Professora Adjunta do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva - NESC/UFRJ email: malubosi@nesc.ufrj.br



Documentos relacionados
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação-Porto\Portugal. Uma perspectiva comportamental em Adolescentes Obesos: Brasil x Portugal

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DOS TRANSTORNOS ALIMENTARES: ANOREXIA NERVOSA E BULIMIA NERVOSA.

DISTÚRBIOS ALIMENTARES

INTERSETORIALIDADE E AUTISMO

É preciso mudar as formas de se referir a o corpo, nutrição e saúde?

Worldwide Charter for Action on Eating Disorders

INDICE ANTROPOMÉTRICO-NUTRICIONAL DE CRIANÇAS DE BAIXA RENDA INCLUSAS EM PROGRAMAS GOVERNAMENTAIS

SAÚDE E EDUCAÇÃO INFANTIL Uma análise sobre as práticas pedagógicas nas escolas.

Área de Intervenção IV: Qualidade de vida do idoso

ABUSO DO CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS, UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA. Senhor Presidente,

CURSO: ENFERMAGEM. Objetivos Específicos 1- Estudar a evolução histórica do cuidado e a inserção da Enfermagem quanto às

RESUMOS SIMPLES...156

Doenças do Comportamento Alimentar. Filipe Pinheiro de Campos

A Organização da Atenção Nutricional: enfrentando a obesidade

Vigilância Epidemiológica. Meio Ambiente e Saúde Pública Prof. Adriano Silva

Níveis de atenção à saúde e serviços de saúde

Suplementar após s 10 anos de regulamentação

IESG - INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DE GARÇA LTDA. Rua América, 281 Garça/SP CEP (14)

CONCEITOS E MÉTODOS PARA GESTÃO DE SAÚDE POPULACIONAL

Obesidade e Transtornos Alimentares

Escola E. B. 2º e 3º ciclos do Paul. Trabalho elaborado por: Débora Mendes nº8 Diana Vicente nº 9 Inês Delgado nº10 Viviana Gonçalves nº16

A situação do câncer no Brasil 1

Transtornos Alimentares. Dr. Eduardo Henrique Teixeira PUC-Campinas

Atenção à Saúde e Saúde Mental em Situações de Desastres

CAMPANHA DE SUSTENTABILIDADE (mudança no título antes chamada de Campanha Indústria Farmacêutica & Iniciativas de Responsabilidade Corporativa)

COMPORTAMENTO ALIMENTAR, AUTOCONCEITO E IMAGEM CORPORAL EM PRÉ-ADOLESCENTES COMO FATORES DE RISCO PARA O DESENVOLVIMENTO DE TRANSTORNOS ALIMENTARES

Fórum Crédito e Educação Financeira 25 de Janeiro de António de Sousa

AIDS E ENVELHECIMENTO: UMA REFLEXÃO ACERCA DOS CASOS DE AIDS NA TERCEIRA IDADE.

Palavras- chave: Vigilância epidemiológica, Dengue, Enfermagem

Doença de Alzheimer: uma visão epidemiológica quanto ao processo de saúde-doença.

Gustavo Noronha Silva. Projeto de Pesquisa: Impactos do Software Livre na Inclusão Digital

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

SOCIEDADE E TEORIA DA AÇÃO SOCIAL

RELATÓRIO EXECUTIVO PESQUISA DELPHI SOBRE E-CIÊNCIA NA AMÉRICA LATINA

Pedagogia Estácio FAMAP

Desafiando o preconceito: convivendo com as diferenças. Ana Flávia Crispim Lima Luan Frederico Paiva da Silva

UNIVERSIDADE DO CONTESTADO CAMPUS MAFRA/RIONEGRINHO/PAPANDUVA

Bacharelado em Serviço Social

PÚBLICO-ALVO Assistentes sociais que trabalham na área da educação e estudantes do curso de Serviço Social.

