Paulo martins Literatura latina 2009
2009 IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. M386 Martins, Paulo. / Literatura Latina. / Paulo Martins Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2009. 268 p. ISBN: 978-85-387-0901-5 1. Literatura Latina - História. 2. Língua Latina - Literatura. 3. Gêneros Literários Latinos. I. Título. CDD 870.9 Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: Domínio público Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel Curitiba PR 0800 708 88 88 www.iesde.com.br
Paulo Martins Doutor e Mestre em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo (USP). Professor de Língua e Literatura Latina da Graduação e da Pós-Graduação na USP.
Sumário Roma: contexto histórico-literário... 13 Roma e seus limites... 13 Roma: uma breve história... 17 Práticas letradas... 23 Imitação (imitatio), emulação (aemulatio) e tradição (traditio)... 26 Lírica... 33 O gênero lírico no mundo moderno e na Antiguidade Clássica... 33 Horácio e a diversidade lírica: a obra de Horácio... 38 Horácio das odes: a efemeridade da vida e a perenidade da obra... 40 Elegia... 51 Noção moderna de elegia... 51 A elegia romana... 51 O gênero elegíaco grego e a modalidade inovadora romana: Catulo, Tibulo, Ovídio e Propércio... 52 Bucólica... 73 O mundo campesino e a poesia pastoral... 73 A importância das Bucólicas de Virgílio e dos Idílios de Teócrito de Siracusa... 78
Épica... 91 Camões, Homero e Virgílio... 91 Virgílio em seu tempo... 92 Eneida... 93 Comédia...107 Antecedentes gregos da comédia: Aristófanes e Menandro...107 A comédia nova e a construção dos tipos segundo Teofrasto...114 As comédias de Plauto e Terêncio...115 Tragédia...125 A Poética de Aristóteles e a tragédia...125 As tragédias de Sêneca: aspectos inovadores e diferenciais...130 Historiografia...143 Verdade e verossimilhança...143 Modalidades historiográficas romanas...149 As monografias de Salústio...153 Os comentários de Júlio César...156 A história universal de Tito Lívio...157 A obra de Tácito...158 Retórica...167 Uma pequena história da retórica...167 A organização dos discursos...170 Retórica na Antiguidade...176 Oratória...187 A arte cidadã, política e republicana: suas origens gregas...187 Demóstenes, Lísias e Isócrates...193 Gêneros do discurso segundo a retórica antiga...194 Cícero nos tribunais, no Senado e nas assembleias...200
Poesia didática...209 Poesia e escolas de retórica...209 O paradigma grego: Hesíodo...211 Modalidades poéticas didáticas romanas...216 Sátira...227 Origens da sátira...227 Função da sátira...229 A invectiva: o iambo...231 A sátira: o riso...232 A sátira menipeia...240 Gabarito...251 Referências...259
Apresentação Toda vez que alguém pretende falar algo sobre Literatura, ou sobre quaisquer outras expressões artísticas, é de bom tom que inicie contextualizando-a. O contexto nada mais é que o universo de referências que circunda e circunscreve determinada obra de arte, isto é, o somatório de elementos culturais que são tratados direta ou indiretamente pela obra e na obra. Podemos dizer ainda: o conjunto de dados de cultura que compõe o conhecimento de mundo de certo autor, pintor, escultor, cineasta ou dramaturgo e que se reflete implícita ou explicitamente em sua cotidiana tarefa de representar o mundo, traduzido em arte. Falar de literatura latina é, portanto, tarefa ingente. Não só compreende largo espectro temporal 13 séculos, como também compreende vastíssimo universo geográfico. Isso tudo sem falarmos na enorme gama de gêneros literários lá produzidos, sem pensarmos a diversidade das gentes que caracteriza ou determina a expressão literária em cada autor de acordo com suas idiossincrasias. Entretanto, apesar de difícil, a tarefa deve ser empreendida. É lógico que o contexto aqui reproduzido será aquele que mais amplamente interfere no maior número de obras e de autores latinos conhecidos, porém jamais seria possível imaginar que esse daria conta da totalidade de obras e de autores desses 13 séculos de história. Adotamos, pois, critérios que norteiam a produção literária no período: os gêneros literários, balizados de acordo com as preceptivas e doutrinas desses gêneros na Antiguidade greco-latina: teorias poéticas, retóricas e gramaticais que ensinam a produção e instruem a recepção. Essa última questão, a saber, a instrução da recepção, é também viés a ser esclarecido por nós no decorrer desse trabalho, pois a ela, a essa recepção, foram produzidas as obras das quais ora falamos. Assim a delimitação da audiência como uma das variáveis de contexto pode, sim, via doutrina de decoro retórico (aptum), que pressupõe adequação de forma e conteúdo (uerba et res) ao leitor/ouvinte, oferecer instrumentos de compreensão do texto literário antigo, viés esse bem aferido pela estética da recepção de Hans Robert Jauss (1921-1997). É necessário que esclareçamos outro pressuposto na esteira do contexto, na esteira daquilo que contém a obra: a teoria antiga dos gêneros. A maior parte da arte antiga, mimética por excelência, deve ser entendida por duas vias distintas, já que a imitação a mimese pode ser efetuada a partir da natureza e da tradição. Dessa última espécie de mimese, podemos inferir que a produção literária antiga parte do princípio óbvio que: Se desejo produzir uma comédia romana, devo buscar na tradição os melhores poetas cômicos para que com eles eu produza a emulação, isto é, o imite buscando superá-lo nas virtudes da elocução, na boa concretização dos caracteres, na efetiva causalidade do enredo, na precisa operação da melopeia, na pertinente construção dos pensamentos e nos inovadores aspectos da encenação.
Para que esse suposto poeta cômico consiga realizar toda essa tarefa de imitação, superando os melhores paradigmas oferecidos pela tradição, antes de tudo deve ter em mente que a poesia e a prosa antigas, como técnica (ars/técne), são mediadas por doutrinas de gênero que estabelecem os melhores caminhos para que se alcance a efetivação da excelência. Pelo que vemos, portanto, tratar de literatura antiga, seja latina seja grega, não é uma tarefa simples que apenas depende da boa intenção do leitor ou de certa sensibilidade romântica, ao contrário, é tarefa tão árdua quanto é distante essa literatura de nós, que depende de variáveis múltiplas para que nos aproximemos minimamente dos efeitos, digamos estéticos, que autores como Virgílio, Catulo, Horácio, Plauto, Propércio, Cícero, Tito Lívio, Salústio, Petrônio, Sêneca e outros lograram intentar e conseguiram, pois que suas obras, apesar do impiedoso tempo já vão 2 000 anos em média ainda sobrevivem, e mais: interferem, alteram, modificam, intensificam a produção literária moderna e contemporânea ocidental. Assim não há como negar o Virgílio que há em Camões ou em Dante, não há como não ver em Shakespeare a tragédia de Sêneca, não existe a menor possibilidade de não enxergar nos poetas árcades o bucolismo de Teócrito e de Virgílio e assim por diante. Essas obras antigas são clássicos e assim sendo, Italo Calvino, escritor italiano, em seu livro Por que ler os Clássicos, bem informa: Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos. Ou ainda: Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram... Paulo Martins