1 Entrevista Jorge M. Samek Diretor Geral Brasileiro - Itaipu Binacional Curitiba, 13 de abril de 2015 P - O que significa para a Itaipu Binacional, para Foz do Iguaçu e região trinacional (Argentina, Brasil e Paraguai) sediar a 30ª edição do Seminário Nacional de Grandes Barragens (SNGB)? Samek Para nós, em primeiro lugar, é uma imensa alegria receber mais uma vez o Seminário Nacional de Grandes Barragens. É sempre uma oportunidade de mostrar aos visitantes as características e belezas únicas da nossa região. Para Itaipu, é um momento de contato direto com a comunidade técnico- científica, permitindo que especialistas conheçam in loco a sua barragem, eleita como uma das sete maravilhas de engenharia do mundo moderno, em concurso realizado pela Associação Norte- Americana de Engenheiros Civis (Asce) para a revista Popular Mechanics, dos Estados Unidos. Para a região, é uma oportunidade especial de se apresentar como um destino turístico mundial. Esperamos que daqui os participantes levem, além do aprendizado técnico, as melhores impressões, fruto da hospitalidade da nossa gente e do encantamento com os atrativos da região trinacional. P O senhor acredita que o seminário será um momento oportuno para esclarecer a sociedade sobre uso racional dos recursos hídricos para a produção limpa de energia? Samek Fóruns dessa natureza oferecem sempre uma excelente oportunidade para informarmos corretamente a sociedade sobre um setor sensível e estratégico para qualquer nação, como é o setor de energia elétrica. Pela natureza do Seminário Nacional de Grandes Barragens, estaríamos pregando para os convertidos se pretendêssemos convencer os participantes da importância crítica dos grandes projetos hidrelétricos para a segurança energética do Brasil. O que a crise hidrológica atual ressalta é a necessidade de o País levar adiante os grandes investimentos retomados na década passada nos projetos hidrelétricos na
2 região Norte. Como as regiões geográficas têm regimes pluviométricos diferenciados e o País conta com um sistema nacional de transmissão interligado, haverá um ganho evidente em termos de aumento da segurança energética com a entrada em operação das usinas do Rio Madeira e de Belo Monte. A Itaipu, que em 2014 comemorou 30 anos de operação, continua sendo uma referência quando se fala em uso racional de recursos hídricos e geração de energia limpa e renovável. Quem atesta isso é a ONU, que acaba de premiar o Programa Cultivando Água Boa (CAB). Desenvolvido na Bacia do Paraná 3, no Oeste paranaense, este programa foi escolhido pela ONU como o melhor programa do mundo na categoria Melhores práticas em gestão da água, concorrendo com 40 iniciativas de todos os continentes. Assim, Seria um grande retrocesso e uma perda irreparável para o Brasil se abrisse mão de avançar nos projetos de construção de novas hidroelétricas. O seminário é importante para Itaipu mostrar que é possível considerar na missão da empresa de forma efetiva a geração de energia elétrica limpa e renovável com sustentabilidade ambiental e desenvolvimento territorial. P De que forma a correlação de interesses ideológicos, políticos e ambientais podem interferir no processo de construção de novas barragens e na consequente formação de reservatórios de usinas hidrelétricas? Samek Esperamos que interfira de forma positiva. Há um desafio enorme para o país nos próximos vinte anos que é de dobrar a oferta interna de energia elétrica, sem sujar a sua matriz energética, predominantemente baseada em fontes renováveis. O consumo médio anual do brasileiro é baixo quando comparado a países moderadamente desenvolvidos. Assim, teremos que prover energia para um grande contingente de pessoas que ascendeu de classe na última década, e que tem a legítima aspiração de continuar melhorando o seu padrão de vida. A hidroeletricidade é a melhor resposta para a geração de energia limpa e renovável em grande escala. Porém, a matriz elétrica não pode prescindir da diversificação de fontes. No atual estágio de desenvolvimento tecnológico, não se sustenta falar em substituição de fonte hidráulica, mas sim de complementaridade. Não há, portanto, nenhuma contradição em investir no aproveitamento do potencial hidráulico de que o País ainda dispõe e, ao mesmo tempo, incentivar a exploração de novas fontes renováveis, como a eólica, a eletrovoltaica e a biomassa. Só assim poderemos suprir o Brasil com o volume de energia necessário e o nível de confiabilidade compatível com os desafios de crescimento econômico. As discussões no Seminário Nacional de Grandes Barragens devem se dar nesta perspectiva, sem viés de qualquer natureza, olhando para o equilíbrio que melhor represente todas estas dimensões: ambiental, política, econômica e social. O que podemos afirmar e demonstrar é que a hidroeletricidade é uma escolha que apresenta uma combinação sustentável destes fundamentos.