11 de maio de Análise do uso dos Resultados _ Proposta Técnica

Objetivos do Seminário:

PLANEJAMENTO E AVALIAÇAO DE SAÚDE PARA IDOSOS: O AVANÇO DAS POLITICAS PÚBLICAS

RESOLUÇÃO UnC-CONSUN 034/2013 (PARECER Nº 034/2013 CONSUN)

ENVELHECIMENTO E A PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Élsio Paiva Nº 11 Rui Gomes Nº 20 Tiago Santos Nº21. Disciplina : Área de Projecto Professora : Sandra Vitória Escola Básica e Secundária de Fajões

O Sr. CELSO RUSSOMANNO (PP-SP) pronuncia o. seguinte discurso: Senhor Presidente, Senhoras e Senhores

Publicação Científica do Curso de Bacharelado em Enfermagem do CEUT. Ano 2011(8). Edição 43

Educação para a Cidadania linhas orientadoras

PROJETO DE LEI N.º 605, DE 2015 (Do Sr. Lobbe Neto)

PROTEÇÃO DA SAÚDE MENTAL EM SITUAÇÕES DE DESASTRES E EMERGÊNCIAS (1)

Notas metodológicas. Objetivos

GRUPO HOSPITALAR CONCEIÇÃO SERVIÇO DE SAÚDE COMUNITÁRIA APOIO TÉCNICO EM MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO

Apêndice IV ao Anexo A do Edital de Credenciamento nº 05/2015, do COM8DN DEFINIÇÃO DA TERMINOLOGIA UTILIZADA NO PROJETO BÁSICO

NÚCLEO DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E ENSINO DE FÍSICA E AS NOVAS TECNOLOGIAS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

EXERCÍCIO E DIABETES

Índice. 1. Definição de Deficiência Motora...3

CASTILHO, Grazielle (Acadêmica); Curso de graduação da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás (FEF/UFG).

UMA ANÁLISE DO ESTADO DA ARTE RESULTANTE DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS: O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO MUNDIAL

MATRIZ DA PROVA DE EXAME DE EQUIVALÊNCIA À FREQUÊNCIA SOCIOLOGIA (CÓDIGO 344 ) 12ºAno de Escolaridade (Dec.-Lei nº74/2004) (Duração: 90 minutos)

ÁREAS DE CONCENTRAÇÃO/LINHAS DE PESQUISA

Conceito de pesquisa

Introdução a EaD: Um guia de estudos

ilupas da informação e comunicação na área de Saúde entrevista

COMUNICADO n o 002/2012 ÁREA DE LETRAS E LINGUÍSTICA ORIENTAÇÕES PARA NOVOS APCNS 2012 Brasília, 22 de Maio de 2012

Bacharelado em Humanidades

Art. 2º - São diretrizes da Política Municipal de Educação Alimentar e Combate à Obesidade:

Cobertura assistencial. Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde OPME

No Brasil, a Shell contratou a ONG Dialog para desenvolver e operar o Programa, que possui três objetivos principais:

XIII Encontro de Iniciação Científica IX Mostra de Pós-graduação 06 a 11 de outubro de 2008 BIODIVERSIDADE TECNOLOGIA DESENVOLVIMENTO

Ilmo Senhor. Vereador Cesar Paulo Mossini. M.D Presidente da Câmara de Vereadores

II. Atividades de Extensão

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº, DE 2010

QUALIFICAÇÃO DA ÁREA DE ENSINO E EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE: FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA PROFISSIONAIS DE SERVIÇOS DE SAÚDE

AGRUPAMENTO VERTICAL DE ESCOLAS DE FRAGOSO. Projeto do. CLUBE É-TE=igual? Equipa Dinamizadora: Elisa Neiva Cruz

PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO E APERFEIÇOAMENTO PARA TUTORES - PCAT

Você conhece a Medicina de Família e Comunidade?

PROJETO DE INCENTIVO À INICIAÇÃO CIENTÍFICA DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ODONTOLOGIA

O SISTEMA DE PARCERIAS COM O TERCEIRO SETOR NA CIDADE DE SÃO PAULO

VIGILÂNCIA SOCIAL E A GESTÃO DA INFORMAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO, MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO

CURSOS PRECISAM PREPARAR PARA A DOCÊNCIA

PROCESSO DE TRABALHO GERENCIAL: ARTICULAÇÃO DA DIMENSÃO ASSISTENCIAL E GERENCIAL, ATRAVÉS DO INSTRUMENTO PROCESSO DE ENFERMAGEM.

REDUÇÃO DE DANOS EM SERVIÇOS DE SAÚDE

REGULAMENTO NÚCLEO DE APOIO PEDAGÓGICO/PSICOPEDAGÓGICO NAP/NAPP. Do Núcleo de Apoio Pedagógico/Psicopedagógico

PERFIL DOS CELÍACOS NO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU-PR. Curso de Enfermagem 1,2

Emagrecimento SUSTENTÁVEL. Metodologia Registrada

VICE-DIREÇÃO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO REGIMENTO INTERNO DA COORDENAÇÃO DE EXTENSÃO

RESPONSABILIDADE SOCIAL: a solidariedade humana para o desenvolvimento local

ÁREAS DE ATUAÇÃO, PERFIL E COMPETÊNCIAS DOS EGRESSOS DOS NOVOS CURSOS

14 de novembro. Em 2012, o tema proposto é "Diabetes: Proteja Nosso Futuro" Ações do Ministério da Saúde

Mais informações:

EDUCAÇÃO FISCAL PARA A CIDADANIA HISTÓRICO DO GRUPO DE EDUCAÇÃO FISCAL DO MUNICÍPIO DE LAGES

PROJETO DE LEI N 012/2015

4. CONCLUSÕES Principais conclusões.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Orientações para a elaboração do projeto escolar

O PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL EM UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR Edmarcia Fidelis ROCHA 1 Simone Tavares GIMENEZ 2

Grupo de Trabalho para as Questões da Pessoa Idosa, Dependente ou Deficiente de Grândola REGULAMENTO INTERNO

CURSO DE EDUCAÇÃO FISICA ATIVIDADES EXTRA CURRICULARES

Transcrição:

O P INIÃO 1. INTRODUÇÃO Nas sociedades ocidentais contemporâneas, o culto à magreza está diretamente associado à imagem de poder, beleza e mobilidade social num contexto contraditório e paradoxal: por um lado, fomentam-se os lucros das indústrias de alimentos hipercalóricos via incentivo ao consumo e, simultaneamente, cobra-se magreza e sujeição a um ideal estético cada vez mais difícil de atingir. Nesse cenário, não surpreende o aumento expressivo da prevalência de obesidade já reconhecida como questão de saúde coletiva convivendo com o crescimento acentuado de transtornos do comportamento alimentar (TCA), bem como de seus precursores: comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas de controle de peso. Ambos os problemas podem ser entendidos como expressões no nível biológico, corpóreo, de disputas mercadológicas que se estabelecem no plano social de um lado a indústria dos fast foods e de outro a indústria da magreza (e da beleza), ambas movimentando lucros fabulosos para diversos grupos econômicos. O ideal de corpo magro (e perfeito), preconizado pela nossa sociedade e veiculado pelos meios de comunicação, impõe-se como necessidade social, atravessando, hoje, todas as classes e segmentos. No Brasil, o problema atinge, sobretudo, a população feminina adolescente e jovem adulta que, por diversos aspectos que não cabe aqui recuperar, adere às falsas crenças que acompanham a busca do corpo ideal, em especial, à idéia de que o corpo é infinitamente maleável, podendo, assim, alcançar o ideal estético. Negligencia-se, portanto, o que a literatura científica denomina setting point e que restringe as possibilidades de intervir na forma corporal segundo o desejo. 1 Professora Adjunta do Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva - NESC/UFRJ email: malubosi@nesc.ufrj.br 2 Centro de Ciências da Saúde - Universidade de Fortaleza email: angelaandrade@uol.com.br C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 12 (2): 197-202, 2004 197

