.415/2017 que impõem uma Reforma do Ensino Médio editada pelo alto sem discussão na sociedade, e que configura-se como um retrocesso impar instituindo o aligeiramento e a precarização desse nível de ensino, descaracterizando sua oferta como educação básica e direito de todos e grave ameaça à qualidade do Ensino Médio e à formação da juventude brasileira. A Reforma do Ensino Médio, também se subordina às normas e regulações para este nível da BNCC, apenas agora entregue ao CNE. Referente a temática desta reunião, denunciamos o ataque frontal que a Reforma do Ensino Médio empreende à formação e à valorização dos profissionais da educação, ao alterar a LDB para introduzir entre os profissionais da educação a figura do notório saber. Essa medida reforça processos de desqualificação e desprofissionalização dos professores, com impactos negativos na qualidade do ensino aviltando, sobretudo, a formação, a carreira e os salários do magistério. Tal proposição é totalmente incompatível com o previsto nas DCNs para a Formação de Professores (Resolução 02/2015) e às metas e estratégias do PNE. Preocupa-nos, sobremaneira, a ênfase na realização de avaliações de larga escala que promovem ranqueamentos entre instituições e cursos, atrelados a avaliações de desempenho de professores e estudantes, que em nada contribuem para a melhoria efetiva da qualidade da educação e do ensino. Assim, defendemos, também a substituição da avaliação censitária da educação básica pela avaliação amostral, fortalecendo os sistemas estaduais e municipais de avaliação em sintonia com as comunidades escolares, incluindo formas de avaliação institucional participativa em cada escola e de paralisação dos processos de privatização da educação e da escola e Universidades públicas. Nesse sentido, rejeitamos qualquer proposta que responsabilize os professores pelos baixos resultados dos processos de ensino e pelas desigualdades educacionais, determinados em grande parte pelos baixíssimos e insuficientes investimentos na escola básica, que diminuem a qualidade da educação e acirram as desigualdades educacionais, impactando diretamente o desempenho de estudantes e professores, assim como repudiamos a certificação de professores mediante o Exame Nacional do Magistério da Educação Básica (ENAMEB). Reputamos como extremamente grave, e por isso repudiamos também, a descaracterização da pluralidade que o CNE deveria representar com a revogação das indicações em 2016 e as últimas nomeações de conselheiros, em 2018. Esta ordenação diminui a presença de conselheiros representantes e defensores da esfera pública do ensino e amplia o escopo de conselheiros que defendem interesses privatistas, favorecendo a articulação de forças conservadores e liberais na disputa por maior controle político e ideológico da escola e da Universidade

pública, alterando o equilíbrio que um órgão dessa importância deveria ter, afetando atuais e futuras deliberações que impactam o sistema público de educação. Concluímos afirmando que formar professores é tarefa da Universidade e dever do Estado, mas este não pode impor a submissão à lógica estreita, pragmática e produtivista da BNCC, menosprezando a construção coletiva de uma proposta de formação que assegure a autonomia intelectual e a capacidade crítica dos licenciandos, e o compromisso coletivo com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Defendemos a escola pública onde crianças, jovens e adultos possam ter não só acesso e permanência assegurados, mas o direito ao conhecimento produzido historicamente pela humanidade e não apenas a um currículo mínimo reduzido a um rol de competências que desconsideram a formação integral. Finalizamos, denunciando a intensa perseguição e criminalização de atores sociais e movimentos organizados da sociedade, com destaque para os ataques a estudantes e professores e suas entidades representativas, assim como as Universidades públicas e seus gestores, típicos de estados autoritários. A ANFOPE representa um pensamento educacional brasileiro comprometido historicamente com a escola pública, laica, gratuita e inclusiva em todos os níveis e modalidades para todos os cidadãos brasileiros e de qualidade referenciada no social. Ao longo da últimas três décadas, a luta da ANFOPE consiste na intervenção propositiva e consequente nas políticas educacionais, contribuindo para, coletivamente, com as demais entidades do campo educacional e outras instâncias sociais, para a construção de um projeto de formação dos profissionais da educação ancorado na defesa da Educação pública, de políticas de formação e valorização dos profissionais da Educação e dos princípios democráticos. Nesse sentido, não podemos nos calar diante do cenário de desmonte e retrocesso da política educacional, e, em especial, à forma impositiva da edição de medidas que impactam negativamente a educação pública ameaçando o direito à educação e a formação de professores no país. Brasília, 9 de abril de 2018 Lucília Augusta Lino, presidente e representando da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação