Palavras-chave: conjugalidade, homossexualidade, mulheres heterossexuais, família.

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Transcrição:

CONJUGALIDADE HOMOSSEXUAL MASCULINA: OLHARES DE MULHERES GOIANAS Maristella Maximo 1 Resumo 2 Este trabalho pretende trazer à discussão os olhares de mulheres heterossexuais casadas, com idades entre 40 e 50 anos, moradoras de bairro classe média de Goiânia, acerca da conjugalidade homossexual masculina. Especialmente a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu às uniões homossexuais o estatuto de entidade familiar, o que se busca é identificar se o grupo de mulheres acima definido compreende a conjugalidade homossexual masculina como um dos modelos familiares possíveis em nossa sociedade, também pautado na afetividade e nos vínculos sexuais duradouros, que tradicionalmente geram direitos à herança, seguridade social, pensões, entre outros. Palavras-chave: conjugalidade, homossexualidade, mulheres heterossexuais, família. Introdução A homossexualidade tem sido amplo campo de reflexões e análises diversas nos meios políticos, familiares, profissionais, acadêmicos, religiosos, entre outros. Muitas vezes ainda é vista com o estigma do preconceito, que a define como doença, crime, pecado ou desvio de comportamento. Às relações homossexuais negavam-se, e ainda em grande medida são negados, direitos fundamentais que lhes garantam o status de instituição familiar, caracterizada pelo reconhecimento social do direito à expressividade afetiva e ao exercício da conjugalidade e da parentalidade. Famílias formadas por homossexuais têm sido cada vez mais frequente sem nossa sociedade, 1 Graduanda em Ciências Sociais FCS UFG, maristellamaximo@gmail.com 2 Trabalho desenvolvido sob orientação do Prof. Dr. Luiz Mello.

ainda que sob o pejo da marginalidade, o que provoca representações negativas para o entendimento deste novo modelo familiar. A proposta deste trabalho é trazer à discussão o impacto que o reconhecimento legal das uniões homossexuais, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tem produzido na sociedade brasileira. O que interessa observar e problematizar, especialmente, são as representações acerca do tema próprio a mulheres heterossexuais, casadas, com idades entre 40 e 50 anos, moradoras de bairro classe média em Goiânia, acerca destes vínculos familiares. Em outras palavras, o que se busca compreender é como tais mulheres nomeiam e qualificam as relações afetivo-sexuais estáveis entre pessoas do mesmo sexo, particularmente entre dois homens, na sociedade brasileira atual. Família e afetividade: reconhecimento As bases que formam uma família são amplas, o que não significa o enfraquecimento desta instituição. Não é mais exigido que ela seja constituída apenas pelo casal heterossexual, com a intenção de reprodução. Ela pode ser com ou sem filhos, monoparental, formada por pessoas de mesmo sexo, unipessoal, ampliada, entre outros arranjos possíveis. Estas novas reestruturações têm sido questionadas por aqueles que defendem uma concepção mais conservadora de família, geralmente fundados apartir de crenças religiosas. O fato é que, ao longo da história, as famílias estão sendo construídas e reconstruídas de várias formas. Seus membros compartilham um mesmo contexto social e o sentimento de pertencimento. É onde se reconhece a diferença, é o lugar do aprendizado; onde acontecem as primeiras trocas afetivas e emocionais na construção das identidades, mas também o palco de dramáticos conflitos. É um sistema de constantes transformações nas mais variadas interações com o mundo externo, ou seja, a sociedade. A família se modifica no tempo, e passa por ciclos de equilíbrio e adaptação, o que torna inesgotáveis as formas de organização, impossibilitando um

