A formação de professores do campo: análise do perfil e dos sentidos da docência de estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da FaE/UFMG

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Transcrição:

A formação de professores do campo: análise do perfil e dos sentidos da docência de estudantes da Licenciatura em Educação do Campo da FaE/UFMG Introdução Aline Aparecida Angelo O debate sobre a formação de professores do campo surge no contexto das reivindicações dos movimentos sociais campesinos por políticas públicas para escolas do campo. A educação do campo tem sua materialidade nos movimentos socais campesinos, ligados às questões agrárias, que inserem a luta por educação do campo num debate de um novo projeto de campo. Projeto esse que concebe o campo como espaço de democratização da sociedade brasileira e de inclusão social, e que projeta seus sujeitos como sujeitos de história e de direitos; como sujeitos coletivos de sua formação enquanto sujeitos sociais, culturais, éticos, políticos. (ARROYO et al, 2005, p. 12). O movimento da Educação do Campo surge a partir do I Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I ENERA), ocorrido em 1997 na Universidade de Brasília que é considerado o fato que melhor simboliza o nascimento do Movimento de Educação do Campo no Brasil. A partir desse encontro foi gestado o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), criado em 1998 1 com participação ativa dos movimentos sociais em sua construção e gestão. O programa teve como prioridade elaborar projetos para Alfabetização e Escolarização de Jovens e Adultos em áreas de Reforma Agrária. Contudo, também desenvolveu experiências com formação docente visando profissionalizar professores da Reforma Agrária para atuar nas escolas de assentamentos, a exemplo, dos cursos de Pedagogia da Terra. Essa diversidade de possibilidades de formação fez desse programa um grande laboratório de experiências de formação de pessoas dentro da educação do campo. Outros encontros, projetos e espaços conquistados na esfera estatal foram adquiridos pelo movimento da educação do campo. Todavia destaco aqueles específicos para a formação de professores, que constitui o foco desse texto. Conforme já citado, o PRONERA propiciou também o desenvolvimento de cursos de formação de professores para o campo. A partir do acúmulo de experiências 1 O referido Programa foi criado pela Portaria nº 10/98, do então Ministério Extraordinário da Política Fundiária.

adquiridas nesse programa, e do aumento de reivindicações por políticas de formação docente no interior do Movimento da Educação do Campo, é criado em 2007 o Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (PROCAMPO), pela iniciativa do Ministério da Educação intermediada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD). Esse Programa teve como objetivo viabilizar a criação de cursos regulares de Licenciatura em Educação do Campo, para professores em exercício na rede pública das escolas do campo e para educadores com experiências alternativas em educação do campo. Com a criação desse programa, algumas universidades foram convidadas a desenvolver o curso de Licenciatura em Educação do Campo como experiência piloto, em virtude do acúmulo adquirido com experiências anteriores no âmbito do PRONERA. Entre essas universidades está a UFMG, em que desenvolvemos uma pesquisa 2 visando compreender os sentidos construídos por estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo (LeCampo) sobre ser educador do campo. Especificamente, nesse artigo apresentamos uma análise do perfil socioeconômico e da trajetória escolar dos estudantes inseridos no referido curso, assim como os grupos de sentidos sobre ser educador do campo, analisados na dissertação de mestrado. Quem são os estudantes do curso de Licenciatura em Educação do Campo? Como chegaram à universidade? Que vivencias ou experiências educativas tiveram? As questões colocadas nesse subtítulo nos provocam a conhecer quem são esses sujeitos que ingressam no LeCampo, pois constituem um perfil de estudantes, com histórias de vida e de luta até então pouco conhecidas pelas universidade. Estabelecemos nesse texto uma análise do perfil desses estudantes em comparação com a pesquisa realizada por Gatti e Barreto (2009) sobre o perfil dos estudantes de licenciatura no Brasil. Os estudantes em questão eram discentes da segunda turma de Licenciatura em Educação do Campo, batizada pelos alunos como Turma Dom Mauro, ingressos no ano de 2008. De acordo com o PPP (Projeto Político Pedagógico) do referido curso, este tem como objetivo geral contribuir na construção de alternativas de 2 Os resultados dessa pesquisa foram analisados na dissertação de mestrado, de minha autoria, intitulada: O que é ser educador do campo: os sentidos construídos pelos estudantes do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da FaE/UFMG, sob orientação da professora Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo

organização do trabalho escolar e pedagógico que permitam a expansão da educação básica no e do campo. Em uma análise do PPP, percebemos que os objetivos do curso condizem com os propósitos da educação do campo ao enfatizar a necessidade de formar educadores para atuarem em escolas a serem conquistadas e mantidas, como aquelas que ofertam as séries finais do ensino fundamental e o ensino médio, e uma formação que capacite os educadores na gestão de práticas educativas vinculadas e comprometidas com o desenvolvimento sustentável do campo. Nesse aspecto, o projeto também destaca a proposta de organização coletiva, na construção de referências para políticas públicas e alternativas para a nucleação de escolas rurais. Além disso, mostra a preocupação na formação e habilitação de professores em exercício que não possuem formação para tal. Sobre o perfil dos discentes do curso, no que se refere ao gênero à turma era composta por 26 homens e 33 mulheres com perfil de jovens e adultos, pois possuem idades que variam entre 20 a mais de 40 anos, sendo a maioria com idades entre 20 a 30 anos. Apesar de o número de jovens ser maior, é considerável o número de adultos com mais de 30 anos, que correspondem quase à metade dos estudantes nessa turma. Comparando essa característica com os dados da pesquisa desenvolvida por Gatti e Barreto (2009) que, ao apresentar o perfil dos licenciandos segundo faixa etária, revela que há menos da metade dos estudantes na faixa etária ideal, de 18 a 24 anos: (46%); entre 25 a 29 anos situam-se pouco mais de 20% deles e proporção semelhante está na faixa dos 30 a 39 anos (GATTI e BARRETO, op. cit., p. 160). No caso do perfil da turma deste estudo, se distribuímos a idade dos alunos de acordo com o intervalo determinado por Gatti e Barreto, teríamos entre os 58 que declararam a idade: 36% entre 18 a 24 anos; 15% entre 25 a 29 anos, com proporção semelhante para aqueles entre 40 a 49, e 33% com idades entre 30 a 39 anos. Com essa distribuição fica mais visível a defasagem de idade dos estudantes do LeCampo, pois temos um número ainda menor de estudantes que estão na faixa etária ideal de alunos no ensino superior do Brasil e um número maior daqueles que estão fora dessa faixa. Tratam-se de estudantes de origem campesina, pois dos 59 que responderam o questionário, 33 declararam moradia no campo. A relação desses estudantes com o campo é perceptível também no que se refere à ligação destes com os movimentos sociais (MS) e organizações populares do campo (OPC), já que, desse mesmo universo, foram 45 que declararam vínculo com os mesmos, ao iniciar o curso, e 11 declararam não estar envolvidos com MS e OPC, quando iniciaram o curso. Estes

últimos atuam na educação do campo em instâncias que não se enquadram nos parâmetros políticos e ideológicos dos movimentos sociais e OPC e que não estão vinculadas diretamente ao movimento da Via Campesina do Brasil, como é o caso das Secretarias Municipais de Educação de algumas Prefeituras (como das cidades de Miradouro, Franscisco de Sá e João das Missões) e aqueles que desenvolvem trabalhos junto a EMATER-MG. Tornou-se pertinente analisar durante a pesquisa a trajetória escolar desses estudantes e que experiências possuíam com educação do campo. De acordo com o Gráfico abaixo, a formação escolar dos estudantes inicia-se em escolas do campo com o 1º Ciclo do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série). Gráfico 3: Formação escolar de acordo com o local onde estudou A figura acima reflete a situação da educação escolar ofertada no campo. Como podemos ver, 37 estudantes cursaram a primeira fase do ensino fundamental em escolas localizadas no campo. Porém, no que se refere aos estudos no segundo ciclo do ensino fundamental e o ensino médio, o gráfico mostra o aumento no número de estudantes que concluíram os estudos em escolas da cidade. Consequentemente cai o número daqueles que permanecem no campo cursando o 2º ciclo do ensino fundamental e o ensino médio. Esses dados não poderiam ser diferentes, tendo em vista um perfil de estudantes de origem camponesa, pois historicamente a escola rural foi pensada a partir do paradigma urbano, tendo esse paradigma como inspiração do direito a educação (ARROYO, 2007). Conforme Arroyo (2007), o campo não é esquecido, pois é lembrado pelas políticas públicas com a palavra adaptação, lembrado como o outro lugar e seus cidadãos como os outros cidadãos. Assim, os outros são lembrados por meio de políticas públicas que vão adaptando às condições do campo a educação escolar, os currículos e a formação dos profissionais pensados no paradigma urbano (ARROYO, p. 159, 2007). Todavia, a consequência dessa adaptação é a precarização

da oferta de escolas do campo, já que ocorre uma secundarização deste no âmbito das políticas públicas. Ainda na formação escolar dos estudantes do LeCampo, no que tange a formação anterior ao curso, em nível superior ou técnico, são 23 educandos que tiveram essa formação, antes de ingressarem no curso. Desses, dez são Técnicos em Agropecuária, que tiveram formação nas EFA s, sete fizeram o curso de Magistério ou Pedagogia e seis tiveram outro tipo de especialização. Para conhecer um pouco mais sobre a bagagem cultural das famílias das quais provêm os educandos, questionamos sobre a escolaridade de seus pais como um possível indicador. Os dados obtidos revelam que os estudantes são filhos de pais com pouca escolaridade, pois a maioria possui o primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª a 4ª série), que, nos dias atuais, é considerado um índice baixo. Observando pela questão de gênero, percebemos que as mulheres possuem escolaridade um pouco maior que os homens, pois o dados mostrou a inserção de algumas no segundo ciclo do ensino fundamental, ensino médio e há uma que concluiu o ensino superior. Em relação àqueles que nunca frequentaram escola, o índice entre homens e mulheres é próximo, mas ainda é considerado um índice alto. Comparando esses dados com a pesquisa de Gatti e Barreto (2009) sobre o perfil dos professores do Brasil, no item referente à bagagem cultural dos licenciandos, os dados de sua pesquisa mostram que a escolaridade dos pais de alunos de Pedagogia que não possuem nenhuma escolaridade é de 11%, enquanto que nas Licenciaturas são 8,4%. Em relação à escolaridade do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série), alunos de Pedagogia que possuem pais com essa escolaridade correspondem a um índice de 46,5%, e nos cursos de Licenciaturas de 39,4%. No caso dos educandos da Turma Dom Mauro, os dados se aproximam com os índices dos alunos de Pedagogia no Brasil, porém com percentual maior, pois 19% dos pais nunca frequentaram escola e 51% possuem o Ensino Fundamental (1ª a 4ª série). Em relação à escolaridade das mães, a pesquisa de Gatti e Barreto (2009) mostra que no curso de Pedagogia 9,9% das mães não possuem escolaridade e nas Licenciaturas são 7,3%. No caso do Ensino Fundamental (1ª a 4ª série), são 43,3% das mães de alunos de Pedagogia que possuem, enquanto que nas Licenciaturas são 35,3%. Em relação à escolaridade da mãe, os dados da Turma Dom Mauro ficam mais próximos do perfil dos estudantes de Licenciatura no Brasil, no que tange à escolaridade no Ensino Fundamental (1ª a 4ª série), pois são 37% das mães que o possuem. Já os índices relativos às mães que nunca frequentaram escola, correspondem a 17% das mães, uma porcentagem superior se comparada com os alunos de Pedagogia e Licenciatura no Brasil.