MARIA LUCIA DE MAGALHÃES BOSI, ÂNGELA ANDRADE Essa busca desenfreada pelo corpo perfeito considerada uma epidemia silenciosa que se intensifica a partir da década de 70 conduz à adoção dos chamados comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas de controle de peso, sendo os mais comuns: por um lado, os vômitos auto-induzidos, o uso de laxantes, jejuns prolongados, diuréticos e anorexígenos associados, muitas vezes, à prática excessiva de exercícios físicos, dietas muito restritivas e/ou fórmulas emagrecedoras e, no outro extremo, a perda do controle sobre a ingestão, associada ou não a práticas compensatórias. Essas práticas e comportamentos, além de acarretarem um amplo espectro de complicações orgânicas e psíquicas (sobretudo em uma fase de alto metabolismo), são os principais fatores de risco para o desenvolvimento dos chamados Transtornos do Comportamento Alimentar (TCA). 2. A MAGNITUDE DO PROBLEMA Também denominados distúrbios alimentares, os TCA são definidos como desvios do comportamento alimentar que podem levar à morte, estimando-se, em certos casos, uma taxa de letalidade que pode atingir a cifra de 20% (Nunes, 1997). Corresponde basicamente aos diagnósticos de anorexia nervosa, bulimia nervosa e, dependendo da classificação utilizada, aos transtornos alimentares não específicos, incluindo-se nesta última classificação diagnóstica o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP). A literatura científica ressalta o aumento da prevalência da anorexia e da bulimia nervosa nos últimos anos. Conforme já assinalado, a literatura aponta um franco predomínio no sexo feminino, embora estudos recentes já constatem uma diminuição na distância entre os gêneros. Em comum, as pessoas acometidas apresentam preocupação excessiva com peso e dieta, insatisfação e distorção da imagem corporal e desejo de emagrecer. Os transtornos alimentares têm início, em geral, na adolescência. Uma vez instalados, esses quadros são muito resistentes à tratamento, o que reforça a necessidade de intervenções de caráter preventivo voltadas, sobretudo, para os grupos de maior risco. Também o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP) configura-se como um quadro preocupante na população, uma vez que se articula estreitamente com a obesidade, reconhecidamente um 198 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 12 (2): 197-202, 2004

T RANSTORNOS DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR: UM PROBLEMA DE SAÚDE COLETIVA problema de Saúde Pública na população adulta brasileira. Sugere-se que 30% dos pacientes obesos e, em geral, os que apresentam quadros mais graves, caracterizados como obesidade mórbida, apresentam transtorno do comer compulsivo (Appolinario et al., 1995), o que reforça a relevância do tema como questão de Saúde Coletiva. As estatísticas apontam que, nos últimos 10 anos, vem ocorrendo o crescimento vertiginoso destes problemas de saúde nos países da América Latina, observando-se coeficientes de prevalência e incidência superiores aos dos EUA. A literatura latinoamericana aponta a crescente morbi-mortalidade relacionada a este distúrbio nos centros de tratamento em seus países. No Brasil, estima-se que entre 19% a 26% das estudantes secundaristas do sexo feminino referem sintomas bulímicos e/ou comportamentos alimentares restritivos (Cordás, et al., 1998; Dunker & Philippi, 2003; Vale, 2002). O único estudo de base populacional, realizado em Pelotas (RS), em uma amostra da população feminina, aponta uma prevalência de 13,8% para a prática de comportamentos alimentares anormais, configurando o desenvolvimento de síndromes parciais, 30,2% para comportamentos de risco e 11,3% para comportamentos alimentares francamente anormais, os quais se enquadram nos critérios diagnósticos para transtornos alimentares (Nunes, 1997). No que se refere aos grandes centros e, em particular, às cidades próximas ao litoral brasileiro, pensamos que, dada as suas particularidades culturais e seu imaginário vinculado à beleza metrópoles que ditam comportamentos e modismos e onde o culto ao corpo estrutura seu cotidiano o estudo da problemática parece-nos urgente para delinear um panorama mais representativo. A permanente exposição do corpo imposta pelo modo de vida local funciona como estímulo constante à busca do corpo ideal entenda-se, aquele que atende à imagem veiculada pela mídia a serviço da chamada indústria da beleza. Contudo, são raros os estudos que dimensionam o problema na população sob risco, tanto em base populacional como estudos institucionais. As poucas evidências procedem de estudos clínicos, cujas características não permitem análises epidemiológicas que auxiliem a compreensão dos determinantes e que propiciem comparações com outros contextos sociais e orientem intervenções. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 12 (2): 197-202, 2004 199