formato único que dê conta da complexidade das relações humanas nos contextos sociais tão diversos e inusitados que se nos apresentam. As estruturas familiares há muito vem se modificando, mas o conceito hegemônico que se tem de família é o que a entende como a instituição base da sociedade, fundamental para a manutenção do Estado. Dessa forma, se ela o mantém, é certo que este a proteja. Logo, as relações entre cônjuges devem ser regulamentadas pelo Estado afim de que possam gozar de todos os direitos e deveres inerentes à instituição. Segundo Roger Raupp Rios: O direito de família caminha cada vez mais em direção ao reconhecimento da natureza familiar de relações humanas, estáveis e duradouras, fundadas na sexualidade e no afeto, com a intenção de estabelecer-se em plena comunhão de vida [...] assim como nas uniões heterossexuais, o estabelecimento de relações homossexuais, fundadas no afeto e na sexualidade, de forma livre e autônoma, diz respeito à proteção da dignidade humana (2007, p. 115). Com a regulamentação das uniões homossexuais, agora como entidade familiar, a partir da decisão do STF, as práticas sociais pedem um novo olhar sobre si. De acordo com Luiz Mello, Quando o Congresso Nacional aprovar e a Presidência da República sancionar uma lei de parceria, a sociedade brasileira terá dado um passo decisivo para a ruptura com o heterocentrismo e para o reconhecimento da liberdade de orientação sexual e do exercício da conjugalidade como direitos fundantes das sociedades democráticas. (2005, p. 213-4). É nesse contexto, em que são discutidos os novos tipos de famílias, que se mostra interessante analisar o posicionamento das mulheres goianas que fazem parte de famílias heterossexuais sobre o reconhecimento das uniões homossexuais como entidade familiar. As discussões devem ir além do âmbito do direito e do campo teórico, abarcando também o cotidiano, haja vista ser este um fato recente em nossa sociedade, onde, mesmo com as informações divulgadas, há um grande desconhecimento por grande parte da população sobre o que seja a equiparação das

uniões homossexuais às uniões estáveis entre heterossexuais e suas implicações. O olhar sobre a união homossexual é especialmente importante em uma nova ordem pelo fato de colocar em xeque os elementos estruturantes das relações de poder que constituem a estrutura social. Importância do olhar feminino Na cultura heterossexista, o homem é o provedor, o guia, e a ele a mulher, os filhos e a família devem se submeter. Este tipo de família destaca-se pelo caráter conservador e autoritário. Isso é passado culturalmente de uma geração para a seguinte. A mulher nestes contextos geralmente espera que seus filhos cresçam, se casem, constituam famílias heterossexuais e assim reproduzam o modelo em que estão inseridos. Na sociedade contemporânea, a mulher deu passos importantes rumo à sua independência: seu olhar alcança longínquas fronteiras, fortaleceu sua participação no mercado de trabalho, aumentando seu poder aquisitivo, além de reduzir a defasagem salarial que existe em relação aos homens, embora esta ainda seja expressiva. Em contraponto à estrutura familiar tradicional, tende a haver nas famílias atualmente uma repartição das tarefas domésticas e das responsabilidades sobre os filhos pelos cônjuges, ainda que a sociedade continue imputando à mulher o título de cuidadora zelosa da família, responsável pela educação da prole. Neste contexto, não é demais lembrar que a mulher ocupa lugar relevante e fundamental no que tange à formação de opiniões e representações sociais acerca de homens e mulheres.

Referências GARCIA, Sandra Mara. Conhecer os homens a partir do gênero e para além do gênero. In: ARLIHA, Margareth; RIDENTI, Sandra G. U. e MEDRADO, Benedito (orgs). Homens e masculinidades: outras palavras. São Paulo: Editora 34, 1998, p. 31-50. MELLO, Luiz. Novas famílias: conjugalidade homossexual no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. RIOS, Roger Raupp. Uniões homossexuais: Adaptar-se ao direito de família ou transformá-lo? Por uma nova modalidade de comunidade familiar. In: GROSSI, Miriam, UZIEL, Anna e MELLO, Luiz (orgs). Conjugalidades, parentalidades e identidades lésbicas, gays e travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 2007, p. 109-29.