3 P Até que ponto estas premissas podem influenciar o rigor das exigências para o licenciamento dessas obras no país e a projeção de novos projetos de barragens e suas respectivas proporções dimensionais? Samek Somando os empreendimentos já construídos e os em construção, o Brasil só utiliza aproximadamente 35% do seu potencial hidroelétrico. Ou seja, ainda contamos com cerca de dois terços inexplorados, uma riqueza incalculável. Os cenários já comentados anteriormente mostram a necessidade de novas fontes de geração, uma vez que o País precisa agregar ao seu parque gerador quase uma Itaipu a cada dois anos. É uma conta que não fecha sem a hidroeletricidade. Outras fontes são fundamentais para complementar nossa matriz elétrica, mas nenhuma tem a possibilidade de responder isoladamente por este desafio. A eólica, a fotovoltaica, a biomassa, a térmica, a nuclear, a microgeração distribuída ou qualquer outra fonte são todas necessárias para dar maior segurança ao suprimento de energia. Porém, a hidroeletricidade continuará sendo a principal fonte pelas décadas à frente. É a coluna dorsal do sistema. Deste modo, o processo de liberação de novos empreendimentos deve seguir o rigor da legislação ambiental brasileira, reconhecidamente uma das mais abrangentes e rigorosas do mundo, mas com a agilidade que um tema tão estratégico para o país requer. O uso múltiplo dos reservatórios permite ampliar os benefícios de um empreendimento hidroelétrico. Está em estudo, por exemplo, o aproveitamento parcial do espelho d água dos reservatórios para a instalação de painéis eletrovoltaicos, o que permitiriam agregar a geração de outra fonte utilizando a mesma infraestrutura de transmissão já disponível, compensando, inclusive, a queda de geração hidroelétrica no período de estiagem. Os reservatórios são um importante recurso para a segurança energética e não há mecanismo de armazenamento de grande quantidade de energia tão eficiente, limpo e renovável quanto o armazenado sob a forma de água no reservatório. P O senhor acredita, deste modo, que poderíamos aproveitar melhor o amplo potencial hídrico do Brasil, com oportunidades para novos empreendimentos que, possivelmente ajudarão o país a enfrentar crises hidrológicas, além de gerar emprego, renda e infraestrutura para o desenvolvimento sustentável do Brasil? Samek - Toda crise tem um aspecto didático e acaba proporcionando um momento de reflexão e aprendizado. As lições do apagão de 2001 levaram a grandes melhorias. Sem os investimentos realizados desde então em novos empreendimentos hidrelétricos, em termoelétricas, em novas linhas de transmissão e na consolidação do Sistema Nacional Interligado (SIN), o Brasil estaria novamente enfrentando racionamento. O cenário hídrico enfrentado nos últimos seis meses é crítico. Uma combinação de probabilidades fez com que as chuvas caíssem mais fora do que dentro das bacias que alimentam os principais reservatórios do País. É uma soma de eventos que não acontece desde que se iniciaram os registros hidrológicos há quase um século. Isto
4 refletiu tanto no setor elétrico quanto no abastecimento de água em algumas regiões densamente povoadas. O setor elétrico está sentindo os efeitos do estresse hídrico de forma mais intensa em função da maior concentração de usinas nas bacias mais afetadas. O ensinamento que podemos tirar é que o setor elétrico brasileiro é complexo, continental e tecnicamente bem estruturado. Não podemos correr o risco de simplificar e reduzir a discussão a uns poucos fatores, pois certamente o efeito seria indesejável. Seria ingênuo, também, pretender desvincular o problema que o Brasil enfrenta do desafio global colocado pelas mudanças climáticas. A opção pela hidroeletricidade se mostrou correta, o que se confirma pelo fato que todos os países desenvolvidos praticamente exauriram essa alternativa. Assim, o Brasil deve seguir investindo na construção de hidroelétricas e aproveitar os empreendimentos para difundir as melhores práticas de cuidados ambientais e desenvolvimento regional. P Neste sentido, quais serão os principais debates promovidos no seminário em convergência com os mais modernos preceitos socioambientais sobre a temática do evento? Samek O evento combina os temas mais relevantes e atuais no que se refere à infraestrutura vinculada a barragens. Será uma oportunidade de compartilhamento entre as empresas e especialistas mais importantes do setor das experiências de muitos anos na operação de grandes barragens. Esta é uma área na qual o Brasil tem know- how. A tecnologia de construção e as melhores práticas são colocadas em perspectiva e mostram claramente que é o um setor em constante evolução. A criticidade desta infraestrutura faz com que a Segurança de Barragens esteja presente em todas as fases de um empreendimento ao longo do seu ciclo de vida. Desta forma, este tema terá espaço privilegiado nos debates, sendo também oportunidade para conhecer os trabalhos desenvolvidos no CEASB - Centro de Estudos Avançados em Segurança de Barragens, projeto desenvolvido em parceria pela Itaipu e o PTI Parque Tecnológico Itaipu. Complementam os debates, as temáticas relacionadas às dimensões ambientais, econômicas, sociais e desenvolvimento regional e territorial. P Qual mensagem o senhor pode repassar aos profissionais e interessados no evento que participarem do debate em Foz do Iguaçu e na Itaipu Binacional? Samek A mensagem que eu gostaria de levar a cada um dos profissionais que dedicam a vida para dotar o país com esta incrível infraestrutura de barragens é o do meu mais profundo agradecimento e reconhecimento pela contribuição que tanto nos orgulha como brasileiros. Ficaria com o sentimento de dever cumprido se todos voltassem para seus locais de origem levando a convicção de que o setor no qual trabalham é essencial para o desenvolvimento do País. O setor hidroelétrico, que já foi
vilipendiado, hoje é respeitado e reconhecido como aliado do desenvolvimento sustentável. Espero que todos os participantes do Seminário Nacional de Grandes Barragens saiam ainda mais convencidos de que a construção de reservatórios faz parte da marcha civilizatória e que, no momento em que a humanidade enfrenta os efeitos das mudanças climáticas, uma boa gestão da água é essencial para a preservação da vida. As hidroelétricas se encaixam perfeitamente nesta estratégia, pois continuam sendo absolutamente fundamentais para a geração de energia elétrica limpa e renovável. 5