Conforme já citado nesse texto, tendo em vista que os estudantes possuem origem camponesa os dados relativos à escolaridade dos pais e das mães também não poderiam ser diferentes, considerando o descaso histórico do poder público com a escolarização dos sujeitos do campo. Além disso, têm-se as dificuldades de acesso e permanência nas escolas rurais pelos povos do campo, que são tanto pela cultura urbanocêntrica característica dessa instituição quanto pelas necessidades de trabalho que se inicia muito cedo na vida dos camponeses. Outra informação obtida nos questionários é referente à experiência com docência entre os estudantes. Esses dados mostram que 31 estudantes tiveram experiência com docência antes de ingressarem na Licenciatura em Educação do Campo. Dentre esses estudantes, um declarou que atuou como educador social, quatro com Educação Infantil, 17 com Ensino Fundamental, cinco com Ensino Médio e quatro afirmaram que tiveram experiência em mais de uma modalidade. Contudo, o tempo de experiência com docência foi pequeno para a maioria e o local de atuação foi basicamente em escolas do campo. Ainda como estudantes do curso, 28 afirmaram que atuavam como docentes. No que se refere ao local de atuação, ainda é predominante o número daqueles que trabalham em escolas do campo (18 estudantes), porém expande o número daqueles que estão trabalhando em escolas da cidade (seis estudantes). Uma das hipóteses que justificam a atuação desses estudantes em escola da cidade é a ausência de escolas no campo que ofertem o ensino fundamental e médio. Isso porque a tendência das políticas municipais e estaduais é promover a nucleação e o fechamento daquelas que ainda resistem e a utilização do transporte escolar, para levar os alunos do campo para a cidade. Conforme já destacado, esse é um desafio para a educação do campo e os estudantes em formação, que é conquistar escolas no campo que ofertem essas duas modalidades e romper com a política de nucleação. Os sentidos sobre ser educador do campo atribuídos pelos estudantes do LeCampo. Trazemos aqui alguns dados de entrevistas analisadas na pesquisa de mestrado. As entrevistas foram realizadas com três estudantes do LeCampo, sendo uma delas integrante do MST, da AMEFA 3, e a outra é professora do Município de Miradouro, município esse integrado nas discussões da Educação do Campo através da Rede Mineira de Educação do Campo. Por uma questão de espaço e de proposta para esse texto, apresentamos as categorias de sentidos com algumas análises, para 3 Associação Mineira de Escolas Famílias Agrícolas.

efeito de exposição sobre os sentidos que estão em curso no âmbito da formação docente da educação do campo. Nossas análises estão organizadas através de categorias que discorrem sobre significados e sentidos, que são: i) A educação do campo em sua diversidade: contribuições dialógicas da Universidade; ii) Luta política: educador como sujeito de transformação; iii) O educador do campo e o trabalho com o currículo: o lugar dos múltiplos saberes. No que se refere à primeira categoria, as educandas tecem uma série de sentidos sobre a formação recebida na Universidade e as formas que tiveram de participar e construir coletivamente a proposta do curso no LeCampo. Esses sentidos estão relacionados tanto ás aprendizagens que tiveram de metodologias e práticas para atuação como educadoras, como também as formas de organização coletiva, democrática e dialógica nos processos de decisão e construção de uma proposta de curso. Na segunda categoria analisada, Luta política: educador como sujeito de transformação, temos uma dimensão de sentido que considera o educador do campo como aquele que tem a capacidade de lutar por direitos e de provocar mudanças. No enunciado abaixo, Maria da Silva responde, em entrevista, sobre suas transformações pessoais depois da inserção no curso. Discutimos esse enunciado aqui e não na categoria anterior pela dimensão de sentido que a palavra coletivo representa. A visão que a gente tem das coisas... a visão que a gente tem da vida, a visão que a gente tem do que acha importante para gente, a gente percebe que é tão pequena perto do coletivo... Ao discorrer sobre as diferenças existentes no grupo e como que a convivência com o Outro possibilitou o crescimento da turma, no sentido de aprendizagem, respeito, e reconhecimento da educação do campo como uma luta comum, Maria da Silva afirma que existia eu antes do curso e existe eu agora depois do curso. Questionando a educadora sobre o quê mudou, ela traz aquele enunciado e continua seu discurso sobre a percepção do quão pequeno é uma luta individual perto do coletivo: isso a gente só aprende com o outro, vendo a luta do outro... Abraçado à causa do outro. Não é a minha causa, não é a causa do outro também. É a nossa causa 4. A dimensão de uma organização coletiva tem um peso de sentido para essa educadora. Um sentido que traz o reconhecimento de causa, de luta, que antes não 4 Grifo meu