M ARIA LUCIA DE MAGALHÃES BOSI, ÂNGELA ANDRADE 3. TCA E SEUS PRECURSORES: INTERFACES COM A SAÚDE COLETIVA No âmbito da Saúde Coletiva, cabe ressaltar, sobretudo, a existência de síndromes parciais os comportamentos precursores já descritos e que, conforme já dito, devem constituir o foco das ações, uma vez que suas prevalências são bem superiores às das patologias instaladas. A diversidade e severidade dos sintomas relacionados às diferentes modalidades de transtornos alimentares associadas à ausência de intervenções preventivas e à quase inexistência de serviços especializados no manejo interdisciplinar geram demandas importantes no cotidiano dos serviços de saúde, acarretada, sobretudo, pela duplicação de atendimentos, abandono de tratamento e cronificação dos agravos. Tais distorções acabam gerando gastos desnecessários com ações freqüentemente ineficazes, uma vez que os efeitos são tomados como causas, tratados de forma isolada pelas diferentes especialidades. Negligenciam-se, assim, os elementos simbólicos e o entorno social que respondem por sua gênese e reprodução, dimensão que exige um olhar capaz de articular o biológico com o social. Desta forma, as diversas alterações no comportamento alimentar aqui referidas e as práticas inadequadas de controle de peso constituem, hoje, não apenas um quadro relevante no plano clínico-individual, mas, conforme procuramos ressaltar, uma realidade emergente como questão de Saúde Coletiva. Casos são sub-diagnosticados e, conseqüentemente, sub-notificados, pela falta generalizada de informações e de programas de formação profissional nesta área. Sendo assim, não causa surpresa o fato de as políticas de Saúde Pública no Brasil desconhecerem a magnitude deste problema na população. Os dados que nos chegam através de fontes diversas (por exemplo: organizações autônomas de sociedade que se organizam para lidar com este agravo Comedores Compulsivos Anônimos ; Vigilantes do peso etc.), ao que parece, justificam a iniciativa da Organização Mundial da Saúde em reconhecer que a intensidade e a incidência do problema têm levado a que se o considere como epidemia do século. Entretanto, mais do que as evidências corroborando a gravidade do problema, preocupa-nos o silêncio as lacunas existentes tanto nas estatísticas disponíveis quanto nos modelos teóricos que não dão conta 200 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 12 (2): 197-202, 2004

T RANSTORNOS DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR: UM PROBLEMA DE SAÚDE COLETIVA da gravidade, tampouco da complexidade dos quadros, uma vez que suas etiologias permanecem como um enigma, embora já se saiba que múltiplas causas, genéticas, sócio-culturais e psicológicas, contribuem para sua gênese. Ambos aspectos se expressam no plano das estruturas assistenciais, dentre elas as próprias instituições formadoras, onde não se dispõe de centros especializados de atenção que sirvam de referência para a população, expressando uma lacuna no currículo dos cursos da área da saúde, nos quais se inserem conteúdos técnicos capazes de habilitar equipes para o complexo manejo do problema, sobretudo em termos preventivos e para a investigação nas diferentes áreas do conhecimento envolvidas na questão. Configura-se, portanto, um contexto que justifica a reflexão que ora apresentamos, cujas respostas visam retroalimentar os serviços, o ensino e a formação de pesquisadores voltados à apreensão deste importante problema nutricional-alimentar. Além disso, há que sensibilizar, também, as autoridades de saúde, os profissionais e a sociedade para a existência do problema em foco, cujos desdobramentos, de modo idêntico a outros agravos já reconhecidos como questão de Saúde Coletiva, comprometem a saúde e, em muitos casos, a sobrevivência dos grupos populacionais acometidos. Novos desafios se apresentam neste início de século e urge que o discurso da Saúde Coletiva se atualize em consonância com os problemas emergentes. R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APPOLINARIO, J. C.; COUTINHO, W.; PÓVOA, L. C. O transtorno do comer compulsivo: revisão de literatura. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 44, Sup., p. 38-40, 1995. CORDÁS, T. A.; Cobelo, A.; FLEITLICH, B.; Guimarães, D. S. B.; Schomer, E. Anorexia e bulimia: o que são? Como ajudar? Um guia de orientação para pais e familiares. Porto Alegre: Art. Méd, 1998. DUNKER, K. L. L.; PHILIPPI, S. T. Hábitos e comportamentos alimentares de adolescents com sintomas de anorexia nervosa. Revista de Nutrição, v. 16, n. 1, p. 51-60, 2003. C ADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 12 (2): 197-202, 2004 201

M ARIA LUCIA DE MAGALHÃES BOSI, ÂNGELA ANDRADE NUNES, M. A. A. Prevalência de comportamentos alimentares anormais e práticas inadequadas de controle de peso em mulheres de 12 a 29 anos em Porto Alegre.1997. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Pelotas, Porto Alegre. VALE, A. M. O. Comportamento alimentar anormal e prática inadequada para controle de peso entre adolescentes do sexo feminino de escolas públicas e privadas de Fortaleza. 2002. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. 202 CADERNOS SAÚDE COLETIVA, RIO DE JANEIRO, 12 (2): 197-202, 2004