percebia na sua realidade de professora municipal. Com o curso, com a vivência com o Outro, essa educadora passou a entender o potencial que o coletivo tem para efetuar transformações. Esse sentido é apropriado pela educadora a partir do contato que estabeleceu com os colegas de turma, sendo grande parte deles sujeitos organizados em movimentos sociais ou sindicais. Com isso, podemos afirmar que o conhecimento da organização coletiva, da luta se deu pelo contato com o Outro, ou seja, com os colegas da turma. Na terceira categoria analisada, O educador do campo e o trabalho com o currículo: o lugar dos múltiplos saberes, apresentamos os sentidos que salientam uma prática pedagógica do educador do campo. Os sentidos se situam nessa prática, que é determinada por uma formação humana e crítica dos sujeitos, que visa à utilização de metodologias que contextualizam o saber científico com o local, que envolve diversos sujeitos sociais, professores, educandos e comunidade na construção de uma prática pedagógica para uma escola do campo. Esse entendimento da necessidade de uma metodologia que trata o conhecimento científico situado com os saberes primários, ou seja, da realidade da vida, é apreendido pelas educadoras com a formação vivenciada na Universidade. Nos enunciados que tratam da avaliação do curso surge esse destaque para o ensino contextualizado. Considerações Finais A apresentação do perfil dos estudantes do LeCampo tornou-se relevante para compreender, em um plano macro, quem são esses estudantes, em que movimento estão organizados, em que regiões residem, além de ter conhecimento sobre suas trajetórias escolares e de seus familiares. Tais dados nos mostram discentes de origem campesina, integrados em diferentes movimentos sociais, o que revela uma diversidade de sujeitos coletivos integrando o curso, além de educados com experiência em escolas do campo. A análise desse perfil nos mostra que a origem campesina traz especificidades em suas trajetórias escolares, muitas vezes marcadas pelo descaso das políticas públicas com escolas do campo, assim como nos propósitos dos discentes na luta pela educação do campo e pela escola do campo, que se torna perceptível ao analisar os sentidos de ser educador do campo. Já os sentidos sobre ser educador do campo, foram analisados com mais profundidade em minha dissertação de mestrado, que se encontra em processo de publicação, tendo a teoria bakhtiniana como respaldo teórico de análise. Em linhas gerais, os sentidos de ser educador do campo trazem o entendimento de um educador

em constante processo de aprendizagem, que respeita os saberes do outro e a possibilidade de aprender com esses. Da mesma forma, esse educador tem uma responsabilidade ética do seu ato, tanto no processo de aprendizagem como nas suas ações na busca de garantir direitos aos sujeitos do campo e a si próprios. As ações desse educador não se dão de forma isolada e individual, pois ele precisa do outro, ou seja, de um coletivo para que sua voz soe com uma entonação mais forte, no sentido de provocar mudanças. Em seu texto Arte e Responsabilidade, Bakhtin (2011) afirma que os três campos da cultura humana a ciência, a arte e a vida só adquirem unidade no indivíduo que o incorpora na sua própria unidade, ou seja, no seu eu, na sua responsabilidade. Comentando esse texto em relação à temática da educação, Freitas (2009) afirma que essas dimensões da cultura humana conhecimento científico, vida e arte devem estar juntas em uma unidade feita pela responsabilidade. Para a autora, o educador é aquele que se responsabiliza por essa integração entre conhecimento, arte e vida, sendo essa integração um desafio para a nossa contemporaneidade. Novamente, a responsabilidade do educador tem uma centralidade no seu fazer educativo. Essa responsabilidade pode ser compreendida nos discursos dos estudantes ao enfatizarem a necessidade de um educador que trabalhe os conteúdos (conhecimento científico) contextualizados com a cultura local dos povos do campo, ou seja, com a vida e suas manifestações artísticas. Tanto apresentam essa necessidade, como trazem nos seus relatos essas experiências na formação vivenciada na Universidade, ao afirmarem os esforços desta em tratar o conhecimento científico relacionado com a prática e ao relatarem a presença das místicas e de suas músicas durante essa formação. Referências ARROYO, Miguel Gonzales. Políticas de Formação de Educadores (as) do Campo. Cadernos Cedes, Campinas, vol. 27, nº 72, p. 157-176, maio/ago. 2007. ARROYO, Miguel; CALDART, Roseli; MOLINA, Mônica (org.). Por Uma Educação do Campo: Vozes, 2005. BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Trad. do Russo por Paulo Bezerra. 6ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011. GATTI, Bernadete Angelina; BARRETO, Elba Siqueira de Sá. Professores do Brasil: impasses e desafios. Brasília, UNESCO, 2009.